Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00923/14.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/05/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:REPOSIÇÃO DE PENSÃO; PRAZO PRESCRICIONAL; ARTº 40.º DL Nº 155/92
Sumário:1 – Uma vez que a controvertida resolução da Direção da CGA que decidiu que a aqui Recorrida deveria efetuar a regularização da situação, através da reposição das pensões abonadas, por compensação, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho, não sendo um ato discricionário, não poderia ser anulada com fundamento na mera violação do princípio da boa-fé.

2- Com efeito, sempre se dirá que tendo os atos que determinaram os controvertidos reembolsos objeto de impugnação, sido praticados no exercício de poderes vinculados, não poderiam enfermar de violação do princípio da Boa-fé, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários.

3 - O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

4 - O novel nº 3 do Artº 40º do DL nº 155/92 não visou outro objetivo que não fosse estabelecer que a previsão legal do nº 1, de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento, não é prejudicada pelo regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Caixa Geral de Aposentações,
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I Relatório

A CGA – Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa intentada por M., tendente a impugnar o despacho proferido em 25/07/2014, cuja execução se iniciou em setembro do referido ano, e que considerou que, desde junho de 2012, estava a ser indevidamente paga à Autora o montante de pensão de aposentação, inconformada com a Sentença proferida em 3 de dezembro de 2018 no TAF de Viseu, que, em síntese, julgou a Ação procedente, veio, em 21 de janeiro de 2019 a interpor recurso jurisdicional da referida decisão para este TCAN.

Efetivamente, decidiu-se em 1ª Instância:
“a) Anula-se o ato administrativo praticado pela Ré, implícito no ato de execução praticado a 19/09/2014, que ordenou a suspensão do pagamento à Autora da pensão de aposentação, e que ordenou a restituição à Ré das quantias abonadas à Autora no período compreendido entre 26/07/2012 e a data da sua desvinculação do contrato de trabalho celebrado com a ULS (...); e
b) Anula-se o ato administrativo praticado pela Ré, a 05/02/2015, e que ordenou a restituição das quantias reputadas de indevidamente abonadas, por via do desconto mensal de 1/3 do valor da pensão, tudo com as demais consequências legais.

Formulou a aqui Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“1.ª Resulta da matéria de facto dada como provada que a A./ora Rcda requereu, em 2010-12-27, através da USL o pedido de aposentação antecipada, tendo a rcda. indicado como data a considerar para efeitos de momento determinante da aposentação 2011-09-16 [(facto assente sob a alínea b)].
2.ª E, por resolução da Direção da CGA, de 2012-02-23, foi reconhecido à Rcda. o direito à aposentação, nos moldes por ela precisamente requeridos, ou seja, aposentação antecipada, nos termos do disposto no artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, tendo-lhe sido fixada uma pensão de aposentação sem qualquer penalização [facto assente sob a alínea d)].
3.ª Tendo tal facto sido comunicado quer à A./Rcda, quer á ULS [facto assente sob a alínea e)].
4.ª Resulta da matéria de facto assente sob as alíneas F) a J) que, em 25 de junho de 2012, a ULS enviou à CGA uma carta, juntamente com uma declaração da interessada (em que esta afirmava não ter recorrido à aposentação antecipada), a informar que contactou a Rcda e que esta optava pelo pagamento integral da pensão com 1/3 da remuneração correspondente ao exercício de funções.
5.ª Dúvidas não há de que estamos perante uma situação de acumulação indevida de pensões e remunerações, já que, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 6º do Decreto-lei nº 89/2010, tendo recorrido a mecanismos de antecipação da aposentação, durante o período em que exerceu funções remuneradas na Unidade Local de Saúde (...), a pensão de aposentação da interessada deveria ter sido suspensa.
6.ª O princípio da boa-fé atua como limite da atividade discricionária da Administração.
7.ª No caso concreto, não está em causa em primeiro lugar nenhum ato discricionário da CGA.
8.ª Os atos da CGA que o tribunal anulou são vinculados – decorre da lei que os médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação ficam com a pensão suspensa.
9.ª Um declaratário normal – ou destinatário comum – que tenha requerido uma aposentação antecipada, que lhe tenha sido expressamente deferida e comunicada, como no caso, não confunde o fundamento da sua aposentação com o montante da sua pensão (até porque também sabe que as pensões antecipadas podem ser atribuídas por inteiro, tendo sido, aliás, essa a razão pela qual a Rcda terá desistido da data inicialmente indicada no seu requerimento de aposentação – para a despenalizar na totalidade!).
10.ª A boa-fé na atividade administrativa não impende só sobre a Administração, mas também sobre o particular.
11.ª Não se pode igualmente chamar, para estes efeitos, à colação o comportamento da entidade empregadora pública que contratou a Rcda para imputar um vicio de violação do principio da boa fé ao ato praticado pela CGA – o que, do ponto de vista lógico, é um verdadeiro absurdo.
12.ª Face ao principio da legalidade a que está adstrita a CGA, nos termos do artigo 3.º do CPA, a resolução da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 2015-02-05, que decidiu que a Rcda. deveria efetuar a regularização da situação, mediante a reposição das pensões indevidamente abonadas, designadamente mediante o desconto mensal da quantia indevidamente abonada na pensão do devedor, por compensação, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho, que não pode exceder 1/3 do valor da pensão, não é um ato discricionário, mas um ato vinculado, que não pode ser anulado com fundamento num principio geral de direito que visa limitar apenas a atividade discricionária da Administração.
13.ª Pelo que violou a sentença recorrida, o disposto nos artigos 3.º e 6.º-A do CPA, bem como os n.ºs 4 e 5 do artigo 6.º 89.º do Decreto-lei n.º 89/2010, de 21 de julho, e 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ª Ex.ªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências.

A Recorrida veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 22 de fevereiro de 2019, nas quais se sumariou:

“1. A douta sentença sob censura tem por base uma decisão da mais elementar justiça material.
2. Não merecendo assim, qualquer reparo.
3. Tem a mesma por suporte o princípio da boa-fé que impende sobre toda a administração, no caso concreto, na vertente a tutela da confiança e proteção das expectativas jurídicas.
4. Constituindo tais princípios um limite ao poder da administração e uma válvula de segurança à sua atuação vinculada perante situações de clamorosa injustiça.
5. Assumindo-se como princípios de segurança jurídica classificadores do estado de direito, assentes num mínimo de certeza e segurança quanto aos direitos dos cidadãos.
6. A administração envolvida na contratação da recorrida criou nesta a convicção segura da legalidade da sua contratação e do seu quadro remuneratório.
7. Induzindo-a em erro.
8. Erro esse assente no silêncio confirmador durante mais de dois anos por parte da recorrente, não obstante estar na posse de todos os elementos e do quadro remuneratório da recorrida.
9. Tal como resulta do ponto T) da matéria de facto dada como provada onde a recorrente admite “(...), não logrou, como lhe competia, confirmar se essa acumulação era possível.”
10. Tal convicção segura por parte da recorrida sobre a legalidade da sua contratação acumulação está patente nos pontos G), H), I), J), K) e T) dos factos dados como provados.
11. Assente ainda no facto da pensão lhe ter sido concedida pela recorrente por inteiro.
12. A sustentação dos atos impugnados no princípio da legalidade traduzir-se-iam na prática de atos em manifesto abuso de direito, porque “atraiçoam” o princípio da confiança nas expectativas jurídicas.
13. A reposição do valor das pensões que a recorrente abonou paulatinamente à autora, durante mais de vinte quatro meses é demasiado penalizador para quem, num quadro de aposentação, exerceu funções públicas, acima de tudo, em prol do interesse publico e do cidadão e utente do S.N.S..
14. Assegurando, num período de total carência de médicos especializados, a manutenção do serviço de ginecologia na Unidade Local de Saúde (...) EPE.
15. Os atos impugnados compelem a recorrida para um quadro remuneratório ao longo de mais de dois anos próximo do limiar da subsistência o que não é adequado ao serviço prestado.
16. Os atos impugnados violam assim, não só, o princípio da boa-fé, como ainda, os princípios que informam o relacionamento da administração com os particulares, bem como, da cooperação, da justiça, da proteção dos interesses do cidadão e da proporcionalidade.
17. Impondo-se assim, a manutenção da douta sentença a qual, não merece qualquer reparo e, como tal deve manter-se.
Termos em que, negando provimento ao presente recurso V. Ex.ª(s) e, como sempre, farão Justiça!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 7 de março de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Em função do Recurso apresentado, importa verificar, como alegado, se face ao principio da legalidade a que está adstrita a CGA, sempre esta estava obrigada a efetuar a regularização das Pensões pagas, mediante a reposição dos valores indevidamente atribuídos e pagos, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

Foi considerada a seguinte factualidade provada:
“A) Em dezembro de 2010, a Autora exercia funções como Chefe do Serviço de Ginecologia, na sede da Unidade Local de Saúde (...), E.P.E. (cf. fls. 54 do PA – Pasta 1);
B) A 07/12/2010, a Autora apresentou junto dos serviços da Ré requerimento para a atribuição de pensão de aposentação, indicando como fundamento o de pensão “Antecipada” e como data a considerar na aposentação a de 16/09/2011 (cf. fls. 42 a 45 do PA – Pasta 1);
C) A 07/06/2011, a Aurora dirigiu à Ré uma comunicação, da qual consta, designadamente, o seguinte: “Venho, respeitosamente, solicitar que me seja anulada a data a considerar na Aposentação-16/09/2011-em virtude de desconhecer que o processo seria trabalhado na lei em vigor em 2011. Apelo à vossa sensibilidade, pelo facto de, em 16/09/2011 eu completar 62,5 anos de idade, podendo, por este facto, ser reformada sem penalização, se o processo for trabalhado após essa data. Desde já agradeço a vossa atenção e fico a aguardar a vossa resposta.” (cf. fls. 57 do PA – Pasta 1);
D) A 23/02/2012, a Ré proferiu despacho a reconhecer à Autora o direito à aposentação, tomando como fundamentos legais o artigo 6º do Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de novembro, e o artigo 37º-A do Decreto-Lei nº 498/1972, de 9 de dezembro, tendo considerado o tempo de serviço de 40 anos, e fixado o valor da pensão global, para o ano de 2011, de € 3.241,24 (cf. fls. 67 e 68 do PA – Pasta 1);
E) O despacho referido supra foi comunicado à ULS (...), E.P.E. bem como à Autora, constando de tal comunicação, entre outras informações, as seguintes: “(…) Informa V. Exa. de que, ao abrigo do disposto no artigo 97.º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro -, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2012-02-23, da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no D.R. II Série, nº 250 de 2011-12-30), tendo sido considerada a situação existente em 2011-09-16, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro.
O valor da pensão para o ano de 2011 é de € 3.241,24 e foi calculado, nos termos do artigo 5.º, nºs 1 a 3, da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28de abril, com base nos seguintes elementos: (…)” (cf. fls. 69 e ss. do PA – Pasta 1, que aqui se dão por integralmente reproduzidas);
F) A 01/03/2012, a Autora remeteu ao Conselho de Administração da ULS (...), e mediante solicitação prévia, o horário que se propunha cumprir, no caso de ser permitida a sua contratação após aposentação (cf. fls. 179, verso, dos presentes autos – processo físico);
G) A 10/04/2012, a ULS (...) remeteu ao Conselho Diretivo da Administração Regional do Centro uma designada “proposta de contratação da Autora”, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, com o intuito de poder garantir o normal funcionamento do Serviço de Ginecologia do Hospital de Sousa Martins, na (...), acompanhada da respetiva fundamentação, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “(…) O contrato terá início a 26/06/2012 e término a 21/07/2013. Dotação do Mapa de Pessoal. Relativamente ao pessoal médico foi prevista para o ano de 2012 uma dotação global de 256 postos de trabalho, respetivamente. Foi prevista a ocupação do referido posto de trabalho pela médica aposentada, sem recurso a mecanismos legais de antecipação, com a qual se pretende celebrar contrato, ao abrigo do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho. (…) Tendo em conta o Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, os médicos autorizados a exercer funções públicas nos termos daquele decreto-lei, são remunerados de acordo com a categoria e o escalão detidos à data de aposentação, que in casu corresponde à remuneração base mensal de 3089,92€ (…), intervalo remuneratório entre 51 e 52, em regime sem dedicação exclusiva – templo completo – 35 horas semanais. Dado que a médica aposentada pretende, durante o período em que vigorar o contrato de trabalho acima referido, manter a respetiva pensão de aposentação, sendo-lhe abonada uma terça parte da remuneração base que compete às funções que irá desenvolver, e com uma carga horária de 20 horas semanais, a remuneração base a auferir será de 588,56€ (…)” (cf. fls. 177 e seguintes dos autos);
H) A 02/05/2012, o Secretário de Estado da Saúde proferiu o despacho nº 1339/2012, que autorizou o exercício de funções médicas pela Autora, nos termos e para os efeitos do estatuído no Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, em particular, nos artigos 4º, 5º e nos números 1 a 3 do artigo 6º, despacho este que foi publicado no Diário da República, II Série, nº 119, de 21/06/2012 (cf. fls. 175, verso, e seguintes, dos presentes autos);
I) A 25/06/2012, a Presidente do Conselho de Administração da ULS (...) enviou uma missiva à Ré, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “Serve o presente para informar que a Dra. M., especialista em Ginecologia, celebrou com a nossa Unidade Local de Saúde (...), E.P.E. contrato de trabalho a termo resolutivo certo ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho. Assim, em cumprimento do dever de comunicação, previsto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, somos a comunicar a presente situação à Caixa Geral de Aposentações, enviando para o efeito fotocópia da declaração da prestação de trabalho remunerado, em serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, por médica aposentada sem recurso a mecanismos legais de aposentação (Doc. nº 1), assinada pela própria em que a mesma afirma que, durante o período em que vigorar o contrato de trabalho acima referido, opta pelo pagamento integral da pensão de aposentação e 1/3 da remuneração que lhe seja devida, devendo ser processada a atualização, nos termos da lei, na data em que se verificar o termo do mesmo contrato.” (cf. fls. 86 do PA – Pasta 1);
J) A 26/06/2015, a Autora emitiu uma declaração, da qual consta o seguinte: “M., médica, portadora da cédula profissional nº 13528, encontrando-se atualmente na situação de aposentado, à qual acedeu sem recurso a quaisquer mecanismos legais de antecipação, vem, para os devidos efeitos e ao abrigo e nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, comunicar que irá celebrar contrato de trabalho a termo resolutivo certo com a Unidade Local de Saúde (...), E.P.E.. Mais informa que a referida contratação produzirá efeitos a 26 de junho de 2012. Cumpre-lhe, ainda, informar que, nos termos do n.º 1 do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de novembro, pretende, durante o período em que vigorar o contrato de trabalho acima referido, manter a respetiva pensão de aposentação, sendo-lhe, ainda, abonada uma terça parte da remuneração base que compete às funções que irá desenvolver. Por último, e em cumprimento do dever de comunicação, previsto no n.º 1 do citado artigo 7º do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de julho, requer que a presente situação seja de imediato comunicada à Caixa Geral de Aposentações, autorizando, para o efeito, o envio de fotocópia da presente declaração.” (cf. fls. 87 do PA – Pasta 1);
K) A 26/06/2012, entre a ULS (...) e a Autora, foi celebrado um designado “Contrato de trabalho a termo resolutivo certo”, e do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Considerando que: a) A Trabalhadora exerceu funções na Unidade Local de Saúde (...), E.P.E., em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, até 29 de fevereiro de 2012, integrada na carreira especial médica e com a categoria, à data do término da relação jurídica de emprego, de Assistente Graduada Sénior; b) A Segunda Outorgante passou a à situação de aposentada, sem recurso a mecanismos legais de aposentação, a partir de 01 de março de 2012, em conformidade com o despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações de 23 de fevereiro de 2012, publicado no Diário da República, II série, n.º 49 de 08 de março de 2012; (…) Primeira (Objeto do contrato). A Primeira Outorgante admite ao seu serviço a Segunda Outorgante para, sob sua autoridade, direção, orientação e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Chefe de Serviço de Ginecologia, nomeadamente as previstas no Decreto-Lei nº 176/2009, de 4 de agosto, o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. Segunda (Vigência). 1. O presente contrato de trabalho é outorgado a termo resolutivo certo, até à data estabelecida no número seguinte, não sendo renovável, o que as partes deixam expressamente declarado, atribuindo ambas, desde já, a esta declaração, o sentido de manifestação de o fazer cessar na data do seu termo, para todos os efeitos legais. 2. O presente contrato tem início a 26 (vinte e seis) de junho de 2012 e termo a 21 (vinte e um) de julho de 2013, data do fim da vigência do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho. (…) Sexta (Período e horário de trabalho). A Segunda Outorgante fica sujeita ao período de horário semanal de 20 (vinte) horas, sendo o horário de trabalho definido pela Primeira Outorgante, dentro dos condicionalismos legais e de acordo com a organização, esquema, escala e funcionamento do serviço e interesse do serviço onde o trabalhador exercerá a sua atividade, não estando sujeito ao regime de exclusividade para com a Primeira Outorgante. Sétima (Retribuição). 1. A Primeira Outorgante pagará mensalmente à Segunda Outorgante, nos termos do estipulado no nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, uma remuneração base mensal ilíquida de € 588,56 (quinhentos e oitenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente a uma terça parte da remuneração auferida na data imediatamente anterior à passagem à situação de aposentação e proporcional à carga horária a desempenhar, pagável em 14 prestações anuais, quantia essa que, deduzidos os descontos legais, será depositada, por transferência bancária, para a conta indicada pela Segunda Outorgante. 2. A remuneração base definida no número anterior será atualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, nos termos legais. (…)” (cf. documentos juntos a fls. 170 e ss. dos autos);
L) A 25/07/2014, e sob o assunto “Limite à cumulação de vencimento de pensão e vencimento. Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho. Audiência Prévia”, a Ré comunicou à Autora o seguinte: “Após análise ao processo de aposentação, informo V.ª Ex.ª de que, uma vez que foi aposentada com recurso a mecanismos legais de antecipação (nº 1 do artigo 37-A, do Decreto-Lei nº 498/79, de 9/12), e estando a ser-lhe paga indevidamente a pensão por esta Caixa, a partir do próximo mês de setembro de 2012 a sua pensão será suspensa, nos termos do nº 5 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho. Deste modo, torna-se necessária a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia de € 55.088,24 indevidamente abonada referente ao montante líquido das pensões do período de 26 de junho de 2012 a 31 de agosto de 2013. No entanto, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de novembro, terá o prazo máximo de 10 dias, a contar da presente notificação para, querendo, informar do que se lhe oferecer sobre o assunto, assistindo-lhe ainda o direito de consulta do respetivo processo.” (cf. fls. 98 do PA – Pasta 1);
M) A 30/07/2014, a Autora remeteu aos serviços da Ré uma missiva, no exercício do seu direito de audiência prévia, e que aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. fls. 101 e ss. do PA – Pasta 1);
N) A 15/08/2014, a Autora remeteu aos serviços da Ré um designado “Complemento dos factos objeto do direito de audição”, e do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Em face de tudo o já exposto e tendo por base o meu total desconhecimento de que a cumulação do valor da minha pensão com 1/3 do vencimento auferido pelo exercício temporário de funções médicas, na referida entidade de saúde, poderia consubstanciar uma cumulação indevida, venho propor em como forma de resolução da presente situação, de uma maneira que considero mais justa e equitativa, em face da situação objetiva já exposta, a devolução ao Hospital – Unidade de Saúde da Guarda, E.P. – dos valores remuneratórios auferidos após a minha aposentação, ou seja, 1/3 do vencimento referente a 20 horas semanais, passando o exercício das minhas funções durante esse período e, posteriormente, enquanto durarem a serem consideradas fora do âmbito de um contrato de trabalho, isto é, como serviço não remunerado, enquadrado como voluntariado, de forma a que possa beneficiar dos valores já auferidos, a título de aposentação, continuando assim a beneficiar do valor da minha pensão. (…)” (cf. fls. 113 e ss. do PA – Pasta 1);
O) A 19/08/2014, a Ré efetuou o pagamento do montante de € 1.925,66 à Autora, a título de pensão de aposentação (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 13);
P) A Ré suspendeu o pagamento da pensão à Autora no mês de setembro de 2014 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 14);
Q) A 14/10/2014, a Autora enviou ao Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (...), E.P.E. uma missiva através da qual solicitou a extinção do contrato de trabalho celebrado, com efeitos imediatos (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 15);
R) A 05/11/2014, a ULS (...) enviou à Ré uma missiva, na qual se pode ler o seguinte: “Serve o presente para informar que, em cumprimento do dever de comunicação, previsto no nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, para os efeitos previstos no nº 8 do artigo 6 do mesmo diploma e ainda do nº 4 do artigo 79º do Estatuto da Aposentação, o contrato que a Dra. M., Assistente Graduada Sénior de Ginecologia/Obstetrícia, celebrou com a nossa Unidade Local de Saúde (...), E.P.E., terminou em 31 de outubro de 2014, por rescisão da própria, devendo ser retomado o pagamento da pensão de aposentação que lhe foi suspensa, a partir do dia 1 de novembro de 2014.” (cf. fls. 115 do PA – Pasta 1);
S) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 18/12/2014 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos);
T) A 03/02/2015, os serviços da Ré emitiram uma informação, relativamente à Autora, sob o assunto “Regime especial de contratação de médicos aposentados”, e da qual consta o seguinte: “1. Em julho de 2012, a Caixa Geral de Aposentações teve conhecimento de que a aposentada referenciada em epígrafe celebrou um contrato de trabalho com a Unidade Local de Saúde (...), com efeitos reportados a 26 de junho de 2011. Partindo do pressuposto de que não beneficiara de quaisquer mecanismos de aposentação antecipada, consignou-se no referido contrato que, durante a sua prestação, a interessada manteria o direito à pensão de aposentação acrescida de uma terça parte da remuneração (€ 588,86). Porém, só em 27 de agosto de 2014, na sequência de informação prestada pela Inspeção-Geral de Finanças, a Caixa Geral de Aposentações constatou que afinal a interessada, sua aposentada, não obstante não ter sofrido qualquer penalização no valor da pensão, se aposentara com recurso a mecanismos de antecipação da aposentação (artigo 37º A do Estatuto da Aposentação). Por essa razão, tendo em consideração o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, procedeu-se à imediata suspensão da pensão, tendo-se apurado o montante das pensões indevidamente abonadas (€ 55.088,24). Confrontada com a situação, a interessada – agora através do seu advogado – tem vindo a contestar a suspensão da sua pensão e a consequente exigência de reposição das pensões auferidas de 26 de junho de 2012 a 31 de agosto de 2014. Alega, em síntese, que foi induzida em erro pela Unidade Local de Saúde (...), que a informou de que tinha sido aposentada sem recurso a mecanismo de antecipação. Face à impossibilidade legal de acumulação da terça-parte da pensão com a remuneração, propõe repor junto da Unidade Local de Saúde (...) os valores auferidos pelo exercício de funções (€ 588,86) em vez de repor as pensões auferidas no período de acumulação. Requer, por outro lado, a reativação imediata do pagamento da pensão. 2. Estamos perante uma situação indevida de pensões e remunerações, já que, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 89/2010, tendo recorrido a mecanismos de antecipação da aposentação, durante o período em que exerceu funções remuneradas na Unidade Local de Saúde (...), a pensão de aposentação da interessada deveria ter sido suspensa. A interessada deveria ter auferido a remuneração prevista no nº 4 do referido artigo 6º. Ora, é certo que a irregularidade da presente situação se ficou, em parte, a dever a um equívoco da Unidade Local de Saúde (...) que, como se viu, informou a interessada que, por não ter recorrido a mecanismos de antecipação, poderia acumular a pensão de aposentação com 1/3 da pensão de aposentação. A própria Caixa Geral de Aposentações, tendo recebido, em julho de 2012, o ofício daquela unidade hospitalar a informar que a interessada iria acumular a totalidade da pensão com 1/3 da remuneração, não logrou, como lhe competia, confirmar se essa acumulação era possível. Porém, não podemos ignorar que a interessada requereu uma aposentação antecipada (ver nota biográfica), pelo que, independentemente da informação que lhe foi transmitida pela Unidade Local de Saúde (...), temos de presumir que sabia que se aposentou com recurso a mecanismos de antecipação. Por conseguinte, é nosso entendimento que, não obstante as circunstâncias da presente situação, a solução proposta pela pensionista – manter a pensão de aposentação e devolver os montantes correspondentes às remunerações que durante o período de duração do contrato auferiu – não pode ser admitida pela Direção da Caixa Geral de Aposentações. A regularização da situação passará pela reposição junto da Caixa Geral de Aposentações das pensões que foram indevidamente abonadas, competindo à Caixa Geral de Aposentações adotar os procedimentos habituais na cobrança de dívidas e que se encontram fixados na Comunicação de Direção nº 19/2011. De acordo com o ponto 9. desta CD, os serviços devem apurar a importância indevidamente abonada, iniciando o desconto mensal daquela na pensão do devedor, desconto que não pode exceder 1/3 do valor da pensão. De qualquer modo, cumpre notar que, na medida em que a interessada rescindiu o contrato com a Unidade Local de Saúde (...) em 31 de outubro de 2014, não existe qualquer fundamento legal que sustente a suspensão do abono da sua pensão. A pensão – é o que expressamente prevê o nº 5 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 89/2010 – é suspensa durante o período de duração do contrato. No caso em apreço, o contrato de trabalho já caducou, a interessada não se encontra a exercer quaisquer funções remuneradas (fá-lo voluntariamente, a título gratuito, por dedicação pessoal à unidade hospitalar onde sempre trabalhou), não existe qualquer situação de incompatibilidade que justifique a suspensão da pensão. Por isso, deve ser retomado o abono da pensão.” (cf. fls. 254 e ss. do PA – Pasta 1);
U) A 05/02/2015, a Réu apôs sobre a informação supra transcrita o seguinte despacho: “Concordamos. O levantamento da suspensão da pensão não prejudica a dedução do valor em dívida, nos termos gerais.” (cf. fls. 253 do PA – Pasta 1);
V) A 08/04/2015, a Ré comunicou à Autora o seguinte: “Na sequência da nota de 2015-02-03, do Gabinete Jurídico da Caixa Geral de Aposentações, a qual mereceu concordância superior, por despacho da Direção, de 2015-02-05 (…), uma vez que V.ª Ex.ª se aposentou com recurso a mecanismos de antecipação, não tinha a opção de manter o direito à pensão acrescido de uma terça parte do vencimento, pelo que se impõe a restituição à CGA do montante das pensões recebidas no período de 2012-06-26 a 2014-08-31, no total de € 57.005,00 (em anexo, mapa discriminativo). Entretanto, uma vez que já rescindiu o contrato com a Unidade Local de Saúde (...) em 31 de outubro de 2014, foi retomado no passado mês de março o pagamento da pensão, que se encontrava suspenso desde janeiro último, com retenção de 1/3 a favor da dívida acima referida. Quanto ao pagamento do mês de novembro de 2014, irá ocorrer no próximo mês de maio.” (cf. fls. 11 do PA – Pasta 2);
W) A 19/12/2014, a Ré transferiu para a conta bancária da Autora a quantia de € 1.925,66 (cf. documento junto pela Autora sob o nº 18).

IV – Do Direito

Importa agora analisar, ponderar e decidir suscitado

No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:

“(...) Da alegada (i)legalidade do ato administrativo praticado pela Ré, que suspendeu o pagamento da pensão de aposentação à Autora e que ordenou a restituição dos valores de pensões abonadas, ato este executado a 19/09/2014:

Começa a Autora por arguir que se verificou, na atuação da Ré, a violação efetiva do seu direito de participação na formação da decisão administrativa, prevista nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (doravante abreviadamente CPA; na redação em vigor à data). Alega para o efeito, e em suma, que apesar de ter a Ré procedido, a 25/07/2014, à notificação de um projeto de decisão, contendo a intenção de proceder à suspensão do pagamento da pensão de aposentação, foi tal proposta convertida em decisão executória, como se verificou a 19/09/2014, sem que tenha ocorrido a prática de um ato administrativo expresso que legitimasse tal atuação, e que atendesse ao por si arguido em sede de audiência prévia. Considera, assim, que não teve uma efetiva e real oportunidade de exercer o seu legítimo direito, ao arrepio do previsto na lei.
(...)
Por fim, vem ainda a Autora arguir que a atuação da Ré é violadora dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança, uma vez que tomou esta conhecimento, desde o início da contratação, do seu exercício de funções remuneradas sem que, ao longo de mais de dois anos, tenha tomado qualquer posição quanto à alegada ilegalidade. Considera, assim, que tal comportamento omissivo da Ré criou na Autora a convicção da legalidade do procedimento e do direito à cumulação da pensão, durante esse período, com a referida remuneração. Conclui que a atuação da Ré configura um autêntico abuso de direito, na figura do venire contra factum proprium.
Na sua contestação, veio a Ré admitir que a irregularidade da situação se ficou a dever, em parte, a um equívoco da ULS (...), mais admitindo que, apesar ter recebido o ofício daquela unidade hospitalar a informar que a Autora iria acumular a totalidade da pensão com 1/3 da remuneração em julho de 2012, não logrou confirmar se essa acumulação era possível.
Invoca, todavia, que não podiam a Autora nem a ULS (...) ignorar que aquela se tinha aposentado com recurso a mecanismos legais de antecipação.
Quid iuris?
Determinava o artigo 6º-A do CPA (na redação em vigor à data), no seu nº 1, que no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé. Verifica-se, por esta norma, a consagração expressa da boa-fé como princípio fundamental, norteador de toda a atividade administrativa, impondo-se à administração bem como aos particulares.
O nº 2 deste preceito revela-se acutilante para a situação em análise nos autos, prescrevendo que “No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial: a) A confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa; b) O objetivo a alcançar com a atuação empreendida.”
Estes princípios da boa-fé e da confiança, além da especial tutela constitucional que merecem, conforme previsto no seu artigo 266º, advêm também do conceito de boa administração, de importação do Direito da União Europeia, encontrando consagração expressa no artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
(...)
Regressando ao caso em apreço, atendendo à factualidade dada como provada, pese embora o facto de a Autora, aquando da apresentação do requerimento de aposentação junto da Ré, ter indicado que pretenderia a designada “reforma antecipada”, a verdade é que em momento posterior, e no despacho que reconheceu à Autora o tal direito, foi-lhe atribuída a pensão completa, sem qualquer penalização.
Ora, era perfeitamente legítimo, a um destinatário comum do ato em causa, convencer-se de que a pensão de aposentação lhe havia sido atribuída, efetivamente, sem o recurso a mecanismos legais de antecipação, uma vez que lhe foi atribuída a pensão por inteiro.
Por outro lado, todo o iter procedimental que precedeu a contratação da Autora pela ULS (...), sempre conduzido por órgãos da Administração Pública, no qual expressamente é referido, em distintos momentos, que aquela se tinha aposentado sem recurso a mecanismos legais de antecipação, é suscetível de gerar naquela a legítima confiança de que o mesmo observava os ditames legais aplicáveis.
Mais se sublinhem dois aspetos, da maior importância.
Na verdade, e por um lado, logo em 2012, foi comunicada à Ré a contratação da Autora, nos termos e para os efeitos do previsto no Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de julho, com a informação que a mesma seria remunerada nos termos do constante no nº 1 do artigo 6º do indicado diploma legal, ou seja, com cumulação de 1/3 da remuneração que seria devida à pensão de aposentação, que continuaria a ser paga pela Ré, sem que esta, ao longo de mais de dois anos, tivesse reagido. Por outro lado, e conforme é confessado pela própria Ré, não logrou esta, ao longo destes dois anos, aferir ou confirmar se era possível tal acumulação, mais anuindo com o argumentado pela Autora, quanto aos equívocos gerados, junto desta, pela atuação da Administração, considerada como um todo (isto é, abrangendo a ULS (...)).
Ora, assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões tomadas pela Administração sobre os seus direitos, deveres e posições jurídicas o foram no cumprimento das normas jurídicas em vigor e que são válidas, atentos os princípios da boa-fé e da tutela da confiança.
Estes princípios têm sido tratados, de forma pacífica e reiterada, pela jurisprudência dos tribunais superiores, aqui se indicando, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 11/02/2010, P. 1312/07.8BEPRT (disponível em www.dgsi.pt), e em cujos fundamentos se louva este Tribunal, que ora se transcrevem:
“(…) O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta duas ideias basilares. Uma, a de estabilidade, no sentido de que as decisões estatais, incluindo as leis, «não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes». Outra ideia é a da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos». Daí que a realização e efetivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na atuação dos entes públicos. É, assim, que o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica.(…)”
(...)
Retomando o caso em apreço, e como se disse supra, resulta claro que a Autora fez alicerçar a sua confiança na atuação da Administração que precedeu a sua contratação, uma vez que a tomou, legitimamente, como estando conforme ao Direito, uma vez que a ULS (...) também fora notificada do despacho que lhe conferiu a aposentação, sem qualquer penalização.
Por outro lado, foram praticados diversos atos, não só pela ULS (...) como pelo próprio Ministério da Saúde, ao autorizar a contratação da Autora no âmbito do regime especial constante do D.L. nº 89/2010, e ao especificar que a remuneração iria ser processada de acordo com o previsto no nº 1 do seu artigo 6º, nos quais era válido à Autora ancorar a sua confiança na legalidade da atuação, não se tratando de um mero convencimento psicológico. Por fim, a sua contratação nos moldes descritos foi de imediato comunicada à Ré, não tendo esta, ao longo de mais de dois anos, adotado qualquer reação, antes continuando, de forma periódica e paulatina, a processar o pagamento da sua pensão de aposentação.
Nenhuma outra conclusão se afigura possível se não aquela de que pautou a Autora o seu comportamento por absoluta boa-fé bem como confiando, com razões para tal e de forma legítima, em que as decisões adotadas pelas autoridades públicas quanto aos seus deveres e direitos observaram a lei.
Nestes termos, e nas palavras de Fausto de Quadros, (em O concurso público na formação do contrato administrativo, Revista da Ordem dos Advogados, 1987, pág. 275) “… também a Administração Pública está obrigada a obedecer à bona fides nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o exemplo aos particulares da observância da boa-fé, em todas as suas várias manifestações, como núcleo essencial do seu comportamento ético. Sem isso nunca se poderá afirmar que o Estado (e com ele outras entidades públicas) é pessoa de bem. E a manutenção, na opinião pública de um Estado Democrático, da consciência de que o Estado é pessoa de bem, em lugar de se transformar no modelo de pessoa sem escrúpulos no cumprimento da lei e dos princípios meta-jurídicos que o regem, ou sem normas éticas e irresponsável no seu comportamento quotidiano, é condição sine qua non da própria credibilidade das instituições públicas …”.
O facto de o procedimento inicial de contratação da Autora ter sido levado a cabo por entidades distintas da aqui Ré em nada afasta a aplicação destes princípios. Não só deve ser avaliada a atuação da Administração Pública para com o particular, no seu todo, como também a própria atuação da Ré, ao longo de dois anos, sem reagir à comunicação da contratação da Autora por parte da ULS (...), e procedendo ao pagamento, mensal e paulatino, das pensões de aposentação seria suficiente para a afirmação dos referidos princípios.
Uma nota final merece o próprio regime especial previsto no Decreto-Lei nº 89/2010, de 21 de abril. Conforme se pode retirar do preâmbulo, pretendeu o Governo da República Portuguesa, por via deste diploma legal, lançar um “apelo” aos médicos aposentados para que continuassem a prestar o seu trabalho em prol do Serviço Nacional de Saúde, no sentido de “continuar a dar resposta à escassez de médicos em Portugal. Desde há muito tempo, um dos grupos profissionais em relação ao qual tem, em geral, sido sentida uma maior escassez de recursos humanos, particularmente evidente em relação a algumas especialidades, é o do pessoal médico” e assim assegurar a manutenção dos cuidados de saúde aos cidadãos.
A este apelo responderam, entre outros, a Autora, que se encontrava em situação de aposentação, sem qualquer penalização, de onde se deduz que considerou a Administração de que o tempo de serviço por si prestado foi tal que, ainda que tivesse solicitado a reforma antecipada, considerou não ser de lhe impor qualquer penalização. Confiou a Autora na atuação da Administração, que legitimamente reputou de conforme ao direito, e, especificamente, da Ré, que continuou a processar-lhe a pensão.
Assim, e tomando por base os princípios orientadores da atuação administrativa, sempre a consideração de que o ato ora sob escrutínio incorreu na sua violação se imporia por razões de justiça material.
Consequentemente, e face ao que antecede, incorre o ato administrativo em ilegalidade, por violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança, vício este gerador da sua anulabilidade, o que desde já se declara.
*
Uma vez que o pedido condenatório formulado na petição inicial é meramente subsidiário àquele de impugnação, fica prejudicado o seu conhecimento, conforme o previsto no artigo 95º do CPTA.
*
Da alegada (i)legalidade do ato administrativo praticado pela Ré a 05/02/2015:
Veio a Autora, em sede de modificação objetiva da instância, impugnar também o ato praticado pela Ré a 05/02/2015, e que determinou que aquela deveria efetuar a regularização da situação, mediante a reposição das pensões indevidamente abonadas, designadamente, mediante o desconto mensal da quantia indevidamente abonada na pensão do devedor, por compensação, nos termos do disposto no artigo 36º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho.
(...) Vejamos.
O ato praticado supervenientemente ordenou o pagamento da pensão de aposentação à Autora, uma vez que procedeu esta, a 31/10/2014, à rescisão do contrato com a ULS (...). Ordenou, ainda, a reposição das quantias que reputa de indevidamente abonadas à Autora, através da retenção de 1/3 mensal do montante da pensão de aposentação.
São válidas, para o escrutínio do presente ato administrativo, todas as razões de facto e de direito que se expuseram quanto ao ato que ordenou a suspensão do pagamento da pensão de aposentação da Autora e a restituição dos montantes indevidamente pagos (sem que contudo se especificasse em moldes), e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, por razões de sintetismo e celeridade processuais.
Uma vez que se julgou anulável o identificado ato praticado a 19/09/2014, por violação dos princípios da boa-fé e da confiança, e porquanto é a mesma a fundamentação de facto e de direito deste segundo ato administrativo, idêntico julgamento sobre este irá recair, sendo válida toda a fundamentação supra expendida.
Nestes termos, é o ato administrativo ora em apreço anulável, por violação dos princípios da boa-fé e da confiança, o que desde já se declara.
* * *
Analisemos então o suscitado pela Recorrente CGA.

Importa desde logo atender a que a sentença recorrida anulou o ato de 19 de setembro de 2014 que ordenou a suspensão da pensão de aposentação da Autora, aqui Recorrida e determinou a restituição das quantias que foram abonadas entre 26 de julho de 2012 e a data da cessação de funções na Unidade de Saúde Local da Guarda – ULS.

Mais foi determinado pelo tribunal a quo, a anulação do ato de 5 de fevereiro de 2015 que havia determinado, para efeitos de restituição daquelas quantias, a sua compensação no valor da pensão de aposentação a abonar pela CGA, limitado a um terço do seu valor.

Está pois em causa na presente Ação o regime de incompatibilidades de exercício de funções públicas por médicos aposentados, nos termos do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de julho.

Resulta desde logo da matéria dada como provada que a aqui Recorrida requereu, em 2010-12-27 a sua aposentação reportadamente a 2011-09-16.

Por resolução da Direção da CGA, de 2012-02-23, foi reconhecido à Recorrida o direito à aposentação, nos termos do disposto no artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, tendo-lhe sido fixada uma pensão de aposentação sem qualquer penalização.

Resulta ainda da matéria de facto dada como provada – Factos F) a J) - que, em 25 de junho de 2012, a ULS comunicou à CGA que contratou a aqui Recorrida, a qual teria optado pelo pagamento integral da pensão com 1/3 da remuneração correspondente ao exercício de funções.

Em 25 de julho de 2014, a CGA comunicou à Recorrida que, por ter sido aposentada antecipadamente, atento o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 6º do Decreto-lei nº 89/2010, de 21 de julho, a pensão estar-lhe-ia a ser indevidamente abonada, desde 26 de junho de 2012, em face do que deveria restituir, a esse título 55.088,24€, ao que acresceria a suspensão do abono da pensão.

Por Resolução da CGA de 5 de fevereiro de 2015 foi ainda reiterada a necessidade da Recorrida restituir os montantes que lhe foram abonados a título de pensão, mais se tendo determinado a retoma do pagamento da mesma.

Aqui chegados, entendeu o Tribunal a quo anular os referidos atos da CGA, por entender ter sido violado, nomeadamente, o princípio da boa-fé.

Em qualquer caso, o princípio da boa-fé atua predominantemente como limite da atividade discricionária da Administração, sendo que os “cortes” efetuados pela CGA, independentemente da argumentação que se possa esgrimir, à luz dos normativos invocados, constituem, até prova em contrário, atos vinculados.

Questão diferente, como se verá, é saber se a CGA estava ainda em tempo para a revogação, pois é isso que se trata, das pensões preteritamente atribuídas, enquanto atos constitutivo de direitos.

Efetivamente, decorre da lei que os médicos aposentados com recurso a mecanismos de antecipação de reforma, ficam com a pensão suspensa, caso retomem a sua atividade funcional.

Em síntese, entendeu o tribunal a quo, que não obstante a então Autora “ter indicado que pretenderia a designada “reforma antecipada”, a verdade é que em momento posterior, e no despacho que reconheceu à Autora o tal direito, foi-lhe atribuída a pensão completa, sem qualquer penalização.”

Daqui concluiu o tribunal a quo que “era perfeitamente legitimo, a um destinatário comum do ato em causa, convencer-se de que a pensão de aposentação lhe havia sido atribuída, efetivamente, sem o recurso a mecanismos legais de antecipação, uma vez que lhe foi atribuída a pensão opor inteiro”

Entendemos que a ilação tirada pelo tribunal de 1ª instância se mostra abusiva e descontextualizada.

É efetivamente incontornável que o Decreto-lei n.º 89/2010, de 21 de julho, estatui no seu artigo 6.º que:
“4 - Os médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação, autorizados a exercer funções públicas ou a prestar trabalho nos termos do presente decreto-lei, são remunerados de acordo com a categoria e escalão detidos à data da aposentação e o período normal de trabalho aplicável, com a limitação decorrente do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto, e ficam abrangidos pelo regime geral da segurança social.
5 - A pensão de aposentação dos médicos que tenham recorrido a mecanismos legais de antecipação é suspensa no período de duração do contrato.”

Aqui chegados, a resolução da Direção da CGA, de 2015-02-05, que decidiu que a aqui Recorrida deveria efetuar a regularização da situação, através da reposição das pensões abonadas, por compensação, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho, não sendo um ato discricionário, não poderia ser anulada com fundamento na mera violação do princípio da boa-fé.

À luz da filosofia subjacente ao sumariado no Acórdão do STA de 30/1/2002, no Recurso nº 048163, sempre se dirá que tendo os atos que determinaram os controvertidos reembolsos objeto de impugnação, sido praticados no exercício de poderes vinculados, não poderiam enfermar de violação do princípio da Boa-fé, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários.

Diferente é já a questão que importa ainda verificar, atenta a matéria de facto dada como provada e aplicando o direito a esses factos, de modo a que se possa concluir se a CGA estava em tempo para revogar as pensões atribuídas e pagas, pois é isso de que em bom rigor se trata.

Há muito que os tribunais têm vindo a entender constituírem atos administrativos revogatórios de atos constitutivos de direitos, aqueles que sejam conexos com a reposição de quantias recebidas anteriormente a título remuneratório ou pensões (Cfr. vg. Ac. STA de 17.3.2010, P. nº 413/09).

Em qualquer caso, há que atender ao que tem vido a ser decidido face à referida questão, mormente através de Acórdão para uniformização de jurisprudência.

Com efeito, depois de alguma divergência interpretativa, é incontornável aquilo que ficou dito pelo STA, designadamente no seu acórdão nº 01212/06, de 22.01.2009, o que uniformizou a jurisprudência, nos seguintes termos:
«O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.»”

O art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, na sua redação original, dispunha:
Prescrição
1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.

Em qualquer caso, o art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005), que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2005, deu nova redação a este preceito, introduzindo-lhe um nº 3, de natureza interpretativa, nos seguintes termos:
“3- O disposto no nº 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.”

A este nº 3 foi atribuída, pela própria Lei que o introduziu, “natureza interpretativa”, tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.

Como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C.Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).

O novel nº 3 do Artº 40º do DL nº 155/92 não visou outro objetivo que não fosse estabelecer que a previsão legal do nº 1, de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento, não é prejudicada pelo regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA (Cfr. Ac. do STA, de 30.10.2007 – Rec. 86/07).

Não se vê razão para divergir da enunciada interpretação jurisprudencial.

Assim, transpondo o referido entendimento para o caso em apreciação, uma vez que a determinação para a reposição das pensões indevidamente pagas foi proferida, quando ainda não haviam decorrido cinco anos sobre o inicio dos referidos pagamentos, subsiste a obrigatoriedade de reposição das referidas quantias, não tendo assim sido violado o art. 141º do CPA.

A apreciação feita, atento até o enquadramento que supra se efetuou, não diverge da enunciada e fixada jurisprudência do Pleno do STA, sendo inevitável a conclusão de que, carecendo os pagamentos efetuados de um título que os justifique, a reposição é devida desde que não tenha decorrido o prazo prescricional previsto no nº 1, do artº 40º do DL nº 155/92, contado desde a data do recebimento de cada uma das pensões indevidamente pagas.

Como se sumariou no Acórdão do STA nº 0183/15, de 29-10-2015, “Carecendo os pagamentos efetuados, de um título que os justifique, a reposição é devida desde que não tenha decorrido o prazo prescricional previsto no nº 1, do artº 40º do DL nº 155/92, contado desde a data do recebimento das referidas quantias.”

Igualmente se discorreu no acórdão do STA de 17/03/2010, proferido no Proc. nº 0413/09, o seguinte:
«Recorde-se que a jurisprudência do STA, em subsecção, vinha expendendo, que "o prazo prescricional de 5 anos previsto no artº 40º do Dec. Lei 155/92, de 28 de Julho, para obrigatoriedade de reposição de verbas pagas pelo Estado, reporta-se à exigibilidade de crédito existente e não à prévia definição jurídica de obrigação de repor, e não interfere, por conseguinte, com a regra geral de revogabilidade dos atos administrativos constitutivos de direitos". (in acórdão de 22.MAR.96 - Rec. 030163), ou, como se expendeu, entre outros, no acórdão de 17.MAR.98 - Rec 036194 - "o regime do DL 155/92 diz respeito a dinheiros públicos quando pagos a mais ou indevidamente por erro de processamento, não abrangendo assim a matéria das decisões administrativas relativas ao estatuto remuneratório dos funcionários e agentes que tenham definido a respetiva situação". No entanto, outra jurisprudência do STA foi prolatada em sentido diferente. Vejam-se a propósito, v.g., os acórdãos de 22.NOV.94 e 14.MAI.96, respetivamente nos Recs. 033318 e 039403. Refira-se ainda que, sobre a matéria, também doutrina emitida pelo C.C. da P.G.R. (cf. parecer 20/96, de 15.OUT.96, publicado no D.R. II Série nº 258, de 7.NOV.96, e pág. 15.512 e seg) propendia no sentido inicialmente referido.
O Pleno da Secção aderiu à posição que se deixou referida em 1º lugar, orientação jurisprudencial que se pode ver expressa, entre outras, nos acórdãos de 17.DEZ.97 (Rec. 040416), 20.JAN.96 (Rec. 039392) e de 20.ABR.98 (rec. 040276).
No entanto, como se afirma e historia no acórdão de 05-06-2008 (proc. 01212/06), do STA, tirado em recurso para uniformização de jurisprudência, a referida orientação jurisprudencial, bem como a tarefa de interpretação legal em que ancorou, veio a ser posta em causa com a alteração da redação do citado art. 40º do DL nº 155/92, razão por que a aludida orientação jurisprudencial foi ali reponderada face à emergência desse novo elemento de ordem legal, que não esteve presente na elaboração das decisões anteriores, em ordem a saber se o mesmo é compatível com a dita orientação jurisprudencial, ou se, ao invés, ele determinaria uma nova composição da questão jurídica vertente e do juízo decisório a empreender.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao Recurso e revogar a Sentença Recorrida.
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Custas pela Recorrida
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Porto, 5 de março de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa