Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00145/04.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS, PRESSUPOSTOS, ÓNUS DA PROVA, IRC, CONSEQUÊNCIA DA ULTRAPASSAGEM DO PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO INSPECTIVO, PERITO INDEPENDENTE, ARTIGOS 92.º, N.º 1 E 91.º, N.º 7 DA LGT
Sumário:
I - A ultrapassagem do prazo máximo de seis meses para a conclusão da inspecção, a que alude o artigo 36.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, não importa a caducidade do próprio procedimento.
II - Esta interpretação não viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares, da confiança e da segurança jurídica.
III - As observações do perito independente, a que alude o artigo 91.º, n.º 7, da Lei Geral Tributária, podem ser apresentadas por escrito no prazo de cinco dias a contar da reunião a que faltou.
IV - Tendo o perito faltado logo à primeira reunião agendada e apresentado as suas observações escritas dentro dos cinco dias subsequentes, não decorre de tal procedimento a preterição de alguma formalidade.
V - São pressupostos da avaliação indirecta da matéria colectável, nos termos dos artigos 87.º, alínea b) e 88.º, ambos da Lei Geral Tributária, a existência de anomalias e incorrecções que indiciem ou revelem a falta de colaboração do sujeito passivo e que essas anomalias e incorrecções inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
VI - Estão verificados esses pressupostos se, tendo a fiscalização tributária analisado as principais contas que relevam contabilisticamente os valores dos proveitos e elencado um conjunto de anomalias ou irregularidades adequadas a indiciar omissões na declaração de proveitos, o sujeito passivo convocado a explicar essas anomalias e incorrecções não foi capaz de o fazer ou de fornecer, para tal, dados objectivos e externamente confirmáveis. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:RG – G…, S.A
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido deste Tribunal dever declarar-se incompetente em razão de hierarquia
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
RG – G…, S.A., N.I.F. 50xxx67, com sede na Rua V…, em Vila Real, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 27/11/2007, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º 831002067, relativa ao exercício de 2000, no montante de €212.995,95.
O tribunal recorrido julgou a impugnação procedente quanto à parte da liquidação que se mostra influenciada pela tributação autónoma, no montante de €49.554,28, tendo, em consequência, anulado a liquidação nessa parte.
*
A Recorrente não se conforma com a parte do julgamento que manteve o restante da liquidação e terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A) A ultrapassagem do prazo para a conclusão do procedimento de inspecção tributária fixado no art.° 36.º, n.º 2, do RCPIT acarreta a caducidade do próprio procedimento e a consequente invalidade dos actos que se fundem nesse procedimento caducado.
B) A douta sentença, ao julgar improcedente este fundamento da impugnação, interpreta e aplica erradamente o preceituado no indicado art.° 36.°, n.º 2, do RCPIT.
C) A ser interpretada a norma do art.º 36.º, n.º 2, do RCPIT com o sentido fixado na douta sentença, então tal norma terá de ter-se por inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da protecção da confiança e do justo equilíbrio entre a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e dos interesses dos particulares.
D) A douta sentença ao não julgar procedente o alegado vício de procedimento relativo à intervenção do perito independente interpreta e aplica erradamente o disposto nos art.ºs 92.º, n.º 1, e 91[ A Recorrente escreveu nas suas conclusões das alegações de recurso “92.º” certamente por lapso (detectável da restante declaração).], n.º 7, da LGT.
E) A considerar-se que a douta sentença interpreta e aplica adequadamente as normas constantes dos indicados preceitos legais, então tais normas têm de ter-se como inconstitucionais por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade.
F) A douta sentença incorre em erro de julgamento ao não julgar procedente o alegado vício de violação da lei, por não se verificarem os pressupostos legalmente admissíveis para o recurso a métodos indirectos.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação, como é de JUSTIÇA.”
*
Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de este dever declarar-se incompetente, em razão da hierarquia.
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Por acórdão proferido em 30/04/2009, este TCA Norte julgou-se incompetente e competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso a Secção de Contencioso Tributário do STA.
O STA, por acórdão prolatado em 23/09/2009, julgou-se hierarquicamente incompetente para conhecer o presente recurso, por as alegações do recorrente referirem factos que não constam do probatório e aí se retirarem relevantes consequências jurídicas, concluindo existir matéria de facto a apreciar no recurso.
O parecer emitido pelo Ministério Público, prevenindo a hipótese de não procedência desta questão prévia, como efectivamente veio a verificar-se, tomou posição acerca das questões colocadas no recurso, referindo que a sentença recorrida não é passível de censura, porquanto se mostra exaustivamente fundamentada, de facto e de direito, à qual aderiu sem reserva.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na interpretação do artigo 36.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), quanto à questão da caducidade do procedimento de inspecção tributária e da consequente invalidade dos actos que se fundam nesse procedimento; na interpretação dos artigos 91.º, n.º 7, e 92.º, n.º 1, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), quanto à questão da preterição de formalidades legais no procedimento de revisão; e na apreciação do vício de violação da lei, quanto à questão da inexistência dos pressupostos de recurso a métodos indirectos.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
«3.1 Matéria de facto provada, não provada e respectiva motivação
Com relevância para para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
a) Em 22/1/2003 a impugnante foi notificada da Ordem de Serviço n.º 40260 emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Vila Real, com vista à realização de uma acção inspectiva incidindo sobre o IVA e o IRC do ano de 2000 - cfr.- fls. 187 dos autos.
