Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00675/19.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; MONTANTE GLOBAL MÁXIMO; ARTIGO 320º DO REGULAMENTO DO CÓDIGO DO TRABALHO.
Sumário: 1. O preceito constante do artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial, não permite, minimamente, no seu teor literal, a interpretação de que o limite global é 18 vezes (6 x 3) o salário mínimo nacional.

2. Este preceito, no seu teor literal, apenas permite a leitura de redução, operada pela segunda parte do preceito, do montante da remuneração mensal a considerar.

3. O requerente tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia. Mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida.

4. No caso em que a remuneração é inferior a 3 vezes a remuneração mínima garantida, a segunda parte do preceito não chega a operar, aplicando-se apenas a primeira: o limite máximo garantido pelo Fundo é de 6 vezes a retribuição que auferia.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

M. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30.03.2020, pela qual foi jugada apenas parcialmente procedente a acção que intentou contra ao Fundo de Garantia Salarial para declaração de nulidade ou anulação do acto de deferimento apenas parcial do seu pedido de pagamento de créditos salariais, bem como para condenação do Réu ao reconhecimento e pagamento total das quantias requeridas.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto no artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, bem como os princípios da igualdade e da protecção da confiança.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
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I. Vem a Autora/Recorrente apresentar Recurso de Apelação da decisão do douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – Unidade Orgânica 1 porquanto a mesma julgou parcialmente procedente a supra identificada ação e, em consequência disso, condenou o Réu/Recorrido, FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (doravante F.G.S.), a pagar à A./Recorrente a quantia de 675,20€, com fundamento no argumento de que o F.G.S. apenas tem de assegurar o pagamento de 6 vezes a remuneração mensal que a A./Recorrente recebia, sendo que apenas lhe poderia ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida, com base no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, pelo que a pretensão de pagamento pelo R./Recorrido, entendeu a Meritíssima Juiz, não poderia exceder o valor de 3.342,00€.

II. Sucede que, a decisão do Meritíssimo Tribunal a quo - com o devido e merecido respeito, que aliás é muito - não foi tomada em conformidade com a legislação aplicável, mormente com o Decreto-Lei n.º 59/2015 com as alterações operadas pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, tendo sido feita uma interpretação inconstitucional dos seus preceitos normativos. Pese embora a incorreta aplicação do arsenal normativo e, consequente, interpretação inconstitucional do mesmo, a Meritíssima Juiz, no demais decidido, andou bem ao alinhavar e proferir a douta sentença a quo sempre com cuidado e atenta análise de toda a prova documental junta aos autos.

III. Não vem a A./Recorrente apresentar outra censura à sentença a quo - no seu cômputo geral, que, aliás, está extremamente bem estruturada e fundamentada - mas apenas e tão-só censura relativamente à interpretação e aplicação que fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015.

IV. Com efeito, em jeito de súmula, o entendimento que a Meritíssima Juiz prosseguiu na fundamentação da sentença a quo e a interpretação que fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 - a ser acolhida - por contrariar a prática comum do FG.S., aqui Recorrido, e o conhecimento público e generalizado das quantias garantidas e assumidas pelo mesmo não só é violador das legítimas expectativas da população que durante anos criou a convicção de que o F.G.S. asseguraria o pagamento de créditos em montante sensivelmente entre os oito e os dez mil euros, como é, inclusivamente, violadora dos princípios constitucionalmente consagrados da igualdade - na sua vertente da igualdade de tratamento - e do princípio da proteção da confiança.

V. Senão vejamos: o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 dispõe que “O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima garantida.”

VI. Por sua vez, o Guia Prática do Fundo de Garantia Salarial, disponível no site online do Instituto da Segurança Social, I.P. prevê que – e transcrevendo-se aqui a parte fundamental: “Assim, o limite global garantido é igual a 18 vezes a retribuição mínima mensal garantida que está em vigor.”

VII. Assim, não se percebe o fundamento e ratio legis da interpretação que a Meritíssima Juiz a quo fez da norma aqui em apreço, à luz do espírito do sistema, porquanto trata-se tão-só de um cálculo matemático que não é suscetível de interpretação: 6 X 3 X salário mínimo nacional = montante assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial.

VIII. Como resulta tipificado no próprio normativo supra transcrito e do próprio Guia Informativo do Fundo de Garantia Salarial coexistem dois limites relativamente ao pagamento de créditos laborais assegurados pelo F.G.S. – um limite máximo mensal e um limite máximo global, o primeiro de 3 retribuições mínimas garantidas e o segundo de seis retribuições do trabalhador.

IX. O espírito da norma, no sistema nacional e na própria Diretiva n.º 80/987/CEE, na redação dada pela Diretiva n.º 2002/74/CE, aplicável ao caso sub judice, é precisamente o de garantir apoio e suporte aos trabalhadores que se veriam lesados nos seus interesses patrimoniais, por infortúnios que não lhes são – como, de resto, nem podem ser – imputáveis.

X. Nesta conformidade, parece que o ímpeto da legislação aplicável, já identificada, parece ser o de estabelecer um limite máximo mensal e, um outro, global para evitar que trabalhadores que aufiram retribuições mensais muito altas venham depois reclamar ao F.G.S., aqui Recorrido, valores absurdos de altos.

XI. Ou seja, imagine-se o caso de um trabalhador que aufere uma retribuição mensal de 4.000,00€ (quatro mil euros) e que, preenchendo as condições de acesso ao F.G.S., reclama créditos com base no seu rendimento base. Assim, se o F.G.S. não reconhecesse estes limites ao invés de pagar 6 X 3 X salário mínimo (6 X 3 X 600,00€ = 10.800,00€), poderia ver-se na contingência de pagar valores enormíssimos no global e, mais incomportável ainda, valores elevadíssimos mensalmente.

XII. Por tal, o facto de o F.G.S. – aqui Recorrido - limitar o pagamento dos créditos laborais a esta fórmula de cálculo, é precisamente para acautelar estas situações de retribuições mensais elevadas (comparativamente com o salário mínimo nacional garantido) e não, como entendeu e interpretou a Meritíssima Juiz a quo, desproteger o trabalhador que aufere o salário mínimo nacional ou pouco mais que isso.

XIII. Pelo que, se assim fosse - seguindo a interpretação da Meritíssima Juiz a quo - os trabalhadores que tivessem de enfrentar a insolvência das empresas em que laboraram – não raras vezes durante imensos anos – ver-se-iam na contingência de receber apenas um máximo de 3.600,00€.

XIV. Tal entendimento e prática seriam uma “via rápida” e uma válvula de escape muito perigosa que as empresas poderiam usar a seu favor e em desprimor dos trabalhadores que se veriam completamente nus e desprotegidos, em situações que em nada dependeram de si, da sua vontade ou atuação.

XV. Aliás, se dividirmos o estatuído no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 em duas partes, da forma como a Meritíssima Juiz a quo fez, estaríamos a despir completamente de sentido o limite máximo mensal da mesma norma, isto porque a Meritíssima Juiz a quo apenas atendeu ao limite máximo global de seis retribuições mínimas garantidas. Ou dito de outra forma, se seguirmos a interpretação da Meritíssima Juiz a quo isto significaria que, respeitando o primeiro limite do montante mensal máximo o trabalhador assegurado não poderia receber mais de 1.800,00€ e, da mesma forma, o mesmo trabalhador assegurado não poderia receber, como montante global máximo, respeitando o segundo limite, mais de 3.600,00€. Ou seja, na prática, o F.G.S. passaria a pagar o montante máximo em apenas duas prestações.

XVI. A interpretação que a Meritíssima Juiz a quo fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 - a ser acolhida, o que não se aceita e apenas por mera cautela de patrocínio de hipotiza – contraria por completo a prática reiterada e do conhecimento público generalizado do F.G.S., aqui Recorrido, do comum do cidadão, e de resto, publicitada nos termos acima transcritos.

XVII. Assim, tal interpretação é gravemente violadora das legítimas expectativas da população que durante anos criou a convicção, com base na informação disponível publicamente e na prática reiterada dos pagamentos realizados à generalidade dos trabalhadores de que o F.G.S. assegura o pagamento de créditos em montante sensivelmente entre os oito e os dez mil euros.

XVIII. O acolhimento da interpretação feita na douta sentença recorrida, é, violadora dos princípios da igualdade - na sua vertente da igualdade de tratamento –; e do princípio da proteção da confiança, constitucionalmente consagrados.

XIX. Senão vejamos: como extensamente se referiu acima, o Recorrido mantém a prática reiterada há já décadas e publicita e transmite pelos respetivos meios (site, informação nos Balcões de Atendimento, etc), o pagamento de créditos laborais segundo a fórmula de cálculo acima transcrita 6 X 3 X 600,00 €
= 10.800,00€.

XX. Isto quer dizer que durante décadas, e atualmente, quando um trabalhador apresente o seu requerimento ao Recorrido para pagamento dos créditos laborais, este - o Recorrido – paga até ao limite máximo daquele montante global (presentemente 10.800,00€). Isto é assim, em centenas e centenas de procedimentos administrativos junto do Recorrido.

XXI. Ora, a acolher esta interpretação, que determina o limite máximo assegurado pelo Recorrido de 6 meses de retribuição, dois trabalhadores que aufiram o salário mínimo nacional; que apresentem o seu requerimento ao Recorrido na fase administrativa e na fase judicial poderão ver assegurados limites totalmente desiguais. Isto porque um dos trabalhadores poderá na fase administrativa receber 10.800,00€ e o outro trabalhador, que por outras questões não lhe tenham sido reconhecidos os créditos laborais na fase administrativa e tenha de recorrer à via judicial, é-lhe imposto, por esta via, o limite máximo de 6 vezes a retribuição (3.600,00€).

XXII. Donde, dúvidas não podem existir que a interpretação que a sentença a quo fez do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, é violadora do princípio da igualdade, pois trata uma situação igual de forma diferente.

XIII. De resto, a situação aqui gizada e vivida pela A./Recorrente, ocorreu milimetricamente de igual forma com outras oito trabalhadoras, da mesma empresa, que foram cedidas à mesma empresa, que apresentaram essa mesma empresa à insolvência e cujos créditos laborais foram reclamados e reconhecidos no mesmo Processo – identificado nos factos dados como provados acima transcritos. Essas mesmas trabalhadoras – e porque a coligação entre as nove trabalhadoras, na qualidade de Autoras, não foi aceite pelo Meritíssimo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – viram-se obrigadas a intentar as nove ações individualmente.

XXIV. Em virtude disso, três das nove trabalhadoras foram já notificadas das suas sentenças, sendo estas completamente procedentes relativamente às suas pretensões - à luz da forma de cálculo atrás descrita – nos Processos que correram termos no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob os n.ºs 677/19.3BEBRG, 674/19.9BEBRG e 676/19.5BEBRG.

XXV. Pelo que, a douta sentença proferida, ao fazer a aplicação da norma segundo a interpretação aqui em crise, viola frontalmente o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

XXVI. Com efeito, o artigo 13.º da C.R.P. consagra o princípio da igualdade que impõe que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, na medida dessa diferença.

XXVII. Assim entendeu GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA in “Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição revista, Coimbra Editora, 1993, página 127 a 128, a proibição da discriminação de tratamento ínsita no âmbito de proteção do princípio da igualdade “não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento”, o que se exige “é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio”.

XXVIII. No mesmo sentido vide Acórdão 166/10 do Tribunal Constitucional - recuperando os Acórdãos 186/90, 187/90 e 188/90.

XXIX. Pelo que, à luz do princípio da igualdade, deveria a sentença do Meritíssimo Tribunal a quo, respeitando a prática reiterada e publicitada pelo Recorrido - que, de resto, em momento algum no decurso do processo se opôs ao limite máximo global dos 10.800,00€ (pois é sua prática o pagamento até este limite) - e do conhecimento generalizado do comum trabalhador, estribado na sua predita prática e publicitação, ter dado igual tratamento.

XXX. No que concerne ao princípio da confiança, como acima referido, o Recorrido informa publicamente, qualquer cidadão, através dos seus meios, os montantes globais que assegura e procede ao respetivo pagamento conforme a informação que presta.
XXXI. Por tal, não pode, de forma alguma, entender-se que a convicção que os trabalhadores criam em ver assegurados os seus créditos laborais num montante de até 10.800,00€ é infundada porquanto criam essa convicção em informação fidedigna e confirmada pela prática reiterada do Recorrido.

XXXII. Explicando o Recorrido, extensamente, a forma de cálculo para o efeito - como acima se descreveu.

XXXIII. Pelo que o Recorrido, ao longo de décadas, disseminou e dissemina a referida fórmula de cálculo, quer em termos informativos, quer pela sua prática.

XXXIV. Nessa conformidade, é legitimamente expectável que qualquer trabalhador que precise de recorrer ao F.G.S. receba até ao montante máximo por este assegurado.

XXXV. Neste sentido, relativamente à proteção do princípio da confiança, na aceção da proteção das legítimas expectativas vide Acórdão n.º 0942/08, datado 02/07/2009 do Supremo Tribunal Administrativo.

XXXVI. Assim, não são as expectativas que a nossa Lei Fundamental pretende proteger e acautelar, mas antes as legítimas expectativas. Pelo que, não é censurável a legítima expetativa da A./Recorrente – e de outros trabalhadores que se encontrem ou possam vir a encontrar na mesma situação – de que o F.G.S., aqui Recorrido, assegura o pagamento de créditos laborais até um teto máximo de 10.800,00€ (correspondendo a 18 retribuições mínimas garantidas) e não até 3.600,00€, como entendeu e interpretou a Meritíssima Juiz a quo.

XXXVII. Desta feita, deve a douta sentença a quo ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a pretensão da A./Recorrente e, consequentemente, condene o R./Recorrido a pagar à A./Recorrente o montante global de 6.459,16€.

Nestes termos e nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e em consequência disso, ser a douta sentença a quo revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a pretensão da A./Recorrente e, consequentemente, condenar o R./Recorrido a pagar à A./Recorrente o montante global de 6.459,16€.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. No período compreendido entre 26.04.2006 até 30.11.2015, a Autora foi trabalhadora da empresa “A., LDA.”. – Cfr. fls. 08 do processo administrativo apenso, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 01.12.2015, a Autora foi admitida como trabalhadora da empresa “A., LDA.”, na sequência de cessão da entidade empregadora [cedência definitiva da
Autora, na qualidade de trabalhadora, da empresa “A., LDA.” para a empresa “A., LDA.”, com garantia de todos os direitos derivados da antiguidade] - contrato, esse, que cessou em 30.05.2017, por resolução com justa causa por iniciativa da Autora. – Cfr. doc. 5 junto com a p.i., que não resultou controvertido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. A Autora auferia o salário base mensal ilíquido de € 557,00 euros. – Cfr. fls. 01 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. Em 21.07.2017, foi requerida judicialmente a insolvência da empresa “A., LDA.”, tendo a respetiva ação corrido os seus termos sob o processo n.º 4176/17.0T8GMR, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Guimarães, Juiz 2. – Cfr. fls. 14 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. No âmbito do processo identificado em 4., foi proferida sentença, em 26.09.2017, que declarou insolvente a empresa “A., LDA.”. – Cfr. fls. 14 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. No âmbito do processo de insolvência identificado em 4., a Autora reclamou créditos laborais no montante de € 9.152,96 euros - créditos, esses, que foram reconhecidos, por
sentença judicial. – Cfr. fls. 14 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. O Administrador Judicial do processo de insolvência identificado em 4., emitiu a seguinte Declaração:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– Cfr. fls. 13V.º do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Em 27.04.2018, a Autora apresentou nos serviços do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (Modelo GS 1/2015-DGSS) um requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial, no qual requereu o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho celebrado com a empresa “A., LDA.” no valor global de € 9.152,96 euros, cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. – Cfr. fls. 01 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9. Os serviços do Instituto da Segurança Social elaboraram as informações cujo teor consta de fls. 14/16 do PA, e que se dá por integralmente reproduzido, que propõem o deferimento parcial do requerido pela Autora.

10. Em 14.12.2018, o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial emitiu despacho concordante. – Cfr. fls. 14 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. Mediante ofício datado de 14.12.2018, com o assunto “Fundo de Garantia Salarial – Audiência Prévia Deferimento Parcial”, o Instituto da Segurança Social, IP notificou a Autora, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- Cfr. doc. 3 junto com a p.i. e fls. 17 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. Em 03.01.2019, a Autora, pronunciou-se por escrito, em sede de audiência prévia. – Cfr. fls. 20 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Mediante ofício datado de 05.01.2019, com o assunto “Fundo de Garantia Salarial – Notificação Deferimento Parcial”, o Instituto da Segurança Social, IP notificou a Autora, nos seguintes termos:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- Cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 18 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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III - Enquadramento jurídico.

Determina o artigo 317º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03

“Finalidade

O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.”

O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas.

No entanto, os créditos laborais (que são os créditos aqui em causa) vencem-se com a cessação do contrato de trabalho, não sendo aqui de aplicar o artigo 146º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, que se refere ao reconhecimento de créditos para efeito de serem “atendidos no processo de insolvência”.

O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo.

O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado à partida, quer pelo período que abrange quer pelo montante máximo permitido, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional.

Como se sustentou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 14.07.2017, no processo 698/16.8 PNF.

Em particular, o preceito cuja interpretação está aqui, no essencial em causa, é o disposto no artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial:

“1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.

2 - Se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição.

3 - Às importâncias pagas são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos.

4 - A satisfação de créditos do trabalhador efectuada pelo Fundo de Garantia Salarial não libera o empregador da obrigação de pagamento do valor correspondente à taxa contributiva por ele devida.”

A letra da lei não permite, de todo, a interpretação defendida pela Recorrente, pelo que esta não é aceitável – n.º 2 do artigo 9º do Código Civil.

Em lado nenhum do preceito se refere que o montante global máximo são 18 vezes a retribuição mínima garantida. O número 18 surge, no argumento da Recorrente, como resultado da multiplicação do número 6, de seis vezes o valor da retribuição auferida pelo requerente (1ª parte do n.º1 do artigo 320º) pelo número 3, de três vezes a retribuição mínima garantida como limite máximo a considerar na retribuição mensal (2ª parte do preceito).

Mas do preceito não se pode fazer uma leitura que permita essa operação de multiplicação.

O preceito apenas permite a leitura feita na decisão recorrida, de redução, operada pela segunda parte do preceito, do montante da remuneração mensal a considerar.

O Requerente tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia. Mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida.

Ou seja, a segunda parte do preceito não tem uma aplicação geral. Pelo contrário, como resulta da própria letra da lei, inequivocamente, apenas se aplica aos casos em que o requerente auferia uma retribuição mensal superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida. Neste caso – e só neste - o valor global a pagar é dezoito vezes a remuneração mínima garantida face à redução imposta pela segunda parte do preceito em análise.

No caso em que a remuneração é inferior a 3 vezes a remuneração mínima garantida, como é o caso da ora Recorrente, a segunda parte do preceito não chega a operar, aplicando-se apenas a primeira: o limite máximo garantido pelo Fundo é de 6 vezes a retribuição que auferia.

Ao contrário do sustentado pela Recorrente, a decisão recorrida não viola, antes respeita, o disposto nos artigos 317º a 320º do Regulamento do Contrato de Trabalho.

Como se decidiu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 26.10.2018, no processo 19/16.0 PRT, com o mesmo Relator.

E não existe nesta interpretação qualquer violação do princípio da igualdade ou do princípio da proteção da confiança, constitucionalmente consagrados.

Os tribunais não estão obrigados a decidir todos os casos de forma igual, embora esse resultado seja desejável.

O juiz é livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – n.º 3 do artigo 5º do Código de Processo Civil.

De resto, pela lógica de raciocínio da Recorrente, o Fundo de Garantia Salarial podia invocar em relação às decisões judiciais que são invocadas no recurso que padecem de violação desses princípios e até com mais razão porque neste Tribunal Central Administrativo Norte se tem decidido de maneira uniforme esta questão, no mesmo sentido em que decidiu a decisão recorrida.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Porto, 05.02.2021


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco