Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02269/16.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PARECER MÉDICO DA JUNTA HOSPITALAR DE INSPECÇÃO;
CONSOLIDAÇÃO NA ORDEM JURÍDICA;
REAVALIAÇÃO DA INCAPACIDADE;
Sumário:
1. Existindo um parecer da junta hospitalar de inspecção pelo qual o examinado foi julgado “incapaz de todo o Serviço Militar, apto parcialmente para o trabalho com 15% de desvalorização a junta médica da Caixa Geral de Aposentações ainda que pudesse afastar-se da conclusão tirada pela junta hospitalar de inspecção, realizada no Hospital Militar, teria, para esclarecer suficientemente a sua conclusão, de referir as razões concretas pelas quais afastava a avaliação feita pela primeira junta médica.

2. Tendo o primeiro parecer médico sido homologado por acto que consolidou na ordem jurídica por não ter sido impugnado nos prazos legais, não podia a Caixa Geral de Aposentações reavaliar a incapacidade do Autor para o trabalho em geral, mas apenas determinar se, face à incapacidade de 15% já fixada por acto consolidado na ordem jurídica, o autor tem ou não direito à pensão requerida, face às normas legais aplicáveis ao caso concreto.

3. Sendo certo que a consolidação na ordem jurídica do primeiro parecer e do acto que o homologou se verificou não apenas na parte desfavorável ao visado, aquela em que não foi qualificado como Deficiente das Forças Armadas - porque este não impugnou - mas também na parte em que lhe foi favorável, aquela em que foi julgado incapaz para o trabalho em geral, em 15% - porque o Ministério Público, em defesa da legalidade, o não impugnou.

4. Não seria justo, razoável ou sequer legal considerar apenas consolidado na ordem jurídica o referido acto apenas se tivesse consolidado na ordem jurídica na parte que lhe era desfavorável, porque é de presumir, que o autor aceitou a parte desfavorável, a de não ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas, no pressuposto de que lhe era reconhecida a incapacidade permanente parcial de 15% para o trabalho em geral como requisito para a concessão de uma pensão de invalidez.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Caixa Geral de Aposentações veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 27.09.2023, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção intentada por «AA» para anulação da decisão da Ré, de Outubro de 2016, que determinou o arquivamento do processo de invalidez do Autor e para a condenação da Ré na prática do acto administrativo devido, reconhecendo que a doença do Autor foi adquirida em cumprimento do serviço militar obrigatório e por motivo do seu desempenho.

Invocou para tanto, em síntese, que a sentença recorrida violou o disposto nos seguintes artigos: 607º do Código de Processo Civil, artigo 152º e 153º do CPA e artigos 118º e 119º do Estatuto da Aposentação, aplicáveis por força do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª Da análise crítica dos factos provados não resulta que do cumprimento do serviço militar resultaram danos psicológicos (doença psiquiátrica) para o Autor.

2ª Dizer que do serviço militar prestado na Guiné resultaram danos psicológicos (doença psiquiátrica) é diferente de dizer que determinada junta médica deliberou nesse sentido.

3ª A entidade competente (artigo 119º do Estatuto da Aposentação) para avaliar a incapacidade e o nexo de causalidade decidiu em sentido contrário.

4ª O Tribunal não se pode substituir à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações.

5ª O Tribunal, ao concluir que o interessado se encontra incapaz e que a incapacidade resultou do serviço militar, extravasou os seus poderes, já que o reconhecimento de uma incapacidade resulta sempre de uma avaliação médica.

6ª Não foi ordenada qualquer perícia médica, pelo que, para além do parecer da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, não há qualquer avaliação médica no processo que permita retirar a conclusão que o tribunal de primeira instância tirou.

7ª A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, para que se cumpra o dever de fundamentação, não está obrigada à elaboração um exame sob a forma de um relatório ou parecer onde se descreve o resultado de outras juntas, se interpretam esses mesmos resultados e se justifica cada resposta dada às perguntas enunciadas ou é suficiente o preenchimento do formulário do auto de junta médica.

8ª Quando a Junta Médica realizada em 20 de Setembro de 2016 fundamenta a sua decisão no facto de a ansiedade não ser considerada como uma doença adquirida em serviço ou pelo seu desempenho permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para tomar a decisão.

9ª O acto administrativo não violou os artigos 152º e 153º do CPA.

10ª O tribunal de primeira instância, ao concluir que o acto administrativo violou o artigo 43º da Lei nº 174/99, de 21 de Setembro, o artigo 72º do Regulamento do Serviço Militar e os artigos 38º, 112º, 118º, 127º, todos do Estatuto da Aposentação, sem esclarecer em que medida é que tais preceitos normativos foram violados, violou o artigo 607º do Código de Processo Civil.

11ª Atendendo ao quadro normativo resultante desses preceitos, também do disposto no artigo 119º do Estatuto da Aposentação, aplicável por força do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, recebido o processo do Autor, foram adoptados todos os procedimentos legalmente previstos para proferir uma decisão sobre o pedido do Autor.

12ª É à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações que compete verificar o grau de incapacidade e a conexão dessa incapacidade com o serviço militar, sendo que a junta realizada em 20 de Setembro de 2016 considerou que não se encontravam reunidos os requisitos de atribuição da prestação.

13ª Não há fundamento legal para a condenação da Caixa Geral de Aposentações no reconhecimento e abono da pensão de invalidez.

14ª Na sequência da anulação do acto administrativo por falta de fundamentação, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga apenas podia condenar a Caixa Geral de Aposentações a realizar uma nova junta médica, obrigando a que essa junta médica de forma fundamentada explicasse por que razão, ao contrário da avaliação da junta militar, considera que a patologia do Autor não tem nexo de causalidade com o serviço.

15ª A sentença recorrida violou o disposto nos seguintes artigos: 607º do Código de Processo Civil, artigo 152º e 153º do CPA e artigos 118º e 119º do Estatuto da Aposentação, aplicáveis por força do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

a) Em 4 de Maio de 1970, o Autor foi incorporado no Exército Português (não impugnado e cfr. processo administrativo).

b) Entre 29 de Setembro de 1970 e 27 de Setembro de 1972, o Autor cumpriu uma comissão de serviço no ex-Comando Territorial independente da Guiné onde integrou a Companhia de Comando de Serviços do Batalhão de Caçadores n.º 2927 com a especialidade de condutor autorrodas (não impugnado e cfr. processo administrativo).

c) No âmbito dos procedimentos de acesso à rede nacional de apoio aos militares e ex-militares portadores de perturbação psicológica crónica, resultante de exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar, o Autor foi remetido à Repartição da Reserva, Reforma e Disponibilidade (RRRD) da Direção de Administração de Recursos Humanos (DARH) para instrução processual (não impugnado e cfr. processo administrativo).

d) A Junta Hospitalar de Inspecção, realizada no Hospital Militar Regional n.º 1, declarou o Autor julgado “incapaz de todo o Serviço Militar, apto parcialmente para o trabalho com 15% de desvalorização” (não impugnado e cfr. processo administrativo- o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

e) A Junta Médica de Recurso do Exército, que manteve a decisão da Junta Hospitalar de Inspecção referida em d) ((não impugnado e cfr. processo administrativo - o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

f) A Comissão Permanente para Informações e Pareceres emitiu o Parecer nº 165/2013, no qual considerou que “as razões que levaram a JMRE a pronunciar-se (...)” pela incapacidade parcial do interessado “(...) se relacionam com o Serviço e são devidos ao seu desempenho.” (cfr. processo administrativo e doc. de fls. 6 dos autos -o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

g) A Comissão Permanente para Informações e Pareceres emitiu o Parecer n.º 120/2014, no qual manteve as conclusões do Parecer nº 165/2013, reconhecendo o nexo causal entre a doença psiquiátrica e o cumprimento do Serviço Militar (cfr. processo administrativo e doc. de fls. 6 dos autos- o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

h) O Director de Justiça e Disciplina homologou os pareceres referidos em f) e i) (cfr. processo administrativo e doc. de fls. 6 dos autos - o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

i) Em 4 de Junho de 2015, foi emitido parecer, pelos serviços da Secretaria – Geral da Defesa Nacional, com o seguinte teor:

“(...) muito embora as entidades médicas tenham estabelecido o necessário nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica de que padece o ex-soldado «AA» e ainda que se enquadrem as circunstâncias em que adquiriu no conceito de serviço de campanha, não se encontram reunidas todas as condições para a sua qualificação como DFA, cisto que lhe foi atribuído um grau de diminuição da capacidade geral de ganho inferior ao mínimo legal exigido pelo Decreto-Lei nº 43/76, de 2 de janeiro.
V. Parecer
No seguimento do exposto, é nosso parecer que o ex-soldado NIM ...70 «AA» não deve ser qualificado como DFA, na medida em que não preenche o requisito exigido para o efeito pela alínea b) do nº 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.”

(Cfr. fls. 17 a 28 do vol. 1 do processo administrativo- o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

j) Em 5 de Junho de 2015, a Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, sobre o Parecer referido em i), proferiu o seguinte despacho “Tendo presente os fundamentos de facto e de direito constantes da presente informação, não qualifico como deficiente das Forças Armadas, ao abrigo da competência que me foi delegada pelo Sr. MDN através do Despacho nº 4188/2015, de 9 de abril, publicado no DR II Série n° 81, de 27 de abril.” (cfr. fls. 17 do vol. 1 do processo administrativo- o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido).

k) Em Agosto de 2015, o Ministério da Defesa Pessoal, Exército Português enviou processo de invalidez relativo ao Autor à Caixa Geral de Aposentações (Cfr. fls. 1 do vol. 1 do processo administrativo).

l) Em 20 de Setembro de 2016, a Junta Médica da Entidade Demandada deliberou que o Autor sofria de ansiedade, que as lesões apresentadas não resultaram de desastre ou doença ocorrido no exercício das suas funções ou por motivo do seu desempenho e que a ansiedade não é considerada como doença adquirida em serviço e em consequência do seu desempenho (cfr. fls. 260 do vol. 2 do processo administrativo- a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida).

m) Em 4 de Outubro de 2016, o Director da Caixa Geral de Aposentações proferiu o seguinte despacho “Concordamos e homologamos o parecer da Junta Médica, pelo que se indefere o pedido” (cfr. fls. 260 do vol. 2 do processo administrativo- o qual se dá aqui por inteiramente reproduzida).


*
III - Enquadramento jurídico.

1. O vício da falta de fundamentação.

Diz-se na decisão recorrida, sobre este ponto e com relevo para o caso concreto:

“(…)

Nos presentes autos, constata-se que, em Setembro de 2016, o Autor foi submetido a avaliação da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, que considerou que este não reunia as condições necessárias para lhe ser atribuída pensão de invalidez. Ora, analisando em concreto o relatório/parecer da Junta Médica, verifica-se que neste apenas foram utilizadas afirmações conclusivas.

Examinando o parecer de perito médico da Junta Médica, afigura-se, ao Tribunal, que neste relatório se impunha uma fundamentação que expressasse as premissas que sustentaram as conclusões extraídas, bem como a razão de ciência das mesmas, nomeadamente que se pronunciasse sobre a razão de ciência diversa das entidades técnico médicas militares, as quais foram no sentido exactamente oposto ao da Junta Médica referida, o que não ocorreu.

É que sendo esta uma situação clínica em que o perito médico da Caixa Geral de Aposentações conclui de modo diverso relativamente à informação médica constante do processo do Autor, a necessidade e exigência de fundamentação é acrescida. E, efetivamente, da inexistente fundamentação ali expressa o Tribunal não consegue aferir porque motivo é que, considerando o diagnóstico efectuado pelos médicos militares, foi afastada a conclusão de incapacidade geral de ganho de 15% ou sequer de que modo foram valorados - positiva ou negativamente – todos os pareceres e decisões constantes do processo do Autor.

Por conseguinte, impunha-se à Junta Médica fundamentar a sua posição de tal modo que ao cidadão médio fosse possível entender a concreta razão pela qual, num quadro de manutenção do estado de saúde do Autor, desde a decisão inicial que considerou o Autor com uma incapacidade de ganho de 15%, passou o Autor a ser considerado sem qualquer incapacidade, circunstância essa que conduz o Tribunal à conclusão de que o acto impugnado não se encontra factualmente fundamentado, pelo que não cumpre o dever de fundamentação, em violação do disposto art. 152 e 153º do CPA e nº 2 do art. 119º do Estatuto da Aposentação.

E, assim sendo, impõe-se a anulação do acto proferido, e impugnado nos presentes autos, por falta de fundamentação.

(…)”

Sem prejuízo do que a seguir se dirá, da existência de caso decidido sobre a incapacidade do Autor, ora Recorrido, a decisão mostra-se inteiramente acertada neste ponto.

A fundamentação do acto é um conceito relativo que se deve adaptar a cada caso concreto.

E no caso concreto existe um parecer da Junta Hospitalar de Inspecção, realizada no Hospital Militar Regional n.º 1, pelo qual o Autor foi julgado “incapaz de todo o Serviço Militar, apto parcialmente para o trabalho com 15% de desvalorização – facto provado sob a alínea d).

Parecer que foi homologado pelo Director de Justiça e Disciplina – facto provado sob a alínea h).

Tendo a qualificação do Autor como Deficiente das Forças Armadas sido afastada não por ter sido posta em causa esta avaliação médica, mas “visto que lhe foi atribuído um grau de diminuição da capacidade geral de ganho inferior ao mínimo legal exigido pelo Decreto-Lei nº 43/76, de 2 de janeiro” – factos provados sob as alíneas i)e j).

Pressupostos mediante os quais o processo de invalidez relativo ao Autor foi remetido, em Agosto de 2015, à Caixa Geral de Aposentações pelo Ministério da Defesa Pessoal, Exército Português – facto provado sob a alínea k).

A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações ainda que pudesse afastar-se da conclusão tirada pela Junta Hospitalar de Inspecção, realizada no Hospital Militar Regional n.º 1 – e não podia – teria, para esclarecer suficientemente a sua conclusão, de referir as razões concretas pelas quais afastava a avaliação feita pela primeira junta médica.

Não podia pura e simplesmente fazer tábua rasa de todo o processo que recebeu instruído, no que diz respeito à incapacidade do Autor, por entidade com competência para o fazer, no momento em que o fez, a Junta Hospitalar de Inspecção do Exército Português.

A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações faz, pelo contrário, uma consideração genérica de “que a ansiedade não é considerada como doença adquirida em serviço e em consequência do seu desempenho” – facto provado sob a alínea l) - o que, de acordo com a percepção de um destinatário mediano, se mostra manifestamente desajustado ao caso concreto, de um procedimento “de acesso à rede nacional de apoio aos militares e ex-militares portadores de perturbação psicológica crónica, resultante de exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar” – facto provado sob a alínea c).

Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações devia, portanto, esclarecer por que no caso concreto de um militar que entre “29 de Setembro de 1970 e 27 de Setembro de 1972, o Autor cumpriu uma comissão de serviço no ex-Comando Territorial independente da Guiné onde integrou a Companhia de Comando de Serviços do Batalhão de Caçadores n.º 2927 com a especialidade de condutor autorrodas” – facto provado sob a alínea b) – considerou que “as lesões apresentadas não resultaram de desastre ou doença ocorrido no exercício das suas funções ou por motivo do seu desempenho” – facto provado sob a alínea l).

Esclarecimento que não prestou minimamente.

Pelo que neste ponto se deverá manter integralmente a decisão recorrida.

2. O vício da violação de lei.

Neste capítulo a decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

“(…)
Conforme referido supra, ao Autor foi, pelas entidades médicas militares e pela Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, reconhecido que a doença psiquiátrica de que padece resultou da prestação serviço de campanha na Guiné no cumprimento de serviço militar, tendo estas entidades estabelecido o necessário nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica observada e o serviço de campanha prestado.

A Entidade Demandada, Caixa Geral de Aposentações, através do acto administrativo impugnado nestes autos, não reconheceu a doença do recorrente como contraída no serviço militar obrigatório e em serviço de campanha, ao contrário do que já se encontrava fixado pela Entidade Competente para o efeito, e considerou que o Autor sofria de ansiedade, patologia que não é considerada como doença adquirida em serviço e em consequência do seu desempenho.

São as seguintes as normas relevantes para aferir da razão do Autor.

Dispõe o art. 43° da Lei n° 174/99, de 21.09, sob a epígrafe “Assistência na doença”, no seu n° 2, que:

“O Estado reconhece aos cidadãos o direito à plena reparação dos efeitos de doenças contraídas ou agravadas em função da prestação de serviço militar efectivo.”.

Por sua vez, o art. 72º do Regulamento da Lei de Serviço Militar, aprovado pela Lei n° 289/2000, de 14.11, sob a epígrafe “Pensões por acidente ou doença resultantes do serviço militar”, determina que:

“1 - Os cidadãos que em função do cumprimento dos deveres militares previstos nas alíneas a) b) e d) do artigo 57.º da LSM ou da prestação de serviço militar efectivo adquiram incapacidade permanente e absoluta ou desvalorização permanente na capacidade geral de ganho resultantes de acidente ou doença contraída ou agravada pelos mesmos motivos têm direito ao abono de uma pensão de reforma extraordinária ou de uma pensão de invalidez, a fixar nos termos dos diplomas que regulam a sua concessão.

Dispõe o art. 112º do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei n° 498/72, de 9.12, sob a epígrafe “Âmbito e regime”, que:

“1. Designa-se por reforma a aposentação do pessoal militar do Exército, da Armada, da Força Aérea, da Guarda Fiscal e da Guarda Nacional Republicana, bem como a do pessoal civil equiparado por lei especial ao militar para efeitos de reforma.
2. À matéria da reforma é aplicável o regime geral das aposentações, em tudo o que não for contrariado por disposição especial do presente capítulo.”.

O art. 127º deste mesmo diploma, sob a epígrafe “Fundamento da pensão”, estabelece que:

“1. Os militares que não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações têm direito a uma pensão de invalidez pelas mesmas causas que servem de fundamento à reforma extraordinária.”.

O art. 118° do Estatuto da Aposentação, sob a epígrafe “Casos de reforma”, prevê no seu n° 2, alínea a), que: “A reforma extraordinária tem lugar, independentemente dos requisitos mínimos de idade e tempo de serviço, quando o subscritor: a) For julgado incapaz nos termos da alínea b) do número anterior, pelas causas previstas no artigo 38.º”, prevendo a alínea b), do nº 1 o seguinte “Sejam julgados incapazes de todo o serviço militar, mediante exame da junta médica competente.”.

A alínea c) do art. 38º do Estatuto da Aposentação que, sob a epígrafe de “Aposentação extraordinária”, já supra transcrito, preceitua que “A aposentação extraordinária verifica-se, independentemente dos pressupostos de idade e tempo de serviço estabelecidos no artigo anterior, e precedendo exame médico, em qualquer dos casos seguintes: (...) c) Simples desvalorização permanente e parcial na capacidade geral de ganho, devida aos acidentes ou doenças referidos nas alíneas anteriores.”.

Analisado o quadro normativo aplicável, supra transcrito, e a decisão final impugnada, constata-se que esta violou os artigos supra transcritos por não ter considerado o serviço militar obrigatório, prestado pelo Autor em cenário de serviço de campanha, decisivo para o aparecimento da doença deste, pelo que conclui-se, assim, que a Entidade Demandada violou as normas supra transcritas e assim o acto impugnado sofre de vício de violação de lei.

(…)”

No que também se mostra acertada a decisão recorrida.

Embora aqui devesse assumir expressamente o pressuposto que está implícito na decisão.

Aqui se diz:

“A Entidade Demandada, Caixa Geral de Aposentações, através do acto administrativo impugnado nestes autos, não reconheceu a doença do recorrente como contraída no serviço militar obrigatório e em serviço de campanha, ao contrário do que já se encontrava fixado pela Entidade Competente para o efeito, e considerou que o Autor sofria de ansiedade, patologia que não é considerada como doença adquirida em serviço e em consequência do seu desempenho”.

Importava explicitar o seguinte:

O Autor foi julgado incapaz de todo o serviço militar e não lhe foi reconhecida a qualidade de Deficiente das Forças Armadas, mas foi-lhe reconhecida uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 15% - factos provados sob as alíneas d) a j).

Não consta dos autos que estes actos tenham sido impugnados nem pelo Autor, no prazo geral de 3 meses, nem pelo Ministério Público no prazo de um ano - alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Pelo que tais actos se consolidaram na ordem jurídica.

E consolidaram-se não apenas na parte desfavorável ao Autor, aquela em que não foi qualificado como Deficiente das Forças Armadas - porque este não impugnou - mas também na parte em que lhe foi favorável, aquela em que foi julgado incapaz para o trabalho em geral, em 15% - porque o Ministério Público, em defesa da legalidade, o não impugnou.

Não seria justo, razoável ou sequer legal considerar apenas consolidado na ordem jurídica o referido acto apenas se tivesse consolidado na ordem jurídica na parte que lhe era desfavorável.

Até porque, é de presumir, o Autor aceitou a parte desfavorável, a de não ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas, no pressuposto de que lhe era reconhecida a incapacidade permanente parcial de 15% para o trabalho em geral como requisito para a concessão de uma pensão de invalidez.

O que significa que no caso concreto não podia a Caixa Geral de Aposentações reavaliar a incapacidade do Autor para o trabalho em geral, mas apenas determinar se, face à incapacidade de 15% já fixada por acto consolidado na ordem jurídica, o Autor tem ou não direito à pensão requerida, face às normas legais aplicáveis ao caso concreto.

A Caixa Geral de Aposentações não tinha na apreciação do caso concreto qualquer margem de discricionariedade técnica ou administrativa para indeferir ou deferir o pedido.

Tratava-se, no caso, do exercício de um poder estritamente vinculado, o de definir a lei aplicável ao caso concreto.

E da lei aplicável ao caso concreto, referida na sentença, sem crítica nesta parte e acima transcrita, o Autor tem direito à pensão requerida. Tal como decidido na sentença recorrida, que, como tal, deve ser mantida na ordem jurídica.

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida, a julgar totalmente procedente a acção.

Custas pelo Recorrente.

*

Porto, 12.01.2024


Rogério Martins
Isabel Costa
Fernanda Brandão