Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00562/12.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:VALORAÇÃO DA PROVA, DECLARAÇÕES DE PARTE E DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS,
COMPROVAÇÃO DOS CUSTOS E INDISPENSABILIDADE EM FACE DA PROVA PRODUZIDA.
Sumário:1.A obrigação de documentação fiscal assume uma função probatória, na medida em que, permite comprovar os encargos ou custos para efeitos de rendimento tributável, sendo o dever de documentação e de os exibir à administração uma forma de concretização do dever de cooperação do contribuinte para com a administração, permitindo, a partir deles, aferir a sua relação com atividade produtiva da empresa.

2.A prova testemunhal, sendo um dos meios de prova admissível em direito, na demonstração das despesas ou custo, não se basta se não se ancorar em outra prova objetiva e mais segura, por exemplo, assente em documentos registados na contabilidade da empresa, como atas ou acordos de parcerias, consabido que no âmbito da contabilidade e fiscalidade os factos esteam-se no campo documental, (principio da documentação art. 23.º, n.º1, 115.º e 121.º do CIRC) sendo a prova testemunhal complementar, atendendo, nomeadamente, ao seu caráter mais volátil, naturalmente, ligada às contigências da incerteza e inconstância.

3.O gasto tem de se apresentar conexionado com a empresa com a sua expansão ou divulgação de tal modo que não deixe de estar relacionado com a sua atividade o que, como é evidente, implica estar corporizado em dados objetivos que estabeleçam essa ligação. Há um dever de motivação ou explicação acerca da congruência económica da operação que terá de estar respaldada em qualquer elemento objetivo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:D., Lda
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:n/a
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

D., lda, vem recorrer da sentença na parte que julgou improcedente as correções quanto a despesas com instalações, viagens à Europa e Caraíbas e correções de rendimentos.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 529-540 do processo físico) com as seguintes conclusões:
a. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que julgou a presente impugnação:
- Procedente quanto aos custos incorridos com as viagens ao Brasil, anulando-se a liquidação na parte influenciada por essas correcções.
- Improcedente quanto às demais correcções prosseguidas pelos SIT, mantendo-se nesta parte a liquidação impugnada
b. Salvo o devido respeito por diversa opinião, é convicção da recorrente que andou mal o Mmo. Tribunal “a quo”, no que diz respeito à decisão proferida sobre a matéria de facto, com especial incidência na errada valoração da prova e, bem assim, quanto à decisão das questões de direito em causa nos presentes autos.
c. Em jeito de introito, recordamos que os presentes autos emergem de impugnação judicial tem que por objecto o acto tributário de liquidação de IRC, identificada com o n.º 20108310000829, de 03/02/2010, referente ao período de tributação de 2006, da autoria da Autoridade Tributária, e no valor de Euro 58.455,98.
d. Estavam em causa duas questões essenciais que se impunham ao Mmo. Tribunal “a quo” apurar:
a. Erro nos pressupostos de direito quanto às correcções aritméticas ao nível dos rendimentos – quanto à possibilidade legal do diferimento das compensações recebidas pela recorrente por virtude da celebração de contratos de agência
b. Da dedutibilidade de gastos do exercício de 2006, nos termos do artigo 23º n.º 1 do CIRC, e que não foram como tal considerados pela AT
DO ERRO DE JULGAMENTO
e. Em ordem a demonstrar a essencialidade dos gastos cuja dedutibilidade não foi considerada pela AT, a recorrente requereu a audição do seu legal representante (em sede de declarações de parte) e, bem assim, a inquirição de testemunhas.
f. Sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao não julgar demonstrados os factos vertidos nos artigos 63º, 65º, 66º, 67º, 68º, 151º, 152º, 153º, 154º, 156º, 203º, 210º, 213º a 219º do articulado da impugnação judicial.
g. Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida e que se entende terem sido erradamente ajuizados são os seguintes:
a. Declarações de parte de P., produzidas em audiência de julgamento de 15/01/2015, e gravadas no Ficheiro electrónico CP_0115133141213-01, e cujos concretos minutos se acham discriminados no corpo da presente alegação
b. Depoimento da testemunha L., produzido em audiência de julgamento de 15/01/2015, e gravado no Ficheiro electrónico CP_0115133141213-01 e cujos concretos minutos se acham discriminados no corpo da presente alegação
h. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, entende a recorrente que andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao não atender aos citados meios probatórios para a prolação da decisão de facto, pois os mesmos, concatenados com a demais prova carreada aos autos, demandam decisão diversa da proferida quanto à decisão da matéria de facto.
i. Impõe-se, pois, e face ao supra exposto, que sejam julgados provados os factos vertidos nos artigos 63º, 65º, 66º, 67º, 68º, 151º, 152º, 153º, 154º, 156º, 203º, 210º, 213º a 219º do articulado da impugnação judicial.
DO DIREITO:
j. Tal como alegado em sede de Impugnação e dimana da factualidade que resultou efectivamente provada, a Impugnante, aqui recorrente, entende que o acto de liquidação efectuado pela Autoridade Tributária é ilegal, e pelas seguintes razões:
a. O rendimento resultante da compensação paga à recorrente em cumprimento dos contratos de agência por esta celebrados deve ser diferido por 4/5, atenta a natureza do contrato em si e dado que o respectivo período de vigência é de 5 anos, apenas assim se observando o princípio da especialização dos exercícios
b. Os gastos atinentes aos artigos de decoração e viagens desconsiderados pela Autoridade Tributária foram indispensáveis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto e à manutenção da fonte produtora de rendimento para a impugnante, nos termos do vertido no art. 23º do CIRC
DOS RENDIMENTOS:
k. Crê a recorrente ter resultado cabalmente evidenciado no autos o seguinte:
a. Os contratos de agência foram celebrados pelo período de 5 anos
b. Durante o período da respectiva execução – e tal como decorre do texto do próprio contrato – a ora recorrente, na qualidade de principal, obriga-se a suportar, a expensas suas, todas as despesas com formação do agente, fornece e providencia pelo desenvolvimento continuo e manutenção do sistema informático e base de dados essenciais ao trabalho do agente, assume todas as despesas com publicidade do agente, e ainda, de forma contínua, vai-lhe conferindo e actualizando todo o seu “know-how”, nomeadamente, com o desenvolvimento do próprio modelo de negócio (evolução de protocolos com banca, normalização de procedimentos, etc)
c. A compensação paga pelo agente é igualmente destinada a compensar a impugnante por todo o trabalho contínuo por esta desenvolvido na criação da marca “D.”, pela utilização, durante 5 anos, do nome e marca da empresa
d. A compensação paga pelo agente à impugnante no início do contrato é destinada a ressarcir a impugnante de todas estas despesas que a mesma necessariamente terá ao longo dos 5 anos de execução do contrato, período durante o qual presta constante auxílio ao regular exercício da actividade do agente
l. Na verdade, se atentarmos no teor do contrato e se compatibilizarmos as obrigações assumidas pela recorrente, enquanto principal e, bem assim, à peculiaridade do modelo de negócio por si desenvolvido, verifica-se que, efectivamente, dúvidas não subsistem quanto ao facto da referida compensação se destinar, efectivamente, a ressarcir um investimento constante efectuado pela recorrente com o modelo de negócio e com o agente.
m. Determina o art.º 18º n.º 1 do CIRC – no qual está bem patente o princípio da especialização dos exercícios – que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime da periodização económica”.
n. Tendo por base a factualidade alegada pela impugnante a este propósito e que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, deverá ser considerada provada, entende a recorrente que não se vislumbra qualquer violação do princípio da especialização dos exercícios perpetrada pela impugnante com o diferimento dos sobreditos rendimentos.
o. Carece, pois, de fundamento, nesta parte, o acto tributário aqui em apreço.
p. Ora, repristinando o que se referiu na douta sentença aqui posta em crise, temos que o Mmo. Tribunal “a quo”, quanto a esta concreta questão, entendeu que:
”(..) não tendo incorrido em custos em momento posterior à assinatura dos contratos, e que por essa via não foram repartidos pelos exercícios de duração do contrato, não se vislumbra justificação para a repartição dos proveitos”
q. Mas tal juízo, como se pode verificar, assenta no pressuposto não verificado, de que durante a execução dos contratos, a recorrente não incorre em qualquer custo com os mesmos relacionado.
r. Quando, na verdade, o que se verifica é que durante o período de duração do contrato de agência, a recorrente, enquanto principal, tem necessidade de manter toda uma “máquina” de suporte aos agentes, que vai desde a manutenção permanente de um sistema informático imprescindível para o exercício diário da actividade, ao fornecimento de suporte em termos de know-how, sessões de formação e reuniões de trabalho periódicas, fornecimento de material de escritório, etc....
s. Aliás, o próprio texto dos contratos de agência deixa bem patente, quanto a nós, esta natureza dos custos que a recorrente tem durante toda a efectiva duração dos contratos em causa.
t. Perante o que é a realidade da actividade da empresa recorrente, entende a recorrente que se verificam, ao contrário do doutamente vertido na decisão recorrida, os pressupostos que permitem o diferimento deste proveitos - quatro quintos das compensações – recebidos no âmbito da celebração dos contratos de agência.
u. O diferimento dos proveitos em causa levado a efeito pela recorrente não colide com o disposto no art. 18º n.º 1 do CIRC
v. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao ter decidido em sentido diverso, incorrendo, este sim, em violação do vertido no citado preceito legal.
DOS GASTOS:
w. Outra das questões em apreço nos presentes autos, corresponde à aferição da verificação dos pressupostos do artigo 23º do CIRC relativamente aos gastos com os bens melhor identificados nos autos.
x. Entende a recorrente que – tal como o Mmo. tribunal “a quo” acabou por considerar relativamente aos custos havidos com viagens ao Brasil – também os demais custos aqui em análise foram realizados na prossecução da actividade societária, sendo indispensáveis à realização do objecto social desta.
y. Tem sido entendido no seio da nossa douta jurisprudência que, estando em causa uma liquidação de IRC fundada no não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, incumbe à Autoridade Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.
z. Por outro lado, e uma vez feita essa prova, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da matéria tributável.
aa. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, o juízo da comprovada indispensabilidade das despesas é um juízo casuístico.
bb. Ou seja, é apenas mediante a análise em concreto de cada sujeito passivo e de cada custo, que se poderá legitimamente, aferir da respectiva indispensabilidade, ao abrigo do vertido no art.º 23º do CIRC.
cc. Tem sido igualmente entendido que “Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis” (Cfr. Acórdão do TCAN, de 11/02/2016, proferido no âmbito do Processo n.º 80/03-Porto, disponível na íntegra em www.dgsi.pt).
dd. Escalpelizada a prova produzida nos presentes autos, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, somos forçados a concluir que, efectivamente, logrou a recorrente demonstrar que os custos concretamente rejeitados (veja-se mapa anexo ao relatório) foram comprovadamente realizados pela recorrente e foram-no na prossecução do seu escopo lucrativo.
ee. Na verdade, e uma vez mais, permite-se a recorrente chama aqui à colação a singularidade da actividade por si exercida e, sobretudo, a forma como a mesma é desenvolvida, o que, entende a recorrente, não foi tido em linha de conta na douta sentença recorrida, quando se impunha que tivesse sido.
ff. A impugnante sempre traçou como objectivo inerente ao exercício da sua actividade de consultoria transparecer para o mercado uma imagem de sucesso, prestígio e prosperidade a que não é alheia a manutenção de espaços luxuosos destinados a captar clientela seleccionada e com poderio económico
gg. Para tanto, tratou de dotar a sua sede de objectos de decoração que permitissem a criação de um espaço apelativo motivo pelo qual procedeu á aquisição das peças de decoração melhor discriminadas no relatório e respectivo anexo e que fez instalar não só na sua sede (que primeiramente se situava no Porto e que depois foi transferida pela S. Félix da Marinha) e ainda no espaço que mantinha da Serra da Malveira, espaço este que, note-se nunca ninguém ao longo da acção inspectiva visitou, não obstante tal lhe ter sido requerido.
hh. Quanto a este espaço na Serra da Malveira, resultou ainda evidenciado que o mesmo foi adquirido pelo legal representante da impugnante, tendo sido por este posteriormente arrendado á impugnante (Cfr. contrato de arrendamento junto aos autos datado de 20/11/2006.
ii. Tal espaço, por facilidade designado “Espaço (...)” era, a partir de 2005, utilizado na prossecução da actividade da recorrente, servindo de local de reuniões e, bem assim, para alojamento de alguns dos seus colaboradores quando se encontravam no sul do país onde, à data, a impugnante mantinha grande prospecção de mercado
jj. No que diz respeito às viagens em apreço nos presentes autos, ficou igualmente demonstrado que as mesmas mantinham dois propósitos: algumas eram oferecidas pela recorrente aos seus colaboradores como forma de incentivo (note-se que, atento o modelo de negócio da impugnante, o seu rendimento é gerado pela actividade desenvolvida pelos agentes, que não são seus funcionários, e de cujo sucesso depende a motivação); outras foram realizadas pelo legal representante da impugnante em ordem à expansão nacional e internacional da empresa
kk. Por fim, e no que diz respeito à aquisição de vários objectos de valor pela recorrente, resultou também demonstrado que, á semelhança das viagens, os mesmos constituíram ofertas aos colaboradores da empresa como forma de premiar o seu bom desempenho e fomentar o incremento da actividade agenciada
ll. Note-se que, dado que a recorrente no seu quadro de pessoal apenas conta com pessoal administrativo, todo o seu rendimento advém do comissionamento devido pelos negócios angariados pelos agentes, pelo que, a única forma que a impugnante tem de incentivar tais agentes é, justamente, mediante prémios.
mm. Tendo por base esta factualidade, temos que, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, se mostra devidamente comprovada a existência e a indispensabilidade das aludidas despesas não só para o regular desenvolvimento da actividade económica desempenhada pela recorrente e realização dos seus rendimentos, mas também, e atenta a natureza da mesma, a manutenção da fonte produtora de rendimento, ou seja, os agentes e os clientes angariados.
nn. Igualmente nesta sede, o acto tributário impugnado, carece de fundamento porquanto se mostra cabalmente cumprido pela impugnante o disposto no art.1 231 do CIRC.
oo. Tendo andado mal o MMo. Tribunal “a quo” ao considerar que tais custos não cumpriam os requisitos da indispensabilidade vertidos no art. 23.º do CIRC.
pp. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
ASSIM SENDO:
qq. Impõe-se, pois, a revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que, concedendo provimento à impugnação judicial instaurada pela aqui recorrente, dê sem efeito a correcção adicional levada a cabo pela AT, admitindo-se o diferimento dos proveitos a título de compensação pela celebração dos contratos de agência e, por outro lado, considerando-se dedutíveis os custos havidos com a aquisição de mobiliário e electrodomésticos e as viagens, tal como supra referido.
TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIODA NOS TERMOS SUPRA ENUNCIADOS, SÓ ASSIM SE FAZENDO, TÃO SOMENTE, A HABITUAL E SÃ
JUSTIÇA»
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A Recorrida não contra-alegou.
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Sem vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, por se acordar na sua dispensa, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:

[a] saber se a sentença fez um errado julgamento de facto, não valorando devidamente as declarações de parte do Paulo Jorge e o depoimento da testemunha Miguel Tavares, que conjugando com a restante prova levaria a decisão diversa, por importar dar como provados os artigos 65.º-67.º, 151.º-154.º, 156.º, 203.º e 210.º-219.º.
[b] saber se a sentença fez uma errada interpretação e aplicação da lei quanto ao diferimento de rendimentos.
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO

A decisão recorrida deu como provado o seguinte:

1) A sociedade D., Lda. tem por objecto a consultadoria financeira, recrutamento e gestão de recursos humanos, formação profissional, mediação comercial, serviços de publicidade e marketing.
2) Em 20.11.2006 foi outorgado documento de “Arrendamento para fim não habitacional por prazo certo” entre P. como primeiro outorgante e D., Lda. como segunda outorgante de onde decorre o seguinte. “(...)
CLAÚSULA PRIMEIRA
O primeiro outorgante é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pelas letras “HI”, ou seja, a Moradia Cinco, destinada a habitação, com entrada pelos números 582-H e 582-I, (...) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº (…), inscrito na matriz sob o artº (…), e à qual foi concedida (...)
CLAÚSULA SEGUNDA
Pelo presente contrato, o primeiro outorgante dá de arrendamento à segunda, e esta arrenda-lhe, a fração autónoma identificada na cláusula anterior.
CLAUSULA TERCEIRA
O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo certo de 10 (dez) anos, nos termos do artº 1.095 do Código Civil, considerando-se o seu início a partir de 1/01/2007 e o seu termo a 31/12/2016. (...)
CLAÚSULA QUARTA
A renda anual será de EURO 6.000,00 (seis mil euros) que o arrendatário pagará em duodécimos de EURO 500,00 (...).
PARÁGRAFO QUARTO: porém, e atendendo às benfeitorias e obras de adaptação que a segunda outorgante irá realizar no locado, não serão devidas as rendas relativas aos 7 (sete) primeiros anos de arrendamento (...)” — cfr. fls. 290 a 294 dos autos.
3) Em 21.11.2007 foi outorgado Instrumento Particular de Alteração de Contrato Social de Sociedade Empresária Limitada D. — Brasil — Consultores Financeiros LTDA — cfr. fls. 296 a 308 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) Em 18.02.2008 foi elaborada acta de reunião de sócios-quotistas da sociedade D. — LTDA relativa a reunião realizada em São Paulo — cfr. fls. 309 e 310 dos autos.
5) Foi elaborada em 8.05.2008 acta de reunião de sócios-quotistas da sociedade D. — LTDA relativa a reunião realizada em São Paulo — cfr. fls. 311 e 312 dos autos.
6) Em 22.10.2008 foi elaborada acta de reunião de sócios-quotistas da sociedade D. — LTDA relativa a reunião realizada em São Paulo — cfr. fls. 313 e 314 dos autos.
7) Em 23.10.2008 foi outorgado em São Paulo Instrumento Particular de 2ª Alteração de Contrato Social de Sociedade Empresária Limitada da sociedade D. – LTDA – cfr. fls. 315 a 328 dos autos.
8) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto efectuaram procedimento inspectivo a D., Lda. no cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200905133 e OI200905134, de âmbito parcial, em sede de IRC, com incidência nos exercícios de 2005 e 2006 de onde resultaram correcções ao IRC do exercício de 2006 no montante de €169.306,08 – cfr. fls. 98 a 133 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9) Em 9.12.2009 foi elaborado relatório do procedimento inspectivo descrito em 8) de onde decorre o seguinte: “(...) O domicilio fiscal da sociedade, situa-se na Avenida (…), (...) desde 2009/09/16. Até essa data, o domicílio fiscal da sociedade situava-se na Praça (…) desde 2004/06/17. (...)
b) Outras diligências (...)
Para tal firmou vários protocolos com diversas instituições bancárias e financeiras a operar em Portugal e exerce o seu modelo de negócio através de uma rede de cerca de 100 agentes e sub-agentes espalhados pelo país. Estes agentes e sub-agentes são sujeitos passivos diferentes e independentes do sujeito passivo D., que prestam os seus serviços em diversos pontos do país, promovendo de modo autónomo e independente, a celebração de contratos entre os seus clientes e a D.. Apenas o modelo de negócio praticado e o nome da marca utilizada “D.” está definido pelas contraprestações reguladas por um contrato de adesão previamente celebrado entre a D. e os seus agentes e sub-agentes. (...)
III.2. – IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS (IRC) b) Proveitos (...)
A D. optou, na contabilidade refeita recentemente, por deferir quatro quintos das compensações recebidas no âmbito da celebração destes contratos de adesão, com base na Cláusula Décima Primeira (Duração do contrato), que diz no seu n.º 1: “1. O presente contrato entrará em vigor na presente data e terá uma duração de 5 anos, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos”. O mesmo contrato estipula, na sua Cláusula Décima Segunda (Compensação), o seguinte: “Para compensação pelo investimento patrimonial e Know-how efectuado pelo Principal, o Agente obriga-se a pagar, neste acto, ao Principal a quantia de 10.000,00€ acrescida de IVA à taxa legal em vigor, relativamente à qual não será devido qualquer reembolso em caso de cessação, por qualquer forma, do presente contrato”.
Deste modo, afigura-se-nos que:
a entrega no acto de assinatura do contrato da quantia nele estipulada, “Para compensação pelo investimento patrimonial e Know-how efectuado pelo Principal, não depende do tempo de duração do contrato, porquanto na mesma cláusula se estipula que “não será devido qualquer reembolso em caso de cessação, por qualquer forma, do presente contrato”;
o pagamento dessa quantia, é uma condição inerente à condição, pela D., da qualidade de “Agente”.
Saliente-se que, apesar da compensação recebida na assinatura dos contratos ter sido deferida pelo sujeito passivo pelos quatro exercícios seguintes, o mesmo procedimento não foi adoptado relativamente aos custos associados a este proveito (“...investimento patrimonial e em Know-how...)” De facto, não se detectou na contabilidade a contabilização de qualquer custo deferido.
Perante o exposto, considera-se que o pagamento efectuado pelo agente, na data da assinatura do contrato, deve ser relevado na totalidade como proveito do exercício em que foi assinado o contrato, respeitando assim o princípio da especialização dos exercícios preconizado no art. 18.º do CIRC (...) - cfr. fls. 98 a 133 dos autos. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Como parte integrante do relatório do procedimento inspectivo constam três anexos, sendo o anexo III respeitante aos documentos cujo custo fiscal não foi aceite – cfr. fls. 98 a 133, 140 e 141 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. No decurso do procedimento inspectivo a que se alude em 8) foi elaborado processo de evidência de trabalho de onde consta os documentos entregues por D., Lda. na decorrência da acção inspectiva – cfr. fls. 342 a 456 dos autos.
12. Na sequência das correcções a que se alude em 8), foi emitida em 3.02.2010 a liquidação de IRC n.º 2010 8310000829 do exercício de 2006 no montante de €58.455,98 – cfr. fls. 40 dos autos.
13. No âmbito do processo que correu termos na 3ª Vara Cível do Porto sob o n.º 3843/07.0TVPRT deduzido por D. , Lda. contra P., foi proferida decisão em 18.05.2010 nos seguintes termos: “(...) b) a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Autora a restituir à 1ª Ré a quantia de €8.000,00 (oito mil euros) que lhe foi entregue a título de direito de entrada, absolvendo-se da restante parte do pedido reconvencional (...)”a fls. 174 a 208 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida.
14. Em 13.12.2011, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior da República Federativa do Brasil emitiu o Certificado de Registro de Marca n.º 900951826 em nome de D., LTDA com o seguinte teor: “(...) para garantia da propriedade e do uso exclusivo, certifica que, nos termos das normas legais e regularmente em vigor, efetuou a concessão do registro acima reproduzido, com prazo de validade de 10(dez) anos, a partir da data de concessão, mediante as seguintes características e condições: (...)” – cfr. fls. 295 dos autos.
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (cfr. artigo 74 da LGT), também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do CC e ainda na prova testemunhal produzida.
No que respeita à prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas levada a cabo, a formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto baseou-se essencialmente numa apreciação livre (cfr. artigo 396.º do Código Civil e artigo 607.º n.º 5 do CPC), atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas e recorrendo, ainda o Tribunal, às regras da experiência comum.
A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, abrangendo tal apreciação a sua suficiência quanto à demonstração do facto a provar (cfr. artigo art.º 396.º do CC e art.º 466.º, n.º 3 do CPC).
Assim, foi a análise crítica e conjugada de todos meios de prova, que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
Foram ouvidas as declarações de parte de P., ao abrigo do disposto no artigo 466.º do CPC.
Apesar de ter demonstrado conhecimento directo e concretizado dos factos em questão nos presentes autos, as suas declarações foram emotivas, sem o distanciamento que se impunha.
Com efeito, e atendendo à forma emotiva e exaltada como foram prestadas as declarações, considera o tribunal que foi perceptível e evidente o interesse directo que o declarante tem na decisão da causa.
M., empresária, é esposa do sócio-gerente da Impugnante, tendo com ele uma relação pessoal desde 2005.
Respondeu aos factos tidos nos artigos 31.º a 62.º, 65.º a 68.º, 151.º a 158.º, 162.º a 172.º, 178.º a 181.º, 188.º, a 191.º, 198.º a 206.º, 210.º a 223.º, 225.º a 227.º, 230.º a 232.º do articulado inicial.
Quanto à afectação do imóvel sito na Malveira, declarou ter lá estado 3/4 vezes, sem que, no entanto, tenha feito referência temporal das suas visitas.
Declarou ter-se iniciado o processo de expansão em Setembro de 2005 e a casa da Malveira no início de 2006.
Apesar das respostas proferidas quanto a esta questão, a falta de enquadramento temporal das suas visitas não permitiu ao Tribunal percepcionar a sua razão de ciência quanto à afectação do imóvel à actividade da Impugnante nos anos de 2006.
Afirmou que a Impugnante tinha uma política de ofertas aos melhores agentes, sendo essas ofertas publicitas na plataforma da sociedade.
No mais, afirmou que chegou a ganhar viagens, não se recordando, porém, do ano em que tal ocorreu.
Ora, apesar do depoimento se ter mostrado sério, atendendo às funções que a testemunha desempenhou e desempenha na Impugnante, assim como à proximidade com o sócio daquela, impunha-se que o seu depoimento tivesse sido mais concretizado e esclarecedor.
Com efeito, não compreende o Tribunal que a testemunha não se recorde do ano em que a Impugnante lhe ofereceu uma viagem.
L., empresário na área da consultadoria financeira e mediação imobiliária “L., Unipessoal, Lda.” colabora com a Impugnante desde 2004 até à presente data. Inicialmente era agente e a partir de 2006 iniciou funções como coordenador regional da Impugnante.
Foi inquirido aos factos constantes dos artigos 31.º a 62.º, 65.º a 68.º, 151.º a 158.º, 162.º a 172.º, 178.º a 181.º, 188.º, a 191.º, 198.º a 206.º, 210.º a 223.º, 225.º a 227.º, 230.º a 232.º da petição inicial de forma séria e credível.
M., inspectora tributária, em exercício de funções na Direcção de Finanças do Porto, acompanhou o procedimento inspectivo efectuado à Impugnante em 2005/2006, tendo elaborado o projecto do relatório do procedimento inspectivo.
Foi inquirida a toda a matéria de facto, tendo corroborado as correcções efectuadas em sede da Impugnante.
O seu depoimento foi coerente e sério.
M., inspectora tributária em exercício de funções na Direcção de Finanças do Porto, elaborou o relatório do procedimento inspectivo em questão nos presentes autos tendo só intervindo na acção inspectiva após o exercício do direito de audição por parte da Impugnante.
Foi inquirida a toda a matéria de facto ínsita na petição inicial.»

4. apreciação jurídica do recurso.

4.1.A recorrente disside do julgado porquanto entende que o tribunal a quo fez um errado julgamento da matéria de facto, não valorou devidamente as declarações de parte do Paulo Jorge e o depoimento da testemunha Miguel Tavares, que conjugando com a restante prova levaria a decisão diversa, por importar dar como provados os artigos 65.º-67.º, 151.º-154.º, 156.º, 203.º e 210.º-219.º.
Para o efeito, faz menção às passagens da gravação das declarações de parte e do depoimento com vista ao que alegou nos artigos identificados.
Considera ainda que o tribunal a quo andou mal ao não conceder qualquer credibilidade às declarações de parte prestadas pelo seu representante legal, para o que transcreve a motivação da Senhora Juiz para não relevar o que foi dito.

Não obstante a eventual desnecessidade da observação do estado emocional de quem prestou as declarações, certo é que, emotivamente ou não, as declarações prestadas sempre terão de ter por base dados objetivos que emprestem credibilidade ou plausibilidade às declarações, pois, é natural e da vida que o representante legal tenha algum envolvimento, e, por isso, interesse no desfecho da sua representada.

Ora não é esta realidade anotada pelo tribunal que desqualifica o valor das declarações, mas a falta de elementos objetivos, no processo, para ancorar o que se declara, o que se depreende da decisão recorrida.

Na verdade, as suas declarações são francamente abaladas com a prova documental dos autos, nomeadamente, o contrato de agência na cláusula 12.ª, em que se diz que o a “Agente” obriga-se a pagar, neste ato, ao Principal, a quantia de 10.000€ acrescida de IVA à taxa legal em vigor, relativamente à qual não será devido qualquer reembolso. (sublinhado nosso). Embora se fale em compensar o Principal pelo know-how efetuado, certo é que não foi densificada essa despesa ou que estivesse refletida como custos incorridos e registados nessa rubrica na sua contabilidade.

Ademais, a atividade envolvendo, naturalmente, custos têm de estar evidenciados na contabilidade através de meios objetivos de controle e escrutínio.

Com efeito a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável. Ac. do STA de 4-11-2015 no processo 963/13

Ora, ainda que a realidade se aproxime do que disse o representante legal seria necessário que ela estivesse respaldada na sua escrita, devidamente condensada na sua contabilidade para que se pudesse perceber que património estava afeto à realização das despesas com a atividade empresarial, aliás sendo aplicável o mesmo raciocínio às viagens no campo das ofertas aos seus colaboradores. Nestas despesas não está espelhado uma política de marketing da empresa, que critérios a empresa havia definido para tal, que pessoas seriam elegíveis para esse prémio, que a empresa tivesse aprovado a assunção de tal encargo, aliás nem os colaboradores foram identificados.

No que respeita às instalações de Lisboa, da documentação dos autos resulta que o representante legal deu de arrendamento à recorrente, por contrato de arrendamento datado de 20/11/2006, estabelecendo-se na cláusula 3.ª que o seu início seria 01/01/2007, pelo período de 10 anos, renovável por períodos sucessivos de 5 anos.

Se assim é, não é o facto de as testemunhas dizerem que foram lá duas ou três vezes que permite concluir que ainda antes do contrato de arrendamento o imóvel estava afeto à atividade da empresa e que ali se faziam reuniões, funcionando como local de estadia dos colaboradores, o que não permite englobar os gastos com mobiliário de cozinha, televisores louças de cozinha.

Aliás, como bem referiu a sentença, nestas situações de fácil confusão entre património particular do sócio e património societário, importa haver clareza de utilização e usufruição dos bens.

Por outro lado, a prova testemunhal, também, não contraria o que foi trazido ao relatório inspetivo no que tange às instalações do Porto, no Centro Comercial (…) no que tange aos utensílios de uso funcional numa habitação.

Também não é o facto de as testemunhas haverem dito que havia necessidade de incentivar os agentes que reagem muito bem à competição e a prémios e que a empresa teve sempre uma política de incentivos que se poderia, sem mais, dar por assente que as despesas foram incorridas no âmbito da atividade e para a manutenção ou expansão da fonte produtiva.

Neste contexto a prova testemunhal, sendo um dos meios de prova admissível em direito, na demonstração das despesas ou custo, não se basta se não se ancorar em outra prova objetiva e mais segura, por exemplo, assente em documentos registados na contabilidade da empresa, como atas ou acordos de parcerias, consabido que no âmbito da contabilidade e fiscalidade os factos esteam-se no campo documental, (principio da documentação art. 23.º, n.º1, 115.º e 121.º do CIRC) sendo a prova testemunhal complementar, atendendo, nomeadamente, ao seu caráter mais volátil, naturalmente, ligada às contigências da incerteza e inconstância.

Diga-se, por fim, ser inócuo no âmbito do IRC de 2006 falar em deslocação às instalações da Malveira pelas razões óbvias, já aqui adiantadas, pois que não está em causa a existência das instalações mas a sua utilização no exercício de 2006 para o desenvolvimento da atividade da recorrente.

De resto, importa ainda sublinhar que a obrigação de documentação fiscal assume igualmente uma função probatória, na medida em que, permite comprovar os encargos ou custos para efeitos de rendimento tributável, sendo o dever de documentação e de os exibir à administração uma forma de concretização do dever de cooperação do contribuinte para com a administração, permitindo, a partir deles, aferir a sua relação com atividade produtiva da empresa.
Neste sentido, se retira da fundamentação, ainda que respeitante a outra questão, do acórdão do STA de 9-10-2019,
Proferido no processo n.º 01278/12.2 disponível em www.dgs.pt
ao referir-se ao art. 17.º do CIRC: A regra aí consagrada é a de que o lucro tributável é apurado a partir do resultado contabilístico, mas não se identifica com este, cabendo depois realizar ainda um conjunto de correcções que permitam transportar para a base tributável apenas aquilo que deva reconduzir-se aos já mencionados proveitos e custos em sentido económico e, ainda, no que respeita aos custos, apenas aqueles que, segundo o critério subjacente ao artigo 23.º do CIRC, na versão em vigor em 2008, sejam “comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” entre os quais se incluíam os “encargos de natureza financeira, como (…) diferenças de câmbio (…)” (artigo 23.º, n.º 1, al. c do CIRC).

Se a demonstração do encargo é particularmente difícil incumbe mostrar a razão dessa dificuldade para que se possa então substituir provas mais seguras por provas menos seguras.
Na verdade, nada disto foi empreendido pela recorrente que apresentou documentação que não lhe permitia evidenciar o caráter de indispensabilidade dos gastos, ou, não a apresentou, e, com isso, acionar a sua dedutibilidade, por sua vez, a prova testemunhal não permitiu, nem permite, colmatar o que aquela não evidenciou.

Nesta vertente de gastos a recorrente apela ainda no que respeita às viagens na Europa haveria que assimilar o raciocínio da sentença nos gastos com viagens ao Brasil.

Todavia, como decorre do que se vem expondo, nos custos com viagens na Europa falharam os elementos objetivos da indispensabilidade das mesmas, pois que não se encontra qualquer evidência de que as mesmas ocorreram por necessidade ou objetivo da atividade empresarial.

Por conseguinte, a prova testemunhal produzida, nos moldes em que decorreu, está longe de poder colmatar a inexistência de dados objetivos de política expansionista pelos países da europa e que as viagens estavam acopladas a tal desígnio da empresa.

Com efeito, sendo insofismável que um custo indispensável não tem de ser um custo que diretamente implique a obtenção de proveitos, aliás em concordância com a jurisprudência maioritária Ac. do STA de 28-06-2017, disponível em www.dgsi.pt [bem como da doutrina que se debruça sobre esta temática]
António Portugal, Dedutibilidade dos Custos, Coimbra Editora, página 276. não tem de haver uma conexão, do tipo causa-efeito, entre custos e proveitos, pelo que, ambas se vêm afastando da visão finalística da indispensabilidade [enquanto requisito para que os custos sejam aceites como “custos fiscais”] todavia, o gasto tem de se apresentar conexionado com a empresa com a sua expansão ou divulgação de tal modo que não deixe de estar relacionado com a sua atividade o que, como é evidente, implica estar corporizado em dados que estabeleçam essa ligação. Há um dever de motivação ou explicação acerca da congruência económica da operação que terá de estar respaldada em qualquer elemento objetivo.

Um custo será aceite fiscalmente num juízo reportado ao momento em que é efetuado e seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, não pode é ser contraído no interesse que não seja dela ou, dito de outro modo, não se inscrever tal custo no âmbito da sua atividade, antes na prossecução de objetivos alheios, pois que, acionando as regras da experiência se concluiu que não se inscreve naquela atividade, ainda que de forma mediata.
STA de 28-06-2017, no recurso n.º 0627/16,
Assim, improcede o erro de julgamento de facto imputado à decisão recorrida.

4.2. A recorrente diverge também da sentença quanto à interpretação do contrato de agência e a aplicação do direito respetivo, no que tange ao deferimento no tempo da quantia paga pelo agente quando celebra o contrato de agência [clausula 12.ª].
Neste conspecto, a sentença fundamentou do seguinte modo:
«Como dispunha à data dos factos o artigo 18.º n.º 1 do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (CIRC) “Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.”
“O princípio da especialização dos exercícios, consagrado no artigo 18.º do C.I.R.C. tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando — fora dos casos expressamente consignados na lei — qualquer margem de manobra do contribuinte na afectação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa. A razão é evidente: trata-se de impedir práticas de manipulação do resultado fiscal que resultem na imputação de mais proveitos nos exercícios em que se verificam prejuízos fiscais ou lucros mais reduzidos e mais custos nos exercícios que geraram maiores lucros” - cfr. Acórdão do TCA Norte de 15.02.2012, rec. 00486/07.2BEVIS.
Desta forma, os proveitos e custos são contabilizados nos exercícios que são obtidos e suportados e não nos exercícios em que o recebimento ou pagamento ocorra. Neste sentido vide Acórdão do STA de 2.03.2016, rec. 01204/13.
“De salientar, de resto, que o princípio da especialização dos exercícios é um subprincípio do da tributação do rendimento líquido. Que, por sua vez, concretiza ou densifica uma determinada ideia de igualdade tributária (neste sentido, vd. «Manual de Direito Fiscal» do Prof. J.L. Saldanha Sanches, 3.ª ed. pág. 370). Sendo as concepções mais recentes do princípio da igualdade tributária apontam precisamente para lhe atribuir de uma dimensão positiva e conformadora, dela fazendo uma «genuína expressão de justiça». (cit. «O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária», do Prof. Sérgio Vasques, pág. 70). O que confirma que a rigidez estrutural do princípio da especialização dos exercícios não pode comprometer ou afrontar os valores gerais que serve e exprime nem conduzir a uma solução materialmente injusta” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 15.02.2012, rec. 00486/07.2BEVIS.
Como tal, o fim do princípio da especialização dos exercícios é a afectação no mesmo exercício dos rendimentos face aos gastos incorridos, impedindo assim que num determinado exercício se verifique desequilíbrio entre os proveitos auferidos e os custos incorridos.
Retornando ao caso dos autos, e como resultou da instrução dos autos, vertido no acervo probatório, ponto 1), a Impugnante tem por objecto a consultadoria financeira, recrutamento e gestão de recursos humanos, formação profissional, mediação comercial, serviços de publicidade e marketing.
Nessa medida, a Impugnante exerce o seu modelo de negócio através de uma rede agentes e sub-agentes, que prestam os seus serviços em diversos pontos do país, promovendo de modo autónomo e independente, a celebração de contratos entre os seus clientes e a Impugnante (cfr. ponto 9) da factualidade assente).
Com tais agentes a Impugnante outorga contratos de agência pelo período de 5 anos, estabelecendo no acto da assinatura do contrato o pagamento de determinada quantia a título de “compensação” com a finalidade de a compensar “pelo investimento patrimonial e Know-how”, tendo deferido contabilisticamente quatro quintos das compensações recebidas no âmbito da celebração daqueles contratos (cfr. ponto 9) da factualidade assente).
Em contraposição à fundamentação que serviu de esteio às correcções efectuadas, veio a Impugnante alegar que não é linear que a quantia entregue não depende da duração do contrato, na medida em que poderá ter de vir a incorrer na obrigação de reembolsar o montante pago pela contraparte a título de compensação, juntando para tal sentença judicial que determinou o pagamento por parte da Impugnante do valor recebido a título de entrada (cfr. ponto 13) da factualidade assente).
Ora, não vislumbra o Tribunal como a decisão judicial proferida no âmbito do processo que correu termos na 3ª Vara Cível do Porto sob o n.º 3843/07.0TVPRT, junta aos autos e coligida no probatório, ponto 13), serve o propósito pretendido pela Impugnante, senão vejamos.
Como resulta da Cláusula Décima Segunda do contrato de agência em questão nos presentes autos, aí é estipulado que não é devido qualquer reembolso em caso de cessação, por qualquer forma do contrato.
Assim, do acordo firmado entre as partes não decorre a possibilidade de reembolso no terminus do contrato.
Como tal, não é por força da decisão proferida no âmbito do processo n.º 3843/07.0TVPRT, que determinou a devolução do montante pago à Impugnante a esse título que é alterado o regime estatuído pela Impugnante nos sobreditos contratos, quanto mais não fosse face ao instituto do caso julgado formal estabelecido pelo artigo 620.º n.º 1 do CPC.
Nessa senda, tal decisão também não tem a virtualidade de influenciar o tratamento contabilístico e fiscal a dar a tais montantes recebidos pela Impugnante.
Ademais, perante a eventualidade da Impugnante ter de incorrer na obrigação de reembolsar o montante pago a título de compensação, tem esta ao seu dispor forma de contabilisticamente e fiscalmente a relevar, sem que para isso seja afectada a forma do proveito ser relevado na contabilidade no exercício em que foi assinado o contrato.
Quanto à inexistência de custos, sustenta a Impugnante que tal não se verificou porque tais gastos são indirectos, ou seja, gastos que se expandem no tempo e que, na sua essência são suportados em fase bastante anterior à data de assinatura do contrato de agência, por visar ressarcir gastos incorridos com o goodwill, afirmando ainda que a compensação não se destina “a ressarcir gastos concreta e directamente relacionados com aquele contrato” – cfr. artigo 106.º e 108.º da PI.
Ora, se tal como diz a Impugnante, os custos que incorreu e que serviram de fundamento ao recebimento da compensação foram suportados em momento anterior à realização dos contratos e como tal e não discrimináveis, contabilizados também em momento anterior, não existem custos adicionais directos pelo acesso dos agentes aos meios que lhe são proporcionados.
Assim, não tendo incorrido em custos em momento posterior à assinatura dos contratos, e que por essa via não foram repartidos pelos exercícios de duração do contrato, não se vislumbra justificação para a repartição dos proveitos.
Com efeito, se o princípio da especialização visa o equilíbrio entre os proveitos e os custos, não faz sentido que proveitos auferidos sejam repartidos no tempo quando os custos a eles inerentes já foram suportados e considerados contabilisticamente. Tal situação a verificar-se iria provocar um diferencial ainda maior, resultando num desequilíbrio contabilístico/fiscal ainda mais acentuado.
No que respeita ao terceiro fundamento apresentado pela AT, pagamento da compensação como condição inerente à qualidade de “Agente”, não logrou a Impugnante deduzir qualquer fundamento que contrarie tal razão.
Quanto à não aplicação do princípio da especialização dos exercícios ao caso em dissídio, também tal argumento não é de proceder porque em questão não estão gastos, como salienta a Impugnante no artigo 129.º da PI, mas sim a forma de contabilizar os proveitos.
Por último e no que respeita à comparação feita pela Impugnante com os subsídios que se destinam à criação ou manutenção de postos de trabalho, também por aí não lhe assiste razão. Isto porque, enquanto que nos subsídios a razão de ser do deferimento do valor recebido a esse título prende-se com o facto das entidades suportarem os custos associados a esses subsídios de forma prolongada no tempo, no caso presente, tal não se verifica, uma vez que é a própria Impugnante, como aqui já demos conta, que afirma que os gastos são incorridos em data anterior à realização dos contratos.
Ressalve-se que, apesar das testemunhas terem referenciado a existência de apoio logístico e de serviços jurídicos por parte da Impugnante ao longo do decurso do contrato de agência realizado, para além de não terem sido alegados tais factos, esses serviços não resultam da “compensação” paga pelos agentes, na medida em que contrariam o cariz que lhe subjaz. Isto porque, a Impugnante na argumentação apresentada salienta e ressalva que a “compensação” paga pelos agentes serve o propósito de suportar gastos de cariz generalista, associado a uma vertente de carácter intelectual e não o pagamento de qualquer serviço concreto prestado.
Pelas razões expostas, improcede o alegado no que a esta correção respeita.»

Ora, a fundamentação expendida na sentença recorrida e que vimos de transcrever merece o nosso inteiro acolhimento, aliás, a recorrente nas suas conclusões assenta a sua discordância essencialmente na matéria de facto que como vimos não procedeu.

Por outro lado, insiste que a sentença parte do pressuposto não verificado, de que durante a execução dos contratos de agência, a recorrente não incorreu em qualquer custo com o mesmo relacionado. Quando o que se verifica é que durante o período do contrato de agência a recorrente tem necessidade de manter toda uma máquina de suporte aos agentes, que vai desde a manutenção permanente de um sistema informático imprescindível para o exercício diário da atividade, ao fornecimento de suporte em termos de know-how, sessões de formação e reuniões de trabalho periódicas, fornecimento de material de escritório,… mas na verdade não demonstra, nem resulta inequívoco dos termos do contrato que o valor que cada agente paga tem em vista custear as despesas anuais com a formação, apoio informático e de reuniões de trabalho, o que na perspetiva perfilhada pela recorrente também não permite, à luz do princípio da periodização ou especialização dos exercícios, afetar aquela quantia na proporção que o fez.
Assim, não tendo mostrado essa circunstância o valor recebido tem de ser imputado ao respetivo exercício, (art. 18., n.º1, do CIRC), ou seja, no ano em que efetivamente foi recebido, posto que não se verificam os desvios a que aludem os números seguintes da citada norma.

Assim, a sentença não incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito havendo que a confirmar.
*

5. DECISÃO.

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
*
Notifique.
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Porto, 25 de Março de 2021


Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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i) Ac. do STA de 4-11-2015 no processo 963/13

ii) Proferido no processo n.º 01278/12.2 disponível em www.dgs.pt

iii) Ac. do STA de 28-06-2017, disponível em www.dgsi.pt

iv) António Portugal, Dedutibilidade dos Custos, Coimbra Editora, página 276.

v) STA de 28-06-2017, no recurso n.º 0627/16,