Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00949/17.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA DE INTERESSADOS - PRINCÍPIO DE APROVEITAMENTO DE ATO ADMINISTRATIVO – RECUSA DE CONCESSÃO DE EFICÁCIA INVALIDANTE – ATO VINCULADO
Sumário:I- O Tribunal pode recusar efeito invalidante à omissão da audiência prévia de interessados se se puder, num juízo de prognose póstuma, concluir, com total segurança, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível.

II- O artigo 109º nº 1 do RJEU prevê que a cessação da utilização de edifícios [ou de suas frações autónomas] deve ser ordenada quando os mesmos “(…) sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará (…)”, devendo ser fixado prazo para o efeito.

III- No quadro em apreço, resulta cristalino que a Administração não goza de qualquer margem concreta de liberdade na prática do ato, atendendo à especificidade desta normação.

IV- Pelo que assoma como evidente que o acto impugnado, ao ordenar a cessação da utilização das edificações/instalações agrícolas em causa, limitou-se a exercer os poderes vinculados que daquele artigo 109º resultavam.

V- Donde se conclui que a eventual repetição do ato levaria à prolação da ato de teor idêntico, o que, manifestamente, constituiria um ato inútil, já que a realidade material sempre permaneceria inalterada.

VI- E se assim é, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato impugnado nos autos com base no evidenciado vício de forma, por preterição de audiência prévia de interessados.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

M..., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro no âmbito da presente ação que, em 15.10.2021, julgou totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, absolveu o Réu, aqui Recorrido, MUNICÍPIO (...) do pedido.

Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
A. Destarte, o acto administrativo de que se recorre e que, por erro de julgamento, o tribunal a quo não anulou, padece de vício de forma, por falta de audiência prévia, anulável nos termos do artigo 135.° do CPA, por violação do n.° 1 do artigo 100.° do CPA.
B. Apesar de ter considerado a douta sentença do Tribunal a quo que efectivamente “revela-se inequívoco que não foi dada à Autora a oportunidade de se pronunciar, no exercício do direito de audiência prévia, com fornecimento de todos os elementos para o efeito”.
C. E que “no caso dos autos, entre o momento em que foi concedida a oportunidade à Autora se pronunciar sobre a intenção de determinar a ordem de cessação da utilização das construções em questão e a decisão final foram levados factos ao procedimento - que também constituíram os fundamentos de facto da decisão final - relativamente aos quais a Autora não se pôde pronunciar”.
D. Bem como que “não tendo sido conferida a possibilidade à Autora para se pronunciar sobre os fundamentos da ordenar a cessação da utilização antes de concluídas as diligências instrutórias, mostra-se incumprida a determinação ínsita no art.° 121, n.° 1, do CPA".
E. Estranhamente, decidiu que o acto em apreço não é anulável, com base na teoria da “princípio do aproveitamento do acto", por entender que “não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado", assim como que “o Demandado atuou no exercício de poderes vinculados, pelo que não deve ser compelido a tomar actos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, sendo de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos actos administrativos e, em consequência, manter na ordem jurídica o acto impugnado tal como proferido". 
F. Contudo, decidir sobre o “princípio do aproveitamento do acto” como base na conclusão de que o acto não poderia ter conteúdo e sentido diverso, exige certezas evidentes quanto a este aspeto, às quais não chegou o Tribunal a quo, no nosso entendimento.
G. Não fundamentando a razão pela qual a única conclusão a tirar de todos os factos carreados para os autos ser a de que a decisão final do Demandado não poderia ser outra, mesmo que tivesse havido audiência prévia.
H. Tendo em conta que, face aos factos dados como provados, e considerando a subsunção dos mesmos ao respectivo enquadramento legal, se impunha uma decisão vinculada à partida.
I. E, tivesse havido lugar a audiência prévia na altura da emanação do acto, teria a Recorrente tido a oportunidade de esclarecer e provar alguns aspetos contundentes com as edificações em causa e apresentar a documentação alegadamente em falta.
J. Permitindo, desse modo, influenciar o sentido da decisão final, como é escopo da figura da audiência prévia.
K. Não tendo havido audiência prévia, a Recorrente ficou privada de exercer um direito seu, privação essa que a prejudicou, não podendo desse modo proceder a teoria do “princípio do aproveitamento do acto”.
L. Com base nestes fundamentos, deverá a sentença recorrida ser revogada, e na sua sequência proceder a anulação do acto de que se recorre, a qual se impõe, nos termos do artigo 135.° do CPA, por violação do n.°1 do artigo 100.° do CPA (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido MUNICÍPIO (...) apresentou contra-alegações - as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…)
- O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente.
- A Recorrente reduziu o objecto do presente recurso à parte da douta sentença que decidiu não julgar procedente a ação com base no aproveitamento do acto.
- Nos termos da douta sentença o acto seria anulável por violação do direito de audiência prévia.
4ª - O acto impugnado é apenas o acto de 14.03.2017 na parte em que ordenou a cessação da utilização das construções ilegalmente erigidas no prédio pela Recorrente.
- A Recorrente não impugnou o acto na parte respeitante à legalização das construções ilegais.
- O n° 1 do art° 109° do RJUE impõe ao presidente da câmara municipal a cessação de utilização de edifícios quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização.
- O despacho impugnado foi proferido ao abrigo dessa disposição legal.
- Resulta dos autos que a Recorrente não tem autorização de utilização dessas edificações que foi desordenadamente construindo em zona habitacional e, atenta a utilização que é feita, causa graves prejuízos aos moradores da localidade.
- Face à ausência de autorização de utilização o Recorrido só podia ordenar a cessação dessa utilização. Por esse motivo o despacho recorrido não podia ser outro.
10ª - O n° 5 do art° 163° do CPA prevê as situações em que não se produz o efeito anulatório do acto. É a consagração do princípio do aproveitamento do acto ou da inoperância dos vícios.
11ª - Para que tal aconteça é necessário apurar, no caso concreto, se o cumprimento do vício que levaria à anulação do acto tinha a possibilidade de alterar a decisão proferida.
12ª - No caso concreto tal possibilidade não existia, como bem refere a douta sentença recorrida.
Ampliação do âmbito do recurso
13ª - Verificam-se os pressupostos do n° 1 do art° 636° do CPC (aplicável face ao disposto no art° 1° do CPA). A douta sentença recorrida considerou ter havido violação do direito de audiência prévia. Tal invalidade não operou face ao aproveitamento do ac to. No entanto, se tal aproveitamento do acto não vier a ser julgado procedente, o Recorrido requer que seja apreciada a questão da violação do direito de audiência prévia que foi julgado existir.
14ª - Com o devido respeito, o Recorrido considera que foi concedido à Recorrente a audiência prévia; foi-lhe conferida a possibilidade de se pronunciar sobre os fundamentos da proposta de decisão de ordenar a cessação da utilização.
15ª - A concessão dessa audiência prévia resulta dos factos provados sob os n°s 7, 8, 10, 18 e 19 da douta sentença.
16ª - Do despacho proferido e impugnado fazem parte duas questões autónomas:
- uma é a cessação da utilização das edificações construídas ilegalmente
- outra é a reposição da legalidade urbanística através da apresentação dos projetos e demais elementos.
17ª A Recorrente apenas impugnou nesta ação o despacho de 14.03.2017 na parte que integra o acto administrativo que ordenou a cessação da utilização das construções ilegalmente erigidas.
18ª - E é apenas em relação a esse acto assim delimitado que deve ser apreciado se foi concedido à Recorrente a audiência prévia.
19ª - Como resulta dos factos provados foi concedido à Recorrente o prazo de 15 dias úteis para se pronunciar sobre a proposta de decisão de cessação da utilização das edificações construídas ilegalmente (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, conforme se alcança de fls. 320 e seguintes dos autos [suporte digital], cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar:

