Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01705/14.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/05/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; DENÚNCIA CONTRATUAL; CONVERSÃO CONTRATUAL
Sumário:Descritores: Contrato de prestação de serviços; Denúncia contratual; conversão contratual

1 – O que pretende o aqui Recorrente, ou seja, a conversão de um contrato de prestação de serviços numa relação de emprego pública determinaria que o tribunal se substituísse ao legislador no exercício do poder legislativo;
A relação jurídica de emprego na Administração Pública, em qualquer das modalidades previstas na Lei, sempre teria que ser precedida de Concurso Público de seleção de pessoal como, aliás, decorre do artigo 47°/2 da CRP;

2 - Independentemente das circunstâncias em que o serviço foi prestado pela associada do Autor, não pode o tribunal emitir uma pronúncia a reconhecer que se estabeleceu uma relação de emprego público, sob pena de tornar o regime legal de constituição da relação jurídica de emprego público em causa facilmente defraudável, através do recurso à conversão judicial de situações não enquadráveis naquele regime em relação de emprego público;

3 – Se assim fosse, estar-se-ia a criar uma forma inovadora, atípica e ilícita de acesso à função pública, por via judicial.

4 – Assim, não se mostra possível a conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado, um contrato originariamente de Prestação de Serviços.
Deste modo, a denúncia de Contrato de Prestação de Serviços, com a contratualmente prevista antecedência de, pelo menos, 15 dias, não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por suposto despedimento ilícito;.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I- Relatório

O Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, em representação da sua associada A., intentou Ação Administrativa Comum contra o Instituto da Segurança Social, I.P., peticionando:
a) A declaração de invalidade da comunicação (dita denúncia) do denominado “contrato de prestação de serviços” da RA, pelos vícios apontados;
b) A declaração de existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o R. Instituto de Segurança Social, I.P. e a RA;
c) A condenação do R. Instituto de Segurança Social, I.P., no pagamento de todos os montantes remuneratórios não pagos à RA desde 31 de Julho de 2003 por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal, bem como a proceder aos devidos e legais descontos, e
d) A declaração de conversão do contrato por força do determinado na Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, tudo com as legais consequências, inclusive remuneratórias,
E,
e) Caso assim não se entenda, (...) a condenação do R. a pagar à RA uma indemnização calculada nos termos de um procedimento de despedimento ilícito imputado à entidade empregadora pública, sendo que a todas as sobreditas quantias deverão acrescer juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento (...)”

Inconformado com a Sentença proferida em 23 de abril de 2020 no TAF do Porto, que julgou “improcedente a presente ação administrativa comum e, consequentemente, absolvo o Réu dos pedidos contra o mesmo formulados” veio o Sindicato apresentar Recurso para esta Instância, no qual concluiu:

“1°. Sobem os presentes autos à superior consideração de V. Exas. atenta a decisão que considerou improcedente a ação administrativa comum [Ant. NCPTA] e, em consequência absolveu o Réu dos pedidos, a qual padece de erro nos pressupostos de facto e, por consequência, aplicou inadequadamente o direito,
2°. Perante o caso sub judicio, como pôde o Tribunal "a quo" concluir contrariamente ao peticionado e a respeito da conversão do contrato de prestação de serviços, celebrado entre o R Instituto de Segurança Social, LP. e a RA: "É assim manifesta a insuficiência quantitativa e qualitativa de indícios de subordinação jurídica, bem pelo contrário a factualidade dada como provada aponta no sentido da existência de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, celebrado e desenvolvido de acordo com as formalidades legais previstas, para o efeito, no Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de abril.(...) Mesmo que assim não se entendesse, e se houvesse apurado a existência de um contrato de trabalho, certo é que [...], esses contratos de trabalho, a existirem, jamais poderiam ser convertidos em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado. "
3°. Ou que, a respeito da invalidade da comunicação (dita denúncia) do denominado "contrato de prestação de serviços" da RA e do direito a indemnização da RA: "[...) Atendendo ao exposto, foi cumprido o aviso prévio de 15 dias exigível previsto na cláusula 7. a do contrato, pelo que o contrato de prestação de serviços foi validam ente denunciado, não dando origem ao pagamento de qualquer indemnização. Por outro lado, concluindo-se pela existência de um contrato de prestação de serviços, validamente denunciado, tal situação não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por despedimento ilícito. Deste modo, não se logrando demonstrar a existência de um contrato de trabalho, mas verificando-se antes a presença de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, validamente denunciado, improcedem todos os pedidos formulados pelo Autor. "
4°. Ao invés, a matéria de facto apurada, demonstra com relativa facilidade que a RA. teria direito, isso sim, a ser assegurada pelos RR no pagamento de todas as importâncias retributivas e demais abonos reclamadas, nomeadamente, por condenação do R. INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. ao pagamento desses montantes por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal;
5°. Declarando-se, por isso, a conversão dos contratos por força do determinado na Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, tudo com as legais consequências, inclusive remuneratórias, tudo acrescido de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, ou, subsidiariamente, caso assim não se entendesse, o que por mera hipótese se admitiu;
6°, Condenado o R a pagar à RA. uma indemnização calculada nos termos de um procedimento de despedimento ilícito imputado à entidade empregadora pública INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, LP ..
7°, Lamentavelmente, nada disto se sucedeu, inviabilizando-se a possibilidade de uma decisão justa ou, pelo menos, equitativa para com os casos análogos.
8°, Posto isto, a convicção formada pelo Tribunal "a quo" precludiu pelo descrédito das evidências.
9°, Continua, por isso, sem entender a RA porque motivação não lhe foi dada razão.
10°, Estando, por aqui também, demonstrado que neste âmbito determinante a sentença errou sobre os pressupostos de facto, tendo fundamentado de forma errada a sua decisão, quer de facto, quer de direito.
11º, É evidente que o Tribunal "a quo" partiu de erradas premissas e, com base nelas, fundamentou a sua decisão.
12°, Sucede que, face a esta matéria de facto apurada, as conclusões da decisão teriam de ser em sentido diametralmente oposto às tiradas pelo Tribunal "a quo".
13°, Com efeito, aos autos foram explicados os motivos do pedido da RA, pedindo-se o reconhecimento da existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o R. INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, LP. e a RA, e por isso a conversão do correspondente contrato que a sustenta, bem como;
14°, O respetivo ressarcimento de todos os créditos laborais decorrentes daquela relação laboral.
15°, Não se entende agora porque razão vem o Tribunal "a quo" pôr em causa a sua pretensão, dando como totalmente improcedente a sua pretensão, por totalmente não provada, nomeadamente, nos aspetos que de seguida se apontam.
l6.º Relembra, pois, o Recorrente os factos que deram mote aos presentes autos para que possa, afinal, melhor entender-se a anterior afirmação.
17°. Conforme alegado na p.i, a Representada do Autor (RA) celebrou com o Instituto da Segurança Social, LP. (ISS, LP.), um contrato denominado "contrato de prestação de serviços", alegadamente celebrado ao abrigo do artigo 10° do Decreto-Lei n." 141/89, de 28/04, com a categoria de Ajudante Familiar, cuja cópia se encontra anexa aos autos, sob o Doc. 2 da PI.
18°. Por via daquele contrato, celebrado em 31/0712003, a RA, perfez, à data da denúncia do mesmo, quase 11 (onze) anos de serviço efetivo, sempre, no exercício das mesmas funções, ou seja, prestava ao ISS, LP. trabalho de forma constante e ininterrupta, em regime de subordinação jurídica, hierárquica e mediante retribuição.
19°. Designadamente, chegou a ter de fazer horário em regime de turnos, pois recebia ordens para "tapar buracos", ou seja, substituir funcionárias públicas que faltavam ao trabalho;
20°. Recebia ordens da Sra. Diretora do CAT;
21°. Usava uma farda de serviço (uma bata);
2ZO. Efetuava registo de entrada e saída numa folha de "Excel" que se encontrava no serviço;
23°. Utilizava os materiais de trabalho disponibilizados pelo serviço;
24°. Esteve sujeita ao poder de direção e disciplinar do R., tanto assim que quando tivesse necessidade de faltar tinha de apresentar justificação no serviço;
25°. Foi-lhe atribuído um número de funcionária do ISS, IP., a saber o n° 407704;
26°. Tinha um horário rígido (quando não lhe exigiam que fizesse turnos, o que de vez em quando também acontecia) de Segunda a Sexta-feira, com entrada às 8,00 horas e saída às 16,00 horas com uma hora de intervalo entre as 13,00 horas e as 14,00 horas;
27°. Chegou a praticar um horário rígido de Segunda a Sexta-feira, com entrada às 9,00 horas e saída às 17,00 horas com uma hora de intervalo entre as 13,00 horas e as 14,00 horas;
28°. Excetuado o primeiro mês de serviço (Agosto de 2003), e contrariamente ao que faz inculcar a natureza das funções que consta do seu "contrato de prestação de serviços", nunca prestou trabalho no exterior, mas apenas no ADIP e no CAT (ambos estabelecimentos do Réu ISS, IP.), o que também se depreende da Cláusula 48 do dito contrato.
29º Ou seja, tudo características que não são de todo compatíveis com um contrato de prestação de serviços, mas antes, de um contrato de trabalho, como melhor se expenderão.
30º Durante todo o período de contratação a RA. gozou normalmente as suas férias, mas nunca recebeu a competente remuneração, bem como nunca recebeu subsídio de natal.
31º. Pese embora o facto de o R. pretender a vinculação, em regime de contrato de prestação de serviços, a sua motivação foi sempre que a RA. prosseguisse a mesma atividade, com as mesmas funções, na mesma categoria, no mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição.
32°. E que, não obstante o R. ter feito operar a denúncia do denominado contrato de prestação de serviços da RA., por comunicação postal (Cfr. Doc 3] anexo à PI), tal atividade ainda subsiste, já que enquadrada no objeto do ISS, 1P, ou mesmo no interesse público que este prossegue, como se pode constatar no ADIP ou no CAT.
33°, Prova evidente e irrefutável de tal facto consiste na manutenção da função para a qual a RA. foi contratada, que ainda subsiste.
34°, Com efeito, a contratação por via do contrato de prestação de serviços previsto no já referido Decreto-Lei n." 141/89 ou mesmo que fosse a termo certo ou incerto de um trabalhador por parte de pessoa coletiva pública, no âmbito da Lei n° 23/2004, de 22/06, só pode ter lugar para o preenchimento de uma necessidade temporária do serviço.
35º O que não é manifestamente o caso, já que a duração deste vínculo conta com quase 11 anos, como já alegado, não seria para fazer face a necessidades temporárias ou esporádicas do R ..
36°, Assim, embora no âmbito de um contrato denominado de Contrato de Prestação de Serviços, consubstancia a execução de um verdadeiro contrato de trabalho a sua atividade de forma ininterrupta entre Julho de 2003 e 30 de Abril de 2014, ao serviço do R ..
37º Daí que, a conclusão da RA só poderia coadunar-se com a representação de uma verdadeira nulidade contratual.
38°. Atento ao exposto e ao que se encontra previsto na atual legislação (artigo 36° n.º 1 da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), só poderia ter concluído a RA pela nulidade do alegado, mas falso, contrato de prestação de serviços, muito embora, sem prejuízo dos efeitos produzidos pelo mesmo.
39°. Conforme dispõe, de resto, aquela normativa, a qual diz que: "Sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, os contratos de prestação de serviços celebrados com violação dos requisitos previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo anterior são nulos."
40°. Sendo que, nos termos destes n." 2 e 4 do artigo 35.° da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro se dispõe, respetivamente e na parte que importa aqui apurar, que "A celebração de contratos de tarefa e de avença apenas pode ter lugar quando, cumulativamente: a) Se trate da execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público; (...) Sem prejuízo dos requisitos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 2, a celebração de contratos de tarefa e de avença depende de prévio parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, relativamente à verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 2, sendo os termos e tramitação desse parecer regulados por portaria dos mesmos membros do Governo."
41°. Daí que não possa concordar a RA com a decisão do Tribunal a quo quando este vem a concluir pela improcedência da sua ação.
42°. Primeiro porque, no entender desta, aquele tribunal interpretou mal o que veio, afinal, a ser peticionado.
43°. Note-se que, ao contrário do que veio a entender o Tribunal a quo, não pretendia a RA ver reconhecida ao contrato celebrado com o R. a forma jurídica de um contrato de Tarefa ou de Avença, conforme designação prevista nos termos do n.º do artigo 35.° da Lei n." 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
44°. De facto, não foi esse o peticionado pela RA.
45°. Deu-se, portanto, por parte daquele tribunal um erro nos pressupostos de facto e, por consequência, de direito.
46°. Note-se, de resto, que nunca a RA tão pouco se questionou quanto à legalidade da celebração, no âmbito da Administração Pública, dos contratos de prestação de serviço,
47°, Como alegou em primeira instância, o contrato de prestação de serviços que a AR quer ver declarado nulo, foi celebrado (legalmente) de acordo com as disposições previstas no Decreto-lei n." 141189 de 28 de Abril.
48°. O que verdadeiramente está em causa reconhecer, e neste caso é evidente, é a violação do princípio da segurança no emprego, plasmado no Art. 53° da CRP, com a manutenção de uma relação jurídica laboral à margem da Lei.
49°, Daí que peticione, como peticionou igualmente a RA, pela nulidade da denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado com o R.
50°, Primeiramente, e ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, o regime da nulidade do Artigo 35.° da Lei n." 12-A/2008, de 27 de Fevereiro deve sim ser aplicável ao contrato celebrado entre a RA e o R, por força da exceção prevista nos termos do Artigo 36.° do mesmo diploma.
51°, De facto estamos sim, conforme dita esta normativa, perante um contrato de prestação de serviços celebrados com violação dos requisitos previstos nos n.º 2 e n.º 4 do artigo 35.° da Lei n." 12-A/2008 de 27 de fevereiro, pois que;
52°, Todo e qualquer contrato, designado juridicamente por contrato de prestação de serviços, porque celebrado com os órgãos e serviços cuja Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro deva ser aplicável (é o caso do R.) e que não respeite o disposto nos n.º 2 e n.º 4 do artigo 35.° da norma, é sim um contrato nulo, com os efeitos previstos nos termos do n.º 1 do seu artigo 36.°.
53°, Assim, quando o contrato celebrado pelas partes, designado juridicamente pela entidade contratante como sendo de prestação de serviços, conforme o foi e ao abrigo do art.º 10º do Decreto-lei 141/89 de 28 de Abril;
54°, E porque existe o inconveniente de se recorrer a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público;
55°, Então, só poderemos estar perante um contrato de prestação de serviços, não obstante a sua nulidade evidenciada ao abrigo do disposto no artigo 36.° da Lei 12­A/2008 de 27 de Fevereiro, ainda que não lhe dêmos o nome de contrato de Tarefa ou de Avença.
56°, Em conclusão, entende a RA que a norma presente no n.º 1 do artigo 36.° da Lei 12­A/2008 de 27 de Fevereiro não é uma norma de aplicação aos contrato de Tarefa ou de Avença, conforme quer querer o Tribunal a quo,
57°, Entende por isso a RA que a normativa do n.º 1 do artigo 36.° da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro visa anular toda e qualquer forma contratual de prestação de serviços, que, independentemente do seu nome, envolva uma relação jurídica de emprego público, sem que a mesma esteja em total representação das condicionantes previstas nos termos dos n.º 2 e n.º 4 do art.º 35.° da Lei 12—A/2008 de 27 de Fevereiro.
58°. Nulidade igualmente, constate-se, aplicável ao contrato celebrado entre a RA e o R.
59°, Senão veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referente ao processo n.º 1111/13.8T4AVR.S1 de 08-10-2014 e que conclui a este propósito o seguinte: "O distinguo entre as figuras próximas do contrato de trabalho e de prestação de serviço objetiva-se na existência ou não de uma situação de subordinação jurídica, típica daquele. Daí que, não obstante a denominação formal utilizada ('contrato de prestação de serviços em regime de avença '). a prestação de funções - com carácter de permanência e regularidade, integradas no organismo onde se exerce a atividade contratada, em período correspondente a uma carga horária, com férias remuneradas, prévia destinação de tarefas e sujeição a instruções - subsume-se no regime do contrato de trabalho. Na sentença sub specie, J, considerou-se, no essencial (transcrevemos): «Concluindo que foram celebrados contratos de trabalho { .. J, será de ver se são devidos os créditos peticionados pelos autores tendo por base a celebração desse tipo de contratos. Sucede que, não resultando que tivessem sido observadas as condições estabelecidas no DL nº 427/89 para preenchimento de um quadro de pessoal, não resultando que tivesse sido observado o procedimento de seleção, esses contratos são nulos, pois contrariaram o disposto em normas imperativas (no caso normas do DL n. 0427/89) - art. 2940 do Código Civil, sendo a nulidade de conhecimento oficioso (cfr. art. 286º do Código Civil)"
60°. O que verdadeiramente está em causa, repita-se, é a violação do princípio da segurança no emprego, plasmado no Art, 53° da CRP, com a manutenção de uma relação jurídica laboral à margem da Lei.
61°. De resto, remeta-se a melhor explicação deste pressuposto legal para a leitura do acórdão do Tribunal Constitucional n." 237/01, processo n? 769/2000, de resto já citado em sede de 1ª instância, mas que não se deixa aqui de se lembrar novamente, em nome da razão jurídica que deve ser reconhecida, senão a todo o processo, pelo menos, perante os erros de interpretação do Tribunal a quo.
62º Vejamos: "[...] a norma do n.º 2 do art.º 10º do Decreto-Lei nº 141/89 (a qual prescreve que pela celebração do contrato os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte), se interpretada no sentido de permitir a cessação, pela «instituição de suporte», daqueles contratos e em qualquer altura, (...) feria o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Lei Fundamental"
63°. Como norma Constitucional que é, deve ser por isso superior e unanimemente interpretada, independentemente das leis que a contradigam ou da particularidade dos factos que se lhe subjazam.
64°. ao contrário do que vem a fundamentar a decisão do tribunal a quo - os Acórdãos do TCA Norte de 10/02/2017 (in processo n.º 00939/15.9BEPRT) e de 2/0312012 (in processo n.º 02637/09.3BEPRT).
65°. E, a esse propósito, cabe sublinhar que o art. 47º nº 2 da CRP, prevendo uma regra geral - "em regra por via de concurso" -, não exclui, tão pouco regula, as situações especiais nem as excecionais.
66°. Posto isto, e deixando para trás, mas sem deles prescindir, todos os demais argumentos a favor da conversão do contrato de prestação de serviços celebrado entre a RA e o R, vejamos o que mais vem a concluir o Tribunal a quo a respeito, ainda, da nulidade da denúncia deste contrato.
67°. Da douta decisão pode continuar a ler-se o seguinte: "Como se viu, a atividade da RA foi prestada no âmbito de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, pelo que cumpre apenas verificar agora se tendo sido a RA contratada em 31 de julho de 2003 a denúncia do seu contrato deveria ter ocorrido até 15 de janeiro de 2014 com efeitos a 30 de janeiro de 2014, ou então, até 15 de julho de 2014 com efeitos a 30 de julho de 2014. O contrato celebrado pela A. prevê na sua cláusula sétima a forma de cessação do contrato, possibilitando a livre denúncia com aviso prévio de quinze (15) dias, sem que seja devida indemnização - cf facto provado n.º 2. Como resulta do facto provado n. o 18, por oficio de 26/02/2014, a Ré comunicou à RA a sua intenção de denunciar o contrato de prestação de serviços de ajudante familiar referido no n. o anterior, com efeitos a 30/04/2014, tendo a RA tomado conhecimento do mesmo em 28/02/2014. Atendendo ao exposto, foi cumprido o aviso prévio de 15 dias exigível previsto na cláusula 7.ª do contrato, pelo que o contrato de prestação de serviços fot validam ente denunciado, não dando origem ao pagamento de qualquer indemnização. Por outro lado, concluindo-se pela existência de um contrato de prestação de serviços, validam ente denunciado, tal situação não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por despedimento ilícito. Deste modo, não se logrando demonstrar a existência de um contrato de trabalho, mas verificando-se antes a presença de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, validam ente denunciado, improcedem todos os pedidos formulados pelo Autor."
68°, A respeito, e não obstante a inexistência de uma razão formal porque de uma denúncia de contrato pretendia o R. que se tratasse, o que é facto é que na verdade este fundamentou mal, e por isso fundamentou inveridicamente a cessação do mesmo.
69°. Porque, no entendimento da RA. tudo se tratava afinal da cessação (ilegal, diga-se) de um contrato de trabalho, o fundamento utilizado pelo R. para denúncia (leia-se despedimento) tornou-se inverídico, porque não correspondente com a realidade factual da observância do contrato.
70°, Com a ação intentada, quis a RA. que o Tribunal a quo aferisse da conformação legal da contratação e do termo estipulado e, posteriormente da causa invocada na comunicação da denúncia, cuja análise deveria ter sido objeto o texto contratual ­e assim a veracidade do motivo aduzido.
71º E, ter tido presente que o R. ainda prosseguia, como prossegue, a mesma atividade.
72°. Posto isto, como disse e reitera o Recorrente, tal não foi feito, induzindo todo o processo à culminação de graves erros de interpretação e postergação dos normativos legais e jurisprudências.
73°, Sublinhe-se ainda que a Cláusula Sétima do Contrato é clara: "Este contrato pode ser livremente denunciado, por qualquer das partes, com aviso prévio de quinze (l5) dias do respetivo termo ou de qualquer das prorrogações. "
74°. E desse modo, "sem que seja devida indemnização. "
75°. O Tribunal a quo entendeu, contudo, que "Como resulta do facto provado n.º 18, por oficio de 26/02/2014, a Ré comunicou à RA a sua intenção de denunciar o contrato de prestação de serviços de ajudante familiar referido no n. o anterior, com efeitos a 30/04/2014, tendo a RA tomado conhecimento do mesmo em 28/02/2014 [ ... tendo sido ... ] validamente denunciado".
76°, A RA tinha a expectativa de nos anos seguintes continuar no exercício das funções que sempre exercera, considerando os seus quase 11 anos de serviço efetivo.
77°, Mas mais legítima era a sua expectativa de ali permanecer até ao final do período de 6 (seis) meses de renovação/prorrogação em que se encontrasse aquando de uma (hipotética) denúncia.
78°. Afinal, a Cláusula Segunda do Contrato é claríssima: "a) - O contrato tem duração de seis (6) meses, considerando-se automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos, se não for denunciado, por qualquer das partes, nos termos do n. o 1 da [já transcrita] cláusula sétima. "
79°. Não se compreende como é que pode o Tribunal a quo considerar válida a denúncia de um contrato com efeitos a 30 de Abril, isto é, "a meio" de um período de seis meses.
80°. Considerado o momento da celebração do contrato, a 31/07/2003, a denúncia do mesmo deveria ter ocorrido até 15 de janeiro de 2014 com efeitos a 30 de janeiro de 2014, ou então, até 15 de julho de 2014 com efeitos a 30 de julho de 2014.
81°. Ou seja, o ofício do 26/02/2014, do qual a RA tomou conhecimento a 28/02/2014, sempre deveria produzir efeitos a 30 de julho de 2014, no final daquela renovação/prorrogação, nunca antes.
82°. Violou, assim, a garantia de segurança no emprego da RA (art. 53° CRP).
83°. Tem, por isso, a Recorrente a segura convicção de que V. Exas., avaliando os fundamentos que supra se deixaram expendidos, não deixarão de acolher a sua pretensão, determinando a correção da decisão nos termos aqui propugnados.
84°, Naturalmente, não obstante o enorme respeito que nos merece o douto tribunal a quo e, bem assim, o evidente cuidado havido aquando da elaboração da douta sentença recorrida.
85°. Tal pedido deveu-se tão simplesmente à obrigatoriedade legal de reconhecimento à RA de uma relação jurídica laboral por tempo indeterminado nos termos do Art.º 14.º da Lei 59/2008 de 11 de Setembro, arguida em sede de La instância e de recurso.
86°. No entanto, em nada desta defesa teve em conta a decisão do Tribunal a quo, ignorando todo o alegado a este respeito e remetendo, mais uma vez, as suas conclusões para a exclusividade das condições contratadas e da sua correspondência com o regime jurídico vigente à data da celebração do contrato de prestação de serviços.
87°. Desconsiderando veemente a materialidade normativa e os pressupostos jurisprudências que garantiriam, numa diferente decisão, o reconhecimento da existência de um contrato nulo, e por isso, passível a todo o tempo de se declarar como tal.
88°. Como argumentou anteriormente a RA em sede de primeira instância e repete agora em fase de recurso, não obstante ser o concurso o regime regra do recrutamento e seleção de pessoal para a Administração Pública cfr. art. 47, n02 da CRP e no seu desenvolvimento como o dispunha o Art. 10º do Decreto Lei n.º 204/98, de 11 de Julho;
89°. E independentemente de se conceber ou não que a Administração Pública possa proceder ao recrutamento e seleção de pessoal através de contrato individual de trabalho, ao tempo regulado pelos diplomas supra referidos;
90°. Atendendo, contudo, ao circunstancialismo da situação da RA., designadamente o vínculo já existente entre esta e os RR., o tipo de contrato a celebrar seria sempre um contrato sem termo;
91º Atentas as necessidades duradouras e permanentes do R., que não justificavam nunca a utilização de inúmeras renovações do contrato, numa relação com quase 11 (onze) anos de antiguidade.
92º O alegado contrato de prestação de serviços, o uso abusivo da "estipulação de termo" e bem assim a comunicação da denúncia verificados no caso sub judicio violaram, como se disse, expressamente o art. 53° da CRP, por configurarem um atentado ao Princípio e ao direito à segurança no emprego.
93°. Eram e são, portanto, legítimas as expectativas da RA., em pensar que seria sempre necessária para fazer face a necessidades permanentes do R. tanto mais que decorrendo a sua contratação há mais de 5 anos à data da entrada em vigor da lei 59/2008, de 11 de Setembro, deveria o R. ter criado o lugar para o seu efetivo preenchimento.
94°. Isto se não existissem vagas, pois que nesse caso seriam as mesmas aditadas ao mapa de pessoal, na medida do preenchimento dos respetivos lugares - cfr. nº 4 do art° 14° da Lei 59/2008.
95°. À luz do quadro legal vigente, concretamente as Leis nº 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, de resto já referido, impunha-se ao R. a tomada de posição relativa ao vínculo da RA.
96°. O posto de trabalho e as funções que a RA. sempre ocupou é, nada mais nada menos, do que o lugar e funções necessários ao normal exercício da atividade do R. tanto mais que quer o posto de trabalho, quer as funções e atividade não se extinguiram.
97°. Assim, quer à luz da Lei nº 23/2004, quer do Código do Trabalho, quer também do RCTFP, sempre a contratação da RA deveria ser aferida e tida como sem prazo, ou, na pior das hipóteses, convertido em sem prazo como de direito.
98°. Desta sorte, a RA. nunca deveria ter visto o seu vínculo laboral cessar, por, simplesmente, se verificarem os pressupostos legais para a continuidade da relação jurídico-laboral entre a RA. e o R., constituindo o mais relevante, a prossecução da atividade para a qual a RA foi contratada.
99°. De salientar que o R. não pagou à RA qualquer compensação pela denúncia contratual que efetuou, apesar de ter beneficiado do seu trabalho durante quase 11 (onze) anos.
100°. Daí a necessidade da condenação do R. pedida pela RA para a compensação respetiva do seu despedimento ilícito, não obstante transmutado na denúncia (ilegal) do contrato celebrado e completamente desconsiderada pelo Tribunal a quo.
101º Daí a necessidade de se ver, não só, reconhecida a existência de um despedimento ilícito no caso em concreto, como também, a constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo determinado, criada e decorrente da relação jurídica estabelecida ao abrigo daquele contrato de prestação de serviços.
102°. Daí o igual pedido negado pelo Tribunal a quo para a conversão do contrato de prestação de serviços celebrado com RA e o R..
103º Em conclusão, declarou: "(...) Mesmo que assim não se entendesse, e se houvesse apurado a existência de um contrato de trabalho, certo é que na senda do que vem sendo defendido pela jurisprudência dos Tribunais Administrativos, com a qual se concorda, esses contratos de trabalho, a existirem, jamais poderiam ser convertidos em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, porquanto e segundo: [cita e transcreve os sumários dos Acórdãos do TCA Norte de 10/02/2017, in processo n.º 00939/15.9BEPRT e de 2/03/2012, in processo n.º 02637/09.3BEPRT.]"
104°. A Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, ao "Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo" tem como propósito evitar a repetição de abusos como os vividos pela RA.
105°. Diretiva, de resto, transposta para o direito interno, como se disse, carecendo o Estado português não só da sua aplicação, como ainda da interpretação do direito interno à luz ou em conformidade com o direito comunitário.
106°. No que tange ao direito interno, e como forma de se abster de interpretação diversa, à situação interna no âmbito da Administração Pública, pelo menos, deveria o R. aplicar ao caso concreto o Art. 14° do diploma preambular, do RCTFP, relativa à situação jurídico laboral concreta.
Ora,
107°. No caso concreto da RA., à data da entrada em vigor da lei 59/2008 já contava a mesma com mais de cinco anos de duração do vínculo, como se disse, pelo que teria de haver o reconhecimento pela entidade empregadora pública da necessidade de ocupação de um posto de trabalho com recurso à constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo determinado.
108°. Temos assim que o R. deveria, no mínimo, ter cumprido escrupulosamente com o disposto no art. 14° do Preâmbulo à Lei n? 59/2008, de 11 de Setembro.
109°. Atitude esta que não está de todo a coberto de qualquer Lei, e que por isso se impugnou, muito embora assim não tenha entendido o Tribunal a quo, pugnando-se, novamente, pela ilegalidade da não aplicação direta do referido Art. 14° da lei Preambular ao Regime Jurídico da Lei 59/2008, de 11 de Setembro. E, de igual sorte da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, pois que assim o vem determinando a jurisprudência nacional" e internacional".
110°, Bem como o princípio da segurança no emprego, plasmado no Art. 53° da CRP, com a manutenção de uma relação jurídica laboral à margem da Lei.
111°, Tudo em respeito, também ainda, pelo disposto no Art. 47°, n.º 2 da Constituição, que consagra o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, por via de concurso. E,
112º Mesmo tendo em conta que o concurso é a regra, existindo outras vias de ingresso na Função Pública, como sejam - o contrato - citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, in, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3 a Edição, 264, que na anotação a esta norma levantam a problemática do conceito de função pública e o concurso como o meio de acesso regra àquela, sempre se dirá o seguinte e em coerência com o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tirado, no procº n.º 375/2008.3TTGDM.P1, a pags. 18:
"Depois, e seja como for, se se admitir que naquele conceito de função pública cabe o exercício de qualquer atividade ao serviço de uma pessoa coletiva pública qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório ... , então há que reconhecer que se postergou o concurso como meio de recrutamento e seleção de pessoal...”
113°. No entanto, não enveredou o Tribunal a quo pelo presente argumento, decidindo em contrário à perspetiva defendida no aludido Acórdão que se baseia numa manifesta supremacia ou preferência pelo Princípio plasmado no Art. 53° da CRP (Princípio da segurança no Emprego), em detrimento do consagrado no Art. 47°, n.º 2 (Direito de acesso à função pública, em regra por via do concurso);
114°. Está por isso, indubitavelmente, posta em causa tal garantia assegurada pelo aludido Art. 53° da Constituição.
115°. É de salientar também e já que relacionada com a temática dos contratos de prestação de serviços - a Diretiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho de 1999, invocada no referido Acórdão, e, no que ao caso concreto respeita, pugna-se pela declaração de inconstitucionalidade de normas que a contrariem, pois ofendem também o Art. 53° da Constituição.
116°. Aliás, refere mesmo que a norma da Lei 23/2004, de 22 de Junho, ao proibir a conversão do contrato de trabalho a termo celebrado com pessoas coletivas públicas, em contrato por tempo indeterminado são inconstitucionais, por ausência de fundamento material, por violarem o disposto no Art. 53° da CRP.
117°, Ainda na senda do citado Acórdão, mesmo que não se enverede pela inconstitucionalidade da aludida norma, conforme pareceu enveredar o Tribunal a quo, deveria prevalecer o primado do regime jurídico europeu, incluindo Diretivas, sobre o estatuído em normas de direito internas, incluindo normas constitucionais ...
118°. Neste sentido, a partir da data em que uma diretiva entra em vigor, os Tribunais dos Estados-membros devem abster-se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo suscetível de comprometer seriamente, depois do termo do prazo de transposição, o objetivo prosseguido por essa diretiva.
119°. Assim sendo, parece não restarem dúvidas que o ato impugnado é ilegal, por violação de lei, designadamente por não estar conforme com a Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, por se encontrar tirado em manifesta violação do direito interno no que tange à conversão dos contratos, por violar o art, 53° da CRP.
120°. O que para além do mais o torna num ato injusto, por ilegal, tirado assim em manifesta violação daqueles dois princípios da atividade administrativa - Princípio da Legalidade e da Justiça.
121°. Do que respiga, também por esta linha argumentativa, que o Instituto de Segurança Social, lP., agiu em ofensa à lei ordinária e à Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer total provimento e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida, condenando-se o Réu Instituto da Segurança Social, I.P. nos pedidos, tudo com as legais consequências, como é de inteira e sã Justiça!”

O aqui Recorrido/ISS veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 26 de junho de 2020, concluindo:

“1. Pelo presente recurso vem o Recorrente, devidamente identificada nos autos, peticionar nas suas alegações a procedência do recurso, a revogação da sentença e a condenação da entidade recorrida na totalidade dos pedidos formulados na petição inicial que aqui se dão por reproduzidos.
2. A sentença recorrida não enferma dos vícios de que lhe são acometidos pela Recorrente, tendo feito uma correta aplicação dos normativos jurídicos, jurisprudência e doutrina subsumíveis ao caso vertente.
3. Não se regista qualquer erro de julgamento por a sentença recorrida ter julgado e bem pela inexistência da celebração de um contrato de trabalho entre o Recorrente e o Recorrido.
4. Lidas e relidas as alegações apresentadas conclui-se que acompanham a tese esgrimida pela Recorrente na petição inicial em sede e de ação administrativa, razão pela qual se deve ter a contestação deduzida pelo Recorrido por integralmente reproduzida.
5. O Recorrido celebrou com a Recorrente um contrato de prestação de serviços para ajuda domiciliária a pessoas e famílias selecionadas, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de abril e não um contrato de trabalho.
6. A denúncia do contrato de prestação de serviços foi comunicada em 26 de fevereiro de 2014 para produzir efeitos a 30 de abril de 2014, em cumprimento do prazo legal de 15 dias previsto pela cláusula 7.ª.
7. A douta sentença recorrida determinou corretamente que em face da prova testemunhal e documental, que compõe o processo instrutor e que aqui se dá por integralmente reproduzida, se revelava manifesta a inexistência de um contrato de trabalho entre o Recorrido e a Recorrente.
8. O “ónus da prova dos factos constitutivos de que depende o reconhecimento de um contrato de trabalho em funções públicas” in casu cabia ao trabalhador.
9. Não remanescendo dúvidas de que, conforme decidido e bem pela sentença recorrida, que toda a atuação do Recorrido se pautou pela legalidade e retidão, não tendo sido violados quaisquer preceitos legais, mormente o Decreto-Lei n. º 141/89, de 28 de abril.
10. Tendo a douta sentença assim julgado em razão da inaplicabilidade da presunção de laboralidade, consagrada pelo artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, ao contrato de trabalho em funções públicas, pela inexistência manifesta de índicos suficientes de subordinação jurídica e ainda, conforme jurisprudência assente nos Tribunais Administrativos, pela impossibilidade legal de conversão do contrato de prestação de serviços em contrato de trabalho em funções públicas por imposição direta da Diretiva 1999/70/CE, do Conselho de 28 de junho, por decorrência indireta do que se encontrava preceituado no n.º 4 do artigo 14.º da parte preambular da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro e por óbice previsto no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa.
11. A denúncia do contrato de prestação de serviços foi comunicada em 26 de fevereiro de 2014, a fim de produzir efeitos a 30 de abril do mesmo ano. Pelo que, foi cumprido o aviso prévio de 15 dias exigível previsto na cláusula 7.ª do contrato, pelo que o contrato de prestação de serviços foi validamente denunciado, não dando origem ao pagamento de qualquer indemnização.
12. Assim sendo, decidiu o Tribunal “a quo” acertadamente que a recorrente não demonstrou, como era seu ónus a existência de um contrato de trabalho celebrado com Recorrido.
Termos em que, e com o douto suprimento de Vªs. Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada sentença recorrida, por ser da mais elementar JUSTIÇA!”

Em 30 de Junho de 2020 foi proferido Despacho de admissão de recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 8 de outubro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, se o Tribunal a quo “partiu de erradas premissas” e se se verificaram “por parte daquele tribunal um erro nos pressupostos de facto e, por consequência, de direito”.


III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como Provada e Não Provada:

“Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A. (doravante RA) é associada do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte – cf. fls. 25 do suporte físico do processo.
2. Em 31/07/2003, a RA celebrou com o Instituto da Segurança Social, I.P. um contrato denominado “contrato de prestação de serviços” ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 141/89, de 28/04, com a categoria de Ajudante Familiar, contrato com o teor constante de fls. 19 a 22 do suporte físico do processo e que se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se transcreve, pela sua relevância, o seguinte:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Celebrado nos termos do Artigo 10º do Decreto-Lei nº 141/89, de 28 de Abril
(…)
-PRIMEIRA-
Objeto do Contrato
O objeto do presente contrato é a prestação de serviços, de ajuda domiciliária a pessoas e famílias selecionadas pelo Primeiro Outorgante, de acordo com os programas por este organizados.
-SEGUNDA-
Duração do Contrato
a) – O contrato tem duração de seis (6) meses, considerando-se automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos, se não for denunciado, por qualquer das partes, nos termos do n.º 1 da cláusula sétima.
b) A interrupção da prestação de serviços pelo Segundo Outorgante, para efeitos de repouso, não prejudica a renovação deste contrato, desde que o período ou períodos de interrupção não excedam vinte e dois (22) dias úteis, por cada ano de duração do contrato e seja previamente acordada com o Primeiro Outorgante.
-TERCEIRA-
Remuneração
a)- A remuneração acordada é de € 485.15 € (quatrocentos e oitenta e cinco euros e quinze cêntimos) mensais, proporcional e automaticamente atualizada segundo a percentagem que anualmente for estabelecida para os funcionários e agentes da Administração Pública, estabelecida nos termos do despacho de 26 de Abril de 1991 de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social.
b) (…)
c) Haverá lugar ao abono de Subsídio de Refeição em igualdade de condições com os funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 57-B/84 de 20 de Fevereiro, de harmonia com o despacho referido na alínea a).
-QUARTA-
Local de Prestação de Serviços
O Segundo Outorgante obriga-se a prestar os seus serviços profissionais a utentes da Unidade de Avaliação do Desenvolvimento e Intervenção Precoce do Centro de Reabilitação (…), preferencialmente aos domiciliados no Concelho (…), sem prejuízo de poder ser alterado, de acordo com as necessidades de apoio social e as prioridades a atender.
-QUINTA-
Estatuto Jurídico do Segundo Outorgante
O presente contrato não confere ao Segundo Outorgante a qualidade de funcionário ou agente do Estado, não cria qualquer vínculo, sendo regulado nas partes omissas pelas disposições aplicáveis do Código Civil.
(…)
-SÉTIMA-
Cessação do Contrato
a) – Este contrato pode ser livremente denunciado, por qualquer das partes, com aviso prévio de quinze (15) dias do respetivo termo ou de qualquer das prorrogações, sem que seja devida indemnização.
b) A parte que revogar o contrato sem prévio aviso, ou com aviso inferior ao estabelecido na alínea precedente, deve indemnizar a outra dos prejuízos que esta sofrer.
c) A falta de cumprimento, por qualquer das partes, do clausulado do presente contrato e das obrigações legalmente estabelecidas, pode constituir fundamento bastante para a sua rescisão (…)”- cf. fls. 19 a 22 do suporte físico do processo, bem como processo administrativo.
3. Durante o período da contratação, a RA prestou serviços de ajuda domiciliária a utentes da Unidade de Avaliação do Desenvolvimento e Intervenção Precoce (doravante UADIP) do Centro de Reabilitação (...), primeiro efetuando serviço externo e depois interno.
4. Após a extinção da UADIP, a RA prestou serviços no Centro de Acolhimento Temporário (...).
5. A atividade principal para a qual a RA foi contratada – ajuda domiciliária – já não é desenvolvida no âmbito do Centro Infantil (...), uma vez que aquele Centro se limita, na atualidade, a prosseguir o acolhimento temporário de crianças em risco.
6. A RA prestou os seus serviços ao R. durante cerca de 11 anos, de forma constante e ininterrupta – cf. fls. 228 a 275 verso do suporte físico do processo.
7. A RA no âmbito do serviço externo e interno no UADIP executava as suas funções de segunda a sexta-feira, em horário diurno, entre as 9h e as 17h, tendo depois, quando começou a trabalhar no Centro de Acolhimento, efetuado horários diversos em função das necessidades da instituição.
8. A RA recebia orientações da Direção do equipamento do Réu onde prestava funções, tendo em conta as necessidades do serviço.
9. A RA não estava sujeita ao poder disciplinar do Réu.
10. A RA efetuava registo de entrada e saída numa folha de “Excel” que se encontrava no serviço – cf. acordo.
11. A RA comunicava previamente à Direção as suas ausências ao serviço, não tendo obrigação de as justificar.
12. A RA usava uma bata facultada pelo serviço para exercício das suas funções, não sendo o uso da mesma obrigatório.
13. A RA utilizava os materiais de trabalho disponibilizados pelo serviço – cf. acordo.
14. A RA emitia recibos verdes pelos serviços prestados.
15. A RA, para efeitos de processamento da quantia que lhe era devida pelos serviços prestados, tinha um n.º de empregado – cf. fls. 228 a 275 verso do suporte físico do processo.
16. Entre janeiro de 2007 a maio de 2014 foi emitido pelo Réu um “recibo de vencimento” referente à RA, do qual resulta o serviço prestado, o local de trabalho, a remuneração do apoio domiciliário e o subsídio de refeição – cf. fls. 228 a 275 verso do suporte físico do processo.
17. A RA durante o período de contratação recebeu os montantes discriminados a fls. 228 a 275 verso do suporte físico do processo, tendo gozado férias, mas não tendo recebido a correspondente remuneração ou subsídio de Natal - cf. fls. 228 a 275 verso do suporte físico do processo.
18. Por ofício de 26/02/2014, que se dá aqui por integralmente reproduzido, a Ré comunicou à RA a sua intenção de denunciar o contrato de prestação de serviços de ajudante familiar referido no n.º anterior, com efeitos a 30/04/2014, tendo a RA tomado conhecimento do mesmo em 28/02/2014 – cf. fls. 23 do suporte físico do processo, bem como processo administrativo.
Factos não provados:
Com relevância para a decisão da presente causa, não se provou que:
A) A RA tenha chegado a fazer horário em regime de turnos, recebendo ordens para substituir funcionárias que faltavam ao trabalho.
B) No exercício da sua atividade de ajudante familiar, a RA recebia ordens da Direção dos equipamentos onde prestava funções, estando sujeita ao poder de direção do Réu.

IV – Do Direito

Analisemos então o suscitado.

Peticionou-se na presente Ação Administrativa Comum, predominantemente:
a) A declaração de invalidade da comunicação (dita denúncia) do denominado “contrato de prestação de serviços” da RA, pelos vícios apontados;
b) A declaração da existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o R. Instituto de Segurança Social, I.P. e a RA;
c)A condenação do R. Instituto de Segurança Social, I.P., no pagamento de todos os montantes remuneratórios não pagos à RA desde 31 de Julho de 2003 por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal, bem como a proceder aos devidos e legais descontos, e
d) A declaração de conversão do contrato por força do determinado na Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, tudo com as legais consequências, inclusive remuneratórias,

Correspondentemente, decidiu-se no Tribunal a quo, julgar “(...) improcedente a presente ação administrativa comum e, consequentemente, absolvo o Réu dos pedidos contra o mesmo formulados.”

Discorreu-se em 1ª instância, no que aqui releva, o seguinte:
“(...) Como adiantamos, no caso em apreço, cumpre decidir se a representada do A. tem direito ao reconhecimento da existência com o ISS, IP de uma relação jurídico laboral por tempo indeterminado e à condenação ao pagamento dos montantes remuneratórios em dívida por força desse vínculo ou, subsidiariamente, ao pagamento da indemnização por despedimento ilícito.
Comecemos por brevemente enquadrar juridicamente a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
Nos termos do Código Civil o “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta” (artigo 1152.º) e o contrato de prestação de serviço “é aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (artigo 1154.º). No âmbito do contrato de prestação de serviços encontram-se o mandato, o depósito, a empreitada, mas também outras modalidades atípicas de prestação de serviço.
Segundo João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2014, p. 78, “Se confrontarmos a noção legal de contrato de trabalho, vertida no art. 1152.º do CCivil (…), com a noção de contrato de prestação de serviço, vazada no art. 1154.º do mesmo diploma, logo topamos com alguns traços distintivos essenciais: i) quanto ao conteúdo da obrigação, no contrato de prestação de serviço trata-se de proporcionar ao credor certo resultado do trabalho, ao passo que no contrato de trabalho está em jogo a prestação de uma atividade (o trabalhador promete uma atividade laboral, o prestador de serviço compromete-se a proporcionar um resultado do trabalho); ii) quanto à retribuição, esta é um elemento essencial e indefectível no contrato de trabalho («mediante retribuição»), sendo um elemento meramente eventual no seio do contrato de prestação de serviço («com ou sem retribuição»; iii) quanto às instruções do credor da prestação, no contrato de prestação de serviço não se faz qualquer menção às mesmas, ao passo que no contrato de trabalho o devedor presta a sua atividade «sob a autoridade e direção», ou «no âmbito de organização e sob a autoridade», da contraparte.
Em teoria parece fácil delimitar as figuras, mas a verdade é que, na prática, a distinção entre ambos os contratos revela-se, amiúde, bastante espinhosa. Se bem repararmos, em ambos os contratos pode haver lugar à remuneração do prestador de serviço. E o certo é que a dicotomia atividade/resultado também não é muito esclarecedora: toda a atividade tende à obtenção de um qualquer resultado, sendo que este sempre decorrerá da prestação de uma qualquer atividade… Pelo que, diz-se o verdadeiro critério distintivo reside, no fundo, na in(existência) de subordinação jurídica entre as partes da relação: se esta existir, aí teremos um contrato de trabalho; se esta não existir, aí teremos uma qualquer modalidade do contrato de prestação de serviço.”.
A subordinação jurídica “decorre do facto de o trabalhador se comprometer a prestar a sua atividade «sob a autoridade e direção» da entidade empregadora (…), sendo usual dizer-se que é neste elemento que reside o principal critério de qualificação do contrato de trabalho – e de distinção face a contratos vizinhos. A subordinação jurídica consiste no reverso do poder diretivo do empregador, ou seja, no poder de o credor da prestação conformar, através de comandos e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, definindo como, quando e onde e com que meios deve esta ser executada” – cf. AMADO, Op. Cit., p. 70. Relativamente à subordinação jurídica, «[e]sse critério pode ser preenchido de forma tipológica (com os elementos do tipo negocial do contrato de trabalho ou, por contraponto, dos negócios jurídicos em que a prestação é desenvolvida como a vontade das partes perante a relação jurídica que envolverá o modo de direção da atividade e a integração na estrutura organizativa), ou indiciária (com os indícios de subordinação jurídica).
Quanto aos segundos socorremo-nos dos que foram elencados no acórdão do TR de Lisboa de 23.10.2013 (www.dgsi.pt), catalogados como internos e externos.
Segundo o mesmo, os internos são: o local onde é exercida a atividade; a ocorrência em instalações do empregador ou em local por este indicado; a existência de horário de trabalho fixo; a utilização de bens ou utensílios fornecidos pela contraparte; a remuneração tomando como unidade o tempo de trabalho (e não a tarefa), e ainda com pagamento de subsídios de férias e de natal; a realização da atividade pelo sujeito obrigado, com impossibilidade, em regra, de recurso a colaboradores, visto a natureza “intuito personae” do contrato de trabalho; a assunção do risco pelo destinatário da atividade; o modo de execução do contrato, mormente cumprindo o credor da prestação da atividade obrigações específicas do contrato de trabalho como o direito a férias ou a prestação de informações impostas pelo artº 106 do CT; e a inserção do prestador da atividade numa estrutura produtiva.
Por seu turno refere que os externos incluem: o desenvolvimento da atividade apenas para um beneficiário da prestação; o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade e a sua inscrição como trabalhador dependente; a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente (mormente nas folhas do beneficiário da atividade); e a sua sindicalização.» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/2015, in processo n.º 1360/13.9TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.
“Querendo o trabalhador fazer valer direitos decorrentes da legislação laboral, e suscitando-se a questão prévia da qualificação da relação, recaía então sobre o trabalhador, nos termos gerais, o ónus de provar a existência, in casu, de um contrato de trabalho (recorde-se que, segundo o art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado»). Ou seja, estando o ónus da prova a cargo do trabalhador, caber-lhe-ia demonstrar a existência dos elementos constitutivos do contrato de trabalho: retribuição, prestação de trabalho e factos que habilitassem o tribunal a concluir pela presença de subordinação jurídica.” – cf. AMADO, Op. Cit., p. 84. Isto tendo em conta que a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código de Trabalho de 2003 não seria de aplicar in casu, nomeadamente porquanto a mesma só se aplica às relações constituídas após o início de vigência do Código do Trabalho de 2003, o que ocorreu em 1 de dezembro de 2003 (cf. artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto), tendo sido o contrato em causa nos presentes autos celebrado em 31/07/2003 (cf. facto provado n.º 2). Neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2009, in processo n.º 08S2578 e 5/2/2009, in processo n.º 08S2584, disponíveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado, e conforme se explicitou na sentença proferida no processo n.º 2042/14.0BEPRT, “o Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de Abril veio instituir o regime da atividade desenvolvida pelos ajudantes familiares, cuja função consiste na prestação de serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida de uma família, nos casos em que os mesmos não possam ser prestados por quaisquer membros do agregado familiar ou outro [cf. artigo 2.º daquele diploma legal], sendo que a sua criação visou precisamente prestar apoio a indivíduos que se encontrem em situação de maior isolamento, dependência ou marginalização social, v.g. a idosos ou a portadores de deficiência [cf. preâmbulo do diploma].
Nesse sentido, os ajudantes familiares, no âmbito das suas funções, e em articulação com as entidades de suporte, ajudam pessoas integradas numa família, que por múltiplas razões, não conseguem prestar auxílio no que diz respeito à realização da sua higiene, à sua mobilidade, à sua alimentação, entre outras necessidades básicas.
Tendo em conta a necessidade crescente deste tipo de serviços, e da falta de resposta que a ação social, por si só, não conseguia assegurar, este diploma legal teve por objetivo a criação de um quadro-legal que visa regular a forma como este tipo de atividade é desenvolvida e, bem assim, a relação jurídica que se formará e manterá, mediante a celebração deste tipo de contrato, entre o ajudante familiar e a instituição responsável pela resposta social, as quais correspondem às instituições previstas no artigo 3.º do mencionado Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril.
Segundo o regime constante daquele diploma legal, após o decurso do período de formação, o qual visa dotar os ajudantes familiares das valências necessárias ao exercício daquela atividade, é celebrado entre o ajudante familiar e a instituição de suporte competente para a ação social, um contrato de prestação de serviços, no qual deverá constar o seu período de duração e as condições que determinam as suas renovações, conforme resulta do Artigo 10.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril, ressalvando, em qualquer caso, o n.º 2 daquela disposição legal que os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte
[…].
Com a celebração do contrato em questão, é imposto aos ajudantes familiares, entre outros, o desempenho das tarefas inerentes à atividade que passam a assumir, de acordo com as orientações técnicas acordadas [cf. Artigo 11.º n.º 1 alínea a) do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril], sendo que impende sobre as entidades de suporte a obrigação de prestar o apoio técnico necessário e com carácter de regularidade, por forma a garantir a boa prestação do serviço, fornecendo aos ajudantes familiares os meios materiais necessários e que reputem como imprescindíveis ao bom exercício da atividade dos ajudantes [cf. alínea b) do Artigo 12.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril].
Ainda por força do contrato firmado, as entidades de suporte ficam obrigadas a assegurar que a remuneração devida aos ajudantes familiares pela prestação dos seus serviços lhes é efetivamente paga [alínea d) do Artigo 12.º do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de Abril].”.
(...)
Da análise da factualidade provada nos presentes autos resulta que a prestação da RA traduziu uma verdadeira prestação de serviços ao abrigo do Decreto-lei n.º 141/89, de 28 de abril, porquanto a sua celebração e desenvolvimento das correspondentes prestações se deram ao abrigo do regime de tal diploma e não ao abrigo de um contrato de trabalho com subordinação jurídica, nomeadamente porquanto in casu:
- a RA recebia orientações quanto ao serviço a realizar – tal não significa atuar sobre a autoridade e direção da Ré; isto meramente traduz o cumprimento da obrigação prevista no artigo 11.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei;
- não existia poder disciplinar sobre a RA;
- os horários da prestação da RA foram adaptados ao serviço prestado nos vários sítios onde a RA trabalhou e às necessidades do serviço, no sentido de garantir aos utentes de apoio domiciliário a satisfação das suas necessidades – o que também traduz o cumprimento da obrigação prevista no artigo 12.º al. a) do Decreto-Lei;
- inexistia obrigação de justificar faltas, apenas obrigação de comunicação de ausências - conforme artigo 11.º, n.º 1 al. c) do Decreto-Lei;
- a RA utilizava os materiais de trabalho disponibilizados pelo serviço (incluindo bata do serviço, cujo uso não era obrigatório) – isto meramente traduz o cumprimento da obrigação prevista no artigo 12.º, al. b) do Decreto-Lei.
- os “recibos de vencimento” eram documentos comprovativos do pagamento a realizar e continham referência à remuneração do serviço prestado (apoio domiciliário), bem como ao subsídio de refeição, contratualmente previsto, sendo feita referência à função desempenhada pela RA de ajudante familiar; ao número mecanográfico neles aposto não se atribuiu significado atribuído pelo Autor, mas antes uma mera chave de processamento para efeitos de recebimento das quantias contraprestacionais em causa;
- inexistia recebimento de subsídios de férias ou de natal;
- a RA emitia recibos verdes.
É assim manifesta a insuficiência quantitativa e qualitativa de indícios de subordinação jurídica, bem pelo contrário a factualidade dada como provada aponta no sentido da existência de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, celebrado e desenvolvido de acordo com as formalidades legais previstas, para o efeito, no Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de abril. Em sentido idêntico, veja-se acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/01/2020, in processo n.º 13512/18.0T8LSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.
Mais se diga que atento o regime legal supra citado, nunca poderia estar em causa o artigo 36.º, n.º 1 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que é apenas aplicável a contratos de prestação de serviços, nas modalidades de contratos de tarefa e de avença (tal como definidos nos artigos 35.º, n.ºs 6 e 7 de tal diploma), o que não é o caso do contrato de prestação de serviços em causa nos presentes autos, celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de abril.
Relativamente à alegação da aplicação ao caso da RA do n.º 4 do artigo 14.º da parte preambular da Lei n.º 59/2008, de 11/09, vejamos
(...)
Conforme decorre do preceituado neste normativo, este é apenas aplicável aos casos de contrato de trabalho a termo resolutivo e não a contratos de prestação de serviços, como é o caso do contrato em causa nos presentes autos.
Mesmo que assim não se entendesse, e se houvesse apurado a existência de um contrato de trabalho, certo é que na senda do que vem sendo defendido pela jurisprudência dos Tribunais Administrativos, com a qual se concorda, esses contratos de trabalho, a existirem, jamais poderiam ser convertidos em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, porquanto e segundo:
- o acórdão do TCA Norte de 10/02/2017, in processo n.º 00939/15.9BEPRT:
“1 – A proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo, celebrados por entidades públicas, em contratos de trabalho sem termo, resulta expressamente das normas legais sucessivamente aplicáveis (cfr. artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 428/89 e artigo 18.º/4 do mesmo diploma, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 218/98; 2.º/2 da Lei n.º 23/2004; e artigo 92.º/2 da Lei n.º 59/2008) e é constitucionalmente imposta pelo artigo 47.º/2 da CRP, entendendo-se que o direito à segurança do emprego consagrado no artigo 53.º da CRP, não tem nessa conversão uma garantia necessária.
2 - A forma de acesso à função pública pela conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, violador do princípio da igualdade estabelecido no artigo 47°, nº 2 da Constituição, em face do que não será aceitável.
3 - Uma interpretação no sentido da conversão de um contrato a termo resolutivo em contrato por tempo indeterminado criaria inovatoriamente - e contra lei expressa que se harmoniza com a Constituição e o Direito comunitário - uma via ínvia de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado, permitindo que em situação irregular e por via dessa irregularidade se consolidasse, ilegitimamente, a relação de emprego com efeitos permanentes e duradouros, sem respeito pela precedência de procedimentos de recrutamento e métodos de seleção em regimes de oponibilidade, que visam garantir que em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública.”;
- o acórdão do TCA Norte de 2/03/2012, in processo n.º 02637/09.3BEPRT:
“I - A lei continua a distinguir claramente a possibilidade de acesso ao trabalho por tempo indeterminado em entidade pública da possibilidade da contratação que seja (apenas) a termo, e por isso, justificadamente (e sem violar preceitos constitucionais) impede a conversão (artigo 10.º, n.º 2 da lei 23/2004).
II - Assim, a não conversão de um contrato de trabalho a termo, celebrado por um trabalhador e uma pessoa coletiva pública, num contrato por tempo indeterminado não viola o direito comunitário (concretamente a Diretiva 1999/70/CE) nem a Constituição (concretamente o princípio contido no seu artigo 53º) e corresponde à vontade da lei.”.
Vejamos agora a questão relativa a eventual direito indemnizatório da RA.
Como se viu, a atividade da RA foi prestada no âmbito de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, pelo que cumpre apenas verificar agora se tendo sido a RA contratada em 31 de julho de 2003 a denúncia do seu contrato deveria ter ocorrido até 15 de janeiro de 2014 com efeitos a 30 de janeiro de 2014, ou então, até 15 de julho de 2014 com efeitos a 30 de julho de 2014.
O contrato celebrado pela A. prevê na sua cláusula sétima a forma de cessação do contrato, possibilitando a livre denúncia com aviso prévio de quinze (15) dias, sem que seja devida indemnização – cf. facto provado n.º 2.
Como resulta do facto provado n.º 18, por ofício de 26/02/2014, a Ré comunicou à RA a sua intenção de denunciar o contrato de prestação de serviços de ajudante familiar referido no n.º anterior, com efeitos a 30/04/2014, tendo a RA tomado conhecimento do mesmo em 28/02/2014.
Atendendo ao exposto, foi cumprido o aviso prévio de 15 dias exigível previsto na cláusula 7.ª do contrato, pelo que o contrato de prestação de serviços foi validamente denunciado, não dando origem ao pagamento de qualquer indemnização.
Por outro lado, concluindo-se pela existência de um contrato de prestação de serviços, validamente denunciado, tal situação não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por despedimento ilícito.
Deste modo, não se logrando demonstrar a existência de um contrato de trabalho, mas verificando-se antes a presença de um verdadeiro contrato de prestação de serviços, validamente denunciado, improcedem todos os pedidos formulados pelo Autor.

O Recorrente veio apresentar recurso por divergir do teor da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 23 de abril de 2020, que julgou improcedente a presente ação administrativa comum.

Em síntese, a sentença recorrida determinou que em face da prova testemunhal e documental, que compõe o processo instrutor, se revelava manifesta a inexistência de um contrato de trabalho entre o Recorrido e a Recorrente.

A presente questão já foi tratada nos Acórdãos deste Tribunal nº 1704/14.6BEPRT proferido em 17 de abril de 2020, e no Acórdão nº 259/19.0BEBRG, de 30-08-2019, ambos já transitados em julgado, não se vislumbrando razões para divergir do aí discorrido e decido, em face do que, mutatis mutandis, se seguirá de perto o aí expendido.

Sumariou-se no referido acórdão nº 1704/14.6BEPRT o seguinte:
“I-O que pretende o aqui Recorrente, ou seja, a conversão de um contrato de prestação de serviços numa relação de emprego pública determinaria que o tribunal se substituísse ao legislador no exercício do poder legislativo;
I.1-a relação jurídica de emprego na Administração Pública, em qualquer das modalidades previstas na Lei, sempre teria que ser precedida de Concurso Público de seleção de pessoal como, aliás, decorre do artigo 47°/2 da CRP;
I.2-independentemente das circunstâncias em que o serviço foi prestado pela associada do Autor, não pode o tribunal emitir uma pronúncia a reconhecer que se estabeleceu uma relação de emprego público, sob pena de tornar o regime legal de constituição da relação jurídica de emprego público em causa facilmente defraudável, através do recurso à conversão judicial de situações não enquadráveis naquele regime em relação de emprego público;
I.3-a ser colhida a tese sufragada pelo Autor, estaríamos a criar uma nova forma de acesso à função pública, isto é, pela via judicial, sendo que esta repete-se, está dependente de concretização legislativa;
I.4-concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de prestação celebrado com uma pessoa coletiva de direito público, a comunicação feita pela Entidade Demandada à R.A., denunciando o contrato, com respeito de um aviso prévio de 15 dias, não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por suposto despedimento ilícito;
I.5-ademais é a própria cláusula 7, alínea a) do contrato a determinar que não é devida qualquer indemnização, desde que a denúncia opere com respeito de, pelo menos, um aviso prévio de 15 dias, o que ocorreu no caso posto.”

Vejamos:
Está em causa a total improcedência dos pedidos formulados pelo ora Recorrente.

Ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, o Recorrente sustenta que o contrato de prestação de serviços que a sua representada detinha seria nulo.

Nessa perspetiva, advoga que a decisão recorrida padece de erro nos pressupostos de facto e de direito.

Contudo, a transcrição parcial precedentemente feita, denota que assim não é, pois que se não vislumbram os invocados vícios.

Sublinha-se que o Recorrente não impugna a matéria de facto dada por assente na decisão recorrida, orientando a sua defesa no sentido de ter sido incorretamente interpretado e aplicado o direito aos factos.

Entende-se, em qualquer caso, que não assiste razão ao Recorrente, uma vez que a sentença recorrida se pronunciou conveniente e adequadamente sobre os pedidos formulados em função da causa de pedir e pressupostos de direito formulados pelo Autor/Recorrente, concluindo no sentido da improcedência dos mesmos.

Nesta sede, o Autor aduz, mais uma vez, que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R.A e a Entidade Demandada, ora Recorrida, reveste características de um verdadeiro contrato de trabalho subordinado, porquanto todos os elementos típicos deste tipo contratual se encontram presentes, designadamente a subordinação hierárquica e jurídica, a existência de horário de trabalho, o pagamento de remuneração, o gozo de férias, a prestação da atividade exclusivamente com o equipamento e fardamento do ISS, IP, a inexistência de autonomia técnica, por receber ordens, a sujeição ao poder disciplinar do ISS,IP por ter de justificar as faltas e a atribuição de n.º de funcionário do ISS, IP.

Nessa conformidade, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 1, da então Lei n.º 12-A/2008, o Recorrente alega que o contrato de prestação de serviços da R.A. é nulo, tendo o Tribunal incorrido em erro nos pressupostos de facto e de direito ao julgar improcedente a ação.

Contudo, não se reconhece que assim seja.

Na realidade, a R.A. celebrou com o ISS, I.P. um contrato de prestação de serviços, dado por assente no nº 2 do probatório e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Tal contrato de prestação de serviços foi celebrado ao abrigo do disposto no DL nº 141/89 de 28 de abril, normativo este especial, aprovado e emitido pelo órgão legislativo competente e que, por se tratar de ato legislativo de igual valor (artº 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não permite que se recorra ao Código do Trabalho para nele tentar enquadrar o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS.,IP, mesmo que se verificassem (e não se verificam) todos os elementos típicos do contrato de trabalho.

Foi o próprio legislador, quem previu e admitiu a celebração de contratos de prestação de serviços entre o ISS. IP e os particulares, proibindo até a celebração de outro tipo de contrato, quando nos Serviços não existissem funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções necessárias, ou quando inexistisse um número insuficiente de trabalhadores para as exercer.

Acresce que, nunca o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R.A. e o ISS, IP poderia configurar um contrato de trabalho, já que, nos termos do artº 11º do CT, “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade e destas.”

De facto, a R.A., ao longo de todos estes anos, nunca esteve sujeita à fiscalização do ISS. IP., nunca esteve sujeita ao poder disciplinar do ISS. IP. (até porque não se encontra subordinada a nenhum superior hierárquico), não faz parte do mapa de pessoal do ISS. IP, e nem detém nenhuma categoria nele existente e não se encontra sujeita ao regime de exclusividade, característica dos contratos de trabalho em funções públicas.

É certo que pode ter tido horário prévia e tendencialmente definidos pela Unidade de Avaliação do Desenvolvimento e Intervenção Precoce – UADIP - do Centro de Reabilitação (...) e pelo Centro de Acolhimento Temporário (...), entidades onde exerceu a sua atividade, mas tal terá resultado da necessidade de compatibilizar e adequar a sua atividade com as necessidades dos utentes a quem prestava apoio enquanto ajudante familiar, sendo que a sua ligação funcional de prestação de serviços, em bom rigor, era relativa ao ISS e não às associações onde prestava apoio.
Em qualquer caso, o tendencial cumprimento de horário sempre seria necessário, por forma a assegurar que a R.A. cumpria a sua atividade de apoio familiar de forma cabal e efetiva.

Mas o seu campo de ação termina neste mesmo ponto, na medida em que os mapas de assiduidade não eram remetidos para os RH.

É verdade que recebia uma remuneração mensal, a título de pagamento de honorários, mas tal facto, não é de todo alheio aos contratos de prestação de serviços, que podem ser objeto de remuneração certa e mensal, tal como acontece na avença, que é uma modalidade de prestação de serviços (artº 17º, nº 4 do DL nº 41/84 de 3 de fevereiro: “(…) os serviços prestados em regime de contrato de avença são objeto de remuneração certa mensal (…)”.

Ademais “(…) A retribuição é um indício sem grande valor para diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços, uma vez que pode existir contrato de trabalho sem retribuição regular ou de montante variável e, por outro lado, é frequente a remuneração regular, periódica e fixa em contratos de prestação de serviços, nomeadamente nos contratos de avença com profissionais liberais” (Ac. do STJ de 7.10.98, proc. nº 985026).

No mesmo sentido, “(…) Não são suficientes para determinar a existência da subordinação jurídica… relativamente à ré (entidade empregadora daquela), quer a fixação da remuneração com base no número de horas de aulas dadas, quer o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da ré, quer o facto de ser esta a fornecer os instrumentos de trabalho que a autora necessitava para desempenhar as suas funções, já que estas situações são compatíveis com outro tipo de contratos, afins do contrato de trabalho, como é o contrato de prestação de serviços.” (Ac. do STJ de 21.03.2001, proc. nº 0053918).

No que diz respeito aos instrumentos de trabalho facultados pela Entidade Demandada cumpre referir que, quando muito, os instrumentos de trabalho utilizados pela R.A. ser-lhe-iam fornecidos pelas Associações onde prestava serviço.

Em todo caso, o facto de um prestador de serviços ter à sua disposição todos os instrumentos, meios materiais, de trabalho de que necessita para o exercício das suas funções, não determina que tal permita, só por si, qualificar o trabalhador como dependente.

Além do mais, entende-se, e é doutrinariamente aceite, que “(…) o facto de o trabalhador usar meios materiais e seguir o figurino disposto pela entidade patronal, conquanto fundados no contrato convencionado e não na autoridade diretiva do empregador, não constitui índice forçoso da existência de subordinação jurídica (…)” (in Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8ª ed. Almedina, Coimbra, 1992, pág. 114).

Por outro lado, a R.A. não estava obrigada a utilizar qualquer farda de serviço, uma vez que o seu uso não estava instituído, sendo que o uso de bata de proteção não é configurável como farda.

Acresce ainda, que é o próprio DL 141/89, na alínea b) do seu artº 12º, que definiu que, cabe às instituições de suporte, “(…) prestar apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua atuação, incluindo, quando necessário, os meios materiais indispensáveis ao bom exercício da atividade (…)”.

No que concerne aos períodos de interrupção da prestação de serviço, para efeitos de repouso, cumpre apenas salientar que os mesmos estavam contemplados no contrato de prestação de serviços, designadamente na cláusula segunda, ponto b).

Por outro lado, não existia qualquer subordinação hierárquica entre a R.A. e a Entidade Demandada.

Efetivamente, a R.A. realizava a sua atividade de forma autónoma e independente, sem qualquer relação de dependência, nem interferência do ISS, IP ou das Associações nas quais foi exercendo a sua atividade, não existindo, igualmente, qualquer poder de direção sobre ela, apenas lhe interessando que executasse a tarefa inerente à sua profissão, com profissionalismo, cabendo à R.A. decidir a melhor forma de o fazer.

Aliás, as orientações, indicações e procedimentos dados pelas Associações, seriam apenas relativas à organização do serviço e não sobre o modo como a prestação de serviço deveria em concreto ser realizada.

De facto, as ações de orientação não consubstanciam subordinação jurídica, já que a autonomia do trabalho, não é incompatível com a execução de certas diretivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado, sem prejuízo de poder haver ordens e instruções, as quais se dirigem ao objeto do resultado e não à forma de o conseguir.

Neste sentido, “(…) Não são suficientes para determinar a existência da subordinação jurídica… relativamente à ré (entidade empregadora daquela), quer a fixação da remuneração com base no número de horas de aulas dadas, quer o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da ré, quer o facto de ser esta a fornecer os instrumentos de trabalho que a autora necessitava para desempenhar as suas funções, já que estas situações são compatíveis com outro tipo de contratos, afins do contrato de trabalho, como é o contrato de prestação de serviços.” (Ac. do STJ de 21.03.2001, proc. nº 00S3918).

É o próprio DL 141/89, na alínea b) do seu artº 12º, que impõe como obrigação ao Réu, prestar “(…) apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua atuação (…)”.

Daí não advém, pois, que a R.A. exerça as suas funções em regime de subordinação jurídica. Assim, a R.A. não se encontra subordinada hierarquicamente, não tendo, como tal, o dever de obediência e não podendo ser, como nunca foi, objeto de processo disciplinar por parte da Entidade Demandada. Até porque as justificações efetuadas pela R.A., quando faltava, seriam apenas feitas junto das Associações onde prestava serviço, de forma verbal, não havendo lastro rasto de ter sido apresentado qualquer documento justificativo para o efeito; nessa conformidade, inexiste qualquer nulidade do contrato de prestação nos termos em que o Recorrente invoca, não incorrendo a decisão recorrida dos vícios que lhe imputa.

Face à factualidade supra descrita, e que se provou, verifica-se que o contrato de prestação de serviços foi celebrado de acordo com as exigências legais previstas no DL 141/89, de 28 de abril, que estipula as formalidades às quais o mesmo deve obedecer.

É certo que a Lei n.º 12.A/2008, de 27 de fevereiro, entretanto revogada pela Lei n.º 80/2017, de 18 de agosto, que estabelecia o Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores em funções públicas, fixava um regime de invalidade dos contratos de prestação de serviços. Porém, tal regime não era aplicável ao caso dos autos, atenta a sua nomenclatura e especificidade funcional.

Quanto à suposta nulidade da denúncia do contrato de prestação de serviços baseada no pressuposto que atividade para a qual a R.A. foi contratada subsiste no seio da Entidade Demandada e é necessária para a prossecução da sua atividade, cumpre apenas reiterar que a alegação em causa não é exata, não resultando, aliás, da factualidade dada como provada.

De facto, a este propósito, apela-se à cláusula sétima, ponto a) do contrato de prestação de serviços, no qual se estipula que: “Este contrato pode ser livremente denunciado, por qualquer das partes, com aviso prévio de quinze dias do respetivo termo ou qualquer das suas prorrogações, sem que seja devida indemnização.”

Como se infere do clausulado invocado, o contrato da R.A. podia ser denunciado a todo tempo, sem que fosse devida qualquer indemnização, estando apenas condicionado a um aviso, prévio de, pelo menos, 15 dias, o que no caso em apreço se verificou, uma vez que a denúncia do contrato foi comunicada à R.A. por ofício de 26/02/2014, que chegou ao seu conhecimento em 28/02/2014, reportando-se a denúncia contratual a 30/04/2014.

Assim, é até patente que o aviso prévio concedido pelo ISS IP foi superior ao limite mínimo de 15 dias contratualmente fixado.

Não era exigido qualquer outro formalismo para a denúncia do contrato, pelo que a tese sufragada pelo Autor, ora Recorrente, não tem qualquer fundamento.

Quanto à suposta nulidade da denuncia operada por força do acórdão do tribunal Constitucional n.º 237/01 que declarou inconstitucional o artigo 10º n.º 2 do DL 141/89, quanto interpretado no sentido de permitir a cessação, pela instituição de suporte, destes contratos e em qualquer altura, por violação do artigo 53.º da CRP cumpre frisar que o acórdão citado não é aplicável caso concreto, conforme se evidencia na decisão recorrida.

Já quanto à conversão do contrato de prestação de serviços, cumpre enunciar, como bem decidiu o Tribunal a quo, que o referido contrato não pode ser convertido, nos termos propostos pelo Autor, ora Recorrente.

Com efeito, como já se disse, o contrato de prestação de serviços da R.A. foi celebrado ao abrigo do disposto no DL 141/89, de 28 de abril, normativo este especial, aprovado e emitido pelo órgão legislativo competente e que, por se tratar de ato legislativo de igual valor (artº 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não permite que se recorra ao Código do Trabalho para nele tentar enquadrar o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS,IP; mesmo que se verificassem (e não se verificam) todos os elementos típicos do contrato de trabalho.

Foi o próprio legislador, quem previu e admitiu a celebração de contratos de prestação de serviços entre o ISS. IP e os particulares, proibindo até a celebração de outro tipo de contrato, quando nos Serviços não existissem funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções necessárias, ou quando inexistisse um número insuficiente de trabalhadores para as exercer.

Reconhecer, como pretende o Autor, ora Recorrente, que a R.A. detém uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado com o ISS, IP, seria reconhecer uma situação que é vedada pela própria lei e, como tal, ilegal, como se demonstrará.

Como decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 368/2000, Proc. nº 243/00, in DR nº 277 de 30 de novembro, 1ª Série, (que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral o artigo 14.º, n.º 3, do DL 427/89, de 7 de dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo) não é possível aceitar a interpretação, por ser a mesma inconstitucional, que os contratos a termo certo, e por maioria de razão os contratos de prestação de serviços, se possam converter em contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado, pois, caso tal fosse possível, ou se pudesse admitir que o Tribunal teria a possibilidade de proceder a tal conversão, então esta seria uma forma de, em violação dos princípios da igualdade dos atos normativos e do respeito pela igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de exceções à regra do concurso, sendo, por conseguinte, tal interpretação inconstitucional, por violação do disposto no nº 2 do artº 47º e artº 112º, nº 2 da CRP.

Repete-se, o contrato celebrado entre a R.A. e o ISS, IP foi, como qualquer outro, outorgado no âmbito da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil, nos termos do qual “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.

No âmbito dessa liberdade contratual, e porque o ISS, IP é um organismo do Estado, encontra-se sujeito ao estrito cumprimento da legislação em vigor, nomeadamente no que à contratação de trabalhadores diz respeito, matéria na qual se encontra sujeito a apertados limites.

E foi, em respeito desses mesmos limites (nomeadamente os consagrados no artº 10º nº 2 do DL 141/89, de 28 de abril), que expressamente se consagrou na cláusula 5ª do contrato de prestação de serviços aceite e assinado pela R.A., que o mesmo não lhe conferiria a qualidade de “funcionário ou agente do Estado”, inerente a todos os trabalhadores da administração pública.

Assim, a R.A., no âmbito da liberdade contratual, celebrou com o ISS, IP, de forma esclarecida e livre, o aludido contrato de prestação de serviços, consciente de que, com ele, não passava a ser trabalhadora do ISS, vinculada por contrato de trabalho ou de provimento.

A R.A. não se encontrava numa relação jurídica de emprego público, porquanto a relação jurídica de emprego na função pública apenas se pode constituir por nomeação e contrato de pessoal, podendo este revestir as formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo.

Ademais, não podemos deixar de referir que é notório que a R.A., além de saber que a hipótese de considerar a sua prestação de serviço como um contrato de trabalho é inadmissível, também nunca verdadeiramente o considerou como tal, já que, durante tantos anos de vigência do seu contrato, nunca exigiu a conversão contratual a que agora se arroga (cfr. neste sentido, o Ac. do STJ de 28.06.2006, proc. nº 06S900).

Por outro lado, não só não é defensável que o contrato de prestação de serviços é um contrato de trabalho, como também não é defensável a possibilidade da conversão do presente contrato em contrato de trabalho, porquanto, se nos termos do nº 2 do artigo 10º da então em vigor Lei 23/2004, de 22 de junho, o contrato de trabalho a termo certo “(…) não se converte, em caso algum, em contrato sem termo (…)”, então, por maioria de razão, também o contrato de prestação de serviços, contrato que se enquadra numa relação jurídica de trabalho autónomo, jamais se converteria em contrato sem termo, ou, simplesmente, num contrato de trabalho.

Assim sendo, a admitir-se a conversão do contrato de prestação de serviços, que na prática e por via sucedânea redundasse na manutenção de um vínculo por tempo indeterminado (contrato individual de trabalho sem termo), estar-se-ia a violar e subverter o disposto no DL 141/89, de 28 de abril e legislação posterior sobre o regime de admissão de pessoal na administração, permitindo-lhe o acesso ao mapa (específico) de pessoal, por um meio ilegal e a que os demais cidadãos não têm acesso.

E, deste modo, revelar-se-ia também violador do princípio da igualdade e liberdade de acesso à função pública que assiste aos cidadãos, nos termos do artigo 47º/2 da CRP.

De facto, o acesso ao atual mapa específico de pessoal do ISS.IP (como de resto acontece na Administração Pública em geral) está sujeito à cabimentação orçamental, ao número de vagas, e pressupõe a sujeição a um critério de seleção e recrutamento e a um período experimental com avaliação de desempenho no fim da qual se decidirá pela continuidade, ou não, desse vínculo.

A aceitar-se a tese defendida pelo Autor, ora Recorrente, e a proceder a sua pretensão, este processo determinaria uma outra via de ingresso nos mapas da Administração Pública, sem sujeição às regras e procedimentos legalmente estabelecidos, designadamente, sem sujeição a processo de seleção juntamente com outros candidatos, e em violação do princípio da igualdade de acesso à função pública e das normas que regem a contratação de inquestionável natureza imperativa, o que, reitera-se se mostraria inconstitucional.

Em síntese:
-não há qualquer irregularidade no presente contrato de prestação de serviços e não há lugar à conversão do presente contrato em contrato individual de trabalho, na medida em que não estão reunidos os requisitos legalmente estabelecidos para que se considere existir contrato de trabalho e, ainda que existisse, tal conversão não seria admissível por violação da CRP - vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no proc. 2079/09.0TTPNF.P1 de 11/07/2012: III - A interpretação da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, respeitante ao Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, no sentido de que, no caso dos autos, imporia a conversão do contrato a termo em contrato sem termo seria inconstitucional por violação do disposto no artº 47º, nº 2, da Constituição;
-em todo caso, e quanto à invocada violação do artigo 53.º da nossa Lei Fundamental e da Diretiva 1999/70/CE pela R.A., com vista a sustentar a conversão do seu contrato de prestação de serviços em contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado à revelia do preceituado na lei ordinária, cfr. o Acórdão deste TCA Norte, no proc. 02637/09.3BEPRT, de 02/03/2012, sumariou:
“I – A lei continua a distinguir claramente a possibilidade de acesso ao trabalho por tempo indeterminado em entidade pública da possibilidade da contratação que seja (apenas) a termo, e por isso, justificadamente (e sem violar preceitos constitucionais) impede a conversão (artigo 10 n.º 2 da lei 23/2004). II – Assim, a não conversão de um contrato a termo, celebrado por um trabalhador e uma pessoa coletiva pública, num contrato por tempo indeterminado não viola o direito comunitário (concretamente a Diretiva 1999/70/CE) nem a Constituição (concretamente o princípio contido no seu artigo 53.º) e corresponde à vontade lei”;
- Também no Acórdão deste TCAN nº 00939/15.9BEPRT, de 10-02-2017 se sumariou que:
“1 – A proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo, celebrados por entidades públicas, em contratos de trabalho sem termo, resulta expressamente das normas legais sucessivamente aplicáveis (cfr. artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 428/89 e artigo 18.º/4 do mesmo diploma, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 218/98; 2.º/2 da Lei n.º 23/2004; e artigo 92.º/2 da Lei n.º 59/2008) e é constitucionalmente imposta pelo artigo 47.º/2 da CRP, entendendo-se que o direito à segurança do emprego consagrado no artigo 53.º da CRP, não tem nessa conversão uma garantia necessária.
2 - A forma de acesso à função pública pela conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, violador do princípio da igualdade estabelecido no artigo 47°, nº 2 da Constituição, em face do que não será aceitável.
3 - Uma interpretação no sentido da conversão de um contrato a termo resolutivo em contrato por tempo indeterminado criaria inovatoriamente - e contra lei expressa que se harmoniza com a Constituição e o Direito comunitário - uma via ínvia de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado, permitindo que em situação irregular e por via dessa irregularidade se consolidasse, ilegitimamente, a relação de emprego com efeitos permanentes e duradouros, sem respeito pela precedência de procedimentos de recrutamento e métodos de seleção em regimes de oponibilidade, que visam garantir que em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública.*
-ainda que assim se não entendesse, a Diretiva 1999/70/CE não permite a invocação do seu efeito direto e, igualmente, não impõe a necessidade da sua harmonização com o direito nacional;
-o artigo 10º, nº 2, da Lei 23/2004 não é inconstitucional, pois não contraria o artº 53º da Constituição;
-concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo celebrado com uma pessoa coletiva de direito público, a comunicação feita por esta ao trabalhador, anunciando a caducidade da relação contratual, não consubstancia um despedimento;
-assim sendo, a admitir a conversão do contrato de prestação de serviços, que na prática e por via sucedânea redundasse na manutenção de um vínculo por tempo indeterminado (contrato individual de trabalho sem termo), violaria o disposto no DL 141/89, de 28 de abril e legislação posterior sobre o regime de admissão de pessoal na administração, permitindo-lhe o acesso ao mapa (específico) de pessoal, por um meio ilegal e a que os demais cidadãos não têm acesso;
-concluindo-se pela impossibilidade legal de conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado um contrato de prestação de serviços celebrado com uma pessoa coletiva de direito público, a comunicação feita pela Entidade Demandada à R.A., denunciando o contrato, com respeito de um aviso prévio de 15 dias, não consubstancia um despedimento, nem dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por suposto despedimento ilícito;
-ademais é a própria cláusula 7, alínea a) do contrato a determinar que não é devida qualquer indemnização, desde que a denúncia opere com respeito de, pelo menos, um aviso prévio de 15 dias, o que ocorreu no caso posto;
-não é, portanto, devida qualquer compensação à R.A. pela denúncia do contrato, como bem concluiu o Tribunal a quo:
Conforme o sobredito, o contrato celebrado entre o Réu e a representada do Autor é um contrato de prestação de serviço para a atividade de ajudante familiar, celebrado ao abrigo de um regime específico que o legislador decidiu prever, para colmatar as necessidades que se fazem sentir nos serviços de ação social.

É certo que o contrato, cuja duração inicial era de seis meses, se renovou sucessiva e automaticamente, perfazendo mais de 10 anos. Em qualquer caso, no regime legal em questão não está previsto qualquer limite para as renovações deste tipo de contrato.

Assim sendo, prevendo o contrato e a lei a possibilidade de denúncia a todo tempo, sem indemnização, desde que cumprido o prazo de pré-aviso - que como se verificou foi cumprido - o Réu não agiu de forma ilícita, nem a representada do Autor foi despedida de forma ilícita, razão pela qual, não tem direito a qualquer indemnização.

Em face de tudo quanto se expendeu, não merece censura o entendimento adotado pelo tribunal a quo.

V - Decisão

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza - artigo 4º/1/al. f) do RCP.
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Porto, 5 de março de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa