Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01239/22.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLECTIVOS;
DEFESA COLECTIVA DE DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS;
N.ºS 2 E 3 DO ARTIGO 310º DA LEI 59/2008, DE 11.09;
Sumário:
1. Não é por um dito ou interesse legítimo se enquadrar na esfera jurídica de apenas uma parte do universo de representados pelo sindicato que o interesse deixa, só por isso, de ser um interesse colectivo.

2. O traço distintivo entre interesse colectivo e interesse individual está na própria natureza do interesse e não no maior ou menor número ou sequer no facto de abranger a totalidade ou uma parte dos elementos de um colectivo.

3. Se o interesse está associado a determinadas qualidades ou circunstâncias individuais, irrepetíveis a não ser por mero acaso ou coincidência, estamos perante um interesse individual.

4. Se o interesse é definido de maneira geral e abstracta tendo em conta uma determinada categoria ou conceito abstracto, é um interesse colectivo, ainda que só abranja uma parte de um colectivo mais vasto.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores, veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.11.20022, pelo qual foi ordenada a notificação dos “associados do A. cujo rendimento ultrapasse o montante supra indicado, proceder ao pagamento da correspondente taxa de justiça, nos termos
do artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do RCP, sob pena de, não o fazendo, de desentranhamento da petição inicial”, na acção administrativa para reconhecimento de direito que moveu contra o Ministério da Educação e a Caixa Geral de Aposentações e em que foi indicado como Contra-Interessado o Instituto da Segurança Social, I.P., para “ser reconhecido o direito dos Docentes que a 1 de janeiro de 2006 exerciam funções públicas à manutenção da qualidade de beneficiários da Caixa Geral de Aposentações e a serem reintegrados na Caixa Geral de Aposentações”.
Invocou para tanto, em síntese, que face ao disposto no artigo 56.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho do Trabalho e no artigo 443.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho, é parte legítima como Autor na defesa dos interesses dos seus associados e no caso o interesse individual de cada um dos seus associados é também um interesse colectivo pelo que não é devido o pagamento de taxa de justiça.

A Caixa Geral de Aposentações veio apresentar contra-alegações defendendo a manutenção do despacho recorrido.

O Ministério Público neste Tribunal de recurso não emitiu parecer.



*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Compete às associações sindicais, como o Autor, defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem (conforme preconiza o art. 56.º, n.º 1 da CRP).

2. Conforme decorre do artigo 5.º, n.º 1 do CPT as associações sindicais e de empregadores são parte legítima como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam.

3. E é, nesta senda, que o Autor tem legitimidade para intervir em processos judiciais quanto a interesses dos seus associados (art. 443.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho).

4. É nestes moldes que o Autor intervém.

5. Como destaca e, bem, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 729/13.3TTVNG.P1.S1, datado de 23/04/2015, “O conceito de interesse coletivo assenta numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido”.

6. É o caso dos presentes autos.

7. O tribunal a quo não devia ter ignorado ou relevado levianamente o conceito de interesses da situação em litígio.

8. Embora seja certo que cada um dos docentes filiados no sindicato autor tenha um interesse individual em ver reconhecido o seu direito de inscrição e manutenção do vínculo de subscritor do regime da CGA, a verdade é que estamos também perante um interesse coletivo, dado que esta pluralidade de trabalhadores partilha o mesmo interesse.

9. O interesse coletivo sindical é o interesse unitário do grupo.

10. É, então, aquele diretamente interligado com a transindividualidade e indisponibilidade do bem jurídico tutelado e que se contrapõe aos direitos individuais homogéneos.

11. Pode então inferir-se, pelo até aqui aduzido, que o Autor atua em respeito aos interesses coletivos dos docentes.

12. Estando subjacente uma decisão interlocutória emitida pela Mma., Juiz a quo que não põe termo ao processo ou que, melhor, não extingue a presente instância, somos do entendimento de que a não admissão do recurso o tornaria completamente inútil.

Nestes termos e nos demais de Direito que, certamente serão doutamente supridos, se requer a V. Exa., se digne a julgar procedente o presente Recurso, revogando-se o despacho pré-saneador recorrido e prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até ao final.

*
II –A decisão recorrida.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)
O Autor (SINDICATO INDEPENDENTE DE PROFESSORES E EDUCADORES) invocou: “O Autor está isento de custas judiciais, nos termos da al. f) do n.° 1 do art.° 4.° do RCP.”
Ora, in casu a questão do pagamento da taxa de justiça nos presentes autos passa pela tarefa de distinguir “interesses coletivos” e “defesa colectiva dos interesses individuais”, em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia.

Seguindo o entendimento vertido no Acórdão do STA de 16/12/2010, proferido no proc. n.° 0788/10, disponível in www.dgsi.pt: «Quando a expressão “coletivo” se reporta ao interesse, - como é o caso – tem em vista um bem jurídico protegido que é comum, que tem como cotitulares todo o universo de representados no sindicato. Há, nestas situações, uma “solidariedade de interesses’: que se traduz “em a necessidade de uma pessoa não poder ser satisfeita sem que o seja também a necessidade de outrem” - CARNELUTTI, Teoria Geral do Direito, pág. 83184.».

Revertendo ao caso dos autos, verificamos que apesar de o Autor expressamente referir no intróito da sua petição inicial que age: “no quadro da sua legitimidade e em representação dos interesses colectivos dos seus associados”, porém, e em evidente contradição com o alegado formula pedido no qual se restringe apenas e só “a reconhecer o direito dos Docentes que a 1 de janeiro de 2006 detinham um contrato em funções públicas à reinscrição e reintegração no sistema de proteção social convergente, efetuando os respetivos descontos legais para a Caixa Geral de Aposentações.” Pelo que, o Autor não identifica quem são os docentes, seus associados, que estejam na referida situação.

Desta feita, somos de concluir que o A. deduz a presente acção com vista à defesa colectiva de interesses individuais dos seus associados (que a 1 de janeiro de 2006 detinham um contrato em funções públicas), pelo que, deve identificar cada um dos seus associados, juntar aos presentes autos declaração em que assuma a gratuitidade dos serviços jurídicos prestados aos seus associados, e tendo presente o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do RCP, deve o mesmo, ainda, juntar relativamente a cada um dos associados que pretende representar nesta demanda cópia da declaração anual do IRS e da correspectiva nota de liquidação, referentes ao ano de 2021, de molde a comprovar que, individualmente, auferiram um rendimento anual ilíquido inferior a 200UC.

Devendo, concomitantemente os associados do A. cujo rendimento ultrapasse o montante supra indicado, proceder ao pagamento da correspondente taxa de justiça, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do RCP, sob pena de, não o fazendo, de desentranhamento da petição inicial.
(…)”.

*

III - Enquadramento jurídico em análise do recurso:

A questão que aqui se coloca é a da distinção entre defesa dos “direitos e interesses colectivos” e a “defesa colectiva dos direitos e interesses individuais”, para efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 310º da Lei 59/2008, de 11.09, ou seja, para determinar se a associação sindical beneficia de isenção do pagamento de custas:
“(…)

2 - É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem.
3 - As associações sindicais beneficiam da isenção do pagamento das custas para defesa dos direitos e interesses colectivos, aplicando-se no demais o regime previsto no Regulamento das Custas Processuais.
(…)”

Desde já se adianta que, com todo o respeito, nos afastamos da interpretação feita no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado na decisão recorrida, no sentido de que “a expressão “coletivo” se reporta ao interesse, - como é o caso – tem em vista um bem jurídico protegido que é comum, que tem como cotitulares todo o universo de representados no sindicato” (sublinhado nosso).

Não é por se enquadrar na esfera jurídica de apenas uma parte do universo de representados pelo sindicato que o interesse deixa, só por isso, de ser um interesse colectivo.

Se a Caixa Geral de Aposentações faz uma determinada interpretação da lei que afasta uma parte dos associados dos benefícios aí previstos mantendo outra parte no leque de beneficiados, não deixamos nessa hipótese de estar perante a afectação de um interesse colectivo.

Se a simples possibilidade de restringir o leque de interessados e identifica-los fosse suficiente para classificar os interesses como individuais então os sindicatos sempre estariam a defender interesses individuais dos seus associados dado que o leque de associados é sempre um número determinado.

O traço distintivo entre interesse colectivo e interesse individual está na própria natureza do interesse e não no maior ou menor número ou sequer no facto de abranger a totalidade ou uma parte dos elementos de um colectivo.

Se o interesse está associado a determinadas qualidades ou circunstâncias individuais, irrepetíveis a não ser por mero acaso ou coincidência, estamos perante um interesse individual.

Se o interesse é definido de maneira geral e abstracta tendo em conta uma determinada categoria ou conceito abstracto, é um interesse colectivo, ainda que só abranja uma parte de um colectivo mais vasto.

No caso não há uma definição de interesse em causa que se prenda com determinadas qualidades ou características individuais, irrepetíveis.

Como seria, por exemplo, a definição da incapacidade resultante para cada um dos trabalhadores de um acidente que tivesse, por mera hipótese de raciocínio, levado ao extremo para se perceber a ideia, atingido todos os associados de um sindicato, decorrente da explosão numa fábrica.

Aqui está em causa a definição de um direito que se dirige, como não podia deixar de ser, a um número limitado e identificável de trabalhadores, mas que é feita de forma geral e abstracta, por natureza repetível em todos os trabalhadores que preencham essa previsão.

No caso o sindicato Autor pretende o reconhecimento de um direito, a manutenção da qualidade de beneficiário da Caixa Geral de aposentações não a determinados associados, por pressupostos individuais, irrepetíveis, mas por um pressuposto geral e abstracto, repetível em todos os trabalhadores que integrem essa previsão, a de serem “docentes que a 1 de janeiro de 2006 exerciam funções públicas”.

Ou seja, ao contrário do decidido, estamos perante a defesa de interesses colectivos e, portanto, não é exigível lo pagamento de taxa de justiça nos termos exigidos no despacho recorrido.

Termos em que se impõe a sua revogação.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogando o despacho recorrido para que os autos prossigam a sua normal tramitação sem a exigência nele contida.

Custas pela Recorrida.

*

Porto, 02.02.2024


Rogério Martins
Fernanda Brandão
Isabel Costa