b) O Relatório de Inspecção Tributária foi elaborado em 26/5/2005, tendo sido proferido despacho pelo Director de Finanças, nos termos do artigo 62º do RCPIT, em 24/07/2003 - cfr. fls. 33 dos autos.
c) A impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária e da fixação da matéria tributável, por ofício de 29/7/2003 - cfr. fls. 32 dos autos.
d) Na sequência da acção inspectiva realizada, foram efectuadas correcções à matéria colectável da impugnante relativamente ao ano de 2000, que através do recurso a métodos indirectos, quer através de correcções de natureza meramente aritmética - cfr.- fls. 45 dos autos.
e) A fundamentação das correcções efectuadas consta do respectivo Relatório de Inspecção Tributária, junto a fls. 33 a 78 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual consta designadamente o seguinte:
"(…)
CAPÍTULO III
Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
(…)
1.10 No dia 31/12/00, através dos números de ordem internos 130052, 130054 e 130055, efectuou diversos movimentos a débito da conta de devedores e credores diversos (Conta 26805 — JMSMA) e a crédito das contas de depósitos à ordem (Contas 1201 — BESCL, 1203 — BNU, 1205 — CGD, 1212 —BTA, 1214 — CCAM, 1216 — CPP, 1217 —BCP e 1218 — BPI), tendo como documento de suporte, notas de lançamento internas a seguir discriminadas:
(…)
Após solicitação ao contribuinte ... este justificou aqueles movimentos, por escrito (anexo IV), da seguinte forma: ...
Através da análise aos movimentos efectuados e da justificação dada pelo contribuinte, concluímos que estamos perante pagamentos através do banco sem a justificação dos movimentos reais respectivos, originando que o seu enquadramento fiscal se efectue no âmbito das despesas confidenciais ou indocumentadas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 4º do DL n.º 192/90, de 9 de Junho, conforme a seguir se determina:
Despesas confidenciais ou indocumentadas — 149.993,87 €
Valor da tributação autónoma = 149.993,87€ * 32% = 47.998,04 €
(…)
CAPÍTULO IV
Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
Com base nos registos contabilísticos e documentação de apoio do exercício de 2000, verificaram-se as seguintes irregularidades:
1- No dia 31/12/00, através dos números de ordem internos 130052, 130054 e 130055, efectuou diversos movimentos a débito das contas de depósitos à ordem (Contas 1201 — BESCL, 1203 — BNU, 1205 — CGD, 1212 — BTA, 1216 — CPP e 1217 — BCP) a crédito das contas de devedores e Credores diversos (Conta 26805 — JMSMA) tendo como documento de suporte documental, notas de lançamento internas:
(...)
Após solicitação ao contribuinte através de notificação ... este justificou aqueles movimentos, por escrito... da seguinte forma: ...
Através da análise aos movimentos efectuados e da justificação dada pelo contribuinte, concluímos que estamos perante entradas de valores nas contas bancárias da empresa sem a justificação dos movimentos reais respectivos, originando que tais operações constituam um indício de omissão de proveitos.
2- Através da análise das facturas de suporte às vendas intracomunitárias e da documentação anexa, designadamente guias de transporte, declarações de expedição (CMR), conhecimento de embarque (B/L) e guias do transportador, verificaram-se as seguintes situações:
2.1 - Divergência entre os montantes da facturas n°s 2137 e 2139 e os valores que constam da contabilidade, conforme a seguir se pode verificar:
(…)
2.2 - Divergência entre a guia de transporte emitida pela RG – G… SA e a Declaração de Expedição Internacional (CMR), ao nível do número de paletes e/ou peso bruto, referentes às facturas n°s 103, 237, 238, 239, 874, 1869 e 2844, conforme a seguir se descreve por factura.
(...)
2.3 Divergência entre a guia de transporte emitida pela RG – G… SA e a guia emitida pelo transportador, ao nível do número de paletes e/ou peso bruto, referentes às facturas n°s 396, 781, 1909, 2066, 2250 e 2251:
(...)
2.4 - Divergências entre as quantidades mencionadas nas facturas a seguir indicadas e nas guias de transporte respectivas:
(...)
2.5 - Nos CMR's anexos às facturas n°s 1947 e 2678, verifica-se que os expedidores são outras empresas:
(…)
2.6 - Relativamente às facturas n°s 26, 396, 497, 781, 841, 919, 933, 1049, 1257, 1259, 1362, 1466, 1586, 1782, 1814, 1934, 2202, 2227, 2250, 2251 e 2356, não nos foram exibidas as declarações de expedição (CMR) ou conhecimentos de embarque (B/L).
2.7 - Conforme referido no ponto 1.5 do capítulo III, o valor constante das facturas n°s 161, 1587 e 1974 e que foi registado na contabilidade, é manifestamente diminuto face às mercadorias transacionadas, resultando uma omissão de vendas no valor de 7.840,75 €.
2.8- Face ao descrito nos pontos anteriores (2.1 a 2.7), concluímos as seguintes situações:
- Deficiência no registo contabilístico de algumas facturas de venda, dado que se verificou a contabilização de facturas isentas de IVA por valores manifestamente superiores, sem que o contribuinte tenha justificações para tal facto;
- Deficiência na emissão de algumas facturas de venda, dado verificar-se que os seus valores são diminutos face à mercadoria mencionada;
- Mercadoria expedida em quantidades superiores às que constam na factura, conforme se verifica no CMR respeitante à factura n.° 103;
- Envio para os clientes de amostras sem valor comercial não discriminadas na factura nem na guia de transporte, sem que nos tenha exibido elementos susceptíveis de comprovar que efectivamente se tratam de amostras. (...)
- Envio para clientes de mercadorias destinadas a substituir mercadoria já facturada e que apresentava defeito, sem que nos tenha exibido elementos susceptíveis de comprovar que efectivamente se trata de reposição de mercadoria;
- Deficiência na emissão de algumas guias de transporte, não mencionando o número correcto de paletes;
- Erro no preenchimento nos CMR ou na guia do transportador, quando se verifica que estes documentos são assinados e carimbados pela empresa RG – G…, SA;
- Falta de CMR's ou B/L's de suporte de algumas facturas, o que nos impossibilita de confirmar se a mercadoria facturada foi a que efectivamente foi expedida;
- Mistura entre as empresas relacionadas com os administradores da RG-G…, SA, verificando-se diferentes procedimentos para o tratamento de situações análogas, nomeadamente o referido nos pontos 2.4 e 2.5;
- Utilização de procedimentos distintos para situações análogas, nomeadamente o referido nos pontos 2.2, 2.3 e 2.4.
3 - Tendo o sujeito passivo sido notificado ... para identificar as obras referentes às facturas emitidas no exercício de 2000 pelo fornecedor de serviço (subcontratos) António Augusto Femades da Costa (REFAP), relativos a serviços de colocação de granitos (fachadas, pavimentos e cozinhas) e esclarecer quais os clientes a que se destinaram bem como as facturas respectivas, verificamos através da análise da sua resposta por escrito (anexo V), as seguintes situações:
3.1 - Divergência entre as quantidades que constam das facfuras emitidas pelo fornecedor e as facturas emitidas aos clientes, conforme a seguir se descreve por factura:
(…)
3.2 - O serviço adquirido de colocação de 16 tampos de cozinha, a que se refere a factura n.° 282 da REFAP, no valor de 112.000$00, não foi facturado ao respectivo cliente, dado que, segundo esclarecimento do sujeito passivo, o material colocado foi rejeitado pelo cliente, pois apresentava diferença de tonalidade, sem que nos tenha exibido elementos susceptíveis de comprovar os factos referidos.
3.3 - Relativamente às restantes facturas emitidas pela REFAP, verificamos que os serviços adquiridos foram facturados aos respectivos clientes.
4 - Através da análise às contas de terceiros, verificamos as seguintes situações:
4.1 - Não procede a uma correcta conciliação das contas correntes de terceiros, verificando-se a existência de vários clientes com saldos credores e de vários fornecedores com saldos devedores em 31/12/00. A própria Certificação Legal de Contas (Anexo VI) indica-nos reservas na conciliação das contas correntes de terceiros, o que impede a verificação correcta dos saldos e das transacções aí registadas.
4.2 - Contabilizou o recebimento de clientes intracomunitários com base em notas de lançamento internas que têm anexo talões de depósito. através dos quais é possível verificar que as entidades sacadas dos cheques depositados são bancos de Vila Real, conforme a seguir se discrimina por documento:
(...)
4.3 - Através da análise dos movimentos entre empresas relacionadas com os administradores da RG – G…, SA, designadamente ABR, SA, MCT, SA, AT, Lda., RRO, SA, RGRH, Lda., RREI, Lda. e MA e Filhos - DO, Lda, verificamos a existência de vários movimentos financeiros, havendo a salientar os seguintes factos:
- Ao longo do exercício a empresa efectuou diversos pagamentos às empresas RGRH, Lda, RRO, SA, ABR, SA e MCT, SA, tais corno ... que foram contabilizados em contas de outros devedores e credores em nome das mesmas, tendo como suporte documental declarações - recibo, nas quais as respectivas empresas declararam que "recebemos da RG, SA por conta dos nossos empréstimos". Da análise ao extracto destas contas não constatamos a existência de empréstimos daquelas empresas à RG, SA que justifiquem os referidos pagamentos ...
- Contabilizou através da nota de lançamento interna referente ao número de ordem interno 130022, encontros de contas entre cliente, fornecedor e outros devedores e credores das empresas RGRH, Lda, RRO, SA, ABR, SA e MCT, SA„ sem que nos tenha exibido elementos que demonstrem a determinação dos valores movimentados, conforme a seguir se discrimina por documento:
- Contabilizou através de notas de lançamento internas referentes aos números de ordem internos 130040 e 130042 encontros de contas entre empresas distintas, conforme a seguir se discrimina por documento:
(…)
...Relativamente a estas operações, verifica-se que as mesmas simplesmente se encontram documentadas através de notas de lançamento internas, não tendo sido exibidos elementos que comprovem o efectivo pagamento e recebimento nomeadamente os recibos correspondentes, nem elementos que demonstrem a determinação dos valores movimentados.
5 - Em 31/12/00, através da nota de lançamento interna referente ao número de ordem interno 130048, procedeu à rectificação do saldo de contas de depósitos à ordem por contrapartida da conta de proveitos extraordinários 797. (...) Este procedimento indica-nos um deficiente controle dos movimentos bancários, que nos impossibilitou a verificação os movimentos de natureza financeira.
6 — Através da análise das aquisições intracomunitárias, verificamos haver divergências entre os valores comunicados pelos outros Estados Membros através do sistema VIES e os valores declarados pelo contribuinte:
(…)
Com base na análise dos elementos contabilísticos, verificamos que as diferenças resultam essencialmente do seguinte:
(…)
7 - Efectuamos a análise dos valores declarados pelo contribuinte nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, conforme mapa que se anexa (Anexo VIII), tendo-se concluído os seguintes factos:
- Quebra significativa das margens brutas apuradas (MBVPT, MBI e MBII) para o exercício de 2000 comparativamente com as apuradas para os anos de 1999 e 2001;
- No exercício de 2000 relativamente ao ano de 1999, verifica-se que o crescimento das vendas de produtos (13,54%) não acompanha o crescimento do custo das matérias primas consumidas (40,07%), quando no exercício de 2001 relativamente ao ano de 2000, se constata que um crescimento das vendas de produtos (5,14%) é acompanhado por decréscimo do custo das matérias primas consumidas (9,68%);
- Efectuada uma análise aos proveitos e custos directos ... verifica-se que no exercício de 2000 relativamente ao ano de 1999 o crescimento do volume de negócios (14,47%) não acompanha o crescimento dos custos directos (19,11%), quando no exercício de 2001 relativamente ao ano de 2000, se constata que o crescimento do volume de negócios (5,22%) é superior ao crescimento dos custos directos (1,25%):
(…)
- Quebra significativa na rentabilidade fiscal de 2000 face ao exercício de 1999.
8 - Com base nos rácios deste sector de actividade ... verificámos que os rácios apurados para o contribuinte são significativamente inferiores aos do sector de actividade, conforme a seguir se pode verificar:
(…)
9 - Através da análise ao livro de actas da Assembleia Geral ... foi explicado pelo administrador AA, entre outros factos, o seguinte:
- Nos útimos dias detectou facturas da firma CJ, Lda, pertencente ao administrador JMA... Desde Outubro de 1997, vêm sendo feitas mensalmente facturas à empresa RG, SA sem qualquer suporte real e efectivo;
Os funcionários do escritório da empresa em Matosinhos ... têm estado regularmente ao serviço da empresa CJ, Lda, sem autorização e conhecimento dos outros accionistas e administradores;
- As actas da Assembleia Geral e Conselho de Administração têm tido assinaturas dos próprios pelo que se terá de apurar quem falsificou estas assinaturas;
Dr. JCT parece ter praticado actos passíveis de procedimento disciplinar.
Questionado o administrador AA sobre o conteúdo da acta n.° 34 ... o mesmo afirmou em auto de declarações o seguinte: "Após a averiguação posterior efectuada às dúvidas levantadas e após inquisição das pessoas referidas na mencionada acta, chegou-se à conclusão que os factos nela apontados não tinham fundamento".
(…)
10 - Através da análise ao imobilizado, designadamente aos valores da contabilidade, mapas de amortizações e fichas de imobilizado, verificamos que considerou em terrenos e recursos naturais e edifícios e outras construções os seguintes montantes:
(…)
Face ao exposto conclui-se o seguinte:
- O sujeito passivo possui diversos prédios urbanos que não se encontram devidamente registados para efeitos de Contribuição Autárquica;
(…)
11 - As irregularidades detectadas são indícios bastantes para formular a convicção de que a contabilidade não reflecte a realidade da empresa e o resultado obtido, pelo que, não havendo possibilidade de quantificação directa e exacta desses mesmos resultados, estão assim reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos previstos nos arts. 87° e seguintes da Lei Geral Tributária e nos artigos 52.° do Código do IRC e 84° do Código do IVA, relativamente ao exercício de 2000.
A insuficiência dos elementos de contabilidade bem como as irregularidades na sua organização encontram-se explicitadas nos pontos 1 a 10 deste capítulo.
(…)"
f) A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável ao abrigo do disposto no art. 91.º da LGT em 28/8/2003 – cfr. fls. 81 a 88 dos autos.
g) No âmbito desse procedimento de revisão e não tendo sido possível o acordo entre os peritos, foi proferida decisão do órgão competente nos termos do art. 92.º, n.º 6 da LGT que consta de fls. 93/94 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
h) Como decorre dessa decisão, a pretensão da impugnante foi totalmente indeferida e, em consequência, mantidas as fixações anteriomente efectuadas pela Administração Fiscal de “IRC para o ano 2000, no montante de 475.475,59, no qual se incluem correcções por métodos directos no montante de 359.614,02 (…)”.
i) No seguimento, a Administração Tributária emitiu a liquidação n.º 8310020678, referente ao IRC de 2000, no montante de imposto a pagar de €212.995,95, cuja data limite de pagamento ocorreu em 9 de Fevereiro de 2004 – cfr. fls. 30 dos autos.
j) A presente impugnação judicial foi apresentada em 10 de Maio de 2004 – cfr. fls. 2 dos autos.
k) A impugnante, sendo uma sociedade anónima, carece de uma entidade externa que certifique a veracidade das suas contas, sendo esta a “MV & Associados — Sociedade de Revisores Oficiais de Contas", a qual acompanhou as suas contas e os movimentos contabilisticos e financeiros durante o ano de 2000 - cfr fls. 115 a 122 dos autos.
l) A “MV & Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas" elaborou a Certificação Legal das Contas da impugnante relativamente ao ano de 2000, bem como o Relatório e Parecer do Conselho Fiscal - cfr. fls. 120 a 123 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
m) Por oficio de 9/5/2003 a AT notificou a impugnante para remeter cópia dos seguintes documentos:
“(…)
Relativamente aos movimentos bancários resultantes da emissão de cheques e de depósitos efectuados no ano de 2000, considerados por V. Excelências no ponto 1.2 do direito de audição, como valores abusivamente movimentados pelo administrador JMSMA, remeter comprovativos de que efectivamente os mesmos apenas estão relacionados com o referido administrador e não. com a actividade da empresa. (…)" – cfr. fls. 162 dos autos.
n) A impugnante respondeu à notificação da AT referida em m) supra através do ofício de 19/05/2003 - cfr. fls. 166 a 169 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduçido.
o) Em 14/08/2000, JMSMA renunciou ao cargo de Administrador da impugnante - cfr. fls. 187 dos autos.
p) Dá-se aqui por integralmente reproduzida o teor dos docs. de fls. 125 a 160, 170 a 173, 175 a 186, 189 a 194 dos autos.
q) Dá-se por reproduzido o teor das respostas da impugnante à notificação da AT para prestação de esclarecimentos, constantes de fls. 154, 189 a 194.
r) É prática corrente entre empresas que são ao mesmo tempo clientes e fornecedores, o recurso ao encontro de contas.
Não se provaram outros factos além dos supra-mencionados.
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e ainda no depoimento das testemunhas inquiridas, em especial Carlos Pinto Carvalho, Maria Alzira e António Carvalho, os quais demonstraram possuir conhecimento directo e pessoal dos factos, em virtude das relações profissionais que têm com a impugnante.»
Por se encontrar documentalmente provado e ao abrigo do disposto no artigo 712.° do Código de Processo Civil, aditam-se aos factos provados os seguintes:
s) A reunião da comissão de revisão foi inicialmente marcada para 29 de Setembro de 2003 – cfr. fls. 63 do processo administrativo apenso aos autos.
t) Na convocatória enviada ao perito representante do sujeito passivo foi ainda indicado que, na falta da sua comparência à reunião fixada para 29/09/2003, estava convocado para nova reunião a realizar em 06/10/2003, às 14.30h, e que a falta de comparência à primeira reunião deve ser justificada até à data de 06/10/2003, antes de ser iniciada a segunda reunião – cfr. fls. 65 do processo administrativo apenso aos autos.
u) Na convocatória enviada ao perito independente sorteado apenas foi indicado que ficava notificado para comparecer na Direcção de Finanças de Vila Real no dia 29/09/2003, a fim de participar na reunião na qualidade de perito independente e que a sua falta de comparência não obsta à realização da referida reunião, independentemente de poder apresentar, por escrito, as suas observações nos cinco dias seguintes, juntado-se, para o efeito, fotocópia do pedido de revisão, bem como do relatório da inspecção tributária – cfr. fls. 67 do processo admnistrativo apenso aos autos.
v) A comissão de revisão reuniu no dia 06/10/2003, estando presentes o perito da Administração Tributária e o perito do sujeito passivo, com indicação que foi justificada a falta deste no dia 29/09/2003 e que a reunião foi concluída no dia 13/10/2003, nunca tendo estado presente o perito independente – cfr. fls. 66, 69, 70, 87 do processo administrativo apenso aos autos.
x) Os peritos da Administação Tributária e do sujeito passivo não acordaram na quantificação do lucro tributável para efeitos de IRC, tendo cada um lavrado um laudo sucintamente fundamentado contendo as suas posições – cfr. fls. 87, 88, 70 e 71 do processo administrativo apenso.
z) O parecer do perito independente deu entrada na Direção de Finanças de Vila Real em 01/10/2003 – cfr. carimbo aposto nesse parecer, visível na cópia inserta no processo administrativo em apenso.
*
2. O Direito
Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou parcialmente improcedente a impugnação das liquidações de IRC e respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2000 e, em consequência, manteve, nessa parte, essas liquidações, somente tendo anulado a parte influenciada pelas tributações autónomas.
Com o assim decidido não se conforma a Recorrente por entender que foram preteridas formalidades legais no procedimento de inspecção e no procedimento de revisão que afetam a legalidade das liquidações impugnadas e que houve erro sobre a existência de pressupostos de facto que suportem o recurso a métodos indirectos.
Começando, então, pelo primeiro dos vícios alegados, a questão que aqui se coloca é a de saber se o artigo 36.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) deve ser interpretado no sentido de que a ultrapassagem do prazo máximo de seis meses para a conclusão da inspecção importa a caducidade do próprio procedimento e a consequente ilegalidade de todos os actos que nele forem posteriormente praticados, incluindo as liquidações dele decorrentes.
Entendeu que não o tribunal recorrido, acolhendo integralmente a jurisprudência firmada no Acórdão do STA, de 29/11/2006, proferido no âmbito do processo n.º 0695/06, segundo o qual a consequência da violação do tal prazo é apenas a que consta do artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, tudo se passando como “se não tivesse sido feita a inspecção e correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão”.
Entende que sim a Recorrente, apelando a uma interpretação teleológica da norma que leve em conta tratar-se de uma garantia das entidades inspeccionadas que não pode considerar-se assegurada com uma «marginal cessação da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação».
Deve começar por anotar-se que a jurisprudência citada na sentença recorrida foi entretanto reforçada com sucessivos acórdãos dos tribunais superiores, todos no mesmo sentido, de que são exemplo os Acórdãos do STA, de 27/02/2008 (P.º 0955/07), de 07/05/2008 (P.º 0102/08), de 04/06/2008 (P.° 0103/08), de 10/12/2008 (P.° 080/08) e de 25/02/2015 (P.º 709/14).
Entendimento que subscrevemos inteiramente.
Em primeiro lugar, porque, face ao disposto no artigo 46.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, não há a pretendida indefinição legal sobre as consequências do incumprimento do artigo 36.º, n.º 2, do RCPIT.
Em segundo lugar, porque a interpretação da Recorrente - segundo a qual a ultrapassagem do prazo dos seis meses importaria a caducidade do direito à inspecção - poderia implicar efeitos equivalentes aos da caducidade do direito à liquidação com base nos factos apurados na inspecção caducada, face à impossibilidade de inspecções sucessivas fora dos casos mencionados no actual n.º 4 do artigo 63.º da Lei Geral Tributária. Solução que não poderia ser introduzida por integração analógica - n.º 4 do artigo 8.º da Lei Geral Tributária - e que, de qualquer modo, nos pareceria particularmente gravosa para o interesse público, porque poderia redundar num encurtamento significativo desses prazos de caducidade, justamente em situações que reclamaram a intervenção fiscalizadora.
Em terceiro lugar, porque a consequência fixada pelo legislador para a ultrapassagem do prazo da inspecção, promove a continuidade e a concentração dos actos de inspecção externa e salvaguarda, por isso, a finalidade legislativa subjacente à introdução deste limite – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 13/12/2013, proferido no âmbito do processo n.º 167/04.9BEMDL.
Quanto à inconstitucionalidade material daquele artigo 36.º, n.º 2, no sentido interpretado, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da proteção da confiança e do justo equilíbrio entre a prossecução do interesse público e a proteção dos direitos e interesses dos particulares, já foi apreciada no Acórdão do Tribunal Constitucional de 22/10/2008 (Acórdão n.° 514/2008), tendo-se ali decidido que não viola nenhum desses princípios.
Não viola o princípio da proporcionalidade, porque a solução encontrada é a necessária à salvaguarda do interesse público da obtenção das receitas destinadas à cobertura dos custos com as prestações sociais e a assegurar a repartição justa dos rendimentos e da riqueza. É a adequada a salvaguardar as finalidades prosseguidas nos procedimentos de inspecção mais complexos e demorados. E pondera de forma proporcionada os direitos da recorrente, na medida que distribui equitativamente os encargos da ultrapassagem do prazo entre a administração tributária e o contribuinte.
Não viola os princípios da igualdade (artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa) e da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares (seu artigo 266.º, n.º 1), porque é este regime de prazos que salvaguarda a igualdade horizontal entre os vários contribuintes e porque o interesse público da obtenção de receitas destinadas a suportar as prestações sociais do Estado deve, em tais casos, prevalecer sobre o interesse individual dos contribuintes a uma célere definição da sua situação jurídico-tributária.
Não viola o princípio da confiança e da segurança jurídica, decorrente da noção de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), porque o sujeito passivo mantém o direito a uma definição em prazo razoável da sua situação jurídico-tributária, que é garantida, designadamente, pelo regime de caducidade do direito à liquidação do imposto.
Considerando-se tal jurisprudência transponível para os presentes autos e não havendo razões para modificar este entendimento, remete-se para a fundamentação do Acórdão n.° 514/2008, onde se concluiu pela não inconstitucionalidade da dimensão normativa do artigo 36.°, n.° 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, com o sentido de que a única consequência que resulta do incumprimento do prazo aí previsto é a cessação da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, sem efeitos invalidantes dos actos que se fundem no procedimento inspectivo cujo prazo de conclusão foi ultrapassado. Esta jurisprudência foi depois reiterada, designadamente, pela decisão sumária n.º 557/16 do Tribunal Constitucional, proferida em 10/08/2016, no âmbito do processo n.º 329/15 – 3.ª Secção.
Pelo que o recurso não pode merecer provimento nesta parte.
Passemos, então, ao segundo vício alegado: o erro de julgamento na apreciação da preterição de formalidades legais no procedimento de revisão.
Se bem interpretamos a posição da Recorrente, o facto de o Perito Independente ter apresentado as suas observações escritas antes da reunião dos peritos viola o artigo 91.°, n.º 7 da Lei Geral Tributária e o facto de ele não ter participado nessa reunião viola o disposto no artigo 92.º, n.º 1, da mesma Lei. E estas duas irregularidades, separadamente ou no seu conjunto, geram a invalidade do procedimento de revisão e de todos os actos posteriores, incluindo as liquidações que se suportaram na respetiva decisão.
A este respeito, já se pronunciou este TCA Norte em processo idêntico, em 13/12/2013, em Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 167/04.9BEMDL, aderindo-se ao seu discurso fundamentador:
“(…) Importa começar por salientar que a lei não prescreve que as observações do Sr. Perito Independente sejam apresentadas depois da reunião de peritos. Prescreve, tão só, que ele pode apresentar por escrito as suas observações no prazo de cinco dias a seguir à reunião «em que devia ter comparecido». Não esclarece cabalmente o legislador a que reunião ali se refere (se a 1.ª ou a 2.ª), mas o único sentido possível da expressão «em que devia ter comparecido» é o de que é a reunião em que faltou (não compareceu), seja ela a 1.ª ou a 2.ª.
O que significa que, faltando ele logo à primeira reunião, deve enviar as suas observações logo nos cinco dias subsequentes à data agendada para essa reunião.
Foi o que no caso sucedeu. O Sr. Perito Independente faltou à 1.ª reunião (agendada para 2003/09/29) e enviou as suas observações nos dois dias subsequentes.
Aliás, o Sr. Perito Independente não tinha, no caso, condições de saber se a 2.ª reunião iria ter lugar. Em primeiro lugar, porque as duas datas foram agendadas na mesma convocatória (o que significa que não iria ser subsequentemente convocado para a segunda). Em segundo lugar, porque a sua falta não obsta à realização da reunião (ao contrário do que sucede com a falta do Sr. Perito do Contribuinte que, faltando, fica já a contar com o agendamento da segunda). E em terceiro lugar, porque a 2.ª reunião só tem lugar se o Sr. Perito do Contribuinte justificar a falta à primeira (sendo que o prazo de justificação da falta é precisamente o prazo que o Sr. Perito independente tem para enviar as suas observações).
De todo o exposto decorre que o Sr. Perito Independente procedeu, no caso, de acordo com o que dispõe o n.° 7 do artigo 91.° da Lei Geral Tributária e que, por isso, não foi preterida nenhuma formalidade neste particular.
E também não foi preterida nenhuma formalidade pelo facto de o debate contraditório ter decorrido, na segunda reunião (que se iniciou no dia 6 e concluiu no dia 13 de outubro), sem a participação do Sr. Perito Independente. Pela simples razão de que é a própria lei a determinar que a sua falta não obsta à realização das reuniões. A finalidade do n.° 1 do artigo 92.° não é, por isso, a de assegurar a participação do perito independente, mas a de assegurar que o perito independente participa na reunião, se comparecer.
Contrapõe então a Recorrente que tal interpretação viola os princípios constitucionais da proporcionalidade, da justica e da igualdade. Mas não explica porquê, sendo que não conseguimos entrever como possa tal interpretação contender com este último princípio. Sendo que, a nosso ver, o que seria desproporcionado era que o debate contraditório não pudesse ter lugar porque faltou algum interveniente que o contribuinte não nomeou, ou que não pudesse valer-se das suas observações escritas por ter ficado impossibilitado de comparecer. E injusto seria que o contribuinte arcasse com a remuneração do perito independente requerido pela administração tributária ou que não tivesse intervenção alguma no procedimento. (…)”
Razão porque o recurso também não merece provimento por aqui.
A última questão que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que se encontram reunidos os pressupostos necessários de fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
Defende a Recorrente, a este respeito, que os factos que a sentença considera apurados no decurso da acção de inspecção não legitimam o recurso a métodos indirectos, seja porque não constituem em si mesmo anomalias do ponto de vista contabilistico-fiscal, seja porque não influenciam a matéria tributável, seja porque estão concreta e rigorosamente quantificadas.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, uma vez que está em causa o mesmo relatório inspectivo e a mesma decisão proferida no procedimento de revisão, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no referido Acórdão desta Secção, de 13/12/2013, proferido no âmbito do processo n.º 167/04.9BEMDL:
“(…) Dispõe, com interesse para o caso, a alínea b) do n.° 1 do artigo 87.°, da Lei Geral Tributária, que a avaliação indireta só pode, efetuar-se em caso impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável. Sendo que, como decorre do artigo 88.º do mesmo Código, essa impossibilidade terá que resultar de alguma das anomalias e incorreções mencionadas nas suas alíneas.
São, assim, pressupostos da avaliação indireta da matéria coletável nos termos destes normativos legais a existência de anomalias e incorreções que indiciem ou revelem a falta de colaboração do sujeito passivo e que essas anomalias e incorreções inviabilizem o apuramento da matéria tributável. Ou seja: para que esteja legitimado o recurso à avaliação indireta, não basta que a administração tributária se depare com o incumprimento culposo, pelo sujeito passivo, dos seus deveres de colaboração (desvalor de ação), importando também que, por causa desse comportamento, a administração tributária não consiga aceder à sua verdadeira situação tributária (desvalor de resultado).
Ora, é para a falta deste último requisito que a Recorrente aponta quando alega que nenhuma das anomalias e incorreções apontadas na sentença (dando de barato que, em maior ou menor medida, devam como tal ser, consideradas) tem influência direta no apuramento dos resultados e que não seja suscetível de quantificação direta e exata.
Deve, porém, observar-se desde já que a Recorrente não explica porque é que entende que estas anomalias e incorreções não inviabilizam o apuramento direto exato na matéria tributável, nem alega nem demonstra como é que a administração tributária poderia contornar os obstáculos criados por essas anomalias e irregularidades na aferição da sua verdadeira situação tributária. Parece, assim, que o que pretende alegar é que a administração tributária não demonstrou, como lhe competia, que tal impossibilidade existisse.
Com o que não se pode concordar, porque a qualidade, a extensão e a profundidade das anomalias e incorreções detetadas e descritas no relatório de inspeção tributária suportam inteiramente a conclusão a que a administração tributária ali chegou.
Começando pela análise da conta "depósitos à ordem", a fiscalização tributária deparou-se com um conjunto de 19 movimentos a débito por contrapartida da conta "devedores e credores diversos", todos efetuados no último dia do ano e sem justificação aparente (porque não existia o respetivo suporte documental). Convocada a Recorrente a prestar a colaboração devida no sentido de revelar a origem desses movimentos, revelou que os lançamentos foram ali efetuados até que fossem «esclarecidas tais situações». Ou seja, a Recorrente também não era capaz de esclarecer coisa nenhuma. E se a Recorrente não era capaz de reconstituir a origem desses movimentos, por maioria de razão não o poderia ter feito a fiscalização. Sendo que, como foi logo ali adiantando, tal constituía um primeiro indício de «omissão de proveitos» de origem desconhecida.
Adiante, nas "vendas intracomunitárias", a fiscalização deparou-se com a contabilização de faturas por valor três vezes superior ao indicado, guias de transporte que referem mercadorias em quantidades inferiores aos "CMR's” ou às guias do transportador, guias de transporte que referem mercadorias que não estão descritas nas faturas, "CMR’s" que mencionam outros expedidores, faturas sem ``CMR’s” (e que, de acordo com o relatório, impossibilitam a confirmação de que «a mercadoria facturada foi a que efectivamente foi expedida») e faturas que mencionam em escudos o valor nominal em marcos ou um valor manifestamente inferior ao do produto. De acordo com o relatório - que nunca foi infirmado - a Recorrente também foi aqui chamada a esclarecer as divergências e umas vezes confessava-se impotente para esclarecer e outras vezes fornecia explicações que não podiam ser confirmadas, porque não eram exibidos elementos que as pudessem comprovar. E se a Recorrente se mostra incapaz de esclarecer ou justificar a esmagadora maioria dessas divergências, por maioria de razão não o poderia ter feito a fiscalização.
Na análise da conta "Subcontratos", a fiscalização deparou-se com valores faturados aos clientes, em metros quadrados, inferiores aos que lhe eram faturados pelo respetivo prestador de serviços bem assim serviços contratados que não são depois faturadas aos clientes. O que constituiria um «indício da omissão de proveitos». Mais uma vez foi chamada a Recorrente a esclarecer e mais uma vez apresentou esclarecimentos sem elementos que fossem suscetíveis de os comprovar.
Na análise à conta "Terceiros", a fiscalização deparou-se com contas de clientes com saldos credores e contas de fornecedores com saldos devedores, o que na sua ótica «impede a conciliação das contas correntes de terceiros» e a «verificação correcta dos saldos e das transações aí registadas». Facto que, para além de já vir reconhecido na própria certificação legal de contas, nunca foi infirmado pela Recorrente. Mas a fiscalização deparou-se ainda com outros factos anómalos ainda mais significativos, como o recebimento de clientes intercomunitários por meio de cheques sacados sobre bancos de Vila Real, movimentos com outras empresas relacionadas com os seus administradores e encontros de contas sem justificação aparente, contabilização de encontros de contas suportadas em documento interno onde nenhuma das empresas mencionadas é a Recorrente, entre outras. Mais uma vez foi a Recorrente convocada a explicar as anomalias e/ou irregularidades e mais uma vez o fez com informações que a fiscalização não pôde confirmar.
De todo o exposto decorre que a fiscalização elencou um impressivo conjunto de irregularidades adequadas a indiciar a omissão na declaração das vendas, sobretudo se conjugadas com o facto de as margens brutas obtidas serem «significativamente inferiores» aos racios obtidos para o setor de atividade. Mas também que nem a contabilidade fornece dados que permitam aceder ao valor verdadeiro das vendas nem o Recorrente foi capaz de o demonstrar com dados objetivos e suscetíveis de verificação externa, pelo que também está devidamente suportada a conclusão de que não havia possibilidade de quantificação direta e exata desses valores. (…)”
Nesta conformidade, na improcedência de todas as suas conclusões, forçoso é negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Conclusões/Sumário
I - A ultrapassagem do prazo máximo de seis meses para a conclusão da inspecção, a que alude o artigo 36.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, não importa a caducidade do próprio procedimento.
II - Esta interpretação não viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares, da confiança e da segurança jurídica.
III - As observações do perito independente, a que alude o artigo 91.º, n.º 7, da Lei Geral Tributária, podem ser apresentadas por escrito no prazo de cinco dias a contar da reunião a que faltou.
IV - Tendo o perito faltado logo à primeira reunião agendada e apresentado as suas observações escritas dentro dos cinco dias subsequentes, não decorre de tal procedimento a preterição de alguma formalidade.
V - São pressupostos da avaliação indirecta da matéria colectável, nos termos dos artigos 87.º, alínea b) e 88.º, ambos da Lei Geral Tributária, a existência de anomalias e incorrecções que indiciem ou revelem a falta de colaboração do sujeito passivo e que essas anomalias e incorrecções inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
VI - Estão verificados esses pressupostos se, tendo a fiscalização tributária analisado as principais contas que relevam contabilisticamente os valores dos proveitos e elencado um conjunto de anomalias ou irregularidades adequadas a indiciar omissões na declaração de proveitos, o sujeito passivo convocado a explicar essas anomalias e incorrecções não foi capaz de o fazer ou de fornecer, para tal, dados objectivos e externamente confirmáveis.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 04 de Julho de 2019
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paulo Ferreira de Magalhães