Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00324/08.9BEMDL |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 04/21/2016 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTOS ILÍCITOS, RESULTANTE DA REVOGAÇÃO DO LICENCIAMENTO PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA |
Recorrente: | A... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LD. |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE VINHAIS e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LD.ª, com sede na Av…., contribuinte n.º 502..., intentou acção administrativa comum, com processo ordinário, para efectivação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, resultante da revogação do licenciamento de uma obra identificada no artigo 1º da petição, contra o MUNICÍPIO DE VINHAIS e AJAP, RCMA, SSM, RMBMTA, MAG, AFV E MMID, o primeiro presidente da Camada Municipal de Vinhais e os restantes vereadores da mesma, pedindo a condenação solidária destes no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos na sequência da aprovação dos projectos de obra, revogação e declaração de nulidade daqueles actos no valor global de 201.155,53 € (duzentos e um mil, cento e cinquenta e cinco euros e cinquenta cêntimos). Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o R. a pagar à A. o montante de € 125.120,53, acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento. Desta vem interposto recurso. Em alegação o Réu Município formulou as seguintes conclusões: 1ª - Neste processo estamos perante dois actos administrativos da Câmara Municipal de Vinhais: um primeiro acto que consiste no licenciamento de uma obra da A. e um outro posterior através do qual a Câmara Municipal de Vinhais declara a nulidade do licenciamento, em reunião de 26 de Janeiro de 2007 (fls. 355/v a 357 do PA) por violação do PDM de Vinhais; 2ª - A A. conformou-se com a declaração de nulidade do licenciamento, não reagindo judicialmente contra tal acto nem demonstrou nos autos que o licenciamento declarado nulo não violava o PDM; 3ª - Apesar disto, a sentença considera que a ilicitude da actuação da Câmara reside no facto de a referida conduta violar o princípio da boa fé ou princípio da protecção da confiança a que se reporta o art° 6°-A do CPA, fazendo uma interpretação do mesmo em que não exige que a confiança seja legítima ou justificada; 4ª - Ora, a doutrina e a jurisprudência exigem que a confiança a proteger seja uma confiança legítima ou justificada, não sendo de proteger a confiança num acto ilegal e que foi declarado nulo - Neste sentido, Acórdão do STA de 21-06-2007 proferido no recurso n° 0126/2007; 5ª - Ao decidir como decidiu a sentença fez uma errada interpretação do disposto no art° 6° do DL 48 051, de 21-11-1967 e do princípio da protecção da confiança, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva a R. do pedido, por faltar um dos requisitos fundamentais da responsabilidade civil por factos ilícitos; 6ª - A sentença conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento quando, em 33. dos factos provados, dá como provado que "Com a demolição desses trabalhos e com a construção de nova cobertura (onde se contabiliza a paralização da grua) (sublinhado nosso) despendeu a autora a quantia de cinquenta e oito mil e quinhentos euros (C 58.500,00)" pois, 7ª - A A. apenas alegou a este propósito o constante do n° 101° da p.i. que refere o seguinte: "Com a demolição desses trabalhos, despendeu a autora a quantia de cinquenta e oito mil e quinhentos euros (C 58.500,00)", em lado algum alegando a construção de nova cobertura ou a paralização da grua; 8ª - Assim, a sentença conheceu de questões que nunca foram alegadas pelas partes nem eram fundamento da causa de pedir alegada pela autora, violando o disposto nos artigos 608°, n° 2, parte final, art° 5° e 3°, n° 3 todos do CPC, pelo que enferma da nulidade prevista no art° 615°, n° 1 alínea d) parte final do CPC, o que se invoca e leva a que tenha de ser dado como não provado o constante do n° 33. da matéria de facto da sentença; 9ª - Impugna-se a matéria de facto constante dos números 32. e 33. dos factos provados, devendo a matéria constante dos mesmos ser considerada como não provada, pois, 10ª - Em 1° lugar, as testemunhas AVM e AAR, que a d. sentença indica como servindo de base a tais respostas, não têm conhecimento directo da situação, não sabendo quanto é que a autora despendeu em tais trabalhos, apenas especulando quanto é que tais trabalhos podem custar, quando o que se pergunta é quanto é que a A. despendeu em tais trabalhos, sendo certo que a testemunha AAR perguntada sobre a matéria do n° 32. dos factos provados, respondeu que tais trabalhos custariam "30.000,00 6, 25.000,00 6/30.000,00 6, penso" - cfr. 2h05m14segundos do registo do depoimento; 11ª - Em segundo lugar, o depoimento da testemunha VIP, que tem conhecimento directo da situação por ser um dos sócios da empresa que fez a obra e por ser o responsável da empresa que fez a obra e que refere que só foram pagos € 58.500,00 e por tudo, construção do que foi demolido, demolição e depois construção de nova cobertura - cfr. entre outras gravação do depoimento entre 4:15:40 e 4:16:24; 12ª - O depoimento desta testemunha impõe que se dê como não provado que a autora despendeu € 37.500,00 em material e mão de obra nos trabalhos que havia realizado à data do embargo no piso que foi demolido (32. dos factos provados) e que se dê também como não provado que, com a demolição desses trabalhos despendeu a autora a quantia de € 58.500,00 ver a este propósito o que supra, no ponto 3 da fundamentação se explana de forma mais completa e que dá cumprimento ao disposto no art° 640° do CPC; 13ª - A sentença, a fls. 12 invoca, por erro de aplicação, o art° 70° do DL 555/99 também como fundamento para o dever de indemnizar por parte da R., mas indevidamente, pois o n° 2 de tal normativo exige uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos, o que não se verifica no caso destes autos, na medida em que os titulares dos órgãos da Câmara de Vinhais inicialmente demandados foram absolvidos, decisão que já transitou em julgado; 14ª - O Tribunal Central Administrativo Norte proferiu nestes autos Acórdão com data de 21-06-2011 onde, de forma cristalina refere, entre outras considerações, a fls. 13 que "...também temos de ter bem presente a obrigação que recai sobre quem apresenta um projecto da sua conformidade com os instrumentos territoriais de planificação nomeadamente o PDM. Não pode, pois, deixar de ser equacionada a também culpa da recorrente (ali Autora) em ter dado entrada de um projecto de licenciamento que viola o PDM.."; a sentença fez tábua rasa deste Acórdão e considerou que só havia culpa do R. Município de Vinhais; 15ª - Se a sentença refere a fls. 13 que "...só podemos concluir que a decisão de licenciamento foi tomada com falta de diligência exigida a uma pessoa normalmente zelosa ou a um funcionário ou agente típico...", então também temos de considerar que o termo de responsabilidade do arquitecto que subscreveu o projecto apresentado pela A., ao dizer que o referido projecto "...observa as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente o PDM de Vinhais..." foi elaborado com leviandade e não teve a diligência e zelo que são de exigir a um técnico ao considerar que o projecto observava o PDM de Vinhais, quando na realidade se veio a verificar que violava tal PDM; 16ª - Há, assim, um facto culposo do lesado (a A.) que contribuiu para a produção dos danos e, a sentença, ao considerar que há apenas culpa da R., não aplica o mesmo critério de culpa estabelecido no art° 487°, n° 2 do Código Civil à actuação da A. e técnico contratado por esta para elaborar o projecto, acabando por não aplicar o disposto no art° 570°, n° 1 do Código Civil, como se impunha; 17ª - Não pode a sentença condenar a R. ao pagamento de € 20.000,00 de lucros cessantes decorrentes da não construção de duas habitações (cfr. n° 39. dos factos provados) que não podiam ser construídas por violação do PDM de Vinhais, pois tal é absolutamente inaceitável; 18ª - Se a A. pretendia construir as duas habitações em causa devia ter reagido contra a declaração de nulidade do licenciamento e pugnado pela validade do mesmo e, ao não o fazer, não pode pretender o pagamento de lucros cessantes pela não construção das mesmas, como se tivesse o direito de as construir com base numa licença nula! 19ª - Se tal dano fosse de considerar, o direito à sua reparação só subsistia na medida em que o mesmo se não pudesse imputar à falta de interposição de recurso por parte da A. - art° 7°, 2' parte do DL 48 051, de 21-11-1967 normativo que a sentença devia ter aplicado para afastar a condenação da R. pelos referidos € 20.000,00 de lucros cessantes; 20ª - Mas ainda que assim não fosse, não há nexo de causalidade entre o facto e o alegado dano; para que a A. tivesse direito a estes lucros cessantes de € 20.000,00 era necessário que demonstrasse que tinha o direito de construir as duas habitações, o que não está demonstrado, bem pelo contrário; 21ª - A A. não pode ser indemnizada pela não construção de duas habitações que não construiu e que nunca podia construir, pelo facto de a sua construção violar o PDM de Vinhais, pelo que, ao condenar a R. a indemnizar a A. por esse dano a sentença violou, por erro de interpretação, o art° 563° do Código Civil; 22ª - E o mesmo se passa com a condenação da R. a pagar à A. as quantias de € 3.376,00 referentes ao pagamento aos técnicos (arquitecto, engenheiro civil e topógrafo) para a reformulação dos projectos em que tiveram intervenção para novo licenciamento (n° 34. dos factos provados) - e € 3.128,53 relativos a taxas pelo novo licenciamento (n° 35. dos factos provados); 23ª - Não existe nexo de causalidade entre a declaração de nulidade da licença e tais danos pois o primeiro licenciamento que a A. submeteu à aprovação da Câmara violava o PDM e tais danos existiriam sempre, a A. teria de efectuar tais gastos a partir do momento em que apresentou um projecto que violava o PDM de Vinhais; 24ª - Quer a Câmara aprovasse inicialmente o projecto e declarasse posteriormente a sua nulidade, como fez, quer tivesse indeferido ab initio tal licenciamento, a A. tinha, nos dois casos, de reformular os projectos e tinha de efectuar tais gastos que só se podem imputar à sua conduta de apresentar um projecto em violação do PDM de Vinhais, pelo que a sentença violou o disposto no art° 563° do Código Civil; 25ª - Por outro lado, a sentença condena a R. ao pagamento do que já estava construído e foi demolido (n° 32. dos factos provados e fls. 15 da d. sentença), ao pagamento da demolição e depois condena também ao pagamento de nova construção (n° 33. dos factos provados e fls. 15 da d. sentença), pelo que, desta forma, a R. teria de pagar a construção do que existia e foi demolido, a sua demolição e nova construção, havendo uma duplicação ou sobreposição de valores; 26ª - Desta forma a A. fica com a construção da cobertura completamente grátis pois é-lhe pago o que lá estava construído, é-lhe paga a demolição disso e ainda lhe é paga a nova construção! 27ª - Admitindo que havia responsabilidade da R., a mesma só podia ser condenada ao pagamento do que lá estava construído e foi demolido e pelas despesas de demolição, nada mais! Em relação à construção de nova cobertura não há nexo de causalidade entre a alegada lesão e o dano em causa, pois a A. teria de suportar sempre as despesas de construção da cobertura do edifício. 28ª - Ao decidir como decidiu, a sentença violou, por erro de interpretação o disposto no art° 563° do Código Civil. X O Tribunal exarou ainda que “A decisão que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido porque, em síntese, “ao declarar a nulidade da licença de construção n.º 47/2006, a Câmara Municipal de Vinhais mais não fez que erradicar uma ilegalidade urbanística, não tendo, assim praticado qualquer acto ilícito” foi revogada pelo TCAN, que foi de entender que tinham sido invocados factos no sentido da imputação de conduta ilícita e culposa e que a acção deve seguir os seus termos apenas contra o Município de Vinhais.”(sublinhado nosso).X DE DIREITOEstá posta em causa a sentença do TAF de Mirandela que julgou parcialmente procedente a acção. Na óptica do Recorrente, o presente recurso assenta em duas vertentes: uma que tem que ver com a matéria de facto e uma outra exclusivamente com matéria de direito. Cremos que não lhe assiste razão. Antes, porém, atentemos no discurso jurídico fundamentador da sentença em apreço: “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público no domínio dos actos de gestão pública encontra-se regulada, atendendo à data dos factos, pelo DL 48 051, de 21/11/67. No domínio da responsabilidade por actos ilícitos culposos, o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício (art. 2º do DL 48 051). A responsabilidade por actos ilícitos culposos do Estado e demais pessoas colectivas públicas, corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos consagrado no C.C. sob os artºs 483º a 498º e 562º a 572º, e pressupõe a existência de um acto ilícito, a sua imputação a um agente (responsabilidade civil subjectiva), e a verificação de danos, consequência directa e necessária daquele (arts. 2º a 10º do DL 48 051, citado, e art.ºs 483º, 487º-2, 564º e 563º do CC). De acordo com tal correspondência, em matéria de responsabilidade civil por actos ilícitos culposos, no âmbito dos actos de gestão pública, em face do disposto no art. 487º, n.º1 do CC, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo nos casos em que haja presunção legal de culpa (neste sentido cfr, Ac do TCA Norte de 25/6/2006, rec. N.º 01004/04.0BEBRG in www.dgsi.pt Deste modo, constituem pressupostos da obrigação de indemnizar no âmbito do direito civil: O facto ilícito - comportamento activo ou omissivo voluntário consistente na ofensa de direitos de terceiro ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios ou, ainda, que viole normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis ou regras de ordem técnica e de prudência comum; A culpa - nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida a uma pessoa normalmente diligente ou a um funcionário ou agente típico; O dano ou prejuízo - lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante; e nexo de causalidade - entre a conduta do agente e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (Cfr. neste sentido Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, II vol., pp. 1392 e segs.; Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, III vol., pp. 471 e segs. e Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I vol., pp. 833 e segs. e os Acs. STA de 10/5/87, 12/12/89 e de 29/1/91, in AD 310/1243, 363/323 e 359/1231). De acordo com o que estabelece ainda o artº 6º do DL 48 051, em sede de responsabilidade civil por actos de gestão pública, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração. Como atrás se deixou dito, tal responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos consagrado no Código Civil A ilicitude reside na conjugação dos factos provados n.ºs 7 a 24 com o disposto nos art.ºs 3.º, 6.º-A e art.º 7.º, n.º 2 do CPA. Se por despacho de 7/8/2006 o Presidente da Câmara Municipal de Vinhais deferiu o pedido de licenciamento da obra em causa, tendo sido emitido, com data de 9/8/2006, o alvará nº 47/2006, que, note-se, “respeita o disposto no Plano Director Municipal”; e se, após, em 26 de Janeiro de 2007, o R. declarou nulidade do licenciamento porque, precisamente, violava o disposto no nº 1 do artigo 37º do Reg. do PDM de Vinhais e artigo 7º, alínea l) – então só podemos concluir que o R. violou o disposto no art.º 6.º-A do CPA, porque com a sua actuação contraditória, criou uma situação de confiança justificada da A. e, em desenvolvimento, ou como “efectivação desse investimento de confiança” (Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito Administrativo, pág. 117) deu azo a que esta construísse o prédio licenciado em desconformidade com o PDM, ou em desconformidade com a interpretação que posteriormente o R. deu que às normas do PDM. Portanto, o R. tem de se responsabilizar pelas informações que dá e, por maioria de razão, pelas decisões que toma – art.º 7.º, n.º2 do CPA. Por outro lado o próprio acórdão do TCAN (fls. 265), que apreciou o recurso nos autos interposto relativamente à 1ª decisão, aponta que a ilicitude reside no facto do R. ter licenciado a obra em violação do PDM e essa decisão ter sido tomada com leveza ou leviandade. Ora, se assim é, a lei expressamente prevê o dever de indemnização por parte dos municípios dos danos suportados pelos particulares em consequências de declaração de nulidade de licenças urbanísticas– cfr. art.º 70.º do DL 555/99. Cfr. também Mário Esteves de Oliveira, CPA, comentado, pág. 113 e 114, e Fernando Alves Correia, in Manual de Direito Administrativo, pág. 439 e 440. A culpa dos titulares do órgão ou agentes é apreciada nos termos do artº 487º do CC., ou seja pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso – Cfr. artº 4º-1 ainda do DL 48 051. Adaptando esta regra à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas somos confrontados com a diligência exigível a um funcionário ou agente típico, isto é zeloso e respeitador da lei e dos regulamentos – Cfr. neste sentido o Ac. do STA de 20.OUT.87, in BMJ 370º/392. Como dissemos é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo nos casos em que haja presunção legal de culpa, o que aqui não se verifica. Havendo esta presunção, como se trata de mera presunção juris tantum, a mesma pode ser ilidida pelo autor da lesão, mediante prova da inexistência de culpa. É o que resulta do estatuído pelo art.º 350º, n.º2, do CC. (Cfr. neste sentido os Acs. do STA de 07/11/89, Rec. n.º 27 240, de 20/2/90, in ADSTA 374º/125, de 16/5/96, Rec. n.º 36 075 e de 3/3/98, in Rec. n.º 42 689). Perante os factos provados só podemos concluir que a decisão de licenciamento foi tomada com falta de diligência exigida a uma pessoa normalmente zelosa ou a um funcionário ou agente típico, porque não se compreende que em 7/8/2006 o Presidente da Câmara Municipal de Vinhais tivesse deferido o pedido de licenciamento da obra em causa, tendo sido emitido, com data de 9/8/2006, o alvará nº 47/2006, o qual expressamente considerou que respeitava o PDM; e em 26/1/2007 o R. considerou o contrário, designadamente por violação do disposto no art.º nº 1 do artigo 37º do Reg. do PDM de Vinhais e artigo 7º, alínea l). Portanto estamos perante um facto ilícito imputável ao R. Município. Independentemente de competir ao Município indeferir o licenciamento se a obra não respeitar o PDM (art.º 4.º, n.º 2, 18.º e 24.º, n.º 1, al a) do DL 555/99, de 16/12) não se pode dizer que haja concorrência de culpas. Apesar do técnico que executou o projecto de arquitectura ter entregue termo de responsabilidade a que estava obrigado pelo art.º 10.º do DL referido, onde afirmou que o projecto observava as normas legais e regulamentares aplicáveis designadamente o P.D.M, a verdade é que o próprio R. teve dúvidas como interpretar o próprio Regulamento, designadamente o art.º 7.º l) do RPDM). (cfr. informação da técnica que fundamentou o licenciamento de sentido contrário ao “parecer” do Presidente da Câmara – factos provados n.º 8 e 21) Este preceito prevê que a “ Altura da edificação – é a medida vertical da edificação, a partir da rasante da respectiva via de acesso principal até à platibanda ou beirado da construção, podendo ser cumulativamente expressa, para efeitos do Plano, em número de pisos” Se, nas palavras do Presidente do Município, e apesar de reconhecer que “o Reg. Do PDM seja de difícil interpretação”, “No caso concreto, atendendo à topografia do local, que sofre de alguma inclinação, deve ser medida desde o ponto médio da inclinação da rua”, então não podemos concluir que o arquitecto contratado pela A actuou com culpa, designadamente por falta do cuidado devido quando afirmou que o projecto cumpria o PDM, tanto mais que a técnica do Município afirmou que “o entendimento por ela explanado nas suas informações é o mais correcto e é aquele que sempre tinha vindo a ser seguido pela Câmara Municipal até ao momento.” Já vimos que na sequência da emissão do alvará de construção a R. construiu um último piso, que teve de demolir, que se encontrava executado com pilares em betão, com colocação de lajes, sem alvenarias e completamente amplo. Na cobertura já tinham sido colocadas algumas vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio, executadas em tijolo. Ora, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil). Neste caso, é óbvio que a reconstituição em espécie é impossível porque não poderão ser reerguido os elementos do andar demolidos em consequência da nulidade do licenciamento – pelo que resta a reparação em dinheiro. Dos danos patrimoniais O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como o benefício que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – art.º 564.º do CC No primeiro caso (danos emergentes) a A. teve um prejuízo consubstanciado nas despesas que efectuou no último piso para erigir pilares em betão, com colocação de lajes, sem alvenarias; com a compra e colocação de algumas vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio, executadas em tijolo; com a despesa decorrente da demolição desses elementos; com as despesas que teve com a contratação de técnicos para reformulação dos projectos necessários ao novo licenciamento, e respectivas taxas; com as despesas que teve na construção de nova cobertura, e com as despesas que teve com o custo da estrutura do edifício, indispensáveis a suportar um último piso, que se vieram a revelar desnecessárias porque foi demolido. Não se provou o prejuízo alegado nos art.ºs 98 e 99 da PI, relativo à informação que o Presidente da Câmara teria prestado à A. que o seu projecto poderia ser aprovado, e que devido a esse facto pagou pelo terreno 75.000,00 € em vez de 65.000,00 € - pelo que nesta parte o pedido improcede Defende o R. que o doc. n.º 12 junto em 28/10/2014 contém, não apenas as despesas da demolição, mas também as despesas relativas à nova construção de nova cobertura que a A. já havia contabilizado à data do embargo no piso demolido, no valor de 37.500,00 € - pelo que não pode novamente contabilizar a construção da cobertura, sob pena de duplicação de valores. Não assiste razão ao R. porque, para além de não ter alegado que a A. conseguiu reutilizar os materiais objecto de demolição da cobertura (designadamente as vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio), também não alegou que, contrariamente ao que esses documentos demonstram e o que a testemunha VIP depôs (que em nome da Sociedade “VIP e LP” emitiu facturas e assinou os recibos do montante pago pela A), o trabalho de construção da nova cobertura tivesse sido executado gratuitamente. Este dano patrimonial computa-se em 105.120,53 €, assim repartido: · 37.500,00 €, referente a despesas que efectuou no último piso para erigir pilares em betão, com colocação de lajes, sem alvenarias; com a compra e colocação de algumas vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio, executadas em tijolo; · 58.500,00 €, referente a despesa que suportou com a demolição daqueles elementos e com a construção de nova cobertura; · 3.376,00 € referente a despesa que teve com a contratação de técnicos para reformulação dos projectos em que eles tiveram intervenção e necessários ao novo licenciamento; · 3.128,53 € referente a taxas necessárias ao novo licenciamento; · 2.616,00 € com a despesa referente à quantidade de material incorporado na estrutura do prédio e o efectivamente necessário sem o último piso. Dos lucros cessantes. Este tipo de lucros consistem no benefício que a lesada/A iria beneficiar se não tivesse sido declarado nulo o licenciamento, designadamente com a venda de dois apartamentos, que foi calculado em 20.000,00 €. Danos não patrimoniais A A, alega que o seu prestígio ficou seriamente abalado em consequência do embargo e subsequente demolição da obra porque as pessoas faziam os mais diversos comentários sobre as suas causas, que apontavam para irregularidades, ilicitudes e influências; e que os gerentes da A. se sentiam vexados, humilhados e incapazes de explicar o sucedido. Relativamente aos danos produzidos nos gerentes da sociedade não poderão ser conhecidos no âmbito deste processo porque quem é A. é a sociedade A...-Sociedade de Construções, Lda. Ou seja, apesar do que se provou, mas não sendo os gerentes partes no processo, não detêm legitimidade para, em nome próprio, verem reconhecidos os alegados direitos que lhe assistem. Da mesma forma, a própria sociedade não tem um interesse directo em demandar o R. relativamente ao vexame e humilhação que os seus gerentes sentiram – cfr. art.º 30.º, n.º 1 do CPC. Por outro lado, para as sociedades comerciais, “a ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial apenas pode produzir um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais” – Neste sentido, que se segue, cfr. Ac. do STA de 29/5/2005, proc. n.º 179/05. Ora, ocorreria um dano patrimonial indirecto se se provasse que - apesar de ter havido pelo menos uma pessoa que antes do embargo e demolição referidos estava disponível para adquirir fracções, mas que depois se retraiu com receio de que houvesse quaisquer irregularidades por parte da A – a A. deixou de vender as fracções do prédio ou se as vendeu por um preço inferior por causa dos referidos embargo, demolição, posterior licenciamento e construção. Não se provando improcede o pedido neste segmento.” X Vejamos:Veio o Recorrente invocar o excesso de pronúncia o que consubstancia a arguição da nulidade da decisão. Esta nulidade foi tratada, entre outros, no Acórdão do STA, de 06/08/2014, no âmbito do Proc. 0586/14, de cuja fundamentação jurídica se extraem os seguintes excertos: “(...) corolário do princípio da disponibilidade objetiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte], ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. ... O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão [arts. 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e)], mas ele é distinto do excesso de pronúncia previsto no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, pela seguinte razão: - se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte; - mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis, condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 668.º, n.º 1, al. e) …”. Voltando ao caso posto, constata-se que não existe qualquer excesso de pronúncia, pois resulta do artigo 101.º da Petição Inicial - cujo teor é o seguinte: “Com a demolição desses trabalhos, despendeu a autora a quantia de cinquenta e oito mil e quinhentos euros (C 58.500,00)", o pedido a título de danos patrimoniais com os trabalhos de demolição, solicitando-se o pagamento de € 58.500 (cinquenta e oito mil e quinhentos euros). Ora, a paralisação da grua enquadra-se no conceito de trabalhos, ou seja, como facto instrumental ou complementar dos concretizados trabalhos de demolição, pelo que não se verifica qualquer nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Isto é, não estava vedado ao julgador tomar em consideração toda a factualidade por ele adquirida, suposto que não excedesse o valor dos danos peticionados, a esse título, (trabalhos de demolição) o que efectivamente não ocorreu. Nesta conformidade, o presente recurso jurisdicional terá de soçobrar quanto a este ponto. Do erro de julgamento de facto No que tange à impugnação da matéria de facto, defende o Recorrente a sua alteração, indicando - pese embora muito vaga e imperfeitamente - o material probatório suscetível de legitimar essa alteração (cfr. as conclusões 9.ª a 12.ª da alegação). Por sua vez, argumenta a Recorrida com a sua manutenção na peça processual - (contra-alegação/conclusões 7ª, 8ª e 15ª). Ora, como é sabido, este tribunal -TCA N- é um tribunal de instância, em regra a segunda instância (artigo 210º/4 da CRP) e, como tal, conhece de direito e de facto (artigo 712º do Código de Processo Civil). “1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. 2 - No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. 3 - A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes. 4 - Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão. 5 - Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade. 6 - Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”( Redacção dada por DL 303/2007 de 24/08/2007, artigo 1º - Alteração ao Código de Processo Civil). Assim, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. No recurso em que se vise a impugnação da matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (artº 690º-A do CPC). Os ónus impostos ao recorrente que pretende sindicar o julgamento da matéria de facto visam combater uma indiscriminada e vaga manifestação contra o julgamento de facto, obrigando-o a uma tomada de posição precisa quanto aos pontos de facto que entende mal julgados e ainda à indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, indicação que, no caso de gravação dos meios de prova, deve ser feita com referência ao assinalado na acta relativamente a cada depoimento. Além disso, esses ónus processuais ajustam-se ao figurino paradigmático dos recursos no nosso sistema processual enquanto recursos de revisão ou de reponderação. O ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, no que tange à indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, tem em vista essencialmente a situação em que a pretensão do recorrente se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão impugnada. Outra situação a ter em conta é a da falta de credibilidade de um meio de prova pessoal aduzido para fundamentar um ponto de facto objecto de impugnação pelo recorrente. Nas situações antes enunciadas é manifesto que o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da impugnada tem que ser adequada e fundamentadamente sustentado, sob pena de conduzir a resultados absurdos e até subversivos da prova fixada. Assim, na primeira situação enunciada, parece que o recorrente observará suficientemente o ónus processual previsto no artigo 690º-A, do CPC, indicando o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal, bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação. Por outro lado, a localização precisa dos segmentos probatórios que sustentam a pretensão do recorrente não dispensa o tribunal de recurso de analisar a generalidade da prova, pois que o tribunal de 2ª instância deverá oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos impugnados da matéria de facto (artigo 712º/2, parte final, do CPC), podendo mesmo ter em conta outros elementos que não sejam indicados como fundamento da decisão de facto (artigo 515º do CPC), desta feita ao abrigo dos poderes de reapreciação oficiosa da matéria de facto, com base no previsto na primeira parte da alínea a), do nº 1 do artº 712º do CPC, reapreciação que, quando necessária, deverá ter em atenção o disposto no artigo 3º/3 do Código de Processo Civil. O que será absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca. O tribunal de 2ª instância deve apreciar a matéria impugnada, efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, pois que o objecto precípuo da cognição do tribunal de recurso não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, tarefa orientada para a detecção do erro de julgamento naquela decisão de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. Se assim não fosse, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto. No julgamento da impugnação da decisão da matéria de facto apela-se aos princípios da oralidade, da livre apreciação da prova e da imediação, pois como se refere no ac. do STA, de 19/10/2005, no rec. 0394/05 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.” Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. A imediação na produção da prova tem um peso significativo na livre apreciação da prova, porquanto, presenciando-se a produção da prova, observa-se directamente a espontaneidade dos depoentes e as reacções às questões que lhes vão sendo colocadas, percepcionando-se todo um conjunto de elementos não verbais relevantes para a formação da convicção e para a valoração e apreciação crítica da globalidade da prova. Como alertava Eurico Lopes Cardoso, os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida - BMJ nº 80, págs. 220/ 221. Desta feita, só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos- neste sentido cfr, António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol., 4ª ed., 2004, págs. 266/267. Cientes desta limitação - decorrente do respeito pelo princípio da livre apreciação da prova - mas também conscientes de que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador, ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)”-cfr. o Prof. M. Teixeira de Sousa em “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348. Obedecendo a estes ensinamentos, com os quais nos identificamos, temos vindo a decidir, em casos semelhantes, que a sentença deve espelhar e reflectir, em termos de probatório, todos os factos que servem de alicerce à decisão. Ao tribunal compete justificar os motivos da decisão sobre a matéria de facto, revelando as razões que o levaram a certa conclusão e não a outra perante os meios de prova produzidos e as posições que as partes tomaram nos articulados sobre a factualidade em discussão. O nº 2 do artigo 653º do CPC estabelece o dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, impondo que o julgador especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da sua correcção. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente -acs. deste Tcan de 06/04/2006, no rec. 578/03 Porto, de 25/01/2007, no rec. 01875/06.5BEPRT, de 14/02/2007, no rec. 122/02 Braga e de 20/9/2007, no rec. 48/03.3BEBRG, entre outros. A fundamentação tem um valor crucial na delimitação dos poderes de cognição do tribunal ad quem porquanto uma referência detalhada e concreta a elementos apenas perceptíveis com imediação para justificar a convicção formada deixará um reduzido campo de manobra à instância de recurso. Mas, para além destas coordenadas que devem nortear a apreciação da matéria de facto, outra se impõe, qual seja a de que os constrangimentos do tribunal de 2ª instância não podem equivaler a uma atitude negacionista, que vede um efectivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Dito de outro modo, se é certo que ao tribunal de recurso apenas é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão (posto que fundamentada), não é menos verdade que o controlo do julgamento da matéria de facto não pode ficar reduzido a uma verificação da racionalidade e sustentabilidade da decisão de facto impugnada, atenta tão-só ao texto desta decisão. Salvo melhor opinião, a necessidade de justificar a decisão, substituindo as respostas secas, dogmáticas, do tribunal por uma fundamentação esclarecedora do raciocínio do juiz só contribui para a melhor compreensão da decisão e prestígio do órgão donde ela emana. Resumindo, não se deve hipertrofiar o relevo da imediação, ao ponto de na prática se negar o direito à reapreciação da matéria de facto em segunda instância. Apesar da imediação com a prova ser mais reduzida, outros elementos como a audição da gravação são de molde a permitir a percepção de pontos, não facilmente verbalizáveis, e que podem ser decisivos para a formação da convicção do tribunal. A isto acresce que o défice da imediação na produção da prova pessoal pode ser compensado por uma diferente perspectiva crítica e uma diferente experiência de vida do tribunal de recurso. Postos estes considerandos, há que voltar ao caso em concreto, conhecendo-se da impugnação da decisão de facto nos pontos postos em causa pela parte. E o que se constata é que pese embora os referidos depoimentos de AVM, AAR e VIP, o Senhor Juiz formou a sua convicção (que determinou o acolhimento como provada da factualidade assente nos pontos 32º e 33º) no confronto da prova testemunhal com os documentos de fls. 374 e 377 (cheques) e de fls. 373, 375 e 376 (facturas/recibos) pelos trabalhos de demolição e construção da cobertura, no valor de € 58.500,00 (cinquenta e oito mil e quinhentos euros). Assim, no respeito pelos falados princípios da oralidade e da imediação e tendo presente que o Senhor Juiz especificou os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a matéria de facto dada como assente (prova testemunhal e documental), fundamentando, ponto por ponto, concisa mas adequadamente, essa decisão, não se bulirá na factualidade tida como provada - cfr. nºs 32) e 33) do probatório (32. Nos trabalhos que havia realizado à data do embargo no piso que foi demolido, despendera a autora, a essa data, em material e mão-de-obra, um valor na ordem dos trinta e sete mil e quinhentos euros (€ 37.500,00). – cfr. depoimento das testemunhas AVM, Eng. Tec. Civil que participou no projecto de engenharia civil do prédio em causa e AAR, construtor civil, cujos depoimentos, pela função que desempenhou (a 1ª) e experiência que demonstrou ter (a 2ª) mereceram-me credibilidade; 33. Com a demolição desses trabalhos e com a construção de nova cobertura (onde se contabiliza a paralização da grua) despendeu a autora a quantia de cinquenta e oito mil e quinhentos euros (€ 58.500,00) – cfr. documento de fls. 374, 377 (cheques), depoimento da testemunha AAR, com a motivação exposta e testemunha VIP, construtor civil, que procedeu à demolição e posterior construção, e que emitiu as facturas e recibos de fls. 373, 375 e 376). Dos erros de julgamento de direito Do princípio da protecção da confiança No que concerne à julgada violação do princípio da confiança, o artigo 6.º-A do anterior CPA veio acolher expressamente o princípio da boa-fé, no domínio do direito administrativo, estabelecendo que «no exercício da atividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa-fé», sendo que o respeito pela boa-fé se realiza através da ponderação dos “valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida”. Uma das mais importantes concretizações da boa-fé, constante da al. a) do n.º 2 do citado artigo 6.º-A, é justamente o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental que impõe que sejam asseguradas as legítimas expectativas criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem. Postula-se, assim, a protecção dos particulares em relação à actuação administrativa que objectivamente incuta uma convicção fundada na sua efectivação. Todavia, tal protecção não é absoluta, já que pressupõe a verificação de determinados requisitos, a saber, a existência de uma situação de confiança, traduzida na boa-fé subjectiva da pessoa lesada; a ocorrência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; o desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença e a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 137.). Como foi consagrado pelo Tribunal Constitucional, “Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (acórdão n.º 128/2009, aqui trazido à liça pelo MP). Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. “Não há, no entanto, como igualmente se afirmou, «um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados». (...)” (Acórdão do TC n.º 18/2011, de 12 de Janeiro de 2011, no Proc. 204/2010). O princípio da boa fé encontra-se consagrado nos arts 266º da CRP e 6º-A do CPA e mostra-se directamente relacionado com os actos/direitos e obrigações jurídicas passando, fundamentalmente, pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior. Enquanto princípio geral de direito a boa fé significa “… que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outras pessoas …” [cfr. M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim in “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª edição, pág. 108] - Ac. do STA de 15/01/2015 no proc. 036/15. E continua”A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico …” [in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª edição, pág. 257]. Finalmente, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem admitido inequivocamente a aplicação quer do princípio da boa fé quer do princípio da protecção da confiança enquanto fonte de ilegalidade e de responsabilidade da Administração [cfr., entre muitos outros, os Acs. deste Supremo de 26.10.1994 in proc. nº 017626, de 28.11.2000 in proc. nº 044846, de 30.04.2003 (Pleno) in proc. nº 047275, de 06.05.2003 in proc. nº 46188, de 18.06.2003 in proc. nº 0653/07, de 11.09.2008 in proc. nº 0112/07, de 09.07.2009 in proc. nº 0203/09, de 30.09.2009 in proc. nº 0662/09, de 31.10.2012 in proc. nº 0553/11]. Ora, como bem salientou o tribunal a quo, “(...) podemos concluir que o R. violou o disposto no art.º 6.º-A do CPA, porque, com a sua atuação contraditória, criou uma situação de confiança justificada da A. e, em desenvolvimento, ou como “efetivação desse investimento de confiança” … deu azo a que esta construísse o prédio licenciado em desconformidade com o PDM, ou em desconformidade com a interpretação que posteriormente o R. deu às normas do PDM. Portanto, o R. tem de se responsabilizar pelas informações que dá e, por maioria de razão, pelas decisões que toma - art.º 7.º, n.º 2, do CPA. (...)”. Assim sendo, face à concreta situação configurada nos autos, cujos contornos foram, suficiente e correctamente, delineados e tratados na decisão recorrida, forçoso é concluir que improcede a argumentação aduzida pelo aqui Recorrente. Não se acolhem, pois, os argumentos deste no sentido de que a não impugnação do acto da revogação da licença de construção corresponda a uma conformação com o mesmo ou que o acto posterior ao licenciamento corresponda a uma total isenção de consequências tendo em conta os princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da proteção da confiança. Conforme lapidarmente resulta do ponto 38 da factualidade assente - “Por força da actuação da Câmara Municipal de Vinhais, supra referida, a autora deixou de construir duas habitações (fracções autónomas) no piso demolido, cuja construção havia sido autorizada.” (sublinhado nosso). Dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, mostram-se verificados todos os pressupostos que determinam a responsabilidade civil extracontratual do R. e daí que não ocorra qualquer afronta à lei e ao direito. Senão vejamos. Conforme assinalado na sentença, o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem (artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa). Consagra este comando constitucional o princípio da responsabilidade patrimonial directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos, o qual, ao lado do princípio da legalidade (artigo 3.°) e do princípio da judicialidade (artigo 20.°), é um dos instrumentos estruturantes do Estado de direito democrático, enquanto elemento do direito geral das pessoas à reparação dos danos causados por outrem (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, p. 168). Assim sendo, a norma constitucional do artigo 22.º constitui o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público na responsabilidade por actos legislativos, administrativos, bem como por actos jurisdicionais, dado que a Constituição se refere, sem quaisquer restrições, a actos ou omissões praticadas no exercício das suas funções pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes. Conforme recorda a Senhora PGA, a lei ordinária consagra três tipos de responsabilidade civil extracontratual, a saber: A responsabilidade por actos ilícitos culposos, que pressupõe a verificação de todos os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a ilicitude e a culpa dos órgãos ou agentes do Estado e demais entes públicos; A responsabilidade por factos causais ou pelo risco, onde se dispensa o pressuposto da culpa dos órgãos ou agentes, mas se exige que os prejuízos resultem de serviços excepcionalmente perigosos; e A responsabilidade por actos lícitos, em que se prescinde da ilicitude e da culpa, mas, em contrapartida, se impõe que os prejuízos causados sejam "especiais e anormais". Na hipótese vertente a A. alicerçou a presente acção na responsabilidade civil extracontratual emergente de factos ilícitos. E, in casu, face à factualidade apurada e ao respetivo enquadramento legal efetuado na sentença recorrida, mostra-se claramente verificada a responsabilidade extracontratual por actos ilícitos do ora Recorrente, atenta a ocorrência de um facto ilícito e culposo imputável ao R., de danos verificados na esfera jurídica da Recorrida, cujo ressarcimento pretendeu obter com a propositura da presente ação e do nexo de causalidade entre a atuação lícita do Recorrente e os danos alegados e dados como provados. Assim, no que concerne aos requisitos do facto voluntário e da ilicitude, como já se referiu supra, a propósito do Princípio da Proteção da Confiança, afigura-se-nos patente e ostensiva a antijuridicidade da actuação do R. Município de Vinhais. “A ilicitude reside na conjugação dos factos provados n.ºs 7 a 24 com o disposto nos art.ºs 3.º, 6.º-A e art.º 7.º, n.º 2 do CPA. Se por despacho de 7/8/2006 o Presidente da Câmara Municipal de Vinhais deferiu o pedido de licenciamento da obra em causa, tendo sido emitido, com data de 9/8/2006, o alvará nº 47/2006, que, note-se, “respeita o disposto no Plano Director Municipal”; e se, após, em 26 de Janeiro de 2007, o R. declarou nulidade do licenciamento porque, precisamente, violava o disposto no nº 1 do artigo 37º do Reg. do PDM de Vinhais e artigo 7º, alínea l) – então só podemos concluir que o R. violou o disposto no art.º 6.º-A do CPA, porque com a sua actuação contraditória, criou uma situação de confiança justificada da A. e, em desenvolvimento, ou como “efectivação desse investimento de confiança” (……) deu azo a que esta construísse o prédio licenciado em desconformidade com o PDM, ou em desconformidade com a interpretação que posteriormente o R. deu que às normas do PDM. Portanto, o R. tem de se responsabilizar pelas informações que dá e, por maioria de razão, pelas decisões que toma – art.º 7.º, n.º 2 do CPA. Por outro lado o próprio acórdão do TCAN (fls. 265), que apreciou o recurso nos autos interposto relativamente à 1ª decisão, aponta que a ilicitude reside no facto do R. ter licenciado a obra em violação do PDM e essa decisão ter sido tomada com leveza ou leviandade. Vem, porém, o R., em sede do pressuposto da culpa, pugnar pela concorrência de culpas entre si e a Autora. Sobre esta matéria e mormente sobre a melhor interpretação do artigo 7.º do DL 48.051 de 21/11/1967, alegadamente violado pelo tribunal a quo, temos que: (...) Caso paradigmático de culpa do lesado, durante muito tempo o único expressamente previsto na lei ….é o de o lesado não ter utilizado a via processual adequada à eliminação de um acto jurídico lesivo, assim concorrendo para a produção ou o agravamento dos danos causados. Contudo, esta referência é passível de generalização a todas as situações em que o lesado não tenha utilizado o meio processual adequado para reagir contra qualquer acção ou omissão administrativa da qual possam resultar danos para a sua esfera jurídica. Assim, tem sido considerado que o não requerimento da suspensão de eficácia de actos administrativos pode dar origem a culpa do lesado; discutivelmente, o Ac. STA de 18/3/1993 (Proc. 030914) foi mesmo ao ponto de aplicar esta doutrina aos actos nulos e inexistentes” (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, “Responsabilidade Civil Administrativa. Direito Administrativo Geral” Tomo III, pág. 34). Todavia, posteriormente a este mencionado aresto do STA, o Acórdão do Pleno da Secção do CA do STA, de 27/02/1996, no Rec. 023058, veio firmar a doutrina segundo a qual “I - A 2 parte do art. 7 do DL 48.051 de 21/11/67 não pretendeu estabelecer um regime de caducidade do direito de indemnização ou uma exceção peremptória fundada no caso decidido ou no caso resolvido por falta de oportuna impugnação contenciosa, com a consequente preclusão do direito à propositura da ação ressarcitória, tendo antes directamente a ver com a interrupção do nexo de causalidade e/ou com a culpa do lesado na produção do dano, pretendendo apenas limitar a extensão ou o âmbito da indemnização quando haja uma corresponsabilização do administrado na produção desse dano. II - Para que se limite o direito à reparação torna-se mister que se prove - ónus que impende sobre o ente administrativo demandado - que, com uma conduta pré-processual ou endo-processual diligente, o particular poderia ter evitado ou minorado o dano. (…)” (sublinhados nossos). Ora, atentos estes ensinamentos limitar-nos-emos a corroborar a posição do Senhor Juiz, quando salienta que “(…) não podemos concluir que o arquiteto contratado pela A. actuou com culpa, designadamente, por falta do cuidado devido quando afirmou que o projeto cumpria o PDM, tanto mais que a técnica do Município afirmou que “o entendimento por ela explanado nas suas informações é o mais correcto e é aquele que sempre tinha vindo a ser seguido pela Câmara Municipal até ao momento.” (sublinhado nosso). Dos danos Pressupostos da responsabilidade civil extracontratual aqui em análise são também os danos - ocorrência de lesões ou prejuízos de ordem patrimonial ou não patrimonial na esfera jurídica de terceiros- e o nexo causal entre o facto e o(s) dano(s)(1). Para além disso, aplicar-se-á (também) o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa concorrente do lesado (artº 570º do Código Civil) e quanto ao cálculo e limitação da indemnização. A norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização é o artº 563º do Código Civil, que preceitua que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». Esta norma tem uma formulação pouco precisa, parecendo próxima da teoria da equivalência das condições (ou teoria da conditio sine qua non, segundo a qual seriam indemnizáveis todos os prejuízos que não se teriam verificado se não fosse o acto ilícito), mas contendo um elemento de probabilidade que aponta no sentido da teoria da causalidade adequada. (Embora haja variantes desta teoria, ela parte da mesma ideia da equivalência das condições, mas limita a existência de nexo de causalidade relativamente aos danos que, em abstracto, são consequência apropriada do facto) - neste sentido cfr. os acs. do STA de 06/3/2002 e de 06/11/2002, nos recs. 48155 e 1311/02, respectivamente. Como esclarece o Prof. Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 6ª ed., pág. 852, são condições do dano as circunstâncias que concorreram para a sua produção. Deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». Na hipótese vertente, o Recorrente pôs em causa os danos e o nexo de causalidade, atrás enunciados. Porém, carece de razão. Tais danos estão devidamente contabilizados, acolhidos no probatório, definem-se e traduzem-se no seguinte: (….) No primeiro caso (danos emergentes) a A. teve um prejuízo consubstanciado nas despesas que efectuou no último piso para erigir pilares em betão, com colocação de lajes, sem alvenarias; com a compra e colocação de algumas vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio, executadas em tijolo; com a despesa decorrente da demolição desses elementos; com as despesas que teve com a contratação de técnicos para reformulação dos projectos necessários ao novo licenciamento, e respectivas taxas; com as despesas que teve na construção de nova cobertura, e com as despesas que teve com o custo da estrutura do edifício, indispensáveis a suportar um último piso, que se vieram a revelar desnecessárias porque foi demolido. Não se provou o prejuízo alegado nos art.ºs 98 e 99 da PI, relativo à informação que o Presidente da Câmara teria prestado à A. que o seu projecto poderia ser aprovado, e que devido a esse facto pagou pelo terreno 75.000,00 € em vez de 65.000,00 € - pelo que nesta parte o pedido improcede Defende o R. que o doc. n.º 12 junto em 28/10/2014 contém, não apenas as despesas da demolição, mas também as despesas relativas à nova construção de nova cobertura que a A. já havia contabilizado à data do embargo no piso demolido, no valor de 37.500,00 € - pelo que não pode novamente contabilizar a construção da cobertura, sob pena de duplicação de valores. Não assiste razão ao R. porque, para além de não ter alegado que a A. conseguiu reutilizar os materiais objecto de demolição da cobertura (designadamente as vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio), também não alegou que, contrariamente ao que esses documentos demonstram e o que a testemunha VIP depôs (que em nome da Sociedade “VIP e LP” emitiu facturas e assinou os recibos do montante pago pela A), o trabalho de construção da nova cobertura tivesse sido executado gratuitamente. Este dano patrimonial computa-se em 105.120,53 €, assim repartido: · 37.500,00 €, referente a despesas que efectuou no último piso para erigir pilares em betão, com colocação de lajes, sem alvenarias; com a compra e colocação de algumas vigotas de cimento e respectivas paredes de apoio, executadas em tijolo; · 58.500,00 €, referente a despesa que suportou com a demolição daqueles elementos e com a construção de nova cobertura; · 3.376,00 € referente a despesa que teve com a contratação de técnicos para reformulação dos projectos em que eles tiveram intervenção e necessários ao novo licenciamento; · 3.128,53 € referente a taxas necessárias ao novo licenciamento; · 2.616,00 € com a despesa referente à quantidade de material incorporado na estrutura do prédio e o efectivamente necessário sem o último piso. Dos lucros cessantes. Este tipo de lucros consistem no benefício que a lesada/A iria beneficiar se não tivesse sido declarado nulo o licenciamento, designadamente com a venda de dois apartamentos, que foi calculado em 20.000,00 €. Assim, contrariamente ao aventado pelo Réu, todos estes danos causados pela ilicitude do licenciamento inicial até ao segundo despacho são indemnizáveis, incluindo os correspondentes às expectativas dos lucros cessantes. Até porque foi essa expectativa do licenciamento original que balizou o preço do terreno e o preço da empreitada. Todas as despesas devem ser indemnizadas incluindo aquelas que o A. teve de suportar com os técnicos, licenciamentos e outros. Como observa a Recorrida, “Não há qualquer obra gratuita pois os valores pagos pelo A. na demolição e construção tiveram como causa a revogação do licenciamento na altura em que a construção já estava efectuada.” Por seu turno, o Réu/Recorrente não contrapôs prova aos documentos de fls. 373, 375 e 376 e, muito menos, demonstrou que os materiais tivessem sido reutilizados. Não se verificou, pois, qualquer erro na interpretação de qualquer dispositivo legal, mormente do falado artigo 563.º do Código Civil. Excluídos que estão os danos não patrimoniais, nenhuma censura merece a decisão sob escrutínio; ela enfrentou e escalpelizou todos os pontos da lide e, dado que não ostenta as falhas que lhe são imputadas, será mantida na ordem jurídica. Improcedem, assim, as conclusões da alegação. DECISÃO Termos em que nega provimento ao recurso. Custas a cargo do Recorrente e da Recorrida, na proporção do decaimento. Notifique e DN. Porto, 21/04/2016 Ass.: Fernanda Brandão Ass.: Frederico Branco Ass.: Joaquim Cruzeiro ________________________________ () Cfr., entre outros, os seguintes acórdãos do STA: - de 16/3/1995, proferido no rec. 36933; - de 21/3/1996, proferido no rec. 35909; - de 13/10/98, proferido no rec. 43138; - de 17/1/2007, proferido no rec.1164/06 e - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª ed., págs. 870/871 e - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 369. |