Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00265/09.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LIMITES DE FREGUESIAS; ALTERAÇÃO MATÉRIA DE FACTO; INCONSTITUCIONALIDADES
Sumário:1 – A criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efetuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais.
É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.
Já a demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos Tribunais Administrativos, em função da prova produzida.
2 - Os poderes conferidos ao tribunal ad quem pelo artº 662º, nº1 do CPC devem ser articulados com o disposto no artº 607º, nº5 do CPC, segundo o qual «o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto…”.
Tal significa que o tribunal ad quem deve ser especialmente cuidadoso na reapreciação do julgamento da matéria de facto, só devendo proceder à alteração dessa matéria se a mesma padecer de erro notório ou manifesto.
3 – É pacífico o entendimento segundo o qual o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão de 1ª instância, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada por aquele tribunal, relativamente à decisão sobre as questões que o recorrente considere incorretamente julgados, e que mereceriam decisão diversa.
Assim, o Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, mostrando-se manifesta a desconformidade dos factos dados como provados, com os meios de prova disponíveis, por forma a não desvirtuar a relevância da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova feitas.
4 - Não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Junta de Freguesia de Vieira do Minho
Recorrido 1:Junta de Freguesia da Eira Vedra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A Junta de Freguesia de Vieira do Minho, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum intentada pela Junta de Freguesia da Eira Vedra, tendente à alteração dos limites de ambas as freguesias, inconformada com a Sentença proferida em 14 de julho de 2015, no TAF de Braga (Cfr. fls. 174 a 187 Procº físico), na qual a ação foi julgada procedente, tendo sido decidido declarar “(…) que a linha divisória entre as freguesias de Eira Vedra e Vieira do Minho é a linha imaginária que resulta da demarcação constante do Auto do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra conjugada com a demarcação da freguesia de Vieira do Minho efetuada pelo Decreto-lei nº 22.593, de 29 de Maio de 1933, devendo a freguesia de Vieira do Minho de abster-se de qualquer ato de usurpação de natureza administrativa ou outra que colida com a circunscrição territorial e administrativa da freguesia de Eira Vedra”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 1 de outubro de 2015 (Cfr. fls. 200 a 213 Procº físico).

Formula a aqui Recorrente/Freguesia de Vieira do Minho nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“A. A ora recorrida Junta de Freguesia de Eira Vedra requereu que a delimitação do território entre a sua Freguesia e a Freguesia ora recorrente observasse as demarcações constantes dos Autos do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933, que criou a Freguesia de Vieira do Minho.

B. Todavia, na sua contestação a recorrente veio impugnar a delimitação apresentada pela recorrida, porquanto o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933 expressamente contempla a povoação de Entre-Devesas como pertencendo ao território da aí criada Freguesia de Vieira do Minho.

C. O douto Tribunal a quo, no entanto, veio julgar procedente o pedido da recorrida, declarando que a linha divisória entre as freguesias de Eira Vedra e Vieira do Minho é a linha imaginária que resulta da demarcação constante do Auto do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933,

D. Mais condenando a recorrente na abstenção de qualquer ato de usurpação de natureza administrativa ou outra que colida com a circunscrição territorial e administrativa da freguesia recorrida.

E. Todavia, a recorrente não pode nisso conceder uma vez que prova produzida nos autos não ficou demonstrado que os marcos delimitadores do território da Freguesia de Vieira do Minho e da Freguesia de Eira Vedra são o Marco do Alto do Carvão, a Casa de Vieira (a dividir Entre-Devesas) e a Ponte de Espaio,

F. O que implica a divisão do território do lugar de Entre-Devesas pelas duas freguesias, contrariando frontalmente o vertido no sobredito artigo 3.º do no Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933. Assim,

G. Dos depoimentos das testemunhas DBS e MJJP resulta inexistir qualquer marco delimitador dos territórios das duas freguesias no Alto do Carvão (265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 24:47 a 25:12, 28:20 a 28:37 e 41:38 a 41:57).

H. Dos depoimentos das testemunhas MJJP e MC resulta que a Ponte de Espaio não é um marco e que a única linha divisória entre as duas freguesias é a linha de água, que está para além da linha contante da alínea c) dos factos dados como provados (265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 52:26 a 52:44 e 1:17:30 a 1:18:41).

I. Em consequência, no que concerne ao facto dado como provado na alínea c) da sentença – “Os marcos delimitadores do território da freguesia de Vieira do Minho e da freguesia de Eira Vedra são o Marco de Alto de Carvão, a Casa de Vieira (a dividir entre as Devesas) e a Ponte de Espaio” –, deveria, ao invés, aí constar que a Freguesia de Vieira do Minho se estende até à linha de água, englobando, tal como dispõe o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933, a totalidade da povoação de Entre-Devesas, não existindo qualquer marco no Alto do Carvão, na Casa de Vieira (a dividir Entre-Devesas) ou na Ponte de Espaio.

J. Da prova produzida nos autos resultou ainda provado que a última casa da Freguesia de Vieira do Minha era a Casa da Lameira (depoimentos de DBS e MJJP, 265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 22:58 a 23:10 e 42:28 a 42:46), que ficava no local onde atualmente se encontra o Pingo Doce (depoimento de DBS, (265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 23:22 a 23:33 e 31:45 a 32:42), sendo que, à data, nesse local havia apenas duas casas e um barraco (depoimentos de DBS e MJJP, 265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 24:09 a 24:33 e 43:18 a 43:43).

K. Mais resultou provado que a Freguesia de Eira Vedra, começando no Alto do Carvão, segue pela linha de água abaixo, passando no Pingo Doce e parando nos moinhos velhos, na ribeira de Tabuaças (depoimentos das testemunhas MJJP, FJRB, MC e JBC, 265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 39:30 a 41:00, 42:18 a 42:28, 52:26 a 52:44, 56:06 a 56:30, 1:00:21 a 1:01:45, 1:02:37 a 1:03:00, 1:17:30 a 1:18:41 e 1:30:48 a 1:31:18),

L. Bem como que o lugar de Entre-Devesas pertence na sua totalidade à Freguesia de Vieira do Minho (depoimentos de FJRB, MC e JBC, 265-09 continuação julgamento 24-09-13, respetivamente, minutos 1:07:40 a 1:09:46, 1:18:42 a 1:19:00 e 1:29:33 a 1:29:53).

M. Assim, contrariamente ao que foi dado como provado na alínea d) da sentença – "O limite territorial e paroquial da Freguesia de Eira Vedra foi demarcado por uma linha imaginária que, seguindo pelas águas vertentes, liga o Alto do Carvão à Ponte de Espaio, passando por entre as casas dos irmão P..." – deveria a mesma ter considerado como facto provado que a linha divisória das Freguesias de Vieira do Minho e Eira Vedra começa no Alto do Carvão e segue pela linha de água abaixo, passando no Pingo Doce e pelos moinhos velhos, na ribeira de Tabuaças, sendo que a povoação de Entre-Devesas pertence na íntegra à Freguesia de Vieira do Minho.

N. Da prova produzida resulta ainda que sempre foi a Freguesia de Vieira do Minho, e não a de Eira Vedra, através dos seus funcionários, a garantir a limpeza e manutenção da povoação de Entre Devesas (depoimento de MC, 265-09 continuação julgamento 24-09-13, minutos 1:19:30 a 1:20:04, 1:20:05 a 1:20:19 e 1:23:37 a 1:24:09).

O. Consequentemente, a sentença em crise não deveria ter dado como factos provados os vertidos nas alíneas e) e f) – respetivamente, "A limpeza e manutenção de todo o território da Freguesia de Eira Vedra, desde o Alto do Carvão até à Ponte de Espaio, passando pela Casa de Vieira, é assegurada pela Junta de Freguesia de Eira Vedra" e "Desde o ano de 2009 que a Freguesia de Vieira do Minho também assegura a manutenção e limpeza de zonas referidas em e)” – mas que sempre foi a Freguesia de Vieira do Minho a assegurar a limpeza e manutenção do lugar de Entre-Devesas.

P. Assim, face aos depoimentos das testemunhas DBS, MJJP, FJRB, MC e JBC supra referidos, deveria o douto Tribunal a quo ter retirado as devidas ilações e valorado a prova em conformidade.

Q. Pelo que não pode a recorrente conformar-se com o facto de o Tribunal a quo ter desconsiderado o que dos depoimentos destas testemunhas prova, de forma inequívoca, a tese da recorrente sem aduzir qualquer argumento objetivo e pertinente para valorar mais os depoimentos das testemunhas da recorrida em detrimentos dos das testemunhas da recorrente.

R. Em consequência, compilando toda a prova produzida nos autos e dela retirando os devidos efeitos, deveria o Tribunal a quo ter considerado improcedente por não provado o pedido formulado pela recorrida Junta de Freguesia de Eira Vedra e declarado que a linha divisória entre as freguesias de Eira Vedra e Vieira do Minho é a linha que, partindo do Alto do Carvão, segue pela linha de água abaixo e passa pelo local onde, atualmente, se encontra instalado o Pingo Doce, desembocando nos moinhos velhos, na ribeira de Tabuaças. Sem prescindir,

S. A Freguesia de Vieira do Minho foi criada, de acordo com a Lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916, pelo Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933, integrando, conforme disposto no artigo 3.º, a povoação de Entre-Devesas.

T. Tal disposição legal revoga quaisquer limites territoriais estabelecidos anteriormente que com ele conflituem, como é o caso dos Autos do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra.

U. Assim, ainda que os Autos do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra estabeleçam que a demarcação da freguesia da recorrida se faz tendo por referência a linha imaginária que, seguindo as águas vertentes, ligaria o Alto do Carvão à Ponte de Espaio, esta delimitação tem que se considerar revogada no que conflitue com a estabelecida para a Freguesia de Vieira do Minho de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933.

V. Ou seja, mesmo que a povoação de Entre-Devesas tivesse outrora pertencido, em parte, à Freguesia de Eira Vedra, o que se apenas por mera hipótese de raciocínio se concede, tal delimitação ter-se-ia que considerar revogada pelo Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933.

W. Pelo que, ao considerar que os marcos delimitadores do território da Freguesia de Vieira do Minho e da Freguesia de Eira Vedra são o Marco do Alto do Carvão, a Casa de Vieira (a dividir Entre-Devesas) e a Ponte de Espaio, o douto Tribunal a quo andou mal na medida em que retirou à recorrente uma parte do seu território, concretamente uma porção do lugar de Entre-Devesas.

X. Assim, a sentença em crise padece do vício de ilegalidade por violar o disposto no Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de Maio de 1933, bem como o princípio da legalidade, nas vertentes de supremacia da lei e de reserva de lei, decorrente do princípio geral do Estado de Direito Democrático, conforme disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 2 da C.R.P.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá:

a) Ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência

b) Ser revogada a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que declarou que a linha divisória entre as freguesias de Eira Vedra e Vieira do Minho é a linha imaginária que resulta da demarcação constante do Auto do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 22593, de 29 de Maio de 1933 e que condenou a recorrente na abstenção de qualquer ato de usurpação de natureza administrativa ou outra que colida com a circunscrição territorial e administrativa da freguesia recorrida, e

c) Ser declarado, por provado, que a linha divisória entre as freguesias de Eira Vedra e Vieira do Minho é a linha que, partindo do Alto do Carvão, segue pela linha de água abaixo e passa pelo local onde, atualmente, se encontra instalado o Pingo Doce, desembocando nos moinhos velhos, na ribeira de Tabuaças, como é de direito e de justiça!

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 6 de outubro de 2015 (Cfr. fls. 220 Procº físico)

A Recorrido/Freguesia de Eira Vedra, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 28 de outubro de 2015, concluindo (Cfr. fls. 233 a 241v Procº físico:

“A. A douta sentença recorrida não nos merece censura, porquanto julgou bem os factos e a sua consequente subsunção ao direito aplicável.
B. A Recorrente entende que da prova produzida em sede de Audiência Discussão e Julgamento não se demonstraram provados os factos dados como assentes em c), d) e) e f) da, aliás douta sentença.
C. Não assiste razão à Recorrente, como demonstraremos infra.
D. Da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, alicerçada na Inspeção ao Local, e ainda na falta de impugnação de todos os documentos juntos pela ora Recorrida, por parte da então Ré, resulta, inequivocamente que:
“c) Os marcos delimitadores do território da freguesia de Vieira do Minho e da freguesia de Eira Vedra são o Marco do Alto de Carvão, a Casa de Vieira ( a dividir Entre as Devesa) e a Ponte de Espaio.
d) O limite territorial e paroquial da Freguesia de Eira Vedra foi demarcado por uma linha imaginária que, seguindo pelas águas vertentes, liga o Alto do Carvão à Ponte de Espaio, passando por entre as casas dos irmãos P....”
e) A limpeza e manutenção de todo o território da Freguesia de Eira Vedra, desde o Alto do Carvão até à Ponte de Espaio, passando pela Casa de Vieira, é assegurado pela Junta de Freguesia de Eira Vedra.”
f) Desde o ano de 2009 que a Freguesia de Vieira do Minho também assegura a manutenção e limpeza de zonas referidas em e).”
E. A Recorrida instruiu com a Petição Inicial diversos documentos, nomeadamente o documento n.º 3, 4 e 5 a demonstrar os marcos divisórios e delimitadores da freguesia de Eira Vedra e da freguesia de Vieira do Minho.
F. O Documento n.º 3 identifica o Alto do Monte do Carvão, onde ainda existem as marcas do marco que lá existiu.
G. O Documento n.º 4 identifica o outro marco divisório como sendo a Casa de Vieira, casa onde ainda hoje tem uma placa identificadora com os dizeres “VIEIRA”.
H. O Documento n.º 5 identifica o último marco divisório entre as freguesias, como sendo a Ponte de Espaio.
I. Estes documentos não foram impugnados pela Recorrente, porquanto têm de ser, como foram admitidos como prova do que deles consta.
J. O mesmo se dirá dos documentos n.º 6, 7 e 8, que também não foram impugnados e valem como prova do que neles se encontra escrito.
K. Complementando os documentos juntos a Recorrida apresentou prova testemunhal que veio corroborar, na íntegra, o constante desses mesmos documentos.
L. Todas as testemunhas apresentadas pela Recorrida demonstraram um conhecimento efetivo e profundo da delimitação das freguesias, fundamentando-o com maior grau de certeza e conhecimento.
M. E foi pelo Tribunal a quo considerado, após o seu juízo crítico sobre todos os testemunhos, que as testemunhas da Recorrida apresentaram um “conhecimento mais profundo e fundamentado da delimitação das freguesias aqui em causa e de todas as questões que se ligam a tal definição.”
N. Enfim, o que a Recorrente discorda é da apreciação do Julgador, não é da matéria de facto provada, é apenas e só da convicção que o julgador formou de toda a prova produzida, testemunhal e documental, e da constatação in loco, esquecendo-se que o julgamento obedece ao princípio da livre apreciação da prova e também ao princípio da imediação.
O. Está consolidada, em matéria de recurso sobre a matéria de facto que “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. O art. 690.º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655.° do C.P.Civil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacifico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. ANTONIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in “TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto de 2003-01-09, na Internet, in www.dgsi.pt, JTRP00035485, o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001-03-27, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88), Ac. TCAN, proc. 00760/07.BECBR, de 24-04-2015, disponível em www.dgsi.pt, e o Ac. STA, de 19.10.2005, in Rec. 0394/05, disponível em www.dgsi.pt
P. Igualmente, no Tribunal Constitucional já foi tomada posição sobre o recurso em matéria de facto, “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”
Q. No Ac. do TCAN, proc. n.º 01035.2BEVIS, de 06-12-2013, refere-se que: “1. O Tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. 2. O que se visa determinar é se a motivação expressa pelo Tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do(s) depoimento(s) testemunhal(ais) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.”
R. Para este juízo crítico, para esta convicção prático-jurídica, muito terá contribuído a inspeção ao local realizada, onde foi possível aferir in loco, a realidade posteriormente retratada pelas testemunhas.
S. Outra decisão não seria de esperar, no local constatou-se a existência do penedo do Alto do Carvão, onde outrora esteve colocado um marco em cima, do qual ainda restam vestígios, ou “cicatrizes” como lhe chamaram algumas testemunhas.
T. Verificou-se onde se situa a chamada “Casa de Vieira”, conhecida pela placa ainda lá colocada com os dizeres “VIEIRA”, ao lado da tão famosa casa do Sr. JA.
U. Casa essa, de JA, conhecida como sendo a casa onde o seu proprietário – JA – comia em Eira Vedra e dormia em Vieira do Minho, por pela sua casa passar a divisão das duas freguesias (de acordo com a referida linha imaginária que desce o Alto do Carvão e termina na Ponte de Espaio, passando pela Casa de Vieira e por entre as casas dos irmãos P....), história repetida pelas testemunhas da Autora, e por todo o concelho, e não desmentida pelas testemunhas da Ré.
V. As testemunhas apresentadas pela Recorrente apenas para contraprova do alegado pela Recorrida, porquanto esta apenas se defendeu por impugnação ao contrariar os factos invocados pela Recorrida.
W. A testemunha FAS, que foi Presidente da Junta da Freguesia de Eira Vedra durante 4 anos e membro da Assembleia da mesma Freguesia durante cerca de 12 anos, no pós 25 de Abril, à pergunta colocada sobre se sabia quais os marcos que delimitavam a Freguesia de Eira Vedra da Freguesia de Vieira do Minho respondeu:
X. (265 (09-09), minutos 2:44 a 3:18):
Testemunha: “Sei que havia um marco onde lhe chamam o Alto do Carvão, que andei por lá muitas vezes com as ovelhas. E havia outro onde é o núcleo das escolas que estão plantadas em Eira Vedra, que é o núcleo de escolas de Vieira do Minho, havia lá outro marco, marco seguramente quadrado de 40 por 40 e com um buraquinho no meio. Era a Ponte de Espaio e o marco estava mais lá no altinho para ver-se o Alto do Carvão.”
Y. (265 (09-09), minuto 3:26 a 3:36):
Adv.: “Qual era a divisória era a Ponte de Espaio ou ...?”
Testemunha: “Era a Ponte de Espaio!”
Adv.: “Esse marco tinha alguma razão de ser?”
Testemunha: “Esse marco ... a razão que tinha era que eles da Ponte não conseguiam ver o Alto do Carvão.”
Z. (265 (09-09), minuto 4:06 a 4:55):
Testemunha: “A marca é a Ponte de Espaio.”
Adv.: “Então o limite será o Alto do Carvão e a Ponte de Espaio?”
Testemunha: “Sim!”
Adv.: “E por onde passa?”
Testemunha: “Entre-as-Devesas”
Adv.: “Há alguma marca especial na zona de entre-as-devesas por onde passaria, vá lá, esta linha divisória?”
Testemunha: “Há uma plaquinha naquela casa, porque entre-as-devesas não havia casas no meu tempo. Não havia casa nenhuma, só havia uma única casa que era de madeira (...) E entre-as-devesas era para os lados da Vila e não para o lado de cá ... para o lado de cá não havia casas.”
Adv.: “Essa placa que o Sr. Francisco fala é a placa da chamada Casa de Vieira?”
Testemunha: “Sim. Sim. Sim...”
AA. Questionada a testemunha sobre outros marcos, disse:
BB. (265 (09-09), minuto 6:08 a 6:28):
Testemunha: “Era por onde dividiam, a do António P... de um lado de Vieira, e a do AP Eira Vedra. E foi, onde, por acaso, casei lá. A minha mulher estava lá na casa do AP.”
CC. Sobre a limpeza e manutenção da zona em discussão nos presentes autos, a Testemunha afirmou, perentoriamente que quem limpava e fazia a manutenção das estradas, das valetas, era a Junta de Eira Vedra, e ainda agora é, e que só posteriormente à entrada da presente ação é que a Junta de Vieira do Minho começou a fazer, também ela, limpeza nessa mesma zona:
(265 (09-09), minuto 11:15 a 11:48, 12:20 a 12:30):
Adv.: “Quem é que procede à limpeza desta zona que fica ali limítrofe entre Vieira e Eira Vedra, esta zona do Alto do Carvão .... é a Junta Eira Vedra? Sempre foi a Junta de Eira Vedra? É a Junta de Vieira do Minho? No seu tempo como é que isso se processava?”
Testemunha: “Era a Junta Eira Vedra. Até porque tínhamos lá um cantoneiro que limpava o estradão, até ser alcatroado.”
Testemunha: “E entre as casas P..., quem limpava aquelas valetas, e ainda agora é...”
DD. Ainda sobre os marcos divisórios (265 (09-09), minuto 13:12 a 14:13):
Mma. Juiz: “A testemunha é confrontada com documento de fls. 15.”
Adv.: “Sr. F… será este o penedo do Alto do Carvão onde existe um marco, onde existiria o marco?
Testemunha: “Eu acho que é este o penedo onde existia o marco. Era onde estava o marco que foi lá plantado e estava lá há vários anos.
Adv.: “E é este? Não tem dúvidas que será este?”
Testemunha: “É esse, sim senhor.”
Mesmo no contrainterrogatório a testemunha afirma:
(265 (09-09), minuto 31:42 a 31:48):
Adv.: “Como é que o Sr. chega ao Alto do Carvão?”
Testemunha: “Como é que eu chego?”
Adv.: “Em termos de divisão, de delimitação das duas freguesias? Como é que ... Porque é que o Sr. diz que é ali no Alto do Carvão?”
Testemunha: “Porque toda a vida se ouviu, toda a vida se disse que era o Alto do Carvão que dividia e a Ponte de Espaio. Desde sempre...”
Adv.: “Mas isso é o que se diz ...”
Testemunha: “Pronto ... É o que se diz, porque é o que era!”
EE. Mesmo no contrainterrogatório a testemunha afirma:
(265 (09-09), minuto 31:42 a 31:48):
Adv.: “Como é que o Sr. chega ao Alto do Carvão?”
Testemunha: “Como é que eu chego?”
Adv.: “Em termos de divisão, de delimitação das duas freguesias? Como é que ... Porque é que o Sr. diz que é ali no Alto do Carvão?”
Testemunha: “Porque toda a vida se ouviu, toda a vida se disse que era o Alto do Carvão que dividia e a Ponte de Espaio. Desde sempre...”
Adv.: “Mas isso é o que se diz ...”
Testemunha: “Pronto ... É o que se diz, porque é o que era!”
(265 (09-09), minuto 31:55 a 32:04):
Testemunha: “Eu posso afirmar que havia lá um marco!!!”
FF. A testemunha FAS, com o seu conhecimento proveniente da sua provecta idade e dos cargos autárquicos que ocupou, foi perentório em afirmar quais os marcos divisórios das duas freguesias, como sendo o Alto do Carvão até à Ponte de Espaio, passando por entre as casas dos irmãos P..., e também foi perentório ao afirmar que quem procedia à limpeza das terras ora em disputa sempre foi a Junta de Freguesia de Eira Vedra, explicando que tinham inclusive um cantoneiro para o efeito.
GG. A testemunha MMG, presidente da Comissão Administrativa pós 25 de Abril, afirmou conhecer os limites, os marcos divisórios e tudo muito bem, por ter sido ele a fazer o recenseamento (265 (09-09), minuto 44:35 a 44:55).
A mesma testemunha continua em (265 (09-09), minuto 45:35 a 45:55):
Adv.: “Então essa casa onde tem a placa “VIEIRA” é o que?”
Testemunha: “É o quê!? Para lá é Vieira e para cá é Eira Vedra.”
Adv.: “Então é divisória?”
Testemunha: “É divisória!”
Adv.: “Então a casa de Vieira podemos dizer que é um marco divisório da freguesia de Eira Vedra e freguesia de Vieira do Minho?”
Testemunha: “É sim!”
HH. A testemunha MMG, (265 (09-09), minuto 46:00 a 47:30), confirma que existia o marco no Alto do Carvão, entretanto retirado, confrontada com fotografia desse mesmo penedo.
(265 (09-09), minuto 47:32 a 48:00):
Adv.: “Há mais algum marco ou marca (...)?
Testemunha: “Há sim. A Casa dos P...s e a Ponte de Espaio.
Adv.: “ A ponte de Espaio é o fim?”
Testemunha: “É o fim!”
II. Já perto do final do depoimento, a testemunha ainda conclui que:
(265 (09-09), minuto 53:04 a 53:25):
Adv.: “A serração, o Pingo Doce, a B.P., toda aquelas lojas naquela zona é Eira Vedra ou é Vieira do Minho?”
Testemunha: “É Eira Vedra!”
Adv.: “É Eira Vedra, não tem dúvidas disso?”
Testemunha: “Não tenho dúvidas nenhuma”.
JJ. Por fim, e perguntado a (265 (09-09), minuto 53:59 a 54:25) sobre quem cuidava, e fazia a manutenção e limpeza de todos esses terrenos em discussão, foi dizendo que no seu tempo, e quando havia dinheiro, quem fazia alguma coisa era Eira Vedra, mas agora que não sabe. Mas só quando havia dinheiro, pois os tempos eram diferentes dos de agora, concluiu.
KK. A testemunha MOD, veio elucidar o Tribunal de que, (265 (09-09), minuto 1:12:10 a 1:12:30), os marcos divisórios são o Alto do Carvão, passando à casa do Antoninho P... até à Ponte de Espaio.
LL. Confrontado com documento 3 da P.I., fotografia do penedo do Alto do Carvão, afirmou que era aquele o penedo onde outrora existiu um marco, marco esse divisório, onde disse ter estado sentado em cima dele “centos de vezes”, por alturas de quando andava lá no cimo do monte a guardar o gado, dizendo ainda que foi ela que o descobriu, vai para lá de 50 anos - (265 (09-09), minuto 1.12:45 a 1:13:20).
MM. Foi inclusivamente esta testemunha que foi indicar às partes onde se situava o marco no Alto do Carvão, como refere ao minuto (265 (09-09), minuto1:13:30 a 1:13:40)
NN. A testemunha aproveita para contar a conhecidíssima história do falecido Sr. JA, que comia em Vieira e dormia em Eira Vedra, porquanto a sua casa era atravessada pela linha divisória (imaginária, com certeza) que vinha do Alto do Carvão à Ponte de Espaio. (265 (09-09), minuto 1:16:26 a 1:18:00). A casa do Sr. JA era ao lado da chamada “Casa de Vieira”.
OO. A testemunha afirma que quem cuidava das valetas, cortava as ervas e o mato, quem fazia a limpeza e a manutenção daquele território, era a Junta de Eira Vedra, e ainda continua a fazer (265 (09-09), minuto 1:21:40 a 1:22:30).
PP. Em (265 (09-09), minuto 1:23:25 a 1:23:35) afirma que aquele marco era a divisória da freguesia, e disse sabê-lo perfeitamente, porque ali foi nascido e criado.
QQ. A testemunha JC, carteiro durante toda a sua vida e Presidente de Junta da Freguesia de Mosteiro durante 34 anos, foi perentório, e com certeza por isso, pela sua assertividade, sinceridade, e conhecimento de causa, quer pela profissão de carteiro da vila de Vieira, quer por ter sido Presidente da Junta de Mosteiro, mereceu a máxima credibilidade do Tribunal a quo.
RR. Atrevemo-nos a dizer que ainda mereceu mais credibilidade do que as restantes testemunhas, mesmo da Autora, porquanto esta testemunha JC tinha um conhecimento direto e imediato, quer pelas funções autárquicas, quer pelas profissionais.
SS. Atentemos no depoimento da testemunha JC, sobre toda a matéria da base instrutória, à semelhança das anteriores testemunhas da Autora:
(265 (09-09), minuto 1:38:12 a 1:38:17):
Adv.: “O Senhor foi Presidente de Junta do Mosteiro?”
Testemunha: “Por várias vezes ocupei esse cargo, durante 34 anos.”
(265 (09-09), minuto 1:39:04 a 1:39:23):
Adv.: “O senhor distribuiu cartas na Serração durante anos. Então essas cartas eram dirigidas a Vieira do Minho ou a Eira Vedra?”
Testemunha: “Portanto a divisória de freguesia Sr. Dr. ...”
Adv.: “Já lá vamos, agora era mais por causa da sua profissão...”
Testemunha: “É Eira Vedra, é Eira Vedra.”
(265 (09-09), minuto 1:39:24 a 1:39:29):
Adv.: “As cartas onde hoje é a B.P. iam para ... ?
Testemunha: “Eira Vedra!”
(265 (09-09), minuto 1:39:42 a 1:39:50):
Testemunha: “Havia a casa da Lameira, em baixo...”
Adv.: “Que é Eira Vedra?”
Testemunha: “Que é Eira Vedra também.”
(265 (09-09), minuto 1:41:13 a 1:42:09):
Adv.: “Cede em 33 11 lugares a Vieira. Portanto desta cedência, Mosteiro que fazia divisão com Eira Vedra, alguma vez Mosteiro ocupou qualquer parte de terreno desta “Casa de Vieira” para lá, para a zona onde é hoje a B.P.?”
Testemunha: “Não!”
Adv.: “Essa zona era Eira Vedra, vocês não tocavam nisso?”
Testemunha: “Não!”
Adv.: Vocês só tocavam da casa para cá, para o centro da vila?”
Testemunha: “Sim! Sim! Sim” – reportando-se a testemunha à atuação da freguesia de Mosteiro, nos lugares que anteriormente pertenciam à freguesia e depois foram cedidos para a criação de Vieira do Minho.
(265 (09-09), minuto 1:42:18 a 1:43:30):
Testemunha: “A demarcação surgia no Alto do Carvão, é o nome que a gente lhe dava antigamente e ainda hoje. Do Alto do Carvão onde vinha a direito precisamente à esquina da casa do falecido António P..., que hoje tem outros edifícios (...).”
Adv.: “Que é um tal prédio que existe ...
Testemunha: “Hoje é um edifício novo ... sim senhor.
Adv.: “Que já é Vieira?”
Testemunha: “Sim, hoje é Vieira”
Adv.: “E na altura era a casa do P..., que era Mosteiro?”
Testemunha: “Mosteiro, parte era Mosteiro e parte era Eira Vedra e depois daquilo mais ou menos a direito descia a Espaio.”
Adv.: “A Ponte de Espaio?”
Testemunha: “Ponte de Espaio! E outros chamavam-lhe até Bairro do Requinta, Eira vedra chamava-lhe Bairro do Requinta, mas é Ponte de Espaio.”
TT. Questionada, e tendo por base de referência a chamada “Casa de Vieira”, a testemunha diz que (269 (09-09), minuto 1:43:50 a 1:44:):
Adv.: “Então tudo o que era para lá na direção do atual Pingo Doce era Eira Vedra? Não era vosso?” – leia-se Mosteiro
Testemunha: “Eira Vedra. Não, não era do Mosteiro!” (...)
“Era o lugar mais pequeno do Mosteiro é o que é hoje Vieira”
UU. à passagem do minuto 1:44:30 até 1:45:30, a testemunha afirma que sendo procurador de vários proprietários de apartamentos situados em frente às bombas de gasolina da B.P. emite os recibos pelo recebimento da renda, e que o faz como sendo de Eira Vedra, lugar de Loureiro, e não de Vieira.
VV. (265 (09-09), minuto 1:48:00 a 1:49:00): e referindo-se à “Casa de Vieira”, onde tem a inscrição “Vieira”, diz:
Testemunha: “Portanto, essa casa, como é que eu vou explicar isto, acho eu que é a parte final da margem esquerda da freguesia.”
WW. (265 (09-09), minuto 1:50:00 a 1:51:30):
Adv.: “Quem fazia nesta zona a manutenção desta zona?”
Testemunha: “Eira Vedra e por vezes encontramos alguns funcionários municipais.
XX. Esta última passagem foi declarada pela testemunha, tendo a mesma fundamentado o seu conhecimento na sua atividade profissional de carteiro, que diariamente passava por aquelas terras.
YY. (265 (09-09), minuto 1:54:30 a ):
Mma. Juiz: “Qual eram os limites entre Eira Vedra e Mosteiro?”
Testemunha: “Entre Eira Vedra e Mosteiro era aquilo que eu disse: Entre o Alto do Carvão à esquina do AP... a ribeiro de Espaio, à Ponte de Espaio.”
Adv.: “E no que é que o senhor se fundamenta para dizer isso?”

Testemunha: “Naquilo que ouvi toda a vida e por aquilo que ocupei toda a vida pela posição como Presidente de Junta de Mosteiro.”

(265 (09-09), minuto 2:00:30 a 2:02:10):
Mma. Juiz: “A zona onde está o Pingo Doce e a B.P. é conhecida pela população como?
Testemunha: “Ali, agora chamam-lhe o Lugar do Loureiro, Sra. Dra. Juiz.”
Mma. Juiz: “Lugar de Loureiro.”
Testemunha: “Sim, à beira da Casa das Lameiras, agora chama-lhe Lugar de Loureiro, que é Eira Vedra!”
Adv.: “Aquilo não é conhecido por Entre-as-Devesas?”
Testemunha: “Não! Entre-as-Devesas é atrás! Desculpe Sr. Dr. É atrás, subimos acima e é que é Entre-as-Devesas.
Aquele estradãozinho de ligação à Serração para cima e a estrada que vem dos fogueteiros, que lhe chamam.”
Adv.: “Todo este espaço que estamos aqui a ser discutido, que está aqui em causa ...”
Testemunha: “E que vai até ao Alto do Carvão, ao tal Alto do Carvão.”
Adv.: “É Loureiro, não é? Não é Entre-as-Devesas?”
Testemunha: “Já há bocado falei que passo até recibos como casas de Loureiro.”
Adv.: “E sabe se em Eira Vedra há algum lugar chamado de Entre-as-Devesas?”
Testemunha: “Não!”
Adv.: “Ou se alguma vez houve?”
Testemunha: “Não! Não! Não! Entre-as-Devesas Não! Posso dizê-los um por um se o Sr. Dr. necessitar.”
ZZ. (265 (09-09), minuto 2:02:54 a 2:03:18):
Mma. Juiz: “E esse Lugar de Entre-as-Devesas foi sempre de Vieira do Minho?”
Testemunha: “Sim! Sim! Sim! Lugar de Entre-as-Devesas.”
Testemunha: “Esse lugar leva-nos ao Alto do Carvão.”
Mma. Juiz: “Esse Alto do Carvão, essa linha imaginária não atravessava o lugar de Entre-as-Devesas?”
Testemunha: “O Lugar de Entre-as-Devesas terminava precisamente em cima, no limite!”
AAA. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Recorrente:
BBB. A testemunha DBS, que foi Presidente de Junta da Freguesia de Vieira do Minho disse que foi morar para Vieira do Minho em 1942/43, e que nessa altura de criança não viu nenhum marco divisório, mas que também com essa idade não sabia o que era um marco divisório, e que nem hoje sabe o que é - tudo isto gravado em (265-09 continuação julgamento 24-09-13, minuto 28:30 a 29:10)
CCC. Mais disse - (265-09 continuação julgamento 24-09-13, minuto 32:50 a 34:52) - que a Feira da Ladra é a festa do concelho, e que se realiza na freguesia de Vieira do Minho “naturalmente”, sendo que os arruamentos e iluminação começam no início da freguesia de Vieira do Minho, no alto, na Casa de Vieira, e terminam no fim da freguesia de Vieira do Minho, na zona da Igreja.
DDD. É a própria testemunha da Ré, que ocupou funções de Presidente de Junta de Vieira do Minho que confirma que um dos limites da freguesia de Vieira do Minho é cá no alto, na chamada “Casa de Vieira” e que termina lá em na Igreja (lado oposto ao que estamos a discutir nos presentes autos).
EEE. A testemunha da Recorrida, MP, confirmou também que o início da freguesia de Eira Vedra é no Alto do Carvão.
FFF. A testemunha JBC, topógrafo disse ter elaborado uma planta da freguesia de Vieira do Minho seguindo as indicações dadas pelo atual presidente de Junta da Freguesia de Vieira do Minho, sem qualquer suporte ou documentos oficiais. (265-09 continuação julgamento 24-09-13, minuto 1:31:10 a 1:31:40, e 1:36:20 a 1:37:00)
GGG. Por toda a prova testemunhal, alicerçados pelos documentos juntos aos autos, repita-se nunca impugnados, bem como pela prova realizada na inspeção ao local, é manifesto que de deveria ter considerado, como doutamente se considerou, PROVADOS os factos constantes das alíneas c) e d) dos FACTOS PROVADOS na douta sentença.
HHH. Quanto aos factos constantes das alíneas e) e f) dos FACTOS PROVADOS na douta sentença, os mesmos foram considerados, e muito bem, provados, porquanto decorre dos depoimentos das testemunhas supra identificadas FAS, MRD e JCC, que sempre declararam ter sido, e continuando a ser a Junta de Eira Vedra a cuidar, manter e limpar a zona em crise, como supra se transcreveu.
III. As testemunhas foram Presidentes de Junta, quer de Eira Vedra, quer de outras Freguesias vizinhas, e uma delas era carteiro, calcorreando estes lugares por onde afirmou ter assistido à limpeza realizada por funcionários de Eira Vedra.
JJJ. Nem mesmo a testemunha Domingos da Silva, que exerceu funções de Presidente da Junta de Freguesia de Vieira do Minho declarou ter ordenado, ou pelo menos ter tido conhecimento de que na sua altura houve manutenção e limpeza da área aqui em discussão nos autos, ordenada pela Junta de Vieira do Minho, e exercida pelos seus funcionários.
KKK. Valorando toda a prova produzida, no seu conjunto, quer em Audiência de Discussão e Julgamento, quer da verificação in loco aquando da Inspeção ao Local, bem como da prova resultante dos documentos que confirmaram os locais divisórios das freguesias e respetivos marcos, e ainda de diversas comunicações oficiais, todas eles não impugnados pela Recorrente, outra não poderia ser a interpretação e decisão que não a proferida nos autos, não merecendo qualquer censura os pontos impugnados pelos Recorrentes.
LLL. Foi realizado um juízo pratico-jurídico, segundo o princípio da livre apreciação da prova e o princípio da imediação que não deixaram dúvidas, nem poderiam deixar, ao Tribunal a quo, na valoração dada aos depoimentos da Recorrida, e consequente prova de todos os factos da base instrutória, dados como provados segundo as alíneas c), d), e) e f), da douta sentença.
MMM. Aliás, para além do princípio da livre apreciação da prova facultada ao julgador, as provas foram tão objetivas que não poderiam levar a uma qualquer outra interpretação que não a que foi dada,
NNN. Não merecendo, como tal, qualquer reparo a decisão que daí resultou.
II DA QUESTÃO DE DIREITO
OOO. A subsunção dos factos provados ao direito plasmada na douta sentença não merece qualquer reparo, por irrepreensível.
PPP. Os próprios Recorrentes reconhecem em 18º das suas doutas alegações que os Autos do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra definiram e demarcaram a freguesia de Eira Vedra como sendo uma linha imaginária que se inicia no Alto do Carvão e termina na Ponte de Espaio.
QQQ. O que os Recorrentes, quiçá propositadamente, alegam em 19º é que não corresponde à verdade, nunca se esteve a discutir a delimitação do lugar de Entre-as-Devesas, mas sim a delimitação das freguesias.
RRR. Nunca Autos do Tombo de 1511 subtraíram o lugar de Entre-as-Devesas a Vieira do Minho, nem o Decreto-Lei n.º 22593 de 29.05.1933 anexou qualquer lugar de Eira Vedra a Vieira do Minho.
SSS. Aliás, o Autos do Tombo de 1511 não poderiam, nunca, subtrair qualquer lugar ou povoação à Recorrente, porquanto esta não existia, apenas passados mais de 500 anos foi formada.
TTT. A confusão levantada, quer nas Alegações, quer durante o julgamento de que a linha imaginária dividia entre as devesas, não é mais do que isso uma confusão lançada para gerar os mal entendidos.
UUU. A linha imaginária inicia-se no Alto do Carvão e termina na Ponte de Espaio, passando e dividindo as freguesias também na “Casa de Vieira”, que se situa, isso sim, no lugar de “Entre-as-Devesas”, e não uma linha a dividir entre as devesas.
VVV. Tudo isto ficou devidamente provado, tendo resultado cristalino que a freguesia de Vieira do Minho termina na casa de Vieira, onde também o lugar de entre-as-devesas termina.
WWW. Aliás, ficou provado que Entre-as-Devesas termina na tal linha imaginária que começa no Alto do Carvão e termina na Ponte de Espaio.
XXX. Como foi dito, por todas as testemunha, nem a freguesia de Vieira do Minho subtraiu qualquer lugar a Eira Vedra, nem há dúvidas que Eira Vedra se inicia, num dos marcos, na “Casa de Vieira”, fim do lugar de Entre-as-Devesas.
YYY. Como tal, e concluindo pela irrepreensibilidade da decisão do Tribunal a quo, não foi violado o princípio da legalidade, nem qualquer outro princípio legal ou constitucional.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V/ Exas mui doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a douta decisão recorrida.
Assim se decidindo se fará - como é timbre – a CONSTANS, PERPETUA ET VERA IUSTITIA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 4 de novembro de 2015 (Cfr. fls. 247 Procº físico), veio a emitir Parecer em 18 de novembro de 2015, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao recurso sub judice e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença recorrida” (Cfr. Fls. 248 a 250 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com os invocados erros de julgamento de facto e de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“a) No ano de 1511, o competente Juiz do Tombo procedeu à demarcação, com confirmação e respetiva descrição em auto ou Tombo, dos limites ou extremas da Freguesia de Eira Vedra, auto de marcação esse que consta dos Autos do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) A Freguesia de Vieira do Minho foi criada pelo Decreto nº 22593, de 29 de Maio de 1933, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
c) Os marcos delimitadores do território da Freguesia de Vieira do Minho e da Freguesia de Eira Vedra são o Marco de Alto do Carvão, a Casa de Vieira (a dividir entre as Devesas) e a Ponte de Espaio.
d) O limite territorial e paroquial da Freguesia de Eira Vedra foi demarcado por uma linha imaginária que seguindo pelas águas vertentes liga o Alto do Carvão à Ponte de Espaio passando por entre as casas dos irmãos P....
e) A limpeza e manutenção de todo o território da freguesia de Eira Vedra, desde o Alto do Carvão até à Ponte de Espaio, passando pela Casa de Vieira, é assegurada pela Junta de Freguesia de Eira Vedra.
f) Desde o ano de 2009 que a freguesia de Vieira do Minho também assegura a manutenção e limpeza de zonas referidas em e).”

IV – Do Direito
Importa pois analisar e decidir o suscitado, sendo que estão predominantemente em causa questões conexas com a apreciação da prova.

O Tribunal a quo julgou procedente a Ação intentada, tendo declarado que a linha divisória entre as freguesias de Eira Vedra e Vieira do Minho é a linha imaginária que resulta da demarcação constante do Auto do Tombo da Igreja de São Paio de Eira Vedra, conjugada com a demarcação da freguesia de Vieira do Minho efetuada pelo Decreto-Lei n.º 22.593, de 29 de maio de 1933, mais condenando a aqui Recorrente a abster-se de qualquer ato de usurpação de natureza administrativa ou outra que colida com a circunscrição territorial da Freguesia de Eira Vedra.

Correspondente e consequentemente veio a Freguesia de Vieira do Minho recorrer do decidido, impugnando, quer a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo quer a matéria de direito que esteve subjacente à decisão proferida.

Enquadrando legal e jurisprudencialmente a presente questão, e socorrendo-nos do exposto no Acórdão deste TCAN nº 00347/04BEBRG, de 09-10-2015, diga-se o seguinte:
Tal como resulta sumariado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01/03/2005, no processo n.º 01593/03:
“I - A criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efetuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais.
II - É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.
III – A demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos Tribunais Administrativos.”

Também se sumariou no acórdão deste TCAN de 04/02/2010, no processo n.º 00528/07.1BEPRT-A que:
“I. A criação, extinção e alteração dos limites territoriais das autarquias locais é efetuada através de lei é efetuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias locais.
II. É da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.
III. A demarcação, em concreto, dos limites territoriais das autarquias locais é da competência dos Tribunais Administrativos.”

No que à tramitação processual concerne, cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º, n.º1, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 264º, 487º e 516º, do Código de Processo Civil 1995).

Cabe ainda ao autor, a par dos factos em que fundamenta o pedido, indicar as razões de direito, sem o que o articulado inicial será inepto, por ininteligibilidade – artigos 186º, n.º2, alínea a), e 571º, n.º2, do Atual Código de Processo Civil (artigos 193º, n.º 2, alínea a), e 467º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil de 1995).

O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil atual - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do anterior Código de Processo Civil).

Já em concreto, verifica-se que a Recorrente/JF Vieira do Minho veio submeter ao julgamento desta instância, predominantemente, pedido de alteração da matéria de facto e revogação da decisão recorrida, por erro de julgamento quanto à questão de direito.

Vejamos:
DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
No que concerne à reapreciação da matéria de facto, refere-se sintomaticamente no Acórdão do STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05, que: “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. O art. 690.º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655.° do C.P.Civil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacifico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “temas da reforma do processo civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto de 2003-01-09, na Internet, in www.dgsi.pt, JTRP00035485 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001-03-27, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.

Veja-se ainda o referido no Acórdão também do STA, no proc. n.º 0990/12, de 25-09-2012 no qual se sumariou que:
I - Os poderes conferidos ao tribunal ad quem pelo artº 712º, nº1 do CPC devem ser articulados com o disposto no artº 655º, nº1 do CPC, segundo o qual «O tribunal coletivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto».
II - O que significa que o tribunal ad quem deve ser especialmente cuidadoso na reapreciação do julgamento da matéria de facto, só devendo proceder à alteração dessa matéria se a mesma padecer de erro notório ou manifesto.

Sumariou-se ainda e no mesmo sentido, ao Acórdão deste TCAN proferido no proc. n.º 01035/05BEVIS, de 06-12-2013, que:
1. O Tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação.
2. O que se visa determinar é se a motivação expressa pelo Tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do(s) depoimento(s) testemunhal(ais) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.
3. A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas, já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Consta ainda do sumariado no Acórdão deste TCAN proferido no Proc. nº 00242/05BEMDL, de 22-02-2013, que:
I. Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».

Também o Tribunal Constitucional se pronunciou já face à questão aqui em análise, afirmando que “a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” (Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do TC vol. 51°, pág. 206 e ss..).

Aqui chegados, resulta manifesto que é pacífico o entendimento segundo o qual o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão de 1ª instância, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada por aquele tribunal, relativamente à decisão sobre as questões que o recorrente considere incorretamente julgados, e que mereceriam decisão diversa.

O Tribunal de recurso só deve pois modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, mostrando-se manifesta a desconformidade dos factos dados como provados, com os meios de prova disponíveis, por forma a não desvirtuar a relevância da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova feitas.

Caso o tribunal a quo tenha justificado individualmente as respostas aos quesitos, referenciando os pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, justificativos das opções tomadas, mostrar-se-á assim plenamente justificada a solução preconizada, não sendo legítimo ao tribunal de recurso alterar as respostas dadas.

Como sublinhado pelo Ministério Público no Parecer que emitiu nesta instância, no acórdão deste TCAN de 24/04/2015, no âmbito do Processo n.º 00760/07BECBR, relativo a questão análoga àquela que aqui se dirime, referiu-se lapidarmente que “o Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto”.

Feito o devido enquadramento da questão suscitada, já em concreto, importa referenciar que a Junta de Freguesia de Vieira do Minho pugna pela alteração da matéria de facto constante das alíneas c), d), e) e f) dos factos provados, sendo que a Junta de Freguesia da Eira Vedra, sem surpresa, tem entendimento diverso.

Assentando ambas as posições na mesma prova documental e testemunhal, é manifesto que a divergência entre as litigantes resulta predominantemente do facto de adotarem interpretações divergentes relativamente à prova disponível.

Perante as referidas divergências compreensivelmente inconciliáveis, restou ao tribunal a quo, recorrer legitimamente à sua livre apreciação da prova produzida, por forma a concluir como concluiu relativamente à materialidade controvertida, atento o estatuído nos artigos 392.º e 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Em função de tudo quanto precedentemente se expendeu, resulta ainda manifesto que a livre apreciação efetuada assentou na ponderação predominante dos princípios da oralidade e da imediação, atento o seu posicionamento privilegiado para o efeito, sendo que a esta instância apenas caberia sindicar o decidido caso verificasse a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, o que se não vislumbra, mormente enquanto erro de julgamento, muito menos, patente, ostensivo palmar ou manifesto.

Pela sua relevância, infra se transcreverá o essencial do segmento da sentença do tribunal a qual, no qual consta a motivação em que assentou a prova factual dada como provada, como forma de demonstrar a suficiência e adequação da mesma, não se reconhecendo quaisquer vícios de raciocínio, contradições ou incongruências.
Com efeito aí se disse:
“(…)
Relativamente aos factos constante dos itens c) e d) o convencimento do tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos documentos juntos aos mesmos como fls. 10 a 13, 18, 19, 20 conjugados com o resultado da inspeção judicial realizada aos locais em questão, no dia 14 de Junho de 2013, cujo Auto de Inspeção Judicial se encontra junto aos autos como fls. 154 e com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência final.
Quanto aos factos integradores dos itens e) e f) resultaram do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final.
Foram inquiridas as testemunhas indicadas pelo Autor:
(…)
Todas estas testemunhas não têm interesse pessoal, profissional ou outro no resultado final da questão em litígio e mostraram ter todos os conhecimentos sobre a mesma questão em como resultado da sua naturalidade, atividade profissional e exercício de funções públicas ligadas ao poder local.
Todas estas testemunhas são pessoas com bastante idade, que nasceram, viveram e trabalharam na freguesia de Eira Vedra e Mosteiro (esta que cedeu onze lugares para a criação da freguesia de Vieira do Minho) e todas afirmaram que desde sempre para a população do concelho, e até uma certa altura para a própria Igreja, a divisão entre as freguesias de Eira Vedra e Mosteiro, mais tarde, freguesia de Vieira do Minho se fazia por uma linha imaginária que tem início no Alto do Carvão, local onde existia um marco, colocado em cima de um penedo, passa por entre as casas dos irmãos P..., pela Casa de Vieira, ao lado da qual havia uma placa com indicação de “Vieira” e que agora se encontra colocada na fachada da casa, e termina na Ponte de Espaio, onde havia também um marco.
Esta delimitação entre as Freguesias aqui em litígio era confirmada pelo endereço das cartas enviadas à população e que eram distribuídas pela testemunha JCC, carteiro da vila, o qual, tal como todas as outras testemunhas inquiridas, revelou ter conhecimento da delimitação das freguesias, mostrou credibilidade no depoimento prestado e verdade nas suas afirmações, até porque foi presidente da Junta de Mosteiro, freguesia que cedeu os lugares que fazem fronteira com a freguesia de Eira Vedra.
Todas as restantes testemunhas também prestaram depoimentos sérios, credíveis, todos coincidentes e motivados por conhecimento pessoal de todo o território e da delimitação oficial das duas freguesias aqui em litígio e a sua indicação da delimitação das freguesias é confirmada pela manutenção e limpeza das ruas a cargo da Freguesia de Eira Vedra. Aliás, relativamente à limpeza e manutenção das vias e ruas da freguesia de Eira Vedra, mais concretamente das zonas em litígio, a Junta de Freguesia de Vieira do Minho iniciou a sua limpeza e manutenção após a entrada neste TAF da presente ação, pois que antes não o fazia, o que já indica que anteriormente não se consideraria responsável por aquele território.
Assim, como resultado da análise crítica de todos os elementos supra referidos, o tribunal convence-se que efetivamente a linha imaginária que divide as duas freguesias intervenientes passa pelos lugares indicados pelo Autor, e sempre assim foi.
Foram inquiridas as testemunhas indicadas pelo Réu:
(…)
As testemunhas do Réu foram ouvidas apenas para contraprova do alegado pelo Autor, uma vez que o Réu apenas se defendeu por impugnação, contrariando os factos invocados pelo Autor.
A primeira testemunha do Réu nas suas declarações coincide com a versão do Autor quando afirma que um dos limites da freguesia de Vieira do Minho é ao lado da denominada Casa de Vieira, na qual se encontra a placa com a inscrição “Vieira”. Acrescenta que as iluminações para a festa do concelho e iniciam na casa de Vieira.
A testemunha MJJP confirmou que a freguesia de Eira Vedra tem início no Monte do Alto do Carvão. Afirma que a linha imaginária divisória das duas freguesias segue a linha de água mas diz que esta é a sua opinião construída com base nas cartas militares. Confirma que para construção da freguesia de Vieira do Minho não foram retirados lugares a Eira Vedra mas sim a Mosteiro, não mostrando certezas quanto aos limites desta freguesia.
A testemunha FJ afirmou que não sabe quais são os limites das freguesias, apenas sabe o que lhe foi comunicado pelo padre da freguesia de Vieira do Minho e pelo Presidente da Junta da freguesia de Vieira do Minho que é também funcionário das Finanças e registou a casa que pertence à testemunha nesta freguesia.
A testemunha MC revelou no teor do seu depoimento uma preferência por pertencer à freguesia de Vieira do Minho e à sua paróquia, uma vez que sempre frequentou esta e explicou que na casa de seus pais abriam a porta à cruz da paróquia de Vieira do Minho mas não há cruz da paróquia de Eira Vedra.
Por fim, a testemunha JBC afirmou que não sabe quais são os limites das freguesias e que elaborou a carta topográfica junta aos autos através das indicações que lhe foram dadas sobre os limites das freguesias.
Desta forma, fazendo o tribunal a análise crítica do teor de todos os depoimentos prestados em sede de audiência final convenceu-se pela versão da Autora, uma vez que as testemunhas desta demonstraram ter um conhecimento mais profundo e fundamentado da delimitação das freguesias aqui em causa e de todas as questões que se ligam a tal definição.”

Assim, em face de tudo quanto ficou expendido, não merece censura o entendimento adotado neste aspeto pelo tribunal a quo.
DOS ERROS DE JULGAMENTO MATÉRIA DE DIREITO
A Recorrente Freguesia de Vieira do Minho veio invocar igualmente a verificação de erros de julgamento quanto à matéria de direito, afirmando que “(…) a sentença em crise padece do vício de ilegalidade por violar o disposto no Decreto-Lei n.º 22593, de 29 de Maio de 1933, bem como o princípio da legalidade, nas vertentes de supremacia da lei e de reserva de lei, decorrente do princípio geral do Estado de Direito Democrático, conforme disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 2 da C.R.P.”

Desde logo, lido e relido o Decreto-lei nº 22.593 de 29 de maio de 1933, não se alcança em que medida o mesmo poderia ter sido violado por via da decisão recorrida, tanto mais que a mesma decide adotar na demarcação da freguesia de Vieira do Minho conjugadamente o referido diploma, ao que acresce o facto do mesmo Decreto-lei se limitar a circunscrever e estabelecer as povoações que integram a Freguesia de Vieira do Minho, nada colidindo com a questão territorial aqui em disputa com a freguesia da Eira Vedra.

Por outo lado, e no que respeita à suposta violação do “princípio da legalidade, nas vertentes de supremacia da lei e de reserva de lei, decorrente do princípio geral do Estado de Direito Democrático, conforme disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 2 da CRP” refira-se que não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “(…) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.

Em face de tudo quanto ficou supra expendido, não se reconhece que a decisão recorrida padeça de qualquer dos vícios suscitados, ou quaisquer outros, suscetíveis de determinar a sua anulação ou revogação.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.

Custas pela Recorrente

Porto, 7 de Outubro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia