Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00329/05.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:IRC; MÉTODOS INDIRETOS; IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DIRETA E EXATA; FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

II - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indiretos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.

III - Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos diretos, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmo. Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 28.02.2014, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial que R., Lda., deduziu contra as liquidações de IRC dos anos de 2001, 2002 e 2003, cuja matéria coletável foi apurada através de métodos indiretos.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
A-) Ao remeter-se, na factualidade dada como provada, para o relatório de inspecção tributária (que ali se dá por reproduzido), com destaque para o Grupo IV do mesmo, aí expressamente transcrito, e do relatório constando a factualidade suficiente à especificação, motivação, e percurso cognoscitivo e valorativo conducente ao juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, e atenta a dimensão e relevância da mesma, a douta sentença recorrida faz Errónea interpretação dos factos constantes do relatório e concomitante e indissociável Errónea Valoração da factualidade dada como Provada ao concluir, com base nos preditos factos, em sentido contrário
B-) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida faz Errónea interpretação dos factos constantes do relatório e concomitante e indissociável Errónea Valoração da factualidade dada como Provada, já que a AT procurou demonstrar, e demonstrou com base no relatório de inspecção tributária da verificação dos pressupostos legais vinculativos da actuação da AT (aplicação de métodos indiciários), enunciando a fundamentação formal e material, de facto e de direito, para o efeito, e, designadamente, atenta a falha imputada à AT pela douta sentença recorrida, a especificação, a motivação, e o percurso cognoscitivo e valorativo conducente ao juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, que não apenas dos erros/irregularidades contabilísticos
C-) Também Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito face à inconsideração, na fundamentação de facto e de direito da douta sentença em crise, de factualidade susceptível de suportar o juízo de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável
D-) Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito que se traduz, no caso dos autos, pelo julgamento errado feito pelo Tribunal a quo quando, de um total de 12 erros contabilísticos confirmados em sede inspectiva e devidamente descritos e fundamentados no RIT, omite 4 deles os referidos no art. 30º supra, não se pronunciando, nem analisando os mesmos, quando estes se revelam determinantes para o Julgamento em causa
E-) Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito também, pelo julgamento errado feito pelo Tribunal a quo quando, dos 12 erros contabilísticos avalia cada um isoladamente, não os considerando em conjunto, já que uma coisa é avaliar os erros isoladamente, o que desmerece o conjunto, outra é sopesá-los no todo, para então, na unidade de pensamento daí decorrente fazer a avaliação final, por representarem uma relevância e contributo diferente no juízo final a fazer
F-) Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito porquanto, a fundamentação de direito da douta sentença preocupa-se apenas em desmontar os erros contabilísticos apontados pela AT, mas esquece se aqueles erros, se restringem a isso mesmo, sem mais, ou se vão mais além, omitindo a avaliação quanto aos aspectos reveladores de um juízo de insustentabilidade de idoneidade e credibilidade da escrita contabilística da recorrido, designadamente quanto aos factos referidos nos arts. 22º, 24º, 25º, 27º, e 34º a 38º supra,
G-) Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito, especificamente quanto aos factos referidos nos arts. 19º e 39º supra por desconsiderar da obrigatoriedade de inventariação das existências nas contas 35 e 36, no Inventário do Imobilizado da empresa/recorrida, e quanto aos arts. 25º, 34º a 36º quanto à omissão de registo de compras, por desconsiderar da razão da falta de facturação- realização de trabalhos e prestação de serviços estranhos ao objecto social da empresa
51º
H-) Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito por último, pela desconsideração absoluta da informação confessada pelo recorrido, em sede do exercício do direito de audição, nos termos do art. 60º do RCPIT, e citamos "...concordámos em fazer outros trabalhos de construção civil e aplicação de materiais que fogem ao nosso negócio, a pedido de alguns clientes. Em alguns casos até não chegou a haver coincidência com os trabalhos e materiais facturados e os efectivamente fornecidos. "-cfr. doc. 1 - fls. 43 do processo de inspecção (nº1 al. d) da exposição corporizadora do exercício do direito de audição)
E ainda "...houve situações, nomeadamente ao abrigo do PROCOM que, por imposição dos respectivos clientes, mencionamos bens e serviços diferentes dos fornecidos na realidade." - cfr.doc. 1-fls. 44, 45 do processo de inspecção (nº 1 al. k) da exposição corporizadora do exercício do direito de audição)
Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, deve:
Conceder-se provimento ao presente recurso, e a Douta sentença recorrida ser revogada,
Ser julgado válido, regular e legal, a aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável em sede de IRC referente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003
E, bem assim, as correspectivas liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios devidamente notificadas ao sujeito passivo/Recorrido
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA

1.3. O Recorrido formulou as respetivas contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:

1ª: O Recorrido/Impugnante havia já apontado a falta de fundamentos ou motivos para a FP lançar mão dos métodos de avaliação indirecta.
2ª: Em sua modesta opinião, não merece qualquer censura a fundamentação de facto e de direito expendida na douta sentença.
3ª: A FP não logrou provar que as alegadas anomalias e incorrecções da contabilidade do Recorrido impediam ou inviabilizavam o apuramento da matéria tributável por quantificação directa e que o recurso aos métodos indirectos era a única forma de a determinar.
4ª: Fê-lo separadamente e, para cada um deles apresentou fundamento bastante para desconsiderar a existência da irregularidade e/ou erro, ou;
5ª: Para concluir que, existindo, não afecta os demais exercícios (2002 e 2003) e não legitima – porque irrelevante - de forma alguma, o recurso aos métodos indiretos.
6ª: Mais; como se diz na douta sentença e a FP escamoteia: “alguns dos fundamentos invocados pela Administração Tributária não contendem com a empresa em análise ou com a forma como a contabilidade está organizada, antes corporizam meras opiniões sobre questões de gestão que não só não legitimam o recurso a métodos indiretos como são exteriores ao âmbito de competências da Administração Tributária.”
7ª: Não se olvide a última e correcta conclusão extraída na douta sentença referente à impugnação do IVA no Proc. n.º 331/05.3 BEMDL também do TAF de Mirandela: que não é, de todo, irrelevante ou indiferente, apesar de a Recorrente a ela não fazer menção nas suas alegações.
8ª: A AT fixou o lucro tributável em factos que não ocorreram o que tem como consequência a errada quantificação dos rendimentos do impugnante que se reflectiram no IVA a liquidar.
9ª: O que se provou é diferente daquilo que a AT considerou no Relatório para proceder à liquidação oficiosa através da aplicação de métodos indirectos.
10ª: Nomeadamente, foi dado como provado que o Impugnante não realizou nos anos em causa obras de carácter plurianual; exercendo a actividade de comércio de materiais de construção/prestação de serviços de construção civil, CAE – 52463, só esporadicamente vende materiais com aplicação e, atendendo às características dos mesmos, são de rápida e fácil colocação; no final do ano o Impugnante encerra o estabelecimento não deixando qualquer “obra” a meio; não é proprietário de veículos pesados; tem ao seu serviço três viaturas todo o terreno; tem veículos de transporte de mercadorias que estão ao seu serviço há mais de seis anos; e no exercício de 2003 apenas uma viatura foi amortizada e pela última vez, já que as restantes haviam sido amortizadas em anos anteriores.
11ª: Assim, existe erro nos pressupostos de facto, porque o órgão administrativo se enganou quanto aos factos com base nos quais praticou o acto administrativo.
12ª: Ora, os dois processos, apesar de fisicamente distintos, estão intimamente relacionados, sendo conexos porque, este é consequência do outro.
13ª: Dito de outro modo; se inexiste fundamento para liquidar IVA à recorrida, o mesmo vale, mutatis mutandis e por consequência, quanto à liquidação de IRC.
NESTES TERMOS e nos melhores em direito aplicáveis que V.ª Ex.ª se dignará suprir, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado e, em consequência, mantida a douta sentença recorrida que anulou as liquidações impugnadas
Com o que se fará a costumada
JUSTIÇA!”

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe vêm imputados.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
III.1 – Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1) Nos exercícios em apreço (2001 a 2003) a impugnante dedicava-se à venda de materiais de construção específicos, essencialmente de isolamento e tetos falsos;
2) A impugnante também aplicava os materiais vendidos, sendo que neste caso a impugnante emitida uma única fatura ao cliente na qual constava um único valor global que o cliente pagava pelos materiais e pela respetiva aplicação;
3) As obras efetuadas pela impugnante são relativamente pequenas, começando e terminando normalmente no mesmo ano;
4) Nos exercícios em análise a impugnante tinha três jipes e 4 veículos comerciais;
5) Nos exercícios em análise a impugnante empregava 8 trabalhadores: 1 afeto ao balcão, dois afetos ao armazém, 1 afeto ao escritório e 4 afetos à realização de obras;
6) A impugnante foi alvo de fiscalização tributária, na sequência da qual foram efetuadas correções à matéria tributável declarada, com recurso à aplicação de métodos indiretos (fls. 12 e ss. do P.A.);
7) Foi elaborado relatório de inspeção tributária, datado de 06.10.2004, do qual resulta, entre o mais, o seguinte (fls. 12 e ss. do P.A.):
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
1 - A contabilidade evidencia os seguintes valores:
(Imagem no original da sentença)
Analisando os valores deste quadro, verificam-se distorções gritantes entre as margens evidenciadas, sofrendo aumentos absurdos em 2002 e 2003, quando o normal seria o inverso na linha do aumento das vendas e da diminuição dos Serviços Prestados.
2 - Da análise efectuada à contabilidade e aos elementos que a consubstanciam, verificaram-se as seguintes situações:
a) - A empresa encontra-se registada pelo exercício da actividade de comércio de materiais de construção, no entanto, realiza também empreitadas de construção civil, CAE - 45430, sendo até este sector predominante, como à frente se comprovará.
b) - A contabilidade regista as operações activas (vendas + prestações de serviços) na conta 71 - Vendas de Mercadorias, o que induz em erro quanto ao exercício efectivo da actividade, principalmente ao nível das margens, assim como não procede à separação das compras de mercadorias das de matérias primas, colidindo com as determinações emanadas pelo n.º 3 do art.º 17.º e art.º 115.º, ambos do CIRC.
c) - Trata-se de empresa prestadora de serviços de construção civil, que realizou obras de carácter plurianual, como se comprova com emissão de facturas de valor elevado em Janeiro de 2001 e que foram iniciadas no ano de 2000 (anexo 1).
d) - Contudo em consequência do referido na alínea anterior, a empresa não determinou os resultados de acordo com o art.º 19.º do CIRC, nem quantificou a variação da produção ao não proceder à contabilização dos trabalhos em curso e dos produtos acabados.
e) - Embora solicitados, não nos foram facultados inventários de trabalhos em curso ou de produtos acabados nos anos objecto de análise, referindo não os possuírem.
f) - As existências em 31 de Dezembro de 2002 sofrem um aumento abrupto em relação ao ano anterior de 55 666,00 € para 143 060,40 €, ou seja, de 257% sem qualquer justificação plausível, já que colide com a diminuição também importante das compras e do volume de negócios de 2002, em 44%.
Em 31 de Dezembro de 2003 as existências finais são novamente aumentadas de 143 060,40 € para 231 688,10 €, igualmente em contradição com o decréscimo das compras e do volume de negócios.
Estas situações, ou seja, aumento superior a quatro vezes dos stocks em apenas 2 anos, diminuindo as compras e as vendas no mesmo período para menos de metade são incompreensíveis e injustificáveis, indiciando de forma clara que os valores inventariados e contabilizados não têm aderência à realidade.
g) - Na linha do aumento dos stocks, a empresa vem contabilizando suprimentos, cujo saldo em 31 de Dezembro de 2003 se situava em 174 751,79 €, parecendo-nos não ter outra justificação, que não seja manter devedor o saldo de caixa, em detrimento de vendas, já que não foram realizados quaisquer investimentos nos últimos anos e o valor das compras vem diminuindo acentuadamente.
h) - Relacionado com a alínea anterior conferiu-se o extracto da conta de suprimentos, verificando-se na sua movimentação as seguintes anomalias:
- O depósito no valor de 13 090 254$00 “65 293,91 € “efectuado em 2001.02.23, respeita ao recebimento da factura N.º 1 de 2001.01.18 (anexo 2) do cliente: I., SA, com sede na Avenida (…), cheque n.º 0949362739 da C.G.D. Lisboa no valor de 13 000 000$00 referente a prestação de serviços de construção civil, e do depósito de 90 254$00 de proveniência não identificada, cheque n.º 0810440414 do B.T.A., conforme talão de depósito (anexo 3).
Trata-se efectivamente de movimentação da conta de suprimentos, através da utilização de meios da empresa e não dos sócios, configurando erro contabilístico, que reforça a ideia referida na alínea g).
i) - Os dois sócios são detentores da totalidade do capital da empresa “B., Lda.“, que em 2003.12.31 mantinha um saldo de empréstimo dos sócios “suprimentos” de 813 517,13 €, sem que se possa confirmar a origem de meios de valor tão elevado, que acrescem ao valor referido de 174 751,79 €.
j) Estranha-se o peso que as viaturas ligeiras de passageiros têm no imobilizado, sendo constituído por quatro viaturas todo terreno jeeps, com o valor de aquisição de 100 737,99 €, sem que a empresa tivesse libertado meios para investimento que em nada se relaciona com a actividade desenvolvida, já que para o exercício da actividade exercida possui ainda três viaturas de caixa aberta “Toyota Dyna” e um veículo ligeiro “Citroen”.
Representa 83% o peso das viaturas ligeiras e pesadas no total das compras totais do imobilizado da empresa, o que, não se tratando de empresa cuja actividade seja relacionada com transportes, se torna inexplicável.
l) - Na empresa referida na alínea i), possui mais 2 viaturas ligeiras de passageiros, concretamente dois BMW adquiridos em 1999 pela importância de 16 200 000$00, o que perfaz o total de 7 viaturas ligeiras de passageiros.
m) - Através da análise efectuada à factura n.º 49 de 2001.09.17, no valor de 16 404 000$00, emitida ao cliente - Armazéns G., com sede na Rua (…) (anexo 4), verificou-se entre vários serviços, incluídos num projecto de investimento “PROCOM”, a colocação de 2 aparelhos de ar condicionado no valor de 4 012 000$00 e de um detector de incêndios no valor de 450 000$00, acrescidos de IVA à taxa normal. Tratando-se de bens alheios ao exercício da actividade, solicitaram-se as facturas de compra destes bens ou a sua subcontratação, tendo-nos sido referido não as possuírem, nem terem sido objecto de contabilização.
n) - A mesma situação quanto ao fornecimento e aplicação de aparelho de ar condicionado à CEPSA Portuguesa Petróleos, SA, factura n.º 26 de 21 de Maio de 2001 (anexo 5).
o) - Emitida a factura de prestação de serviços N.º 47 de 11.09.01 ao cliente J., no valor líquido de 20 250 000$00 acrescida de IVA no valor de 3 442 500$00 (anexo 6), relativamente a esta factura refere-se o seguinte:
- Alguns dos serviços facturados, traduzidos em obras de serralharia, carpintaria, vidraria e mobiliário não se relacionam nem se identificam com a actividade exercida. No documento de descrição e justificação do investimento efectuado no âmbito do Procom (anexo 7), são identificadas as empresas fornecedoras desses bens e serviços através da emissão de facturas proforma, por sua vez a contabilidade não evidencia subcontratos relacionados com esses serviços.
3- O conjunto das situações referidas no ponto anterior põem a nu a fragilidade das demonstrações contabilísticas evidenciadas, rodeadas de contornos pouco claros que indiciam de forma determinante e irrefutável que a contabilidade não reflecte a verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos, o que inviabiliza a tributação directa e obriga à utilização de métodos indirectos de tributação o mais próximos possível da realidade empresarial, de harmonia com o art.°s: 87.º a 90.º da Lei Geral Tributária relativamente aos anos de 2001, 2002 e 2003.
V — Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos
1 - Tendo por base o Rácio Nacional para o sector comercial, CAE-52 463, (anexo 8) utilizando a margem média de 21,3%, é possível proceder à separação das compras para venda, das compras afectadas à prestação de serviços
ANO DE 2001:
- Compras Totais 325 157,21 €
- Margem das vendas 21.3%
Compras afectas às vendas - 126 898,53: 1.213 = 104 615,44
325 157,21 - 104 615,44 = 220 541,78 €
Compras afectas às Prestações de Serviços Ano 2001: 220 541,78 €
ANO DE 2002
- Compras Totais 254 031,83 €
- Margem das vendas 21.3%
Compras afectas às vendas - 148 503,45: 1.213 = 122 426,59 €
254 031,83 - 122 426,59 = 131 605,24 €
Compras afectas às Prestações de Serviços Ano 2002 - 131 605,24 €
ANO DE 2003:
- Compras Totais 215 920,03 €
- Margem das vendas 21.3%
Compras afectas às vendas - 198 798,50 : 1.213 = 164 714,34
215 920,03 - 164 714,34 = 51 205,69 €
Compras afectas às Prestações de Serviços Ano 2003 - 51 205,69 €

2 - A empresa contabilizou custos com pessoal mais subcontratos nos valores de 125 078,85 € (75 025,52+50 053,33) no ano de 2001; 93 838,73 € (9 596,53+3 242,20) no ano de 2002 e apenas custos com o pessoal de 110 220,91 €, no ano de 2003.
Rácio custos com pessoal + subcontratos / Prestação de Serviços
Ano 2001 - 465 622,73 : (50 053,33 + 75 025,52) = 372%
Ano 2002 - 182 824,18 : (3242,20 + 90 596,53) = 95%
Ano 2003 - 84 591,28 : 110 220,91 = (30%)
Mais uma vez os valores encontrados são totalmente díspares sem correspondência à normalidade, representando uma quebra de 402% na percentagem de 2003 relativamente a 2001, enquanto os custos com pessoal de 2003 representam uma descida de apenas 13% relativamente à soma dos subcontratos e custos com pessoal de 2001, com a agravante do rácio apurado em 2003 se apresentar estranhamente negativo.
Na posse dos valores encontrados de compras afectas aos serviços, dos custos com pessoal mais subcontratos e da prestação de serviços, desenvolve-se o quadro seguinte onde se verifica a margem evidenciada pela contabilidade nos vários anos:
(Imagem no original da sentença)
Analisando este mapa vêm mais uma vez a lume as enormes discrepâncias entre as margens resultantes, confirmando a falta de sustentabilidade das demonstrações contabilísticas, no entanto, o exercício de 2001, fruto das empreitadas realizadas através de projectos comparticipados com fundos comunitários “PROCOM”, como atrás se referiu, apresenta margem positiva que se poderá considerar normal para o sector onde opera, pelo que nos abstemos de fazer qualquer correcção ao nível dos serviços.
Para os exercícios de 2002 e 2003 procede-se à correcção dos Serviços Prestados aplicando a margem encontrada no ano de 2001 de 34,73% à totalidade dos custos referidos no mesmo mapa.
Para determinação do Lucro Tributável dos exercícios analisados vai considerar-se como custo o valor das compras em detrimento do custo das existências vendidas e consumidas pelas razões referidas nas alíneas e) e f) do N.º 2 do Item IV, ou seja, inexistência de inventários de trabalhos em curso e de obras acabadas, não separação do custo das vendas do custo dos serviços e comprovada falta de aderência à realidade dos valores inventariados.
DETERMINAÇÃO DO ACRÉSCIMO À MATÉRIA COLECTÁVEL
ANO 2001
Acréscimo ao Custo Mercadorias Vendidas e Consumidas - (50 055,57 €)
Acréscimo ao Lucro Tributável Declarado - 50 055,57 €
ANO 2002:
225 443,97 X 1.3473 =................................................................................................. .303 740,66 €
Prestação de Serviços Corrigido............................................................................................. 303 740,66 €
Prestação de Serviços Declarado.......................................................................................... 182 824,18 €
Acréscimo à Prestação de Serviços...................................................................................... 120 916,48 €
Acréscimo ao Custo Mercadorias Vendidas e Consumidas - 87 394,40 €
Acréscimo ao Lucro Tributável Declarado - 33 522,08 €
ANO 2003:
161 426,60 X 1.3473 =.................................................................................. 217 490,06 6
Prestação de Serviços Corrigido............................................................................................. 217 490,06 €
Prestação de Serviços Declarado............................................................................................ ..84 591.28 €
Acréscimo à Prestação de Serviços....................................................................................... 132 898,78 €
Acréscimo ao Custo Mercadorias Vendidas e Consumidas - 88 627,70 €
Acréscimo ao Lucro Tributável Declarado - 44 271,08 €
APURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL CORRIGIDO:
(Imagem no original da sentença)
8) A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria coletável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 91º e ss. da LGT (fls. 77 e ss. do P.A.);
9) Não tendo os peritos chegado a acordo quanto à matéria tributável a fixar, foi a matéria tributável fixada pela Diretora de Finanças de Bragança, constando da decisão, entre o mais, os seguintes fundamentos (fls. 90 e ss. do P.A.):
C - Decisão
1 - O sujeito passivo em análise foi objecto de uma acção de inspecção aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, decorrendo dessa acção a proposta de tributação por avaliação indirecta.
2 - Concluiu-se que a contabilidade não se encontra organizada de forma a permitir o apuramento e controlo do imposto, designadamente:
- Organização contabilística deficiente, dado que:
Não separou as vendas das prestações de serviços;
Não determinou os resultados de acordo com o Artº 19° do CIRC;
Não quantificou a variação da produção nem procedeu à contabilização dos trabalhos em curso e dos produtos acabados;
Não elaborou nem apresentou os inventários de produtos e trabalhos em curso e de produtos acabados;
Aumentou acentuadamente o valor das existências de mercadorias/matérias-primas, quando, no mesmo período, diminuiu o valor das compras.
- Contabilização injustificada de elevado volume de suprimentos;
- Investimentos em viaturas ligeiras de passageiros, desajustados da actividade da empresa;
- Omissões no registo de compras de diversos produtos comprovadamente facturados a clientes.
No seu conjunto, os factos acima expostos, inviabilizam a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável dos exercícios de 2001, 2002 e 2003, permitindo concluir pela falta de credibilidade da contabilidade e, consequentemente, pela falta de veracidade dos resultados obtidos.
Verificados que estão os pressupostos para a avaliação indirecta, compete ao contribuinte o ónus da prova quanto ao excesso na respectiva quantificação.
Em sede de Procedimento de Revisão, não foram apresentados elementos que alterem a proposta de tributação apresentada pela inspecção tributária que serviu de base à fixação, não tendo sido efectuada pelo sujeito passivo ou seu perito, prova do excesso na respectiva quantificação conforme determina o n° 3 do artigo 74º da LGT.
Assim, considerando que se encontram reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta, nos termos da alínea b) do artº 87° e artº 88° ambos da Lei Geral Tributária, mantenho os valores inicialmente fixados, para os exercícios de:
2001 - 55.943,55 Euros em sede de IRC
2002 - 35.821,69 Euros em sede de IRC e 21.966,50 Euros em sede de IVA
2003 - 32.160,98 Euros em sede de IRC e 25.250,77 Euros em sede de IVA

III.2 – Factos não provados
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados.

III.3 – Fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos que foram juntos aos autos, bem como dos que constam do P.A., os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Teve-se em consideração o depoimento das testemunhas arroladas.
Não se tomou em consideração o depoimento da testemunha F.. A testemunha mostrava-se nervosa e tinha muita dificuldade em ouvir, sendo que nada referiu com relevância para o caso em apreço.
Assim, deram-se como provados os factos 1) e 2) com base no depoimento das testemunhas C. e F., que descreveram de forma congruente, consistente e credível a atividade da impugnante nas duas dimensões – venda de materiais e aplicação dos mesmos. Teve-se também em consideração o depoimento da testemunha M. que referiu a emissão de uma fatura relativa aos materiais e à aplicação dos mesmos. Relativamente ao facto 2) teve-se também em consideração a análise da fatura que consta de fls. 27 do P.A.
Deu-se como provado o facto 3) com base no depoimento das testemunhas C. e F., que referiram de forma credível que as obras efetuadas pela impugnante são essencialmente de aplicação de materiais; são obras relativamente pequenas que começam e terminam no mesmo ano. O depoimento é congruente com o teor das faturas juntas ao relatório de inspeção tributária: são obras relativamente pequenas, essencialmente, de pinturas e aplicação de materiais.
Deu-se como provado o facto 4) com base no depoimento da testemunha C. e F.. As testemunhas mostraram-se conhecedoras dos veículos detidos pela empresa. No relatório de inspeção tributária são referidos 4 jipes. Porém dos elementos juntos ao relatório não consta qualquer documento em que conste a existência de 4 jipes.
O facto 5) resulta do depoimento das testemunhas C. e F.. As testemunhas mostraram-se credíveis e conhecedoras da afetação do pessoal no interior da empresa.
3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º, n.º 1, do CPC, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada, uma vez que o meio probatório para tanto necessário consta do PA:
10) A Impugnante pronunciou-se, em sede de audiência prévia, sobre o projeto de Relatório, conforme requerimento de fls. 43 a 46 do PA, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido e do qual destacamos as seguintes passagens:
«(…)
d) (…) Excepcionalmente, como sucedeu no ano de 2001 e, essencialmente com projectos do PROCOM, concordámos em fazer outros trabalhos de construção civil e aplicação de materiais que fogem ao nosso negócio, a pedido de alguns clientes. Em alguns casos até não chegou a haver coincidência com os trabalhos e materiais facturados e os efectivamente fornecidos.
(…)
k) (…) houve situações, nomeadamente ao abrigo do programa PROCOM que, por imposição dos respectivos clientes, mencionamos bens e serviços diferentes dos fornecidos na realidade. Em caso de recusa o cliente optava por outros fornecedores.
(…)».

3.2. DE DIREITO
A factualidade assente em 1.ª instância não vem impugnada, pelo menos adequadamente, em conformidade com as exigências do artigo 640.º do CPC, pelo que a mesma se tem por definitivamente fixada, com o aditamento por nós introduzido.
Tão pouco são questionados os normativos legais aplicados e a respetiva interpretação, mostrando-se a Recorrente inconformada com a valoração da prova produzida, designadamente, no RIT.
Vejamos, então, o segmento da sentença que analisa a prova produzida e lhe aplica o direito:
«(…)
Da leitura dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT resulta de modo claro que os métodos indiretos só podem aplicar-se quando seja impossível à Administração Tributária proceder à determinação da matéria coletável de modo direto e exato, nomeadamente através de correções meramente aritméticas.
Vejamos então os concretos fundamentos invocados pela Administração Tributária.
Na decisão de fixação da matéria coletável são expressamente referidos os seguintes fundamentos como justificativos do recurso a métodos indiretos: 1) organização contabilística deficiente (não separação das vendas das prestações de serviços; não determinação dos resultados de acordo com o Artº 19° do CIRC; não quantificação da variação da produção nem contabilização dos trabalhos em curso e dos produtos acabados; não elaboração nem apresentação dos inventários de produtos e trabalhos em curso e de produtos acabados; aumento acentuado do valor das existências de mercadorias/matérias-primas, quando, no mesmo período, diminuiu o valor das compras); 2) contabilização injustificada de elevado volume de suprimentos; 3) investimentos em viaturas ligeiras de passageiros, desajustados da atividade da empresa; 4) omissões no registo de compras de diversos produtos comprovadamente faturados a clientes.
A título prévio, não pode deixar de se sublinhar que alguns dos fundamentos invocados pela Administração Tributária não contendem com a empresa em análise ou com a forma como a contabilidade está organizada, antes corporizam meras opiniões sobre opções de gestão que não só não legitimam o recurso a métodos indiretos como são exteriores ao âmbito de competências da Administração Tributária. São questões atinentes ou à dinâmica da empresa e opções de gestão (concorde-se ou não com tais opções, não cabe à Administração Tributária gerir a empresa, mas apenas tributar o seu lucro – matéria tributável – em função das normas legais) ou a outra sociedade que os mesmos sócios têm.
Apreciando os concretos fundamentos invocados.
No entender da Administração Tributária a impugnante não regista corretamente as faturas, já que as operações ativas (vendas e prestações de serviços) são todas registadas na conta 71-Vendas de Mercadorias.
À data dos factos em apreço estava em vigor o POC, pelo que a contabilidade da impugnante à data dos exercícios inspecionados deveria respeitar as normas contabilísticas de acordo com o POC.
De acordo com o POC, na conta 71 apenas deveriam ser registas as vendas, representadas pela faturação sem IVA e outros impostos e na conta 72 deveriam ser registados os trabalhos e serviços prestados, podendo aí incluir-se os materiais aplicados no caso de estes não serem faturados separadamente – cfr. Carlos Baptista da Costa; Gabriel Correia Alves – Contabilidade Financeira, 4.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2001, pág. 616.
O registo de faturas relativas a prestações de serviços na conta 71 constitui uma irregularidade contabilística. Quando o material aplicado não é faturado ao cliente separadamente, a fatura emitida deve ser registada como prestação de serviços.
Ora, conforme resulta dos factos provados, a impugnante vendia matérias procedendo também à sua respetiva aplicação, emitindo, nestas situações uma fatura global do preço pago pelo cliente. Ora, estas faturas deveriam ser registadas na conta 72 e não na conta 71.
Todavia, a irregularidade cometida não impossibilita uma contabilização através de métodos diretos. Na verdade, a Administração Tributária poderia facilmente corrigir os valores subtraindo as faturas relativas a fornecimento e aplicação de materiais na conta 71 e somando o montante na conta 72. Portanto, o fundamento invocado no ponto IV, n.º 2, al. b) do relatório de inspeção tributária não justifica o recurso a métodos indiretos.
E é indiferente saber se existia um diário próprio onde eram registados os concretos materiais vendidos, já que para efeitos da imputação de uma operação ativa na conta 71 ou na conta 72 o que releva é o que é efetivamente faturado ao cliente: se os materiais não são faturados separadamente, então o valor global pago (pelos materiais e pela sua aplicação) deve ser imputado na conta 72.
Quanto à alegada realização de obras de carater plurianual e alegada violação do artigo 19.º do CIRC, não é possível acompanhar a Administração Tributária.
Na verdade, o relatório de inspeção conclui que a impugnante realizou obras de caráter plurianual remetendo para o anexo 1. Ora no anexo 1 ao relatório consta apenas uma fatura. Não é do simples facto de ter sido emitida uma fatura de valor elevado em janeiro de 2001 que pode retirar-se que a impugnante realiza obras de caráter plurianual ou que as mesmas foram iniciadas em 2000 e que por isso foi violado o artigo 19.º do CIRC. Depois, o artigo 19.º do CIRC permite a utilização de dois critérios para a contabilização do proveito: ou o critério do encerramento da obra ou o critério da percentagem de acabamento, sendo que não resulta dos autos que no caso fosse obrigatória a aplicação do critério da percentagem de acabamento. Assim, a Administração Tributária não demonstra, quanto a este aspeto, qualquer irregularidade.
Quanto aos alegados inventários de trabalhos em curso ou de produtos acabados. Não resulta dos autos que a impugnante procedesse à transformação de materiais: a atividade da impugnante era de venda de mercadorias, procedendo também à aplicação das mercadorias vendidas. Assim, não se vislumbra que na situação concreta a inexistência de inventários de produtos acabados constituísse uma irregularidade. E quanto ao inventário de trabalhos em curso, não se vislumbra que as normas contabilísticas exigissem um tal inventário. Na verdade, os inventários visam a quantificação das existências. Denomina-se por existências os «activos adquiridos pela empresa com destino a venda, a incorporação nos produtos finais ou a consumo no decurso do processo produtivo e ainda os resultantes da produção para venda qualquer que seja o grau de acabamento em que se encontrem» - in Carlos Baptista da Costa; Gabriel Correia Alves – Contabilidade Financeira, 4.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2001, pág. 479. Ora, um trabalho em curso não é uma existência pelo que não tem que ser inventariado, sendo suficiente a sua faturação a título de prestação de serviços. Assim, quanto a este aspeto também não se vislumbra qualquer irregularidade ao nível da organização da contabilidade pela impugnante.
Relativamente ao aumento das existências abrupto a 31 de dezembro quer do ano de 2002 quer do ano de 2003 não se vislumbra também qualquer irregularidade contabilística. Na verdade, a contabilidade deve evidenciar a situação patrimonial da empresa, pelo que se por opção de gestão, cujo mérito ou conveniência não cabe à Administração Fiscal avaliar, forem no final de um ano adquiridas existências em valor avultado, a contabilidade não pode deixar de as contabilizar. E, de qualquer forma, não se afigura razoável o salto lógico dado pela Administração Tributária quanto a este aspeto: da existência de um aumento superior a quatro vezes dos stocks em apenas 2 anos, com diminuição das compras e vendas não decorre de forma clara que os valores inventariados e contabilizados não têm aderência à realidade. Tal conclusão dependeria da constatação de outros elementos, v.g. omissões efetivas de produtos que deveriam estar em stock e que não estão ou indícios sérios de vendas não faturadas.
Em relação aos suprimentos.
O valor dos suprimentos não constitui qualquer irregularidade contabilística. Os sócios podem realizar os suprimentos que quiserem. A lei não limita quantitativamente os suprimentos efetuados pelos sócios, pelo que o entendimento de acordo com o qual os suprimentos são exagerados em face às circunstâncias concretas da empresa não tem qualquer suporte legal, e não se pode retirar daí que a contabilidade não esteja elaborada em termos corretos.
Mas já constitui irregularidade contabilística as duas situações apontadas pela Administração Tributária em que houve movimentação da conta de suprimentos através da utilização de meios da empresa. Porém, as duas situações não impossibilitam a determinação da matéria coletável de forma direta, através de correções meramente aritméticas. São duas situações pontuais e concretamente identificadas pela Administração Tributária que são passíveis de meras correções aritméticas.
Também não se vislumbra de que forma o facto de os dois sócios possuírem uma outra sociedade, onde fizeram suprimentos de valores elevados, e essa outra sociedade possuir dois veículos BMW, impossibilita o apuramento da matéria coletável da impugnante. A outra empresa dos sócios é uma entidade terceira, pelo que eventuais discrepâncias que aí se verifiquem não fundamentam o lançamento de métodos indiretos para o apuramento da matéria tributável da sociedade impugnante.
Do relatório resulta, por fim, que a Administração Tributária detetou omissões ao nível do registo de compras: foram comprovadamente faturados a clientes serviços sem que conste da contabilidade o registo das compras do respetivo material. Esta omissão ao nível do registo de compras impossibilita o apuramento de qual o valor da margem entre o custo dos materiais e o valor efetivamente faturado ao cliente. É a margem (diferença entre o custo e o proveito) que constitui, grosso modo, a matéria tributável, como decorre do artigo 17.º do CIRC, supra transcrito. As situações descritas no ponto IV, n.º 2, als. m), n) e o) do relatório da inspeção tributária constituem incorreções contabilísticas.
Porém, respeitam apenas ao exercício de 2001.
A inspeção tributária abrange os exercícios de 2001, 2002 e 2003. Ora, a ocorrência de erros, omissões ou inexatidões na contabilidade de um dos exercícios não legitima a Administração Tributária a desconsiderar a contabilidade relativamente aos exercícios em que não foram detetados erros, omissões ou inexatidões. Assim, as omissões ao nível do registo de compras apenas afetam a credibilidade da contabilidade por referência ao exercício de 2001 e já não quanto aos exercícios de 2002 e 2003. A Administração Tributária deve também quanto à aplicação dos métodos indiretos respeitar o princípio da especialização dos exercícios (artigo 18.º do CIRC).
Importa agora verificar se as omissões ao nível de registo de compras de material incorporado nos serviços faturados a clientes possibilita o recurso a métodos indiretos.
Afigura-se que a resposta, em face dos elementos recolhidos pela Administração Tributária, não pode deixar de ser negativa.
Estamos em face de situações ocorridas em 2001 em que a impugnante prestou determinados serviços sem que da contabilidade constem as respetivas faturas de aquisição dos bens necessários à prestação de serviço. Por exemplo, não existe fatura da compra de aparelhos de ar condicionado, os quais foram instalados.
Ora, a relevância das faturas da compra de materiais aplicados reporta-se aos custos.
Como se referiu os custos constituem um elemento essencial para determinação da matéria tributável.
Acontece que o artigo 23.º do CIRC impunha a desconsideração para efeitos fiscais dos custos ou perdas não comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, quando a Administração Tributária verifica que existem incorreções ao nível dos custos não fica legitimada a lançar mão de métodos indiretos: os custos não comprovados não impossibilitam o apuramento da matéria tributável por métodos diretos, já que a Administração Tributária deve, nos termos da lei, desconsiderar tais custos. Só assim não é quando a Administração Tributária não consiga deduzir ao montante global dos custos aqueles que não estão comprovados, designadamente por a contabilidade não discriminar os valores respetivos.
Quanto às situações detetadas, verifica-se que inexistem faturas relativamente à aquisição de determinados materiais essenciais à prestação do serviço referido na fatura (ares condicionados). Porém, não consta do relatório que era objetivamente impossível proceder a uma desconsideração de custos no caso em apreço.
Assim, em face do exposto há que concluir pela procedência da ação por não estarem devidamente comprovados os pressupostos legais de que depende a legitimidade da Administração Tributária proceder ao apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos.
(…)».
Nos pontos 17.º, 21.º e 23.º das alegações de recurso, a Recorrente identifica os pontos do RIT onde são mencionados “factos” que, na perspetiva da AT, justificam o recurso a métodos indiretos, mas sobre os quais o Meritíssimo Juiz a quo nada teria considerado.
Quanto à indistinção entre compras de mercadorias e de matérias primas (ponto IV-2-b), 2ª parte, do RIT), efetivamente nada foi referido na sentença; no entanto, tendo em conta a factualidade vertida nos pontos 1) e 2) dos factos provados, não se nos afigura que se trate de um erro contabilístico de relevo porque nada no RIT nos permite concluir que, no momento de cada compra, a Recorrida pudesse fazer tal distinção. Na verdade, se a contribuinte tanto procede à mera venda das mercadorias como também as vende com a respetiva aplicação, tal distinção apenas seria possível se apenas adquirisse as matérias primas/mercadorias para imediata venda, com ou sem aplicação. Sem embargo, é de notar que (com exceção do ano de 2001, como adiante veremos) não vislumbramos que esta irregularidade impossibilite a determinação direta e exata da matéria coletável pois que, no confronto com as faturas de venda, com ou sem prestação do serviço de aplicação, sempre seria possível distinguir o que é mercadoria do que é matéria prima.
Já no que respeita ao “aumento das margens sobre custos em contradição com o aumento das vendas e diminuição dos serviços prestados”, não consta o mesmo do elenco dos factos que, segundo a AT, “põem a nu a fragilidade das demonstrações contabilísticas evidenciadas”, pois tal asserção apenas tem por referência o “conjunto das situações referidas no ponto anterior”, ou seja, as elencadas no ponto 2, sob as alíneas a) a o).
Relativamente à desconformidade entre o valor dos suprimentos e o valor das compras e investimentos, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que não se trata de uma irregularidade contabilística, como de facto não é. Pese embora tenha parecido ao Exmo. Inspetor Tributário que tal desconformidade «não ter[ia] outra justificação, que não seja manter devedor o saldo de caixa, em detrimento das vendas”, a verdade é que não está evidenciado, nem no RIT nem em qualquer outro documento do PA, que a AT haja indagado o que quer que fosse a este respeito, nem estão relatados factos que evidenciem tal conclusão de modo a dispensar qualquer outra indagação. Trata-se, pois, de uma conjetura da AT, não devidamente fundamentada.
Por último, quanto à “incongruência relativamente considerando a libertação de meios exíguos para o efeito e resultados praticamente nulos” também não alcançamos em que medida traduz a mesma uma irregularidade contabilística que impossibilite o apuramento direto e exato da matéria coletável.
Isto posto, o que a análise da sentença permite concluir é que, bem ou mal, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que os factos em que a AT se baseou para concluir pela necessidade de recurso a métodos indiretos não configuravam irregularidades contabilísticas ou, configurando-as, não eram relevantes de modo a impedir o apuramento direto da matéria coletável, com exceção dos factos elencados sob as alíneas m), n) e o) (faturas emitidas em 2001 que referem a aplicação de materiais – equipamentos de ar condicionado e detetor de incêndios – cuja faturas de compra não constam da contabilidade e à prestação de serviços – serralharia, carpintaria, vidraria e mobiliário – que não se inserem na atividade da Recorrida nem consta da sua contabilidade a evidencia de subcontratos relacionados com esses serviços).
Ora, do teor das conclusões não se extrai qualquer facto ou norma jurídica que contrarie ou evidencie erro da sentença recorrida quando ao ali considerado relativamente aos factos elencados nas alíneas a) a l), do RIT (cfr. ponto 7 dos factos provados), ou seja, que tais factos não evidenciam erros contabilísticos ou, configurando, não impedem o apuramento direto da matéria coletável, afigurando-se-nos que, nesta parte, a sentença não merece censura.
Porém, já não podemos acompanhar a sentença recorrida no que respeita aos aludidos pontos m), n) e o), na medida em que, tratando-se de custos omitidos à contabilidade, nunca seria possível à AT desconsiderá-los!
Estava, pois, inviabilizada à partida qualquer correção técnica que “neutralizasse” as irregularidades contabilísticas identificadas nas aludidas alíneas, como também é certo e seguro que as mesmas evidenciam que a contabilidade da Recorrida não reflete a exata situação patrimonial naquele ano de 2001.
Factos, aliás, confessados pela Recorrente, nos pontos d) e k), do n.º 1, do requerimento do direito de audição por si apresentado, onde admite que «Excepcionalmente, como sucedeu no ano de 2001 e, essencialmente com projectos do PROCOM, concordámos em fazer outros trabalhos de construção civil a aplicação de materiais que fogem ao nosso negócio. Em alguns casos até não chegou a haver coincidência com os trabalhos e materiais facturados e os efectivamente fornecidos» e que «(…) houve situações, nomeadamente ao abrigo do programa PROCOM que, por imposição dos respectivos clientes, mencionamos bens e serviços diferentes dos fornecidos na realidade.».
Aliada a referida factualidade aos factos elencados no ponto IV-2-a) do RIT (A contabilidade regista as operações activas (vendas + prestações de serviços) na conta 71 - Vendas de Mercadorias, o que induz em erro quanto ao exercício efectivo da actividade, principalmente ao nível das margens, assim como não procede à separação das compras de mercadorias das de matérias primas, colidindo com as determinações emanadas pelo n.º 3 do art.º 17.º e art.º 115.º, ambos do CIRC.), temos demonstrada a existência de irregularidades contabilísticas evidenciadoras de que a contabilidade da contribuinte, relativamente ao exercício de 2001, não merece credibilidade, bem como da impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria coletável declarada no mesmo exercício.
Nesta medida, justifica-se o recurso a métodos indiretos no ano de 2001, conforme resulta do quadro normativo aplicável que, de seguida e sinteticamente, passamos a enunciar.
O artigo 104.º, n.º 2 da CRP consagra o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real, daí que o recurso a métodos indiretos para determinação da matéria coletável constitui uma ultima ratio fisci, apenas havendo lugar ao mesmo quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação direta.
Nesta senda, os artigos 85.º, n.º 1 e 81.º, n.º 1, ambos da LGT, consagram o carácter subsidiário e excecional da avaliação indireta, cabendo à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso a esta e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
Segundo o artigo 87.º, n.º 1, al. b), da LGT, uma das situações que determina a possibilidade de se recorrer à avaliação indireta é “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, sendo que essa impossibilidade pode resultar das anomalias e incorreções previstas nas alíneas a) a d) do artigo 88.º da LGT, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
Com efeito, dispõe o artigo 88.º da LGT:
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”.

Portanto, não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos diretos, que constitui a regra, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.

De salientar ainda que cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, cumprindo-lhe demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, devendo, para tanto, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.

Na verdade, a determinação da matéria tributável por métodos indiciários tem de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, para o que é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

Uma vez que que, como vimos, tais pressupostos apenas se encontram comprovados relativamente ao exercício de 2001, a sentença recorrida deve ser revogada no que tange à liquidação adicional de IRC do mesmo ano, único em que estão evidenciadas irregularidades contabilísticas que impossibilitam o apuramento direto e exato da matéria coletável; porém, deve ser mantida quanto às liquidações de IRC dos anos de 2002 e 2003, por não estarem demonstrados os pressupostos legais para aplicação de métodos indiretos nestes exercícios.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida quanto à liquidação de IRC do ano de 2001, julgando a impugnação improcedente nesta parte, e manter a sentença quanto às liquidações de IRC dos anos de 2002 e 2003.
*
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artigo 527.º do CPC.
*
Porto, 28 de janeiro de 2021


Maria do Rosário Pais – Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda – 1.º Adjunto
Cristina Nova – 2.ª Adjunta