(i) Quanto ao recurso interposto por M..., se a sentença recorrida, ao não conferir eficácia invalidante ao detetado vício de preterição de audiência prévia de interessados com base no princípio de aproveitamento do atos administrativos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nº.1 do artigo 100º do CPA.

(ii) Quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, se a decisão judicial posta em crise no presente recurso, ao julgar verificada a preterição de audiência prévia de interessados, incorreu em erro de julgamento de direito.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [sem reparos] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:
1. Em 14.01.2016, a Autora requereu, novamente, junto da Câmara Municipal (...) um pedido de licenciamento (legalização) de um coberto (parque de recria), relativo ao prédio sito na Rua (…), distrito de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 5947/20080122 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4131, no âmbito do processo n.° 33849/2014 - cf. requerimento, a fls. 302 e segs. do processo administrativo;
2. Através de ofício datado de 25.05.2016, a Autora foi notificada para apresentar projeto retificado - cf. ofício, a fls. 149 do processo administrativo;
3. Não tendo conseguido reunir a documentação necessária em tempo útil, a Autora requereu, em 28.07.2016 um prazo adicional de 60 dias, alegando para tal que “a técnica se encontra em período de férias” - cf. requerimento, a fls. 143 do processo administrativo;
4. Em 3.08.2016, a Divisão de Urbanismo e Planeamento da Câmara Municipal (...) elaborou informação, na qual propôs a fixação de um prazo de 20 dias à Autora para proceder voluntariamente à cessação de utilização do edificado a que se refere o ponto 1), sob pena de ser determinado o despejo administrativo, fixando-se o prazo de 15 dias para a Autora se pronunciar e a fixação de um prazo de 30 dias para dar sequência ao pedido de licenciamento - cf. informação, a fls. 140 do processo administrativo;
5. O Vereador da Câmara Municipal (...) proferiu despacho de concordância em 17.08.2016 - cf. despacho, a fls. 140 do processo administrativo;
6. No dia 17.08.2016, a Autora entregou nos serviços da Câmara Municipal (...) novas plantas desenhadas, memória descritiva, folha estatística e estimativa orçamental, nova planta topográfica, CD e índice e declaração de conformidade do suporte digital - cf. requerimento, a fls. 111 e segs. do processo administrativo;
7. Em 29.08.2016, os serviços do Departamento Administrativo, Jurídico e Financeiro da Câmara Municipal (...) elaboraram a informação n.° 61/SB/DAJF, a propor, entre o mais, a emissão de ordem de cessação de utilização das edificações/instalações agrícolas sitas no prédio referido em 1), da qual se extrai o seguinte:
“À Diretora de Departamento Administrativo, Jurídico e Financeiro:
O processo em epígrafe melhor identificado foi-nos remetido na sequência da informação elaborada pela Chefe da Divisão de Urbanismo e Planeamento, Eng.° M..., em 3 de agosto de 2016 que propõe e fundamenta a adoção da medida de tutela da legalidade urbanística de cessação da utilização de edificações/instalações agrícolas que se encontram a funcionar ilegalmente em prédio sito na Rua (…).
Ora, carreando para a presente informação os argumentos expressos na avocada informação da Divisão de Urbanismo e Planeamento para propugnar a cessação da utilização das instalações agrícolas, ao Departamento Administrativo, Jurídico e Financeiro cumpre aclarar seguinte:
As instalações agrícolas a que se refere o processo de obras no 33849/2014, melhor identificadas a fls. 3 da informação mencionada, elaborada pela Chefe da Divisão de Urbanismo e Planeamento, encontram-se a funcionar sem que para o efeito tenha sido obtida a exigível autorização de utilização, precedida do necessário controlo prévio das operações urbanísticas, como exige a lei, in casu, os art.ºs 40, n.°s 2 e 5 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.
Neste caso, como foi alvitrado pela Divisão de Urbanismo e Planeamento, a medida de tutela da legalidade urbanística que melhor se adequa ao caso vertente consubstancia-se na cessação de utilização das instalações agrícolas e, eventualmente, no despejo administrativo, nos termos dos artigos 102°; n.° 1 e n.° 2, al. g) e 109° do RJUE.
Com efeito, o art.° 109°, n.° 1 do RJUE estipula que o Presidente da Câmara Municipal pode ordenar à cessação da utilização de edifícios ou suas frações, fixando um prazo razoável para a sua desocupação.
É de proeminar que o caráter gravoso desta medida impõe a realização da audição do interessado quanto ao projeto de decisão que determine a cessação da utilização, nos termos do art. 121° do Código de Procedimento Administrativo.
Acresce referir que, na hipótese da proprietária do prédio, Exma. Sra. M..., não cessar a utilização das edificações agrícolas no prazo estabelecido, a Câmara Municipal, mediante deliberação tomada para o efeito poderia determinar o despejo administrativo dos imóveis, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto no art. 92° do RJUE.
Face ao exposto, sopesando, uma vez mais o explanado na informação da DUP, de 3 de agosto de 2016, o prazo a conceder para a cessação da utilização deverá ser de 20 dias, prazo que se afigura razoável, como exige a lei, apto a permitir que a Requerente decida o destino a dar aos animais e outros materiais agrícolas resguardados nas ditas construções ilegais.
No caso em apreço, a restauração da legalidade urbanística não pode ser alcançada, de modo pleno, com a cessação de utilização do edificado ilegal, uma vez que à utilização das construções sem título se soma o facto destas terem sido erigidas sem o controlo prévio legalmente exigido.
Neste sentido, sopesando a necessidade de "reposição integral da legalidade urbanística no prédio", a Divisão de Urbanismo e Planeamento propõe a notificação da titular do prédio para, na prossecução do pedido de licenciamento efetuado, apresentar os elementos em falta, no prazo de 30 dias. Ou seja, estamos diante do procedimento de legalização, previsto no art. 1020-A do RJUE, sendo que, de acordo o disposto no n° 3 do mesmo artigo, a Câmara Municipal pode solicitar a entrega dos documentos e elementos que se afigurem necessários, nomeadamente, para garantir a segurança e saúde públicas.
Por último, salienta-se que o desrespeito por qualquer ato que determine a adoção de medidas de tutela da legalidade urbanística constitui crime de desobediência, nos termos dos art.ºs 100° do RJUE e 348° do Código Penal.
Nestes termos, a merecer acolhimento, propõe-se:
a) A remessa do processo ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal para que ordene e fixe a cessação da utilização das agrícolas ilegais, a efetuar no prazo de 20 indeferindo-se para apresentação de . documentos, efetuado pela Requerente em 28 de julho de 2016, face ao exposto na informação da DUP, de 3 de agosto de 2016;
b) A notificação da ordem de cessação da utilização à proprietária do imóvel conferindo-lhe o prazo de 15 dias úteis para se pronunciar, por escrito, em sede de audiência dos interessados;
c) A notificação da proprietária do prédio para, no prazo de 30 dias, entregar na Câmara Municipal os elementos em falta para a prossecução do procedimento de legalização das construções ilegais (elementos identificados na notificação no 5253, da DUP, elaborada em 25 de maio de 2016);
d) A adoção dos procedimentos descritos nas alíneas iii) e iv) da informação da DUP, de 3 de agosto de 2016;
e) Decorrido ó prazo dado à Requerente para cumprir a ordem de cessação da utilização, deve, o Serviço de Fiscalização verificar se a Requerente lhe deu cumprimento.
No caso de se verificar que a Requerente desobedeceu à ordem de cessação da utilização, propõe-se:
a) Efetuar a participação ao Ministério Público por crime de desobediência, punível nos termos do art. 348° , no 1, al. a) do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias;
b) Remeter o processo ao Órgão Executivo do Município para determinar o despejo administrativo, nos termos dos art.ºs 1090 e 920 do RJUE”
- cf. informação, a fls. 136 a 139 do processo administrativo;
8. Em 31.08.2016, o Presidente da Câmara de (…) proferiu despacho, exarado na referida informação, a indeferir o pedido de prorrogação do prazo referido no ponto 3), a ordenar à Autora a cessação de utilização do edificado no prazo de 20 dias, e a fixar o prazo de 30 dias úteis para entregar os elementos em falta para a prossecução do procedimento de legalização das construções ilegais, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. despacho, a fls. 136 do processo administrativo;
9. A Autora foi notificada do despacho referido no ponto anterior através de oficio datado de 1.09.2016, concedendo-lhe um prazo de 15 dias úteis para, querendo, se pronunciar - cf. ofício, a fls. 132 e 133 do processo administrativo;
10. Através de requerimento de 21.09.2016, a Autora informou que no dia 17.08.2016 havia dado entrada do projeto e solicita a revogação do despacho precedente - cf. requerimento, a fls. 100 do processo administrativo;
11. A Divisão de Urbanismo e Planeamento elaborou informação, em 29.09.2016, no sentido de que os elementos juntos pela Autora em 17.08.2016 deram cumprimento apenas a parte do determinado por despacho de 31.08.2016, propondo que se mantenha a ordem de cessação de utilização - cf. informação, a fls. 98 e 99 do processo administrativo;
12. O Vereador da Câmara Municipal (...) proferiu despacho de concordância, em 4.10.2016, mantendo o despacho de 31.08.2016 - cf. despacho, a fls. 98 do processo administrativo;
13. A Autora foi notificada do referido despacho através de ofício datado de 10.10.2016 - cf. ofício, a fls. 95 do processo administrativo;
14. A Divisão de Urbanismo e Planeamento da Câmara Municipal (...) elaborou informação, a propor a aprovação do projeto de arquitetura de obras de demolição, reabilitação e ampliação de exploração pecuária de bovinos para produção de leite em regime intensivo, condicionado a condições aí elencadas, assim como a fixação do prazo de seis meses, nos termos do art.° 20°, n.° 4, do RJUE, para a Autora apresentar os projetos das especialidades aplicáveis, bem como das peças desenhadas retificadas em conformidade com as condições de aprovação do projeto de arquitetura, sob pena de suspensão e caducidade do ato e arquivamento oficioso do processo, nos termos do n.° 6 do mesmo artigo - cf. informação, a fls. 215 e segs. do processo administrativo;
15. Esta informação técnica mereceu despacho favorável do Vereador D..., de 2.12.2016 - cf. despacho, a fls. 215 do processo administrativo;
16. Em 17.02.2017, a chefe da Divisão de Urbanismo e Planeamento propõe que o processo seja remetido à DAJF para controlo da cessação de utilização e eventual adoção das medidas prescritas no artigo 109.° do RJUE - cf. parecer, a fls. 77 do processo administrativo;
17. O referido parecer mereceu a concordância do Sr. Vereador Dr. D... em 23.02.2017 - cf. despacho, a fls. 77 do processo administrativo;
18. Em 9.03.2017, os serviços da Câmara Municipal (...) elaboraram informação a propor que o Presidente da Câmara Municipal profira decisão final a ordenar a cessação de utilização das edificações/instalações agrícolas, a notificação da proprietária para apresentar os projetos da especialidade, tendo em vista a reposição da legalidade urbanística, sob pena de ser ordenado despejo administrativo, da qual se extrai o seguinte:
"Enquadramento Factual
Por informação da Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento (DUP), Eng.§ M..., datada de 17/2/2017, resulta que a titular do processo de obras identificado em epígrafe, M..., não deu cumprimento ao teor do despacho do Sr. D…, de 2/12/2016, por não ter procedido, no prazo estabelecido de 30 dias, à "apresentação dos projetos de especialidades aplicáveis e peças desenhadas retificadas em consonância com as condições impostas na aprovação, com vista à urgente necessidade de reposição da legalidade urbanística”.
Por este motivo, a que acresce "(...) todo o historial do processo; o «continuum» de reclamações; os sucessivos incumprimentos da titular do processo; a ordem de cessação de utilização, emanada por despacho de 27/05/2014; a ordem de cessação de utilização, emanada por despacho de 31/08/2016 e a ausência de autorização de utilização emitida pela Câmara Municipal", conclui a Chefe da DUP que, "(...) o processo seja remetido para o DAJF, para controlo da cessação de utilização e eventual adoção das medidas prescritas no artigo 109.° do RJUE.”.
Consultado o histórico do processo, constatou-se que, por despacho datado de 31/8/2016, o Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal determinou a concessão do prazo de 15 dias úteis, ao abrigo do artigo 121.° do Código de Procedimento Administrativo para que a proprietária do prédio se pronunciasse, por escrito, sobre o sentido da decisão: cessação da utilização das edificações/instalações agrícolas constatado o seu incumprimento, despejo administrativo e participação ao Ministério Público por crime de desobediência, punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.
O referido despacho foi notificado à proprietária por ofício com a referência 8808/DAJF, datado de 1/9/2016.
Conforme se infere da informação técnica da DUP, de 29/9/2016, a titular do processo de obras, em 21/9/2016, veio requerer a revogação do despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal, atrás citado, com base nos documentos juntos ao processo em 17/8/2016. No entanto, resulta da mesma informação que os referidos documentos deram cumprimento, apenas, a parte do despacho datado de 31/8/2016, razão pela qual foi proposto comunicar à titular do processo a manutenção da ordem de cessação de utilização das edificações não licenciadas, erigidas no prédio.
Esta informação técnica mereceu parecer de concordância da Chefe de Divisão da DUP, em 30/9/2016, e despacho do Sr. Vereador D..., datado de 4/10/2016, com o seguinte teor "Concordo, mantendo o meu despacho de 31/8/2016."
Nesta conformidade, foi a proprietária notificada por oficio n.° 9835, de 10/10/2016, da manutenção do despacho datado de 31/8/2016, no sentido de cessação de utilização das instalações.
Enquadramento Legal
Nos termos do disposto no artigo 102.°, n.° 1 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação atual, “Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas: a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;”.
Consultado o processo de obras, constatou-se que, embora a proprietária tenha apresentado, em 14/1/2016, um pedido de licenciamento (legalização) de obras de ampliação de coberto (parque de recria - vacaria), o referido pedido não foi, ainda, deferido, tendo em conta o sucessivo desrespeito pelo cumprimento dos prazos concedidos pela DUP, para retificação do projeto de legalização e para apresentação dos respetivos documentos. Apesar disso, sempre se diga, que, conforme resulta da informação técnica de 29/11/2016, foi proposta "(...) a aprovação do projeto de arquitetura de obras de demolição, reabilitação e ampliação de exploração pecuária de bovinos para produção de leite em regime intensivo (legalização)", condicionada ao cumprimento das condições ali melhor descritas (...)", e concedido prazo para a requerente apresentar os respetivos projetos das especialidades, que esta não cumpriu, conforme supra melhor se indicou.
No decurso da análise efetuada ao processo de obras, suscitaram-se dúvidas relativamente ao facto de todas as edificações, não licenciadas, existentes no prédio de que a requerente é proprietária estarem ou não abrangidas no projeto de legalização agora em apreço. Neste sentido, questionou-se o técnico responsável pelo referido processo, que nos informou que todas as edificações não licenciadas estão efetivamente abrangidas no projeto de legalização apresentado.
No entanto, e porque as instalações agrícolas em causa se encontram a funcionar sem que para o efeito tenha sido, ainda, obtida a autorização de utilização, entendeu-se que, à luz do elenco de medidas previstas no n.° 2 da disposição legal atrás indicada, aquela que melhor se adequava à situação "sub judice" era a na sua alínea g), que consiste "Na determinação da cessação da utilização de edifícios ou suas frações autónomas."
Ora, estipula o artigo 109.°, n.° 1 do RJUE que "(...) o presidente da câmara municipal é competente para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização de edifícios ou de suas frações autónomas quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização (...)", prevendo o n.° 2 do mesmo artigo que: "Quando os ocupantes dos edifícios ou suas frações não cessem a utilização indevida no prazo fixado, pode a câmara municipal determinar o despejo administrativo, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 92.°”.
Nesta conformidade, para a adoção daquela medida de tutela da legalidade urbanística, proferiu o Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal, em 31/8/2016, o despacho supra transcrito.
Concedido prazo para audiência dos interessados, ao abrigo do disposto no artigo 121.° do Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o Código de Procedimento Administrativo (CPA), e tendo-se verificado que a proprietária se pronunciou, competia ao Sr. Presidente da Câmara Municipal decidir sobre a manutenção ou não do despacho por ele proferido em 31/8/2016, o que, todavia, não se verificou. Com efeito, a notificação que a este propósito foi dirigida à proprietária, em 10/10/2016, fundou-se, exclusivamente, e como atrás melhor se evidenciou, no parecer de concordância da Chefe de Divisão da DUP e no despacho de anuência do Sr. Vereador D....
Assim sendo, entendemos, pois, que o ato está ferido de invalidade, na medida em que não foi proferido despacho pelo Sr. Presidente, a quem cabe a competência para este efeito, nos termos atrás descritos. Mais se esclarece que as medidas de tutela da legalidade administrativa, entre as quais se conta a cessação da utilização, correspondem a atos administrativos que produzem efeitos jurídicos em situações individuais e concretas estando, por isso, sujeitas a formalidades legais que carecem de ser observadas para o que o ato seja válido e eficaz. A este propósito, chama-se, pois, à colação o artigo 151.° do CPA, sob a epígrafe "menções obrigatórias", que estipula o seguinte:
"1 - Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato:
a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes quando exista;
b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;
c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) A fundamentação, quando exigível;
e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana."
Ora, como supra se evidenciou, o ato administrativo aqui em causa não foi, desde logo, praticado pela autoridade com competência para o efeito, no caso e como já se teve oportunidade de referir, o Sr. Presidente da Câmara Municipal.
Para além disso, também no que respeita à fundamentação consideramos que o ato administrativo padece de vícios. Isto porque, pese embora o artigo 153°, n.° 1 do CPA referir que "A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.", não se pode olvidar que o ato administrativo em causa impõe um encargo à sua destinatária - traduzido no facto de não poder utilizar as instalações agrícolas de que é proprietária -, o que justifica, na nossa opinião, que as disposições legais aplicáveis e a respetiva fundamentação sejam enunciadas de forma clara, expressa e coerente, com vista que o sentido, alcance e efeitos jurídicos do ato sejam inequívocos.
Por esta razão, propomos que o Exmo. Sr. Presidente da Câmara profira decisão final a ordenar a cessação da utilização das edificações/instalações agrícolas a funcionar ilegalmente no prédio sito na Rua (…), no prazo de 20 dias, sob pena da prática de crime de desobediência, por força dos artigos 100.°, n.° 1 do RJUE e 348.°, n. ° 1, a) do Código Penal.
A merecer acolhimento o que atrás se expôs, entendemos, ainda, que deve ser remetida nova notificação à proprietária, dando-lhe conhecimento do teor da decisão final do Sr. Presidente e instando-a a apresentar, no mesmo prazo, improrrogável, os projetos de especialidades, tendo em vista a reposição da legalidade urbanística, no que respeita à regularização das construções edificadas no terreno sem licença.
Adverte-se, ainda, para a necessidade de fazer constar da referida notificação a menção a que, caso a ordem de cessação de utilização não seja cumprida voluntariamente, no prazo fixado de 20 dias, a Câmara Municipal poderá ordenar, mediante deliberação tomada para o efeito, o despejo administrativo do imóvel, aplicando-se o disposto no artigo 92.° do RJUE, com as necessárias adaptações, por remissão do artigo 109.°, n.° 2 do RJUE.
Tendo em conta o histórico do processo, caraterizado pela apresentação de sucessivas reclamações e pela morosidade na adoção, por parte da sua titular, das diligências requeridas pela DUP, com vista à reposição da legalidade urbanística, alertamos, por isso, para a necessidade de o processo ser objeto de célere apreciação pelos serviços, caso a requerente venha, no prazo concedido para o efeito, apresentar os projetos de especialidades em falta.
Conclusões
1. Face ao exposto, propomos que o Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal profira decisão final a ordenar, a M..., a cessação da utilização das edificações/instalações agrícolas a funcionar ilegalmente no prédio sito na Rua de Vilar, em Válega, de que é proprietária, no prazo de 20 dias úteis, nos termos do preceituado no artigo 109.°, n.° 1 do RJUE, sob pena da prática de crime de desobediência, por força dos artigos 100.°, n.° 1 do RJUE e 348.°, n.° 1, a) do Código Penal.
2. Mais se propõe que, no mesmo prazo, improrrogável, a proprietária seja notificada para apresentar os projetos de especialidades, tendo em vista a reposição da legalidade urbanística;
3. Propõe-se, também, que da referida notificação conste, ainda, a menção a que, caso a ordem referida no ponto 1. não seja cumprida voluntariamente, no prazo fixado de 20 dias, a Câmara Municipal poderá ordenar, mediante deliberação tomada para o efeito, o despejo administrativo do imóvel, aplicando-se o disposto no artigo 92.° do RJUE, com as necessárias adaptações, em virtude da remissão decorrente do 109.°, n.° 2 do RJUE, sem prejuízo de se proceder à participação criminal pela de desobediência, nos termos dos artigos 100.° do RJUE e 348.°, n.° 1, a) do Código Penal.
É tudo quanto me cumpre, de momento, informar sobre o solicitado.”
- informação, a fls. 26 e segs. do processo administrativo;
19. Em 14.03.2017, o Vice-Presidente da Câmara Municipal (...), em substituição do Presidente da Câmara, proferiu despacho, assinado e exarado na informação referida no ponto anterior, a ordenar a cessação de utilização das edificações/instalações, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cf. despacho e ofício, a fls. 26 e 21 do processo administrativo, respetivamente;
20. A Autora foi notificada do teor do despacho em 6.04.2017 - cf. ofício e AR, a fls. 21 a 25 do processo administrativo;
21. Em 9.05.2017, a Autora apresentou junto da Segurança Social pedido de nomeação de patrono;
22. Em 28.09.2017, a Autora deu entrada neste tribunal da presente petição inicial.
*
III.2 - DO DIREITO

A questão decidenda, como se sabe, é a de determinar se a sentença recorrida, ao não conferir eficácia invalidante ao detetado vício de preterição de audiência prévia de interessados com base no princípio de aproveitamento do atos administrativos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nº.1 do artigo 100º do CPA.

Vejamos, convocando, desde já, a ponderação de direito que, neste particular conspecto, se discorreu na 1ª instância:“(…)
Dos vícios do ato:
É pretensão formulada pela Autora nos presentes autos a anulação do despacho do Presidente da Câmara Municipal (...), de 14.03.2017, que ordenou a cessação de utilização das edificações/instalações sitas no prédio da Rua (…), distrito de Aveiro.
Da violação do direito de audiência prévia:
A Autora começa por imputar ao ato impugnado o vício de violação do direito de audição prévia, porquanto não foram ponderadas as questões suscitadas em sede de exercício do direito de audiência prévia.
Por sua vez, o Demandado sustenta que o exercício do direito de audiência prévia foi assegurado com a notificação da Autora para se pronunciar antes da decisão final.
Sob a epígrafe “Direito de audiência prévia”, o art.° 121 do CPA, estabelece que “Sem prejuízo do disposto no artigo 124.°, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” (n.° 1), sendo que “No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos" (n.° 2).
Está aqui em questão o princípio da audiência que se assume como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se refere no art.° 12° do mesmo Código e surge na sequência e em cumprimento da diretriz constitucional inserta nos n.°s 1 e 5, do art.° 267° da CRP.
O referido imperativo visa, assim, permitir que os interessados participem e influenciem a formação da vontade da Administração, protegendo-os de decisões que contrariem a lei e ofendam os seus direitos.
Resulta do probatório que o Demandado notificou a Autora do teor do despacho de 31.08.2016, que determinou a intenção de ordenar a cessação da utilização das edificações/instalações em questão, com a menção expressa de que a Autora teria o prazo de 15 dias para se pronunciar, querendo. Por outro lado, resulta ainda da referida factualidade que a Autora apresentou a sua defesa, alegando que havia juntado em data anterior os elementos em falta para a apreciação do pedido de licenciamento.
No entanto, não obstante tenha sido decidido manter a ordem de cessação de utilização por despacho de 4.10.2016, com fundamento no entendimento de que os elementos juntos pela Autora não deram satisfação integral ao solicitado por notificação de 25.05.2016, contendente com a retificação do projeto apresentado, a verdade é que, posteriormente, por despacho de 2.12.2016, foi aprovado, sob condição, o pedido de licenciamento apresentado, pelo que foi a Autora notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar os projetos das especialidades e peças desenhadas retificadas com as condições impostas na aprovação.
Assim, revela-se inequívoco que não foi dada à Autora a oportunidade de se pronunciar, no exercício do direito de audiência prévia, com fornecimento de todos os elementos para o efeito.
É que resulta do disposto no n.° 1 do art.° 121° do CPA que o momento em que deve ser conferido ao interessado o direito a ser ouvido no procedimento é aquele que antecede a tomada da decisão final, determinação essa que pretende garantir que o exercício desse direito ocorre quando já foram levadas a cabo todas as diligências instrutórias e carreados para o procedimento todos os elementos que importam à decisão final.
Pois que apenas com todos os elementos de facto carreados para o procedimento e que constituirão a fundamentação de facto da decisão final é que o interessado se encontra habilitado a emitir pronúncia efetiva sobre qual deve, no seu entender, ser o sentido da decisão final.
No entanto, no caso dos autos, entre o momento em que foi concedida a oportunidade à Autora se pronunciar sobre a intenção de determinar a ordem de cessação da utilização das construções em questão e a decisão final foram levados factos ao procedimento - que também constituíram os fundamentos de facto da decisão final - relativamente aos quais a Autora não se pôde pronunciar.
Pelo que, não tendo sido conferida a possibilidade à Autora para se pronunciar sobre os fundamentos da ordenar a cessação da utilização antes de concluídas as diligências instrutórias, mostra-se incumprida a determinação ínsita no art.° 121, n.° 1, do CPA.
Atento ao que vem alegado pela Autora, importa notar que a eventual falta de ponderação das questões suscitadas no exercício do direito de audiência prévia, dos elementos novos aí aduzidos, não contende com o presente vício, mas sim com o vício de falta de fundamentação, uma vez que é no âmbito do cumprimento desta formalidade que se impõe ao órgão decisor que os mencione e aprecie.
Nestes termos, o Tribunal julga verificado o vício em questão.
(…)
Por fim, importa relembrar que nesta decisão foi julgado procedente o vício de violação do direito de audiência prévia, por a Autora não ter sido notificada para se pronunciar sobre a intenção de determinar a cessação de utilização das instalações em causa no momento devido.
Mas é caso para questionar qual a utilidade de se obrigar o Demandado a repetir o procedimento administrativo, com o cumprimento da formalidade de audiência prévia à ora Autora, quando, na verdade, o sentido da nova decisão final não pode deixar de ser igual ao daquela que se sindica na presente ação. Melhor explicando, mesmo que o Demandado venha a expurgar o ato administrativo do vício que anteriormente o contaminou, a decisão final não pode deixar de ser a mesma, isto é, a de ordenar a cessação de utilização do edificado.
O CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7.01, consagra, na al. a) do n.° 5 do art.° 163°, o princípio do aproveitamento do ato, ao determinar que não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado.
Ora, como acima assinalado, o Demandado atuou no exercício de poderes vinculados, pelo que não deve ser compelido a tomar atos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, sendo de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos atos administrativos e, em consequência, manter na ordem jurídica o ato impugnado tal como proferido.
Em resumo, a presente ação improcede totalmente, sendo de manter o despacho impugnado na ordem jurídica e de absolver o Demandado dos pedidos (…)”.

Sintetizando a motivação que se vem ora de transcrever, dir-se-á, para o que ora nos interessa, que a recusa de concessão de eficácia invalidante ao detetado vício de preterição de audiência prévia de interessados mostra-se estribado no entendimento de que a violação cometida não teve qualquer espécie de influência no resultado decisório, que seria sempre o mesmo se o vício procedimental detetado não tivesse ocorrido, já que o Réu atuou no exercício de poderes vinculados.
A Recorrente discorda do assim decidido, impetrando-lhe erro de julgamento de direito, por violação do nº.1 do artigo 100º do CPA.
Não obstante as suas doutas alegações, falece-lhe, porém, razão.
De facto, refira-se que a normação invocada é desconforme da alegação da Recorrente, que se prende antes com o conteúdo do disposto no artigo 163º do CPA, relativo ao aproveitamento do ato.
Em todo o caso, refira-se que, tal como constitui entendimento jurisprudencial uniforme, o Tribunal pode recusar efeito invalidante à omissão da audiência prévia de interessados se se puder, num juízo de prognose póstuma, concluir, com total segurança, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível [cfr., entre outros, Acs. STA de 02.06.2004 (Pleno) - Proc. n.º 01591/03, de 23.05.2006 (Pleno) - Proc. n.º 01618/02, de 11.10.2007 - Proc. n.º 0274/07, de 10.09.2008 - Proc. n.º 065/08, 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. TCA Norte de 05.03.2009 - Proc. n.º 00115/06.1BEVIS in: «www.dgsi.pt/jtcn»].
Afirmou-se, a tal propósito, no Acórdão [do Pleno] do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.05.2006, no processo n.º 1618/02: «Por isso, só se admite que o tribunal administrativo deixe de decretar a anulação do ato que não deu prévio cumprimento ao dever de audiência, aproveitando-o, quando ele, de tão impregnado de vinculação legal, não consente nenhuma outra solução (de facto e de direito) a não ser a que foi consagrada, isto é, quando esta se imponha com caráter de absoluta inevitabilidade: um tipo legal que deixe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei ou na fixação dos pressupostos de facto, tudo são circunstâncias que comprometem o aproveitamento do ato pelo tribunal» …”.

E no acórdão do mesmo Colendo Tribunal de 11.02.2003, no processo n.º 044433 sustentou-se igualmente que “(…) há que não esquecer que os vícios de forma e de procedimento, como é o caso da violação do art. 100.º, dado a natureza instrumental das formalidades legais preteridas, ainda que essenciais, só relevarão como invalidantes do ato, se o objetivo que com tais formalidades se visava atingir não foi alcançado. Se, não obstante o foi, então a formalidade omitida degrada-se em não essencial, já que absolutamente irrelevante para a definição da situação jurídica que o ato consubstancia. Sendo a audiência prévia uma formalidade legal, meramente instrumental, a sua omissão não conduz à anulação do ato se, à luz dos preceitos materiais, em nada podia interferir no seu conteúdo substancial, ou seja, se outra não pudesse ter sido a decisão concretamente tomada (…).”

Assim, para se entendesse ser aplicável em situações como a dos autos o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, teria o Tribunal de concluir com toda a segurança que o cumprimento da formalidade que se preteriu em nada alteraria o sentido da decisão censurada nos presentes autos.
No caso dos autos, essa demonstração foi operada com base no facto do ato impugnado assumir natureza estritamente vinculada.
Neste domínio, saliente-se que a lei não regula sempre do mesmo modo os atos a praticar pela Administração Pública, isto porque, se por vezes a regulamentação legal da atividade administrativa é precisa, outras vezes mostra-se imprecisa, não associando à situação jurídica por si definida uma única consequência jurídica, habilitando a administração a determinar essa consequência.
Com esta diferenciação referimo-nos à distinção entre ato vinculado e ato discricionário.
Entende-se que a "discricionariedade" se define como "uma liberdade de decisão que a lei confere à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha de entre várias soluções possíveis aquela que lhe parecer mais adequada ao interesse público", ou, de forma mais sucinta, a “discricionariedade” será a liberdade conferida à Administração de decidir no quadro das limitações fixadas por lei.” [cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte de 6.06.2007, rec. 00643/01].
Ora, na matéria em questão não existe lugar a qualquer discricionariedade.
De facto, a cessação de utilização edificações/instalações agrícolas em causa foi decidida ao abrigo do artigo 109º nº 1 do RJEU, para o que foi concedido à autora o prazo de 20 dias.
O que foi determinado pelo despacho de 14.03.2017.
A ordem de cessação da utilização das edificações/instalações agrícolas assentou no pressuposto fáctico que as mesmas se encontravam a ser utilizadas sem a respetiva habilitação legal [autorização de utilização].
Nos termos do artigo 109º do RJUE, a cessação da utilização de edifícios [ou de suas frações autónomas] deve ser ordenada quando os mesmos “(…) sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará (…)”, devendo ser fixado prazo para o efeito.
No quadro em apreço, resulta cristalino que a Administração não goza de qualquer margem concreta de liberdade na prática do ato, atendendo à especificidade da normação invocada.
Pelo que assoma como evidente que o acto impugnado, ao ordenar a cessação da utilização das edificações/instalações agrícolas em causa, limitou-se a exercer os poderes vinculados que daquele artigo 109º resultavam.
Donde se conclui que a eventual repetição do ato levaria à prolação da ato de teor idêntico, o que, manifestamente, constituiria um ato inútil, já que a realidade material sempre permaneceria inalterada.
E se assim é, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato impugnado nos autos com base no evidenciado vício de forma, por preterição de audiência prévia de interessados.
Pelo que não se pode deixar de concluir que andou bem o MMº Juiz a quo julgar em conformidade com o se vem supra de expor.
Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, o que determina, nos termos do art. 636º, nº 2, do NCPC, a prejudicialidade do objecto da ampliação do recurso.

Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá no dispositivo.
* *

IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga nos autos.
* *
Porto, 25 de março de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia