Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00058/20.6BEMDL-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/19/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROPOSITURA DA ACÇÃO;
ACTO IMPEDITIVO DA CADUCIDADE;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora «AA», enfermeira, residente na Rua ..., ..., ... e Rés Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE (ULSNE,EPE), pessoa colectiva n.º ...84, com sede na Av. ..., ..., [SCom01...], SA, pessoa colectiva n.º ...31, com sede na Av. ..., [SCom02...] e Caixa Geral de Aposentações, pessoa colectiva n.º ...98, com sede na Av. ... [SCom02...], foi proferido, pelo TAF de Mirandela, na parte que ora releva, o seguinte Despacho:
(…)
Na sua contestação, a 3ª Demandada invocou a caducidade do direito da Autora, alegando, em suma, que a mesma manteve sempre o vínculo de trabalho em funções públicas, apesar de ter transitado para uma entidade pública empresarial, sendo também subscritora da Caixa Geral de Aposentações, pelo que está abrangida pelo Regime de Proteção Social Convergente, aprovado pela Lei nº 4/2009, de 29 de janeiro, estando, por isso, sujeita à disciplina do artigo 48º, n.os 1 e 3 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, podendo instaurar a presente ação a partir do dia 21/12/2017, mas tendo-a proposto somente em 07/02/2020, sendo irrelevante a participação feita aos Serviços do Ministério Público do Juízo do Trabalho de Bragança, que deu origem ao Proc. nº 235/18.0T8BGC, tanto mais que naquele processo não interveio, sequer, a entidade patronal da Autora nem a Caixa Geral de Aposentações.
A Autora replicou, pugnando pela improcedência da ação e sustentando, por um lado, que o exercício do direito à reparação da Autora não está sujeito ao prazo de caducidade de um ano, previsto no citado artigo 48º, mas sim ao prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498º, n.os 1 e 2 do Código Civil e, subsidiariamente, que a caducidade foi interrompida com a participação da Autora ao Juízo do Trabalho de Bragança, sendo certo que a presente ação foi intentada dentro dos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância proferida por aquele Tribunal, aproveitando-se os efeitos civis da mesma.
Apreciando e decidindo:
Com interesse para a decisão da presente exceção, considero provados os seguintes factos:
1. A Autora exerce as funções próprias da categoria de enfermeira ao serviço e por conta da 2ª Demandada, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas (cfr. acordo das partes).
2. A Autora é subscritora da Caixa Geral de Aposentações com o nº ...0 (cfr. fls. 10 do suporte físico do processo).
3. Em 16 de novembro de 2017, em horário indeterminado, a Autora sofreu um descolamento de retina no olho esquerdo, quando se encontrava a trabalhar no exercício das suas funções (cfr. fls. 63, 76 e verso e 79 do suporte físico do processo).
4. A 2ª Demandada participou o sinistro à 3ª Demandada em 21 de novembro de 2017 (cfr. fls. 63 do suporte físico do processo).
5. A 3ª Demandada comunicou à Autora a sua recusa de assunção de responsabilidade pelas consequências do sinistro, por meio de ofício de 24 de novembro de 2017 (cfr. fls. 79)
6. A Autora participou o sinistro aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Bragança em 20 de fevereiro de 2018 (cfr. fls. 82 do suporte físico do processo).
7. A 3ª Demandada foi notificada pelos Serviços do Ministério Público junto do referido Tribunal da participação efetuada pela Autora, por meio de ofício de 26/02/2018 (cfr. fls. 81 verso do suporte físico do processo).
8. Em 27 de fevereiro de 2019, foi realizada a tentativa de conciliação entre a Autora e a 3ª Demandada pelo Exmo. Sr. Procurador da República junto do referido Tribunal, mas sem sucesso (cfr. fls. 11-12 verso do suporte físico do processo).
9. Em 25 de março de 2019, a Autora propôs ação especial emergente de acidente de trabalho, com o patrocínio do Ministério Público, contra a aqui 3ª Demandada, na Instância Central do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, que seguiu os seus termos sob o nº 235/18.0T8BGC (cfr. fls. 83­86 verso do suporte físico do processo).
Por sentença proferida em 18 de dezembro de 2019, o Juízo do Trabalho de Bragança declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir aquela ação, tendo absolvido da instância a seguradora demandada (cfr. fls. 13-16 verso do suporte físico do processo).
A Autora foi notificada da referida sentença em 23/12/2019 (cfr. fls. 17 do suporte físico do processo).
A Autora intentou a presente ação em 7 de fevereiro de 2020 (cfr. fls. 2 do suporte físico do processo).
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Os factos provados assentam nos meios probatórios acima especificados de forma discriminada, sendo certo que os referidos documentos não foram impugnados pelas partes.
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Face ao que já foi expendido quanto à admissibilidade da cumulação de pedidos, importa retomar a discussão sobre o regime legal substantivo aplicável à presente ação, já que essa matéria importa para efeitos de dirimir a presente exceção.
De facto, por um lado, existe divergência quanto ao facto de ser aplicável à presente situação o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro ou a Lei nº 98/2009, de 4 de setembro.
No primeiro caso, o prazo de caducidade é de um ano, contado da data da notificação, em caso de ato expresso ou da data da formação de ato tácito de indeferimento da pretensão formulada (cfr. artigo 48º, n.os 1 e 3 do citado diploma legal).
Na outra hipótese, o prazo de caducidade é também de um ano, contado da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado (cfr. artigo 179º, nº 1 do segundo diploma legal acima aludido).
Porém, a Autora invoca estar apenas sujeita ao prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil e, subsidiariamente, que teria impedido a caducidade mediante a participação do sinistro ao Tribunal.
No que respeita à primeira questão, importa reiterar que, face ao disposto nos artigos 3º, nº 1, 4º, nº 3, 6º, al. b), 11º, 13º, al. d) e 26º, n.os 1 e 2 da Lei nº 4/2009, de 29 de janeiro, se deve considerar que a Autora estava abrangida pelo regime do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, pese embora o disposto no artigo 2º, nº 4 do mesmo, considerando o princípio geral de direito de que “a lei posterior revoga a lei anterior”.
A conclusão idêntica, embora com fundamentos diversos, chegou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de março de 2021, proferido no Proc. nº 369/18.0YZPRT.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt, versando caso análogo, quando refere que “no âmbito dos hospitais E.P.E. é aplicável aos trabalhadores, com vínculo de emprego público que não tenham optado pelo regime do contrato de trabalho privado, o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação resultante da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”.
Explicitando este entendimento, o referido aresto sustenta o seguinte: “a Autora desempenhava, na data do acidente, janeiro de 2012, as suas funções de enfermeira para o Réu a coberto de um contrato de trabalho em funções públicas e que era subscritora da Caixa Geral de Aposentações (...).
O Réu, Centro Hospitalar do Porto, E.P.E. foi criado pelo DL n.º 326/2007, de 28 de setembro, que, para além do mais, aprovou os respetivos estatutos.
O artigo 5.º deste diploma consagrou algumas das linhas do regime jurídico das entidades criadas, sendo do seguinte teor:
«Artigo 5.º
Regime aplicável
1 - Às entidades públicas empresariais criadas pelo presente decreto-lei aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime jurídico, financeiro e de recursos humanos, constante dos capítulos II, III e IV do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro. (Este DL transforma em entidades públicas empresariais os hospitais com natureza de sociedades anónima, o Hospital de Santa Maria, e o Hospital de São João e cria o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., o Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. e o Centro Hospitalar do Nordeste, E.P.E., e aprova os respetivos estatutos).
2 - A aplicação do capítulo IV do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, ao pessoal de todos os hospitais E. P. E. com relação jurídica de emprego público não prejudica a aplicação das regras gerais de mobilidade e racionalização de efetivos em vigor para os funcionários e agentes da Administração, designadamente as constantes da Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, com as necessárias adaptações.».
Resulta do n.º 1 este artigo 5º que o regime de recursos humanos imposto ao Réu é o que resulta do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, e, por força do n.º 2 do mesmo artigo, a aplicação daquele regime «ao pessoal de todos os hospitais E.P.E. com relação jurídica de emprego público» não prejudica a aplicação a estes trabalhadores do regime da mobilidade e racionalização de efetivos referido naquele dispositivo.
Por sua vez, o art.14.º do referido DL n. º233/2005, de 29 de dezembro, define o regime de pessoal dos hospitais E.P.E. no âmbito da saúde, nos seguintes termos:
«Artigo 14.º
Regime de pessoal
1- Os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.
2 - Os hospitais E. P. E. devem prever anualmente uma dotação global de pessoal, através dos respetivos orçamentos, considerando os planos de atividade.
3- Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 15.º, os hospitais E. P. E. não podem celebrar contratos de trabalho para além da dotação referida no número anterior.
4 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.»
Este dispositivo consagra, assim, como regra, para os trabalhadores dos hospitais E.P.E., o regime do contrato de trabalho de direito privado, estabelecendo, porém, no seu artigo 15.º, o regime de transição do pessoal com relação jurídica de emprego público para os novos hospitais E.P.E., nos seguintes termos:
1 - O pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, esteja provido em lugares dos quadros das unidades de saúde abrangidas pelo artigo 1.º, bem como o respetivo pessoal com contrato administrativo de provimento, transita para os hospitais E. P. E. que lhes sucedem, sendo garantida a manutenção integral do seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 193/2002, de 25 de setembro.
2 - Mantêm-se com caráter residual os quadros de pessoal das unidades de saúde referidas no número anterior, exclusivamente para efeitos de acesso dos funcionários, sendo os respetivos lugares a extinguir quando vagarem, da base para o topo.
3 - Mantêm-se válidos os concursos de pessoal pendentes e os estágios e cursos de especialização em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
4 - O pessoal a que se refere o presente artigo pode optar a todo o tempo pelo regime do contrato de trabalho nos termos dos artigos seguintes.»
Analisado o regime decorrente destes dois dispositivos, verifica-se que é estabelecido o regime do contrato de trabalho de direito privado para os trabalhadores que venham a ser contratados, mas relativamente aos trabalhadores, que, de acordo com o regime acima referido, se mantiveram no âmbito do regime de contrato de trabalho em funções públicas, o artigo 15.º estabelece que «transitam para os hospitais EPE (...), sendo garantida a manutenção integral do seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto no Decreto-lei n.º 193/2002, de 25 de setembro».
Resulta assim que todos os trabalhadores que se encontravam vinculados aos referidos estabelecimentos hospitalares por uma relação jurídica de emprego público mantêm integralmente o respetivo estatuto jurídico, apesar de vinculados aos novos hospitais E.P.E., consagrando-se, contudo, a possibilidade de os mesmos virem a optar pelo regime do contrato de trabalho de direito privado, opção que não releva no caso dos autos, por a Autora não ter optado por tal regime. Nestes termos, o acidente sofrido pela Autora, com vínculo jurídico de natureza pública com o Réu, deve ser considerado como um acidente em serviço, disciplinado pelo Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro, dado que a garantia da manutenção integral daquele estatuto tem necessariamente de se projetar no regime dos acidentes em serviço.
Acresce que a atribuição do estatuto de E.P.E., aos hospitais, não retirou os hospitais do âmbito da administração indireta do Estado e não pôs em causa a sua natureza de pessoas coletivas públicas, razão pela qual os trabalhadores ao serviço destes, com vínculo de natureza pública, sempre serão abrangidos pelo DL n.º 503/99, de 20 de novembro, diploma que estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas pois, segundo o respetivo artigo 2.º, n.º 1, «(...) é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado»
Deste modo concluímos que, no âmbito dos hospitais E.P.E., é aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público que não tenham optado pelo regime do contrato de trabalho (privado), o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
Importa, ainda, referir que o legislador veio tomar posição expressa sobre esta temática no Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, designadamente nos seus os artigos 29.º, 30.º e 31.º que regula o Regime Jurídico e os Estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de Entidades Públicas Empresariais, bem como as integradas no Setor Público Administrativo, nos seus os artigos 29.º, 30.º e 31.º , sendo hoje claro que no âmbito das E.P.E é aplicável o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro aos trabalhadores com vínculo de emprego público que não tenham optado pelo regime do contrato de trabalho privado”.
Assim sendo, acolhendo este entendimento jurisprudencial, a propositura da presente ação estava efetivamente sujeita ao prazo de caducidade previsto no artigo 48º, nº 1 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, contado a partir da data da formação do ato tácito de indeferimento da pretensão formulada.
Ora, nos termos do artigo 331°, n° 1 do Código Civil, “só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.
Por outro lado, “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes” (cfr. artigo 333º, nº 1 do Código Civil).
Ora, a Autora só propôs a presente ação em 07/02/2020, apesar do alegado acidente de trabalho ter ocorrido em 16/11/2017 e ter sido participado pela sua entidade patronal à sua seguradora em 21/11/2017.
Porém, desde logo, o referido sinistro não foi participado à 1ª Demandada, provavelmente porque a 2ª Demandada terá considerado - ainda que erroneamente, como já se viu - que a situação se enquadrava na Lei nº 98/2009, de 4 de setembro.
Ora, por aplicação das disposições conjugadas dos artigos 7º, nº 7 e 48º, n.os 1 e 3, al. b) do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, bem como do artigo 129º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o prazo de propositura da ação terminava em 21/12/2018.
É certo que a Autora participou o referido sinistro em 20 de fevereiro de 2018 aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Bragança, tendo estes dado conhecimento da mesma à 3ª Demandada por ofício de 26/03/2018, considerando-se esta dele notificada em 01/03/2018, a que se seguiu a fase conciliatória do processo e, frustrada a mesma, a fase judicial, até à sentença de absolvição da instância, por incompetência material do Tribunal.
Por outro lado, é certo que a Autora propôs a presente ação menos de trinta dias após o trânsito em julgado da referida sentença.
Ora, “quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito” (cfr. artigo 332°, n° 1 do Código Civil).
Por sua vez, o artigo 327º, nº 3 do mesmo código estipula que “se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.
Neste caso, a Autora propôs a ação judicial acima aludida no Juízo do Trabalho de Bragança somente contra a 3ª Demandada.
Donde, relativamente aos três primeiros pedidos por si formulados, a Autora logrou impedir a caducidade do direito de ação em relação à 3ª Demandada, mas não em relação à 1ª Demandada.
Assim sendo, em relação a esses pedidos, a 1ª Demandada tem necessariamente que ser absolvida da instância, atento o disposto no artigo 89º, n.os 2 e 4, al. k) do CPTA.
E o mesmo se diga relativamente à 2ª Demandada, uma vez que esta não foi visada nem teve participação no processo judicial que correu termos no Juízo do Trabalho de Bragança, muito embora pudesse responder pela satisfação de tais pretensões da Autora, atento o disposto no artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro.
Por outro lado, atento o acima expendido acerca da admissibilidade da cumulação de pedidos, a pretensão da Autora ao ressarcimento dos danos não patrimoniais estava somente sujeito ao prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil, por remissão do artigo 5º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEP), uma vez que esse pedido, embora fundado no mesmo facto, está fora do âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, dependendo de diferentes requisitos legais.
Porém, nesta parte, a Autora logrou interromper tempestivamente o referido prazo de prescrição com a propositura da presente ação, nos termos do artigo 323º, nº 2 do Código Civil.
Deste modo, nesta mesma parte, improcede a exceção de caducidade invocada pela 2ª Demandada.
Deste vem interposto recurso pela Autora.

Alegando, formulou as seguintes conclusões:


1. O douto Tribunal recorrido em despacho pré saneador decidiu pela caducidade do direito de acção da Autora, por se encontrar ultrapassado o prazo de um ano previsto no art. 48.° do DL 503/99 de 20/11.
2. Em consequência, decidiu determinar a absolvição da instância da Ré Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE (ULSNE, EPE) e da Ré Caixa Geral de Aposentações (CGA).
3. Sucede que, não pode a Autora concordar com a caducidade do seu direito de ação quanto a estas Rés porquanto esta aplicação do direito pelo Tribunal recorrido viola os artigos 48.° do DL 503/99 de 20/11, os artigos 328.° a 332.° do Código Civil, o art. 279.° do CPC e o art. 89.° n.° 2 e 4 al. k) do CPTA e está em contradição com o factos dados como provados para o efeito.
4. Independentemente do regime aplicável ser o previsto no art. 48.° do DL 503/99 de 20/11 ou no art. 179.° da Lei n.° 98/2009, de 04/09, o prazo de caducidade para a Autora exercer o seu direito indemnizatório, decorrente do acidente de trabalho, era de um ano.
5. O acidente de trabalho relatado nos autos ocorreu a 16 de Novembro de 2017, pelo que tinha a Autora (pelo menos) até 16 de Novembro de 2018 para intentar a ação judicial conexa com o seu direito a ser ressarcida do acidente sofrido.
6. Conforme resulta dos factos provados 3, 4, 5 e 6 e documentação que os fundamenta, todos elencados na decisão recorrida, a Autora face à recusa da Ré Seguradora da responsabilidade pelo acidente, participou o sinistro no Juízo do Tribunal da Comarca de Bragança, a 20 de Fevereiro de 2018, dando inicio aos autos que correram os seus termos com o n.° 235/18.0T8BGC daquele Tribunal.
7. Considerando que o acto impeditivo da caducidade é a interposição da ação judicial, esta foi assim devidamente intentada dentro do mencionado prazo de um ano.
8. Ainda que se possa considerar que naqueles autos de acidente de trabalho a Ré Seguradora foi absolvida da instância, sempre a caducidade do direito da Autora teria que se considerar impedida porquanto os presentes autos foram intentados nos trinta dias subsequentes àquela decisão, aproveitando-se assim os efeitos derivados da primeira causa, nos termos do previsto no n.° 1 do artigo 279.° do Código de Processo Civil.
9. Salvo o devido respeito, o entendimento do douto Tribunal recorrido de que a interposição daqueles autos de acidente de trabalho não impediu a caducidade quanto às Rés Caixa Geral de Aposentações e Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE porquanto estas não foram partes demandadas na acção de acidente de trabalho viola os pressupostos jurídicos que atendem à definição e aplicação do instituto da caducidade.
10. A ideia base da argumentação expendida no douto despacho recorrido é a de que a caducidade da acção só é impedida pela citação do réu e não pela propositura da acção.
11. Todavia, não podemos descurar que estamos perante a aplicação de um prazo de caducidade e não de prescrição, se a acção correspondente foi proposta dentro do prazo é indiferente o momento da citação do réu, para o efeito de determinar se o direito foi ou não oportunamente exercido.
12. O decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate, não tem por primeiro fundamento a protecção do sujeito passivo, mas sim o valor da certeza e segurança jurídica dos direitos.
13. Consequentemente, o que impede a caducidade é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-o, e não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte.
14. Em parte nenhuma a lei faz depender, neste tipo de caducidade, o efeito impeditivo da propositura da acção, do acto de citação do réu.
15. Para obstar à caducidade do seu direito apenas incumbia à Autora propor a acção no prazo de um ano, impedindo a caducidade do seu direito pela mera interposição da acção conexa com o direito que pretende salvaguardar.
16. Neste sentido se tem pronunciado a doutrina e a jurisprudência, vide Acórdãos do STJ com o n.°JSTJ00015195 datado de 03-06-1992, do Tribunal da Relação do Porto com o n.° JTRP000 datado de 13-10-2015, do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22/10/2015, Acórdão do TCAS, de 03/11/2016, processo n.° 13673/16 e Acórdão do TCAS, de 19-04-2018, processo n.° 62/17.1BEBJA, todos em www.dgsi.pt e Acórdãos do STJ de 19 de Julho de 1991, BMJ n.° 409, pág. 526, e de 30 de Junho de 1999, Processo n.° 134/99.
17. Deste modo, ao contrário do que se entende no despacho recorrido, torna-se irrelevante se a Ré CGA e a Ré ULSNE, EPE foram demandadas na ação judicial interposta pela autora no Juízo de Trabalho.
18. Com a interposição dos autos de acidente de trabalho, a qual ocorreu dentro do prazo legal de caducidade previsto de um ano, a Autora exerceu o seu direito dentro do prazo, de forma oportuna, e obstou assim à caducidade do seu direito.
19. Com a interposição dos presentes autos nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que determinou a absolvição da instância no Juízo do Trabalho de Bragança, a Autora beneficiou daquele acto impeditivo da caducidade em relação a todas as Rés demandadas nos presentes autos.
20. Pelo que não podia o douto despacho recorrido decidir pela procedência da excepção de caducidade e consequentemente, determinar a absolvição da instância das Rés CGA e a ULSNE, EPE.
21. Ao decidir como fez o douto despacho violou os artigos 48.° do DL 503/99 de 20/11, os artigos 328.° a 332.° do Código Civil, o art. 279.° do CPC e o art. 89.° n.° 2 e 4 al. k) do CPTA.
22. Deste modo, deve a douta decisão recorrida ser anulada na parte em que determina a caducidade do direito de ação da Autora, e em consequência, prosseguirem os autos contra todas as demandadas, conhecendo-se do mérito da causa.

Nestes termos e nos demais de direito supríveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, tudo por assim ser de inteira, costumada e merecida JUSTIÇA.
Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso o despacho pré-saneador proferido em 30/01/2022, na parte em que determina a caducidade do direito de acção.
Cremos que assiste razão à Apelante.
Vejamos,
Motivação -
Realizada a audiência prévia foi decidida a caducidade do direito de acção, por se encontrar ultrapassado o prazo de um ano para intentar os autos de acidente de trabalho, e determinada a absolvição da instância da Ré Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE (ULSNE, EPE) e da Ré Caixa Geral de Aposentações (CGA).
Na óptica da Recorrente andou mal o Tribunal a quo ao declarar a caducidade do seu direito de ação quanto a estas Rés porquanto intentou a competente ação impeditiva do efeito da caducidade dentro do prazo legal para o efeito.
De facto, independentemente de o regime aplicável ser o previsto no DL 503/99 de 20/11 ou na Lei de Acidentes de Trabalhos, o prazo legal de caducidade para a Autora exercer o seu direito seria de um ano.
O acidente de trabalho relatado nos autos ocorreu a 16 de novembro de 2017, foi participado pela Autora à entidade patronal e posteriormente participado por esta à Ré Seguradora, vide factos provados 3, 4 e documentação que os fundamenta da decisão recorrida.
A participação do acidente ocorreu assim dentro do prazo legal para o efeito a 21 de novembro de 2017, cinco dias depois de ocorrer o acidente.
Perante a recusa da Ré Seguradora em assumir a responsabilidade do acidente, a Autora participou o sinistro aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Tribunal da Comarca de Bragança, a 20 de fevereiro de 2018, vide factos provados 5 e 6, dando início aos autos que correram os seus termos com o n.° 235/18.0T8BGC.
Considerando que o acto impeditivo da caducidade é a interposição da ação judicial, esta foi devidamente intentada dentro do mencionado prazo de um ano, a 20 de fevereiro de 2018, independentemente deste prazo resultar da aplicação do art. 48.° do DL 503/99 de 20/11 ou da aplicação no n.° 1 do 179.° da Lei n.° 98/2009, de 04/09.
Ainda que se considere que naqueles autos de acidente de trabalho a Ré Seguradora foi absolvida da instância, sempre a caducidade do direito da Autora foi impedida porquanto os presentes autos foram intentados nos trinta dias subsequentes àquela decisão, aproveitando-se os efeitos derivados da primeira causa nos termos do previsto no n.° 1 do artigo 279.° do Código de Processo Civil.
Entendeu o Tribunal recorrido que tal acto não impediu a caducidade quanto às Rés Caixa Geral de Aposentações e Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE porquanto estas não foram partes demandadas naquela acção de acidente de trabalho intentada pela Autora.
Não vemos que assim seja.
A ideia base da argumentação expendida no despacho recorrido é a de que a caducidade da acção só é impedida pela citação do réu e não pela propositura da acção.
Todavia, estamos perante a aplicação de um prazo de caducidade e não de prescrição, e assim sendo, a caducidade não se suspende nem interrompe, apenas se impede ou não impede.
O decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate, não tem por primeiro fundamento a protecção do sujeito passivo, mas sim o valor da certeza e segurança jurídica dos direitos.
Se o direito foi exercido dentro do prazo - tratando-se de um direito a exercer judicialmente como é o caso do direito que a Autora está a exercer - se a acção correspondente foi proposta dentro desse prazo é indiferente o momento da citação do réu, para o efeito de determinar se o direito foi ou não oportunamente exercido.
Como expressamente se diz no n° 1 do artigo 331° do Código Civil, “só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.
É por causa desta forma de operar a extinção dos direitos que os prazos de caducidade legalmente estabelecida não se suspendem nem se interrompem, conforme estatuem os artigos 328° e 330°, n° 2, a contrario do Código Civil. Consequentemente, o que impede a caducidade é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-o, e não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte.
Em parte nenhuma a lei faz depender, neste tipo de caducidade, o efeito impeditivo da propositura da acção, do acto de citação do réu, ao contrário do que se passa com a interrupção da prescrição (cf. artigo 323.° n.° 1 do Código Civil).
À parte apenas lhe incumbe, para obstar à caducidade do seu direito, que proponha a acção no referido prazo impedindo a caducidade do seu direito pela mera interposição da acção conexa com o direito que pretende salvaguardar. Neste sentido tem propugnado a jurisprudência, vide Acórdãos do STJ com o n.° JSTJ00015195 datado de 03-06-1992 e de 30 de junho de 1999, processo n.° 134/99, do Tribunal da Relação do Porto com o n.° 493/15.1T8FLG.P1, datado de 13-10-2015, do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22/10/2015, proc. nº 923/15.2YRLSB-8 e os Acórdãos do TCAS, de 03/11/2016, processo n.° 13673/16 e de 19-04-2018, processo n.° 62/17.1BEBJA.
Deste modo, ao contrário do que se entende no despacho recorrido, torna-se irrelevante se a Ré CGA e a Ré ULSNE, EPE foram demandadas na ação judicial interposta pela Autora no Juízo de Trabalho.
Com a interposição dos autos de acidente de trabalho, a qual, repete-se, ocorreu dentro do prazo legal de caducidade previsto de um ano, a Autora exerceu o seu direito dentro do prazo, de forma oportuna, e obstou assim à caducidade do seu direito.
E, como a jurisprudência tem sublinhado, a caducidade interrompe-se com a participação do acidente ao tribunal, visto que só com esta se inicia a instância e se revela a intenção de se efectivarem os direitos indemnizatórios resultantes do acidente - cfr. Acórdãos do STJ de 19 de julho de 1991, BMJ n.° 409, pág. 526, e de 30 de junho de 1999, processo n.° 134/99.
Logo, não procede a excepção de caducidade.
A decisão recorrida violou, por isso, o art. 48.° do DL 503/99 de 20/11, os artigos 328.° a 332.° do Código Civil, o art. 279.° do CPC e o art. 89.° n.°s 2 e 4 al. k) do CPTA.
Procedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em se concede provimento ao recurso, e, consequentemente, anula-se a decisão recorrida na parte em que determina a caducidade do direito de ação da Autora, determinando-se a remessa dos autos ao TAF a quo a fim de prosseguirem contra todas as demandadas e conhecer-se do mérito da causa, caso a tal nada mais obste.
Sem custas.
Notifique e DN.

Porto, 19/01/2024

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Isabel Jovita