Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00790/15.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
Sumário:I- Para que se possa deferir uma providência antecipatória torna-se necessário que seja formulado um juízo positivo de probabilidade da procedência da acção principal,
II- Não é evidente que o despacho que regula o número mínimo de alunos por turma num estabelecimento de ensino seja inconstitucional por falta de norma habilitante, nem que tal facto viole o direito de aprender e ensinar e o direito dos pais à escolha e orientação do processo educativo dos filhos.
III- O requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, decorre dos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Educação e Ciência
Recorrido 1:Centro de Estudos Educativos de A... Lda.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Providência Cautelar Antecipatória - Recurso jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Ministério da Educação e Ciência vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 24 de Novembro de 2015, que julgou procedente a providência cautelar intentada pelo Centro de Estudos Educativos de A... Lda, e onde era solicitado que devia:
1) Suspender-se a eficácia do acto da DGesTE na parte em que não validou a turma C) do 5º ano de escolaridade do CEEA, para o ano escolar 2015/2016, confirmado através do ofício da DGesTE com a referência 18433/2015;
2) Autorizar-se o funcionamento da referida turma c) do 5º ano de escolaridade, já contratualizada no âmbito do contrato de associação para o ano de 2015/16, procedendo-se provisoriamente ao pagamento devido.

Em alegações o recorrente concluiu assim:
1 – O contrato celebrado entre a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), em nome do Estado Português, e o Recorrido, estipula que a concessão do apoio financeiro a conceder durante a sua execução está dependente do preenchimento da condição de validação das turmas a constituir.

2 – Dependendo a validação das turmas da verificação por parte dos serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), do cumprimento do estatuído no Despacho Normativo n.º 7-B/2015, de 7 de maio, e confirmando-se que uma das turmas do 5.º ano de escolaridade, proposta pela Recorrida, não cumpria o limite mínimo de alunos, determinado pelo artigo 20.º do referido Despacho Normativo, a mesma não foi validada.

3 – Sendo verdade que as regras do referido Despacho relativas à constituição de turmas dispõem de uma intenção reguladora, e integrando os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo a rede de oferta pública de ensino, a aplicação do corpo de normas a observar na distribuição de crianças e alunos, constituição de turma e período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e de ensino, aplica-se-lhes sem distinção, não padecendo o mesmo de ilegalidade e inconstitucionalidade formal e orgânica.

4 – E quanto aos alegados prejuízos não se aceita o argumento de que a respetiva despesa, por se encontrar prevista, justifica o financiamento, ainda que precário, tão só por a turma se encontrar contratualizada. A previsão de despesa ocorre obrigatoriamente para o Estado quando este contratualiza mas só se concretiza e é devida quando passa pelo escrutínio da legalidade.

5 – Por fim, no que respeita à ponderação de interesses, os mesmos sairiam mais prejudicados em sede de improcedência da ação principal do que em sede de improcedência do presente processo cautelar, atendendo aos interesses em confronto.

O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:

a) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

b) Os tribunais, incluindo o “ad quem”, devem cumprir e fazer cumprir o artigo 8º do Código Civil e por isso, deve também relevar-se a decisão proferida em 3/12/2015 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito da providência cautelar que correu termos sob o nº 1515/15.1BELRA, conforme documento junto.

c) O requerido não impugnou a decisão do tribunal “a quo” pelo menos na parte em que julgou ser plausível a violação dos contratos de associação e do artigo 18º do EEPC e ser plausível a violação do princípio da igualdade;

d) E por isso, se mais não houvesse, e há, sempre se terá de considerar a formação de caso julgado nestes concretos segmentos decisórios não impugnados e por conseguinte, ter-se-á de considerar verificado em qualquer circunstância o “fumus boni iuris”;

e) Sem prescindir, na verdade é “(...) plausível uma declaração de ilegalidade e de inconstitucionalidade formal e orgânica do artigo 20º do Despacho Normativo nº 7-B/2015” (cfr. pág. 22 da sentença “sub judice”); é “(...) plausível defender que o artigo 20º do Despacho Normativo nº 7-B/2015 é ilegal no que respeita aos contratos de associação, por violação dos mesmos e do artigo 18º do EPPC (...)” (cfr. pág. 24 da sentença “sub judice”) e ainda é plausível a violação do “princípio constitucional e legal” da igualdade “no modo de tratar a insuficiência de alunos para o limite mínimo de alunos por turma estipulado pelo artigo 20º do Despacho Normativo” (cfr. também pág. 24 da sentença “sub judice”).

f) Perante os factos alegados e provados pela requerente, verifica-se também um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que [da]o requerente (...)” e por conseguinte, deve manter-se a decisão de verificação do “periculum in mora”;

g) E assim é tanto mais que não foi o Recorrido que se colocou na situação do prejuízo que pretende acautelar, atento o quadro normativo, contratual, factual e cronológico apurados nos presentes autos.

h) O tribunal recorrido fez uma correta ponderação dos interesses em jogo, nomeadamente os privados e públicos que a requerente prossegue, e fê-lo atendendo não só a aspetos financeiros mas também a outros aspetos não financeiros que aliás contendem com o direito dos pais à escolha e à orientação do processo educativo dos filhos.

i) O Tribunal “ad quem” não deve permitir a violação do princípio constitucional da separação de poderes que o requerido, ora recorrente, preconiza, pois caberá aos tribunais julgar a legalidade/ilegalidade do ato suspendendo.

j) A decisão “sub judice” não merece qualquer reparo!!!

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao ter decidido que se verificavam os requisitos para que se pudesse decretar a presente providência cautelar.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1 - A requerente é uma sociedade comercial que se dedica, além do mais, à exploração de um estabelecimento de ensino que ministra ensino básico e secundário e formação profissional, conforme certidão permanente com o código de acesso nº 6360-1184-2375.

2 - No âmbito dessa actividade, a requerente é titular da autorização definitiva de funcionamento nº 655, referente ao Centro de Estudos Educativos de A... (doravante "brevitatis causa" CEEA), sito em A..., município C..., distrito de Coimbra, onde é ministrado o ensino básico dos 2º e 3º ciclos e o ensino secundário.

3 - O CEEA é um estabelecimento de ensino particular de nível não superior enquadrado no sistema nacional de educação, onde é ministrado o ensino de forma gratuita e em condições similares às do ensino público, com autonomia pedagógica, exclusivamente através da celebração/renovação de contratos de associação com o Estado Português.

5 - No dia 7 de Maio de 2015, na 2ª série do DR foi publicado o Despacho nº 7-B/2015 de Sua Excelência o Secretario de Estado do Ensino e da Administração Escolar o teor de cujos preâmbulo e dispositivo aqui se dá por reproduzido, com destaque pata o ultimo parágrafo do preâmbulo e artigos 1º, 20º, 25º e 27º, que se transcreve:

Assim, e tendo presente os princípios consignados na Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, alterada pelas Leis nºs 115/97, de 19 de Setembro, 49/2005, de 30 de Agosto, e 85/2009, de 27 de agosto, no Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 5 de Dezembro, no regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nºs 224/2009, de 11 de Setembro, e 137/2012, de 2 de Julho, e no regime de matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade obrigatória, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 176/2012, de 2 de Agosto, e no uso das competências delegadas pelo Ministro da Educação e Ciência através do Despacho n.º 4654/2013, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 3 de Abril de 2013, e do Despacho n.º 14215/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 228, de 25 de Novembro, determina-se:

I — Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 — O presente despacho normativo estabelece:
a) Os procedimentos da matrícula e respectiva renovação;
b) As normas a observar na distribuição de crianças e alunos, constituição de turmas e período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e de ensino.
2 — O presente despacho normativo aplica-se, nas respectivas disposições:
a) Aos agrupamentos de escolas e às escolas não agrupadas da rede pública;
b) Aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contratos de associação;
c) A outras instituições de educação e ou formação, reconhecidas pelas entidades competentes
(…)
Artigo 20.º
Constituição de turmas nºs 2.º e 3.º ciclos do ensino básico
1 — As turmas dos 5.º ao 9.º anos de escolaridade são constituídas por um número mínimo de 26 alunos e um máximo de 30 alunos.
2 — Nºs 7.º e 8.º anos de escolaridade, o número mínimo para a abertura de uma disciplina de opção do conjunto das disciplinas que integram as de oferta de escola é de 20 alunos.
3 — As turmas que integrem alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente, cujo programa educativo individual o preveja e o respectivo grau de funcionalidade o justifique, são constituídas por 20 alunos, não podendo incluir mais de dois alunos nestas condições.
(…)
Artigo 25.º
Homologação da constituição de turmas
1 — Compete à DGEstE homologar a constituição das turmas no âmbito da rede de oferta educativa e formativa.
(…)

6 - No dia 5/6/2015 foi publicada a Portaria nº 172-A/2015, de 5/6, cujo teor aqui se dá como reproduzido, destacando:
a. Do preâmbulo, o seguinte segmento final:
“Considerando que a regulamentação dos procedimentos destinados à formação e celebração dos contratos, segundo o n.º 1 do artigo 17.º do EEPC, para os efeitos acima referidos, é fixada por portaria;
Ouvidas as organizações do sector, nos termos do Decreto-Lei 152/2013, de 4 de Novembro,
Manda o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e da Educação e Ciência, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º, no n.º 6 do artigo 10.º e do artigo 17.º, todos do Decreto-Lei 152/2013, de 4 de Novembro, Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, o seguinte:”
b. Do artigo 1º o seguinte segmento:
“A presente Portaria fixa as regras e procedimentos aplicáveis à atribuição de apoio financeiro pelo Estado a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo de nível não superior, previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro”, (…) “formalizada através da celebração de contratos de associação”;
Do artigo 14º os seguintes segmentos normativos:
Artigo 14.º
Obrigações das entidades titulares dos estabelecimentos de ensino
1 — Sem prejuízo das obrigações previstas no EEPC e no contrato, os estabelecimentos de ensino ficam sujeitos às seguintes obrigações:
(…)
e) Garantir a matrícula efectuada nos termos gerais aos interessados até ao limite da lotação estabelecido no respectivo contrato de associação, de acordo com os critérios definidos no despacho que estabelece os procedimentos da matrícula e respectiva renovação;
f) Cumprir as normas estabelecidas pelo MEC para a constituição de turmas;
g) Submeter, para validação da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), por via electrónica e até ao dia 15 de Julho, as propostas de turmas a constituir para o ano seguinte;
(…)
2 — Cumprir as demais obrigações presentes no artigo18.º do EEPC.

7 - Por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar de 15/6/2015 foi autorizada a abertura do concurso de atribuição de apoio financeiro do Estado destinado à selecção das entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que, no âmbito do Decreto-Lei nº 152/2013, de 4/11, que aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), reunissem os requisitos necessários à celebração de contratos de associação para os anos lectivos 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018 e anos subsequentes.

8 - No mesmo dia foi publicado o aviso de abertura do concurso, cujo teor no doc. 1 da PI aqui se dá como reproduzido. (doc. n° 1).

9 - A requerente apresentou a respectiva candidatura a 3 (três) turmas no 2° ciclo (5° ano de escolaridade), a 3 (três) turmas no 3° ciclo (7° ano de escolaridade) e a 2 (duas) turmas no secundário (10° ano de escolaridade).

10 - No dia 19/08/2015 foi publicada a lista definitiva, que determinou a atribuição de 3 (três) turmas no 2° ciclo (5º ano de escolaridade), de 3 (três) turmas no 3° ciclo (7° ano de escolaridade) e de 2 (duas) turmas no secundário (10° ano de escolaridade) ao CEEA, tendo como área de influência a Freguesia de A... e a União de Freguesias de Outil e Portunhos (doc. n° 5 da PI).

11 - No dia 20/08/2015 a requerente assinou o contrato de associação cujo teor no doc. 9 da contestação aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o seguinte clausulado:

Cláusula 1ª
Objecto
1 - O presente Contrato de Associação tem por objecto a concessão, pelo PRIMEIRO OUTORGANTE ao SEGUNDO OUTORGANTE, do apoio financeiro necessário à constituição do número máximo de 24 (vinte e quatro turmas), do 2.º CEB, 3.º CE8 e Ensino Secundário, a funcionarem no Centro de Estudos Educativos de A..., nos anos lectivos de 201512016, 201612017 e 201712018, nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.
(…)
Cláusula 2ª
São obrigações do Primeiro outorgante:
(…)
c) Pagar ao segundo outorgante, através de transferência bancária o apoio financeiro contratado por este instrumento, no valor de 1 932 000,00 € (um milhão, novecentos e trinta e dois mil euros), em prestações mensais, correspondente a 24 turmas, relativo ao período de 1 de Setembro de 2015 a 31 de agosto de 2018, para o número de identificação bancária (NIB) indicado pelo SEGUNDO OUTORGANTE;
(…)
Cláusula 3ª
Obrigações do SEGUNDO OUTORGANTE
1 - São obrigações do SEGUNDO OUTORGANTE:
a) Garantir o acesso ao ensino ministrado nos ciclos de ensino abrangidos pelo contrato de associação por todas as crianças e jovens em idade escolar, no respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação e das normas aplicáveis às matrículas e renovações de matrícula;
(…)
a) Aceitar, a título condicional, as matrículas que ultrapassem a sua capacidade, comunicando-as aos serviços competentes do MEC;
(…)
b) ii) No decorrer dos meses de Outubro e Agosto de cada ano e sempre que a aplicação de disposição legal o determine, através do serviço coordenador do sistema de informação do Ministério da Educação e Ciência, todos os elementos necessários ao cálculo do montante do financiamento e aos respectivos ajustes anuais e reduções, designadamente a identificação das turmas e dos alunos, no respeito pela legislação aplicável em matéria de protecção de dados pessoais.

12 - Das turmas mencionadas na cláusula 1ª, acima transcrita, faziam parte as três turmas do 5º ano, atribuídas no procedimento concursal sobredito.

13 - Em data não posterior a 25/8/2015 a Autora, mediante exportação para a respectiva plataforma informática, comunicou ao Requerido a constituição de três turmas do 5º para o ano de 2015/16, uma de 20 alunos, um destes com necessidades educativas especiais, outra de 20 e outra de 19.

14 - Sobre esta comunicação incidiram decisões do Senhor Director-geral da DGEstE, relativas às segunda e terceira turmas (B e C), em 25 e 26/8, respectivamente, conforme página 2 de 4 do documento 6 da PI, que aqui se dá pro reproduzido, transcrevendo o seguinte segmento de ambas: “Não validado. As turmas devem cumprir com o Despacho nº 7-B/2015 de 7 de Maio”.

15 - Em face daquelas decisões, a Autora apresentou à DGEstE o requerimento de reclamação junto como doc. 7 da PI, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

16 - O Sr. Director-Geral da DGEstE, por fax de 8/9/2015, manteve a decisão de não validação daquelas turmas B e C do 5° (doc. N° 8 da PI).

17 - Na sequência de mais contactos com a DGEstE, o Sr. Director-geral, solicitou o envio das listas dos alunos matriculados no 5° ano de escolaridade e respectivas moradas; pedido confirmado através de email de 14/09/2015, conforme doc. 10 da PI.

18 - A requerente enviou esses dados nesse mesmo dia através de carta registada com a referência 317/2015, que o destinatário recebeu, conforme documento 11 da PI, cujo teor aqui se dá como reproduzido (ofício e listas).

19 - No dia 15/09/2015 a requerente recebeu uma comunicação da DGEstE nos seguintes termos: "Em resposta ao V. Ofício 31712015, de 14 de Setembro, serve o presente para informar que da análise feita aos documentos enviados se verifica a existência de alunos residentes fora da área influência dessa instituição.". Doc. 10 da PI.

20 - Já com o ano escolar 2015/2016 em curso e apenas uma turma do 5º ano “validada”, a requerente, de modo a obter do requerido a validação de ao menos mais uma turma, optou por alterar a constituição das turmas B e C, em 16/09/2015, passando a turma B para 26 (vinte e seis) alunos e a turma C para 13 (treze) alunos, tendo de imediato inserido esses dados na plataforma informática da DGEstE (cfr. doc. n° 10).

21 - Sobre a nova constituição da turma B incidiu decisão do Senhor Director-geral da DGEstE, em 14/9/2015, conforme página 2 de 4 do documento 12 da PI, que aqui se dá por reproduzido, transcrevendo o seguinte segmento: “Validado”.

22 - Sobre a nova constituição da turma C incidiu decisão do Senhor Director-geral da DGEstE, no mesmo dia 14/9/2015, conforme página 2 de 4 do documento 12 da PI, que aqui se dá pro reproduzido, transcrevendo o seguinte segmento: “Não Validado. As turmas devem cumprir com o Despacho nº 7-B/2015 de 7 de Maio”.

23 - Como a Autora também desta feita tivesse manifestado a sua discordância conforme exposição e requerimento cujo teor no doc. 13 da PI aqui se dá como reproduzido, o Senhor Director-geral da DGEstE expediu à Autora e esta recebeu em 6/10/2015 a comunicação escrita com a referência 18433/2015 cujo teor a doc. 14 da PI aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o corpo do texto:
ASSUNTO: RECLAMAÇÃO/VALIDAÇÃO DE TURMAS
Serve o presente para informar que a constituição de turmas deve obedecer aos normativos em vigor, nomeadamente, ao Despacho normativo nº 7-B/2015 de 7 de maio,
No artigo 20° está tipificado o número de alunos que uma turma do 2° CEB deve ter.
A constituição, a título excepcional, de turmas Com número inferior ao estabelecido no artigo 20º carece de autorização dos serviços do MEC competentes.
Neste sentido, tem a DGEstE vindo a alertar para o facto de a turma não cumprir os mesmos normativos, não validando a referida turma.

24 - Relativamente ao ano lectivo de 2015/16, a DGEstE validou a constituição de três turmas, respectivamente com 20, 15 e 15 alunos, na Escola Básica nº 2 de SS..., concelho de Coimbra.

25 - E validou, para o 5° ano de escolaridade no ano escolar, a constituição de 5 (cinco) turmas na Escola Básica Integrada GP..., concelho de Pombal, cuja constituição é:

1) 17 alunos no 5° A;
2) 19 alunos no 5° B;
3) 17 alunos no 5° C;
4) 15 alunos no 5° D; e
5) 16 alunos no 5° E, (docs. nºs 18 a 22 da PI).
26 - O apoio financeiro a conceder pelo Requerido à Autora durante a execução do contrato é função do número de turmas “validadas”, em cada ano lectivo.

27 - É de 80 500 € por ano, até ao final do ciclo, o valor da contraprestação contratual de que a A. se verá privada devido à não validação da turma C.

2– DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
No presente processo cautelar está em causa o pedido do recorrido de suspensão do despacho da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGesTE) na parte em que não validou a turma C) do 5º ano de escolaridade do Centro de Estudos Educativos de A... SA, bem como que se autorize o funcionamento da referida turma no âmbito do Contrato de Associação que celebrou com o recorrente, procedendo-se provisoriamente ao pagamento devido.
No que se refere ao requisito relativo ao fumus boni iuris, a decisão recorrida começa por afastar, e bem, a aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, referindo que em face da complexidade da matéria factual e do enquadramento jurídico das questões suscitadas pelas partes não é flagrante nem indiscutível a ilegalidade do acto suspendendo.
Como estamos perante a análise de uma providência antecipatória, uma vez que está em causa a autorização do funcionamento de uma turma no âmbito de um contrato de associação, e o respectivo pagamento, ainda que provisório, a decisão recorrida passou então à análise dos requisitos constantes da alínea c) do referido artigo 120º do CPTA, nomeadamente no que se refere ao fumus boni iuris na sua intensidade mais forte, tendo concluído que o mesmo se verifica.

Vejamos então.
Refere o n.º 1, alínea c) do artigo 120º do CPTA que:
1 - (...) as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

Do exposto verifica-se que a providência cautelar poderá ser decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, tendo sido consagrado a juridicidade material –“fumus boni iuris”, na sua vertente mais forte, como padrão da decisão cautelar. No que se refere a este último critério é de salientar que a lei opta por uma graduação, em função da tipo de providência, tornando-se necessário quando se trata de uma providência antecipatória, o que é o caso, que o critério da aparência do bom direito deva ser mais exigente, devendo tornar-se provável “ que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
Como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, revista, 2010, (pág. 808), “ como neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida, ou a deduzir no processo principal….
Ou seja, no caso das providências antecipatórias, a lei obriga a formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão da providência (José Carlos Vieira de Andrade, in, A justiça Administrativa, pág. 335).
Como se refere no Acórdão deste Tribunal proc. n .º 02253/10.7BEBRG-A, de 25-01-2013:
V. O critério do “fumus boni iuris” inserto na al. c) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA intervém na sua formulação positiva, obrigando para o decretamento da providência que exista um juízo positivo de probabilidade sobre tal critério a operar através da “intensificação da cognição cautelar”, ou seja, duma “apreciação mais profunda e intensa da causa”.
VI. Não se exige ou se impõe ainda assim uma prova aprofundada dos elementos materiais constitutivos do direito de que o requerente se arroga ser detentor, já que se trata duma “sumaria cognitio”, dum juízo de probabilidade ou verosimilhança [de «mera previsibilidade»], que, como tal, não exige uma indagação exaustiva do direito em questão a qual está reservada para a ação principal.

Feitas estas considerações voltemos ao caso concreto.

O recorrente solicitou ao Ministério da Educação a atribuição de financiamento para três turmas, ao que agora nos interessa, para o 5º ano de escolaridade, referente ao ano de 2015/2016.
Entretanto foi outorgado contrato de Associação entre o recorrente, Ministério da Educação e o recorrido, Centro de Estudos Educativos de A... Lda. (n.º 11 da matéria de facto dada como provada), no dia 20 de Agosto de 2015, que tinha por objectivo a concessão de apoio financeiro à constituição de 24 turmas do 2º CEB, 3ºCEB e ensino secundário.
Das referidas 24 turmas faziam parte as três turmas do 5º ano.
Refere o n.º 2 da cláusula 1ª do referido contrato que: “ o apoio a conceder durante a execução do contrato é atribuído ao número de turmas que efectivamente venham a ser constituídas e validadas, em cada ano lectivo”.
O recorrido, em data não posterior a 25 de Agosto de 2015, mediante exportação para a respectiva plataforma informática do Ministério da Educação, comunicou a constituição de três turmas para o 5º ano de escolaridade; uma turma com 20 alunos, estando incluído um aluno com necessidades educativas especiais, uma turma com 20 alunos e outra com 19.
O Ministério da Educação comunicou que não validava as turmas B) e C) uma vez que não cumpriam com o Despacho Normativo n.º 7-B/2015, de 7 de Maio.
Após várias diligências, o recorrido reformulou as turmas e procedeu à constituição da turma B) com 26 alunos e a turma C) com 13 alunos.
O recorrente validou a constituição da Turma B), mas não a Turma C).
É esta a questão em apreço.
O motivo da não validação da turma C) pretende-se com o referido no artigo 20º do Despacho Normativo nº 7-B/2015, de 7 de Maio, que refere:
Constituição de turmas nºs 2.º e 3.º ciclo do ensino básico
1 — As turmas do 5.º ao 9.º ano de escolaridade são constituídas por um número mínimo de 26 alunos e um máximo de 30 alunos.
2 — Nºs 7.º e 8.º ano de escolaridade, o número mínimo para a abertura de uma disciplina de opção do conjunto das disciplinas que integram as de oferta de escola é de 20 alunos.
3— As turmas que integrem alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente, cujo programa educativo individual o preveja e o respectivo grau de funcionalidade o justifique, são constituídas por 20 alunos, não podendo incluir mais de dois alunos nestas condições.

Como a turma C) do 5º ano de escolaridade era constituída apenas por treze alunos, não foi a mesma validada.
O recorrido vem sustentar que o acto de recusa na validação da referida turma padece de inconstitucionalidade orgânica, formal e material por restringir o direito fundamental de aprender e ensinar, incluindo o dos pais à escolha e à orientação do processo educativo dos filhos. Violará ainda o princípio da boa-fé e o princípio da igualdade uma vez que há escolas em que foi permitido constituir turmas com menos alunos que os 26 referidos no Despacho Normativo em causa.
A decisão recorrida vem sustentar que é plausível que ocorra uma declaração de ilegalidade e de inconstitucionalidade formal e orgânica do artigo 20º do Despacho Normativo nº 7-B/2015 e a consequente procedência da pretensão da Autora no processo principal, por efeito directo do contrato de associação. Fundamenta a sua posição no facto de a constituição de turmas referido no Despacho Normativo ser ilegal por falta de norma habilitante.
Não concordamos com tal posição.
Refere o Despacho Normativo ora em causa no seu preâmbulo que:
Assim, e tendo presente os princípios consignados na Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, alterada pelas Leis nºs 115/97, de 19 de Setembro, 49/2005, de 30 de Agosto, e 85/2009, de 27 de agosto, no Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 5 de Dezembro, no regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nºs 224/2009, de 11 de Setembro, e 137/2012, de 2 de Julho, e no regime de matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade obrigatória, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 176/2012, de 2 de Agosto, e no uso das competências delegadas pelo Ministro da Educação e Ciência através do Despacho n.º 4654/2013, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 3 de Abril de 2013, e do Despacho n.º 14215/2014,publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 228, de 25 de Novembro, determina-se:

Ou seja, verifica-se que o Despacho Normativo, como regulamento que é, e isso não se coloca em questão, vem ancorar a sua fundamentação nos diversos diplomas que regulamentam o ensino básico e secundário.
Está em causa quer a Lei de Bases do Sistema Educativo, o Estatuto do Aluno, assim como o diploma que estabelece as regras referentes ao regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário. Está ainda em causa, o diploma que estabelece o regime de matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade obrigatória.
Refere o Despacho Normativo, logo no seu artigo 1º, que o mesmo visa:
a) Os procedimentos da matrícula e respectiva renovação;
b) As normas a observar na distribuição de crianças e alunos, constituição de turmas e período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e de ensino.
Ou seja, o Despacho Normativo vem regulamentar os procedimentos, a constituição das turmas e o período de funcionamento escolar, na sequência dos diplomas anteriormente referidos, pelo que não se vê que o mesmo padeça de qualquer inconstitucionalidade por falta de norma habilitante.
No preâmbulo do referido Despacho Normativo vêm expressamente referidas as normas em que o mesmo se fundamenta.
De notar que há várias espécies de regulamentos, não se tornando necessário, como decorre da decisão recorrida, que todas as matérias regulamentadas tenham que estar previamente referidas na norma habilitante. Têm é que decorrer da matéria a regulamentar.
Há os regulamentos complementares e de execução, e há os regulamentos independentes e autónomos.
Apesar de estarmos perante uma providência cautelar, em que a análise do conhecimento dos vícios invocados terá sempre um carácter perfunctório, não podemos deixar de referir que estamos perante um regulamento de execução, que poderá ser, no que se refere à constituição das turmas, classificado como espontâneo (na terminologia de Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol II, 2011, 2ª edição, pag. 186).
Na verdade a constituição das turmas decorre dos normativos já invocados e dos projectos educativos levados a cabo por cada escola ou agrupamento de escolas e é resultado quer da Lei de Bases do Sistema Educativo, quer das normas que aprovam o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário, republicado pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de Julho, e que atribui competências ao Director da Escola e ao Conselho Pedagógico para a elaboração das turmas e horários.
A constituição das turmas e o estabelecimento dos horários decorrem do desenvolvimento normal dos projectos educativos de cada estabelecimento de ensino. São a execução desses mesmos projectos.
De notar que dentro da autonomia própria do Ministério da Educação e no âmbito da sua competência, sempre estará incluída a possibilidade de poder regular a forma de funcionamento dos estabelecimentos de ensino, nomeadamente quanto à elaboração das turmas e horários de funcionamento. Ou seja, mesmo que não fosse através de regulamentos de execução sempre a entidade recorrente poderia recorrer a regulamentos independentes para assegurar essa sua atribuição específica. Estamos no domínio dos regulamentos independentes que, como refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2011, 2ª edição, pag. 186” são “ Independentes ou autónomos são , diferentemente, aqueles regulamentos que os órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar a realização das suas atribuições específicas em cuidar de desenvolver os complementar nenhuma lei em especial. Quer dizer são regulamentos em que a lei se limita a definir a competência subjectiva ou objectiva, sem necessidade de definição do conteúdo dos comandos normativos a emitir pelo regulamento (liberdade de definição do conteúdo normativo)…Os regulamentos independentes são afinal de contas expressão da autonomia com que a lei que distinguir certas entidade públicas, confiando na sua capacidade de autodeterminação e no melhor conhecimento de que normalmente desfrutam acerca das realidades com que têm de lidar.
No entanto, no caso presente, e como já referimos, tudo indica estarmos perante um regulamento de execução, não se podendo concluir que, no juízo perfunctório que em sede cautelar cumpre realizar, haja qualquer inconstitucionalidade do mesmo por falta de lei habilitante.
Por seu lado é de referir que o mesmo se aplica, como se refere no n.º 2 do artigo 1º aos “ estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contratos de associação”. Na verdade, para se poderem celebrar contratos de associação, torna-se necessário que os estabelecimento de ensino cumpram com determinadas regras, regras essas, aliás, aplicadas a todos os estabelecimentos, quer públicos quer privados, pelo que não se vê que haja qualquer irregularidade nesse âmbito de aplicação.
Aliás, a posição da decisão recorrida levada às suas últimas consequências levava-nos a conclusões irrealistas. Como não havia número mínimo de alunos por cada turma contratualizada, poder-se-iam constituir turmas com 4, 5 ou 6 alunos e o Estado teria que proceder ao pagamento das mesmas. De notar que o pagamento, no montante anual de € 80 500,00 (n.º 27 da matéria de facto dado como provado) é por turma contratualizada.
De todo o exposto se conclui que a inconstitucionalidade referida na decisão recorrida e que fundamentou o facto de a acção principal poder ser procedente, não é certo que se venha a verificar.
De acrescentar que não é o facto de se ter regulado o número mínimo de alunos por turma nos estabelecimentos de ensino que leva a que ocorra uma violação do direito de aprender e ensinar e o direito dos pais à escolha e orientação do processo educativo dos filhos.
Quanto a esta questão estamos perante dois conceitos distintos no âmbito do direito de acesso dos cidadãos ao ensino. Temos, por um lado, os que defendem que os alunos, ou os seus pais, têm o direito de escolher livremente a escola que preferem, seja de entre as escolas estatais, seja de entre as escolas privadas, mas sempre com a garantia de gratuitidade durante o ensino obrigatório e com igualdade de oportunidades nos graus de ensino não obrigatório, e os que defendem que o ensino deve ficar a cargo do Estado, que deverá para isso criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidade de toda a população, cabendo ao ensino privado um papel fundamental, mas alternativo ou paralelo à solução propiciada para o sector público.
Refere o artigo 43º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 1 que é garantida a liberdade de aprender e ensinar e o seu n.º 4 que, é garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas. Por seu lado refere também a Constituição, mas no seu artigo 75º, que: “1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. 2 O estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo nos termos da Lei”.

Ora, não há dúvidas que o nosso sistema constitucional consagra o princípio do sistema público de ensino universal e geral. O ensino cooperativo e privados são livres, no entanto cabe-lhes um papel paralelo ou alternativo ao sistema público. Como referem JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, in anotação a este artigo (CRP anotada pág. 904), “ o sistema público de ensino é, portanto, universal (pois está acessível a todos e tem de responder às necessidades de toda a gente) e geral (pois tem de englobar todos os tipos, áreas e graus do ensino). Toda a necessidade de ensino há-de ter uma resposta no ensino público. Todos têm direito à escola pública. O facto de em certo domínio existir ou poder vir a existir uma escola particular ou cooperativa não isenta o Estado do cumprimento da obrigação constitucional. O ensino particular e o cooperativo são livres, mas, hão-de ser, constitucionalmente, uma solução alternativa ou paralela da solução propiciada pelo ensino público, carecendo de fundamento constitucional o recorte de um dever jurídico do Estado garantir um hipotético princípio de equiparação entre o ensino público e o ensino privado. Desde logo, porque continua a existir uma diferença fundamental: os estabelecimentos de ensino público prestam um serviço público e no interesse público; as escolas privadas, mesmo com reconhecimento de interesse público, prestam serviço privado no interesse dos seus titulares. O facto de numa determinada área de ensino ou região já haver uma escola privada ou uma escola cooperativa, sem que exista uma escola pública, não é motivo para não criar esta; é, antes, prova de que há uma necessidade pública de ensino que não encontra resposta, como devia, no sistema público de ensino. …Sempre que haja défice de oferta do ensino público (por incumprimento do Estado do seu dever de criar as escolas necessárias), o Estado não deve ficar isento do seu dever de prestação do ensino, podendo e devendo para esse efeito acordar com escolas privadas (particulares ou cooperativas) a prestação do serviço público de ensino, em condições iguais às das escolas públicas (programa, gratuitidade, avaliação, etc.), mediante a devida compensação e controlo. Neste contexto se inserem também os contratos de colaboração contratos de prestação de serviços — entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas em áreas carenciadas de rede escolar pública (cfr. DL nº 553/80, de 21-11)”.

Nesta sequência, e quanto ao ensino particular e cooperativo, veio a ser aprovado o respectivo Estatuto, por último, através do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro, que refere expressamente, que compete ao Estado, de acordo com o artigo 5º: a) Garantir a liberdade de criação e de funcionamento de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo; b) Garantir a qualidade pedagógica e científica do ensino; c) Apoiar o acesso das famílias às escolas particulares e cooperativas, no âmbito da livre escolha.

Ou seja, no nosso sistema jurídico não se encontra consagrado o princípio de que os alunos, ou os seus pais, podem escolher livremente uma escola pública ou privada com garantia de gratuitidade de ensino. Nem a Constituição o garante, nem o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
De acrescentar que também não se vê que seja provável que os vícios invocados ao acto impugnado possam vir a ser procedentes. No que se refere aos vícios de forma por falta de audiência prévia e falta de fundamentação verifica-se, através de uma análise perfunctória que não serão passíveis de poderem vir a ser procedentes. Conclui-se da matéria de facto dada como provada que o recorrido participou por várias vezes no procedimento tendo apresentado várias reclamações, e tendo obtido resposta às mesmas. Ou seja, não há dúvidas que participou no procedimento, o objectivo pretendido através da audiência dos interessados. Por seu lado, não pode sustentar que o acto não está fundamentado, quando o mesmo apenas refere que a constituição das turmas não estava de acordo com o Despacho Normativo n.º 7-B/2015, de7 de Maio. O recorrido percebeu o que estava em questão de tal modo que alterou a constituição as turmas para que, pelo menos uma delas passasse a estar de acordo com o referido despacho Normativo, ou seja, com 26 alunos.
Sustenta o recorrido que está obrigado a aceitar a matrícula de todos os alunos até à lotação das turmas contratualizadas. O indeferimento da sua pretensão violará assim o princípio da confiança, e padecerá de erro nos pressupostos de facto. Ora, o que o recorrido está obrigado, de facto é c) Garantir a matrícula aos interessados até ao limite da lotação do estabelecido no respetivo contrato de associação, de acordo com as preferências definidas no despacho sobre matrículas, de acordo com o artigo 18º alínea c) do estatuto do Ensino Particular e cooperativo de nível não superior. Mas, como se refere no artigo mencionado, até ao limite da lotação contratualizada.
De acrescentar que não se considera que esteja violado o princípio da igualdade por ter sido permitido às escolas referidas nos artigos 24º e 25º da matéria de facto dada como provada constituírem turmas com um número de alunos inferior a 26. Estamos perante Escolas que não sabemos se têm alunos com necessidade educativas especiais, e perante Escolas Públicas onde não há necessidade de proceder a qualquer contratualização.

De notar que não está em causa nos presentes autos apenas a suspensão do acto de indeferimento da pretensão do recorrido, mas que se considere que a turma C) do 5º ano de escolaridade integre o âmbito do contrato de associação. Ora, tendo esta turma apenas 13 alunos, e devendo as turmas serem constituídas por 26 alunos, não se vê que tal pretensão possa vir a ter ganho de causa no processo principal.
Ou seja, de todo o exposto, tem de se concluir que o pressuposto referente ao requisito do fumus boni iuris, ou seja, de que seja provável que a pretensão a formulada venha a ser julgada procedente, não se verifica.

De acrescentar ainda que também não consideramos, como refere o recorrente nas suas conclusões, que no caso dos autos também se verifique periculum in mora.

No que se refere a este requisito, refere Mário Aroso de Almeida (in, O Novo Regime do processo nos Tribunais Administrativos, pág. 260) que “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.
Continua aquele Ilustre mestre a referir que a providência deve também ser concedida, sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos (negrito nosso) alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.
Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:
“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração especifica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente (negrito nosso) de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar” compreensível” ou “justificada a cautela que é solicitada”,
A recorrente vem sustentar que o não reconhecimento da Turma C) do 5º ano de escolaridade, como não integrando o contrato de associação, implica que não receba a comparticipação prevista para o ano de 2015/2016 no montante de € 80 5000,00, o que lhe acarretará prejuízos de difícil reparação. Refere que tem o seu quadro de pessoal dimensionado para 21 turmas em contrato de associação e caso não receba a comparticipação em causa fica em situação de não poder cumprir com as obrigações assumidas com trabalhadores, bem como com as despesas próprias relativas à segurança Social, CGA, ADSE e outras, o que conduzirá a uma situação de insolvência e de encerramento do CEEA.
Estes prejuízos invocados são meramente conclusivos.
Não se encontra alegado, nem muito menos demonstrado, que o não financiamento da turma em causa leve aos prejuízos referidos. Não se sabe qual o orçamento da recorrida, e que peso tem o montante referente à contratualização de uma turma nesse orçamento. Que despesa tem o recorrente com os professores e trabalhadores e que despesas não poderão não ser suportadas se não houver financiamento da turma.
Não basta argumentar que o não financiamento de uma turma leva a uma situação tão radical como a descrita. Era necessário demonstrar que essa quebra punha em causa a subsistência do recorrido mediante a alegação e prova de factos devidamente especificados.

Ora, em face dos factos dados invocados pelo recorrido no seu requerimento inicial, verifica-se que este não logrou demonstrar suficientemente a verificação do exigível “periculum in mora”.
Nas suas conclusões vem o recorrido referir que através de decisão do TAF de Leiria que julgou procedente providência cautelar de teor idêntico ao que agora está em causa, se teria formado caso julgado relativamente a algumas das questões colocadas neste recurso. De referir que além de estarmos perante questões novas, a decisão proferida na 1ª instância em Leiria, num processo diferente, com partes diferentes, não condiciona em nada a apreciação deste Tribunal quanto ao recurso ora interposto.
Por estar em causa a adopção de uma providência antecipatória e não se vislumbrando o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos no artº 120º n.º 1 alínea c) do CPTA, para que a mesma pudesse ser concedida, não será de manter a decisão recorrida.

3 – DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e indeferir a presente providência cautelar.

Custas pelo Recorrido.
Notifique.
Porto, 5 de Fevereiro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luis Miguéis Garcia
Ass.: Esperança Mealha