Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00046/08.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:DESCRITORES: IRC, FACTURAS FALSAS
Sumário:I – O artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente o que em seu entender são factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, a decisão que devia ter sido tomada e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
– Por força dos princípios da oralidade e da imediação (cf. artigos 590º a 606º do CPC) e da livre apreciação da prova (artigo 607º nº 5 do CPC) norteadores de toda a instrução no nosso Processo Civil e, por via dos artigos 2º e 281º do CPPT, também do Tributário, a apreciação, em recurso de apelação, do mérito da decisão recorrida quanto às provas verbais não pode consistir num novo julgamento da matéria de facto, antes deve ficar-se pela detecção do erros revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.

III - No que respeita às facturas tidas por falsas pela AT, a sentença decidiu, não com base numa indemonstrada falsidade das mesmas, mas sim com base na falta de prova, pela Impugnante, da sua autenticidade; e nisso julgou bem, pois fê-lo em conformidade com as regras de ónus da prova inerentes ao disposto no artigo 75º nº s 1 e 2 alª a) da LGT.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

M., NIPC (...), com sede na Rua (…), interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 24 de Abril de 2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial movida contra as liquidações oficiosas de IRC e Juros Compensatórios, dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, no valor total de €25.618,70.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1ª - Atenta a prova produzida nos autos, quer em termos documentais, quer em termos de depoimentos testemunhais, o Tribunal “a quo” não poderia ter deixado de concluir que assiste razão à Impugnante.
2ª - Os documentos são idóneos e as testemunhas arroladas depuseram de forma isenta, imparcial e desinteressada, confirmando na globalidade os factos invocados pela impugnante.
3ª - Considerou o Tribunal “a quo” que a Impugnante não carreou para os autos elementos susceptíveis de contrariar os indícios de simulação recolhidos pela AT, demonstrando a materialidade dos serviços enunciados nas facturas.
4ª - Atenta a prova documental e testemunhal produzida, impunha-se resposta diferente pelo Tribunal “a quo” aos pontos I e VIII dos factos não provados, dando-se os mesmos como provados, bem como a consideração de factos provados que não foram considerados;
5ª - Não valorizou o Tribunal “a quo” tudo o declarado pelas testemunhas em causa, credíveis, desinteressadas e sérias, nos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento em 29/04/2014, que se transcrevem na íntegra.
6ª - O modo de trabalhar da Impugnante mantém-se, apenas tendo sofrido adaptações impostas pelas exigências legais, nomeadamente, em termos contabilísticos.
7ª - Era normal e legal que fossem efectuados adiantamentos e pagamentos finais em dinheiro, mesmo que de quantias avultadas.
8ª - Era normal e legal o recurso a fundos de maneio próprios dos sócios e de familiares.
9ª - O modo de trabalhar da Impugnante foi aceite pela Administração Fiscal em inspecções realizadas relativas aos exercícios de 2008 a 2010.
10ª - Em sede de inspecção para efeitos de IRS do sócio-gerente da Impugnante, o procedimento relativo aos cheques da empresa foi explicado e aceite.
11ª - Era habitual, no ramo de negócio da Impugnante, que não houvesse orçamentos, ajustes prévios, que fosse tudo apalavrado e decidido em cima da hora.
12ª - E é a experiência dos sócios da Impugnante quanto à dificuldade e preço dos serviços prestados que permite avaliar os valores apresentados.
13ª - As facturas apelidadas como “falsas” foram pagas e correspondem a serviços efectivamente prestados.
14ª - As testemunhas inquiridas reconheceram os eventos em causa, estiveram presentes.
15ª - Como é natural, não presenciaram a contratação da F., Lda.., mas explicaram os procedimentos habituais da Impugnante e das suas próprias empresas, quer entre si quer com a F., Lda.
16ª - Tendo em conta o lapso temporal decorrido entre os factos (2003, 2004 e 2005), a impugnação (2008), o julgamento (2014) e a sentença (2020), há que analisar os depoimentos das testemunhas sobre o modus operandi da como a única prova possível que a Impugnante pôde trazer aos autos, já que não existem orçamentos, os adiantamentos eram feitos em dinheiro, pessoalmente, pelo sócio-gerente ou familiares, que contratou directamente, sem mais intermediários, os serviços da F., Lda..
17ª - Deverá proceder-se à alteração da resposta à matéria de facto, dando-se como PROVADO com base nos depoimentos gravados e transcritos das testemunhas S., E., C., V. e T..
13. A sociedade F., Lda recorre a subempreiteiros, não tem fundos de maneio e consegue preços muito competitivos, desde que houvesse pagamentos em adiantado;
14. Quando foram contratados os serviços da F., Lda., ficou combinado que a Impugnante teria de efectuar pagamento em adiantado;
15. É o sócio gerente da Impugnante, M.X, com fundos próprios ou com recurso a familiares que vai fazendo adiantamentos necessários para que se consigam os tais serviços a preços competitivos;
16. Quando a Impugnante facturou e recebeu das entidades a quem prestou serviços, fez regularizações junto da F., Lda., emitindo cheques que por sua vez esta endossou, a título de devolução dos adiantamentos;
17. O sócio da Impugnante, M.S, devolveu por sua vez os valores a quem fez os adiantamentos;
18. A factura n.º 95 de 4.11.2003 no valor de €20.825,00 corresponde à montagem de estruturas (expositores, passerelles nos serviços prestados à Fundação (...) – ciclo de design no silo – espaço cultural e B. – lançamento de catálogo;
19. A factura n.º 203 de 22.04.2005 corresponde ao fornecimento de serviços e construção de estruturas de apoio aos serviços prestados por M., SA, designadamente passerelles e cenários para elaboração de catálogos para a G., Lda.;
20. A factura n.º 225 de 29.09.2005 corresponde ao fornecimento de serviços e construção de estruturas de apoio aos serviços prestados por M., SA, designadamente passerelles e cenários para elaboração de catálogos para a C., Lda. e dos eventos para a N.;
Aditando-se ainda os seguintes factos provados:
21. Quanto à Factura nº 241819.04, de 16/06/2004, no valor de € 4.990,00, da “C.E, Lda.”, o equipamento adquirido (televisor plasma e demais componentes) é essencial para a prossecução do objecto social da Impugnante, tendo em conta que a maior parte da sua actividade se centra na promoção de eventos, assessoria de imprensa e relações públicas e produção de conteúdos para programas audiovisuais;
22. A Factura nº 33/500903, de 10/08/2005, da “T.A”, no valor de € 2.550,00, corresponde à deslocação do administrador da empresa a Ibiza, em Espanha, local particularmente relevante no que diz respeito a tendências de moda, principalmente no Verão, a fim de recolher dados e inspiração para os diversos eventos de moda, design, feiras e exposições a realizar pela Impugnante.
18ª - Não é legítima a correcção ao lucro tributável de 2003, 2004 e 2005.
19ª - Verifica-se uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos e lucros.
20ª - A argumentação deduzida pela Administração Fiscal para fundamentar as correcções relativas aos anos de 2003, 2004 e 2005, sob a capa meramente formal de “fundamentação”, assenta não em factos concretos e provados, mas em meras presunções e suposições.
21ª - Presumiram-se, com efeito, factos que facilmente seriam objecto de prova do contrário caso a Inspecção Tributária tivesse atendido às provas e às explicações da Impugnante, prestadas à data da inspecção.
22ª - Enfermam as liquidações ora impugnadas, por todos estes factos, de ilegalidade, pelo que deverão ser anuladas.
23ª – Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 349º, 350º, 362º e seguintes e 396º do Código Civil, 410º, 411º, 413º, e 414º do CPCivil, 19º, 20º, 35º e 82º do CIVA e 58º, 74º, 75º da LGT.
Termos em que, em conformidade com tudo o que vai exposto, deverá ser revogada a Sentença proferia em 1ª Instância, substituindo-se por acórdão que julgue procedente, por provada, a presente impugnação e, em consequência, serem anuladas / declaradas nulas as liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2003 (nota de liquidação nº 20078310016813), 2004 (nota de liquidação nº 20078310016949) e 2005 (nota de liquidação nº 20078310016961), e respectivos juros compensatórios, da Direcção-Geral dos Impostos, pela circunstância de tais liquidações serem ilegais, nos termos das alíneas a) e c) do art. 99º do CPPT.
Sem prescindir, dando-se por reproduzidos todos os argumentos despendidos supra, sempre seria de verificar-se a dúvida a que alude o art. 100º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, a legitimar a anulação da liquidação sub judice.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível ao seguinte excerto:
(…)
Nestes autos impugnam-se as liquidações relativas ao IRC.
Essa correcção resultou de se ter apurado que a sociedade impugnante tinha contabilizado naqueles exercícios facturas emitidas pela sociedade “F. Lda”, que a administração tributária entendeu que não respeitavam a prestações serviços que tivessem efectuado à sociedade impugnante.
A administração tributária fundamentou as correcções no relatório da acção inspectiva, que considerou como falsas todas as facturas que tivessem sido emitidas pela sociedade “F. Lda.”.
**** ****
O Tribunal apreciou a prova produzida.
A única conclusão a tirar foi aquela que o Tribunal tirou de que se estava perante operações comerciais simuladas.
**** ****
A sociedade “M.”, ora recorrente impugnou a decisão recorrida quanto à matéria de facto e pediu a final a revogação da sentença recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
- Atenta a prova produzida nos autos, quer em termos documentais, quer em termos de depoimentos testemunhais, o Tribunal “a quo” não poderia ter deixado de concluir que assiste razão à Impugnante.
- Os documentos são idóneos e as testemunhas arroladas depuseram de forma isenta, imparcial e desinteressada, confirmando na globalidade os factos invocados pela impugnante.
- Considerou o Tribunal “a quo” que a Impugnante não carreou para os autos elementos susceptíveis de contrariar os indícios de simulação recolhidos pela AT, demonstrando a materialidade dos serviços enunciados nas facturas.
- Atenta a prova documental e testemunhal produzida, impunha-se resposta diferente pelo Tribunal “a quo” aos pontos I e VIII dos factos não provados, dando-se os mesmos como provados, bem como a consideração de factos provados que não foram considerados;
- Não valorizou o Tribunal “a quo” tudo o declarado pelas testemunhas em causa, credíveis, desinteressadas e sérias, nos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
- Era normal e legal que fossem efectuados adiantamentos e pagamentos finais em dinheiro, mesmo que de quantias avultadas.
- Era normal e legal o recurso a fundos de maneio próprios dos sócios e de familiares.
- Era habitual, no ramo de negócio da Impugnante, que não houvesse orçamentos, ajustes prévios, que fosse tudo apalavrado e decidido em cima da hora.
- E é a experiência dos sócios da Impugnante quanto à dificuldade e preço dos serviços prestados que permite avaliar os valores apresentados.
- As facturas apelidadas como “falsas” foram pagas e correspondem a serviços efectivamente prestados.
- Tendo em conta o lapso temporal decorrido entre os factos (2003, 2004 e 2005), a impugnação (2008), o julgamento (2014) e a sentença (2020), há que analisar os depoimentos das testemunhas sobre o modus operandi da como a única prova possível que a Impugnante pôde trazer aos autos, já que não existem orçamentos, os adiantamentos eram feitos em dinheiro, pessoalmente, pelo sócio-gerente ou familiares, que contratou directamente, sem mais intermediários, os serviços da F., Lda..
- Deverá proceder-se à alteração da resposta à matéria de facto, dando-se como PROVADO com base nos depoimentos gravados e transcritos das testemunhas S., E., C., V. e T. que os serviços contabilizados foram efectivamente prestados
- A argumentação deduzida pela Administração Fiscal para fundamentar as correcções relativas aos anos de 2003, 2004 e 2005, sob a capa meramente formal de “fundamentação”, assenta não em factos concretos e provados, mas em meras presunções e suposições.
- Presumiram-se, com efeito, factos que facilmente seriam objecto de prova do contrário caso a Inspecção Tributária tivesse atendido às provas e às explicações da Impugnante, prestadas à data da inspecção.
- Enfermam as liquidações ora impugnadas, por todos estes factos, de ilegalidade, pelo que deverão ser anuladas.
- Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 349º, 350º, 362º e seguintes e 396º do Código Civil, 410º, 411º, 413º, e 414º do CPCivil, 19º, 20º, 35º e 82º do CIVA e 58º, 74º, 75º da LGT.
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Nos termos do art.º 123.º n.º 2 do CPPT, o Juiz discriminará a matéria de facto prova nada da não provada fundamentando as suas decisões.
Nos termos do art.º 125.º n.º 1 constituem causas de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
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O art.º 607.º n.º 5 do CPC, consagra o princípio da livre apreciação das provas dispondo que o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Todavia, a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial nem aqueles que só possam ser provados por documentos, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade.
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O princípio da livre apreciação da prova não aponta, nem pode apontar para uma apreciação dos factos que seja imotivável, incontrolável e logo arbitrária.
A convicção do Juiz tem de ser pessoal, mas não pode ser puramente subjectiva e emocional pois uma das funções da sentença é o de convencer os interessados da bondade e do bom fundamento da decisão.
Essa convicção só existirá quando o Tribunal se convencer da verdade dos factos para além de uma dúvida razoável.
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Ora, a sentença recorrida elenca os factos que deu como provados e os factos que deu como não provados.
A administração tributária recolheu e demonstrou a verificação de um conjunto de indícios credíveis, seguros, sérios e consistentes de que não tinham existido as operações comerciais contabilizadas pela impugnante.
Assim, tal como se decidiu no acórdão proferido pelo TCAN em 29 de Novembro de 2006 no âmbito do processo 168/02, «tendo a administração fiscal recolhido indícios sérios e credíveis de que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a operações reais ( emitente legalmente sem actividade, falta de documentos comprovativos dos pagamentos, assinaturas constantes das facturas não condizentes com vários documentos dos emitentes ) cabia ao contribuinte provar a materialidade das operações, nomeadamente, o local concreto da prestação dos serviços, identificação de quem os realizou e forma de pagamento»
«É à Fazenda Pública que cabe provar os indícios de que determinadas facturas não correspondem a serviços efectivamente prestados, cabendo ao contribuinte provar que os trabalhos foram efectivamente prestados» (Ac. do TCAS de 23/1/2007, processo 1365/06)
«Sendo certo que ... o acto tributário não goza de presunção de legalidade... e que a declaração do contribuinte goza de uma aura de verdade... no caso da avaliação da situação dos emitentes das facturas redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transacções fictícias, obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro.
A génese destas situações não pode ser outra que não o comportamento assumido por este, mas sempre e necessariamente com a complacência do receptor da facturação» (Ac. do TCAN de 1/3/2007, processo 00027/00)
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Este TCAN, em acórdão recente, entendeu que a prova da realidade das operações tem de ser inequívoca, positiva, concludente e sem margem para dúvida da realidade das operações facturadas. Tal prova deve ser concretizadora em termos de tempo, espaço e valores envolvidos no sentido da demonstração correcta da cada operação… (Ac. do TCAN de 5/11/2020, processo n.º 497/08.0BEPRT)
“Quando estão em causa a desconsideração de custos documentados por facturas, que foram consideradas falsas pela A.T. as regras de repartição do ónus da prova são as seguintes:
Em primeira linha “compete à A.T. fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada.
Em segunda linha, após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir os custos declarados na determinação da matéria tributável nos termos que decorrem do art.º 19.º n.º 3 do CIVA e 23.º n.º 1 do CIRC não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade” (Ac. do TCAN de 19/11/2020, processo n.º 1206/17.9BEBRG)
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Os factos que a sentença recorrida deu como provados e não provados levam a concluir que as operações comercias contabilizadas pela sociedade impugnante não eram verdadeiras.
Não existem fundamentos para revogar a sentença recorrida, que aliás está desenvolvida e muito bem elaborada, quer de facto, quer de direito.
Pelo exposto, somos de parecer que o recurso da sociedade impugnante deve ser declarado improcedente»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim, as questões que, em princípio, cumpre resolver, são as seguintes:

1ª Questão
Errou, a Mª Juiz a qua, quanto ao julgamento em matéria de facto, por isso que deu como não provados, ao invés de provados, os factos descritos no artigo 17º das Conclusões do Recurso?

2ª Questão

Omitiu, indevidamente, a Mª Juiz a qua, a discriminação de outros factos provados, designadamente os como tais referidos na mesma conclusão 7?

3ª questão
“Ao decidir como decidiu”, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs. 349°, 350°, 362° e seguintes e 396° do Código Civil, 410°, 411°, 413°, e 414° do CPCivil, 19°, 20°, 35° e 82° do CIVA e 58°, 74°, 75° da LGT? 

III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte:
«III.1. DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado os factos seguintes:
1. A Impugnante tem como actividade a organização de eventos [facto não controvertido];
2. A sociedade M., SA recorre a outras empresas para assegurar os serviços que presta - cfr. depoimento da testemunha de A.;
3. Em 04/11/2003 a sociedade F., Lda. emitiu a factura n.º 95 em nome de M., SA, no montante total de €20.825,00 de onde decorre a seguinte designação “Prestação de serviços de apoio à organização de diversos eventos em 2003 (…) Montagem de estruturas no S… (Festa da B..)” – cfr. fls. 70 do PA apenso aos autos;
4. Em 22/04/2005 a sociedade F., Lda., emitiu a factura n.º 203 em nome de M., SA, no montante total de €26.715,50 de onde decorre a seguinte designação “Prestação de serviços e construção de várias estruturas de apoio à realização de eventos de Janeiro a Abril de 2005 (…) Serviços efectuados entre Janeiro e Abril de 2005” – cfr. fls. cfr. fls. 71 do PA apenso aos autos;
5. Em 29/09/2005 a sociedade F., Lda., emitiu a factura n.º 225 em nome de M., SA, no montante total de €47.795,00 de onde decorre a seguinte designação “Prestação de serviços e construção de várias estruturas de apoio à realização de eventos de Junho a Setembro (…) Serviços efectuados entre Junho e Setembro de 2005” –cfr. fls. 72 do PA apenso aos autos;
6. Em 25/12/2003, pela Impugnante foi emitido cheque do B…. Nº 0614462252, no valor de €20.825,00, à ordem de “F.”, constando no verso do cheque carimbo da empresa F., Lda., por baixo do qual foi manuscrita a designação da firma F., Lda. e constata-se a existência da assinatura do Dr. MX no campo da “gerência”, e o valor do cheque foi depositado em 31/12/2003, na conta do B… n.º 24212.6 – cfr. fls. 73 do PA apenso;

7. Em 06/2005, pela Impugnante foi emitido cheque do B… Nº 0748816451, no valor de €26.715,50, à ordem de “F., Lda”, constando no verso do cheque carimbo da empresa F., Lda., por baixo do qual foi manuscrita a designação da firma F., Lda. e constata-se a existência da assinatura do Dr. MX. no campo da “gerência”, e o valor do cheque foi depositado em 06/06/2005, na conta do BI n.º 24212.6 – cfr. fls. 74 do PA apenso;
8. Em 09/11/2005, pela Impugnante foi emitido cheque do B Nº 2478238822, no valor de €27.785,00, à ordem de “F.”, constando no verso do cheque carimbo da empresa F., Lda., por baixo do qual foi manuscrita a designação da firma F., Lda. e constata-se a existência de uma assinatura ilegível, e o valor do cheque foi depositado em 10/11/2005, na conta do B n.º 24212.6 – cfr. fls. 75 do PA apenso;
9. Pela Ordem de Serviço n.º OI200604135, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, procedeu-se à inspecção da Impugnante aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, em sede de IRC e IVA [fls. 1 do RIT (fls. 87/101 do PA), que se dá por integralmente reproduzido];
10. Em 27/09/2007, foi elaborado o Relatório Final da Inspecção Tributária e respectivos Anexos, doravante RIT, no âmbito da acção inspectiva referida em 9., [Fls. 87/101 do PA] que aqui se dá por reproduzido, e cujo conteúdo se transcreve parcialmente:

“(…)
Conclusões da Acção Inspectiva
- Correcções aritméticas
1.- Em sede de IRC
- Acréscimos ao Lucro Tributável
Exercício 2003 2004 2005
Acréscimos ao L.T. 17.500,00 712,57 65.212,57
(…)
III – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
(…) Esta ordem de serviço foi emitida por se ter verificado que várias das facturas contabilizadas nos exercícios de 2003, 2004 e 2005 não tinham a forma legal preconizada pelo art. 35.º n.º 5 do CIVA, pois não discriminavam correctamente os serviços e fornecimentos adquiridos. (…)
A actividade desta empresa, segundo o seu pacto social, é a prestação de serviços de gestão e administração de bens e patrimónios próprios e alheios, o comércio, montagem e organização de escritórios, gestão, administração, e promoção da sua utilização, representação de produtos e marcas. Pela documentação exibida, verifica-se que se dedica à organização e promoção de eventos, feiras, etc.
III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
1. – Utilização de facturação falsa
A M. contabilizou como custo dos exercícios de 2003 a 2005, na conta 62.2201 e deduziu o IVA respectivo, facturas emitidas por F. LDA.
São as seguintes as facturas emitidas por F. LDA, contabilizadas por M.:
Fact.
DataDescritivoValor
s/IVA
IVA
954-11-03Prest. Serv. De apoio à organização de diversos eventos Montagem de estruturas no Silo-Norte DShoping (Festa da Best)5.000,00
12.500,00
3.325,00
20322-04-05Prest. Serv. E Construção de várias estruturas de apoio à realização de eventos de Janeiro a Abril de 200522.500,00,4.265,50
22529-09-05Prest. Serv. E Construção de várias estruturas de apoio à realização de eventos de Junho a Setembro39.500,008.295.00
total79 450,0015 885,50
Caracterização da empresa emitente das facturas
A F., Lda., é uma empresa no ramo da construção civil e obras públicas, com actividade sobretudo de recuperação e reconstrução de edifícios.
Verifiquei que só organizou a contabilidade até ao exercício de 2003. (…)
Por outro lado, pela análise da documentação apresentada, verifica-se que a empresa F., Lda., não tem estrutura empresarial, ao nível da mão-de-obra e de equipamentos para executar os serviços que resultam dos valores facturados em 2003, 2004 e 2005. (…)
Em termos de pessoal, nas declarações da segurança social, constavam os seguintes empregados:
- Em 2003: média de 8 empregados (incluindo a sócia-gerente e a empregada de escritório)
- Em 2004: média de 9 empregados (incluindo a sócia-gerente e a empregada de escritório)
- Em 2005: Até Maio 6 empregados (incluindo a sócia-gerente e a empregada de escritório). A partir de Junho declarou apenas um empregado e a sócia-gerente.
Análise das facturas emitidas na óptica do emitente
Conforme se verifica pelo quadro supra, as facturas não descrevem, não quantificam, nem qualificam os fornecimentos e os serviços correctamente, nomeadamente porque não identificam os eventos, as datas e os locais em que se realizaram os serviços e fornecimentos e ainda porque, não identificam, não quantificam nem valorizam os materiais e a mão-de-obra utilizados nessas obras. Estas facturas não têm portanto, forma legal preconizada pelo art. 35 nº 5 al b) e f) do CIVA, nem respeitam o disposto no art. 28 n. 1 al b) do CIVA, que diz que os sujeitos passivos são obrigados a emitir factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços.
- Os descritivos das facturas emitidas à M., não têm a ver directamente com a actividade da empresa F., Lda., que é do ramo da construção civil e obras públicas, nomeadamente a reparação e reconstrução de edifícios.
- Questionada a sócia-gerente da empresa F., Lda., Sra. MY., sobre que os fornecimentos e serviços prestados (SIC), referidos nas facturas n.º 95; 203 e 225 emitidas á M., qual o n.º de empregados utilizados, quais os seus nomes, que tipo de estrutura utilizou? (SIC) Referiu que não se lembrava, mas que ia verificar e recolher elementos para esclarecer. Não o fez até à presente data.
- Quanto ao recebimento do valor facturado, disse que foi em dinheiro como habitualmente.
Análise das facturas na óptica do utilizador
- Foi notificada a M. para apresentar contratos, orçamentos, descritivos completos das operações, em conformidade com o art.º 35.º do CIVA, bem como para demonstrar em que medida os fornecimentos e serviços descritos nas facturas n.º 95, 203 e 225 da empresa F., Lda., estão em conexão com os proveitos realizados pela M..
A administração da M.SA, estabeleceu a conexão com os proveitos, porém não apresentou contratos, nem orçamentos, nem apresentou descritivos completos das operações realizadas.
- A factura nº 95 de 4-11-2003 no valor de €20.825,00, foi paga através do cheque do B…. Nº 0614462252, no valor de €20.825,00, emitido com data de 25-12-2003 em nome da empresa F., Lda. No verso do cheque verifica-se que foi aposto o carimbo da empresa F., Lda., por baixo do qual foi manuscrita a designação da firma F., Lda. e constata-se a existência da assinatura do DR. MX, dando inclusive a sensação de que o Dr. MX. assina na qualidade de gerente da empresa F., Lda.?! Verifica-se também que o valor do cheque foi depositado em 31/12/2006, na conta do B….. n.º 24212.6 que se movimenta com a assinatura do Dr. MX, accionista e administrador da M..
- A factura nº 203 de 22-04-05 no valor de €26.715,00, foi paga através do cheque do B…. Nº 0748816451, no valor de €26.715,50, emitido com data de 06-2005, não foi indicado dia, em nome da empresa F., Lda. No verso do cheque verifica-se que foi aposto o carimbo da empresa F., Lda., por baixo do qual foi manuscrita a designação da firma F., Lda. e constata-se a existência da assinatura do DR. MX, dando inclusive a sensação de que o Dr. MX. assina na qualidade de gerente da empresa F., Lda.?! Verifica-se também que o valor do cheque foi depositado em 06/06/2005, na conta do B…. n.º 24212.6 que se movimenta com a assinatura do Dr. MX., accionista e administrador da M..
- A factura nº 225, de 29-09-05, no valor de 47.795,00€, foi paga através dos seguintes cheques:
- cheque do B….. Nº 2478238822, no valor de €27.785,00, emitido com data de 09-11-2005, em nome da empresa F., Lda. No verso do cheque verifica-se que foi aposto o carimbo da empresa F., Lda., por baixo do qual foi manuscrita a designação da firma F., Lda. e constata-se a existência de uma assinatura ilegível. Verifica-se também que o valor do cheque foi depositado em 10/11/2005, na conta do B…. n.º 24212.6 que se movimenta com a assinatura do Dr. MX., accionista e administrador da MX..
- cheque do B…. Nº 8238823, no valor de €20.000,00, emitido com data de 2005. A M. foi notificada para apresentar fotocópia frente e verso deste cheque, porém até à presente data não apresentaram o referido cheque frente e verso.
Os três cheques acima identificados e, embora tenham sido emitidos à empresa F., Lda., como se verifica todos eles retornaram para uma conta no B…., que se movimenta com a assinatura do accionista e administrador o DR. MX., dando inclusive a sensação em dois desses cheques que o Dr. MX. assina como gerente da empresa F., Lda. o que significa que o valor das facturas voltou para as mãos da M. e do seu accionista e administrador Dr. MX.. Por outro lado, a sócia-gerente de F., Lda., afirmava, em auto de declarações, que recebeu em dinheiro.
Em face dos factos acima expostos, constata-se que as facturas n.º 95, 203 e 225, emitidas à empresa M., se tratam (sic) de facturas falsas, isto é, facturas que não traduzem operações comerciais efectivas, nem quanto aos valores envolvidos, nem quanto às operações comerciais descritas. (…)
Consequências em termos fiscais, na empresa M., pela contabilização de facturas emitidas por F., Lda.: (…)
- Não considerar como custo dos exercícios de 2003 e 2005, os valores das facturas n.º 95, 203 e 225, ao abrigo do art.º 23.º n.º 2 do CIRC. Assim, vai-se acrescer ao Lucro Tributável de 2003, o valor de 17.500,00€ e ao exercício de 2005, o valor de €61.950,00€.
(…)
3.– Aquisições de bens e serviços para administradores e/ou accionistas da N.
3.1 – Aquisição de televisor plasma e acessórios à C.
(…)
3.– Aquisições de bens e serviços para administradores e/ou accionistas da N.
3.1 – Aquisição de televisor plasma e acessórios à C.
A M. contabilizou, como imobilizado da empresa na conta 42.6 e deduziu o IVA respectivo, a factura da C., LDA, N.º 241828.04 datada de 16/06/2004, pela compra de um televisor plasma e respectivos acessórios pelo valor, com IVA incluído à taxa 19%, de 4.990,00€.
O televisor não foi entregue na sede ou instalações da M..
Por esta aquisição contabilizou como custo dos exercícios de 2004 e 2005, em Amortizações e Reintegrações do Exercício (A.R.E) o valor de 712,57€, em cada um daqueles exercícios.
Não efectuou a dedução do IVA constante da factura, no valor de 796,72€. Se fosse um equipamento para a realização dos fins da M., obviamente que teriam deduzido o IVA.
Concluímos que se trata de uma aquisição em favor de um dos accionistas da M. e não uma aquisição para os fins comerciais da mesma.
Assim,
Nos termos do art. 23.º do Código do IRC, não se trata de um custo “indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto…” da empresa, pelo que se vai anular o valor da A.R.E., 712,57€, contabilizado e declarado para IRC, aos custos dos exercícios de 2004 e 2005 e acrescer esses valores aos respectivos Lucros Tributáveis.
Em quadro – resumo:
Exercícios IRC
Acréscimo ao L.T. (art. 23.º n.º 1 CIRC)
2004 712,57€
2005 712,57€
(…)
3.2 – Aquisição de viagem e estadia em Espanha
A M. contabilizou, como custo do exercício de 2005, na conta 62.227201, a Venda a Dinheiro da empresa T., SA, n.º 33/500903, datada de 10/08/2005, pela viagem e estadia em Espanha no valor de 2.550,00€.
Notificada a empresa para justificar em que medida a referida viagem foi necessária para a obtenção dos proveitos daqueles exercícios, a administração afirmou que se tratou de “deslocação do administrador da empresa a Ibiza, em Espanha, (…) a fim de recolher dados e inspiração para diversos eventos de moda, design, feiras e exposições a realizar pela M.”.
Em face da resposta dada pela empresa, não apresentando evidência de que tenham participado em eventos relacionados com a actividade e proveitos da empresa, concluímos que se trata de despesa de conta dos accionistas da M. e não custos relacionados com os fins comerciais da mesma, dado que, nos termos do art.º 23.º n.º 1 do CIRC, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto…”.
Pelo que se vai acrescer ao Lucro Tributável de 2005, o valor de 2.550,00€
Em quadro – resumo
Exercícios IRC
Acréscimo ao L.T. (art. 23.º n.º 1 CIRC)
2005 2.550,00€
(…)»
11. A Impugnante (foi) notificada do RIT referido em 10. [facto não controvertido];
12. Dá-se por reproduzido o teor dos RIT’s, realizados em virtude de acções de inspecção tributária aos sujeitos passivos “M.” NIPC (…) [cfr. fls. 105/119 do p.f.]

Factos não provados
III. 2 FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos:
I. Que a sociedade F. recorre a sub-empreiteiros, não tem fundos de maneio e consegue preços muito competitivos, desde que houvesse pagamentos em adiantado.;
II. Quando foram contratados os serviços da F., Lda., ficou combinado que a Impugnante teria de efectuar pagamento em adiantado;
III. É o sócio gerente da Impugnante, MX., com fundos próprios ou com recurso a familiares que vai fazendo adiantamentos necessários para que se consigam os tais serviços a preços competitivos;
IV. Quando a Impugnante facturou e recebeu das entidades a quem prestou serviços, fez regularizações junto da F., Lda., emitindo cheques que por sua vez esta endossou, a título de devolução dos adiantamentos;
V. O sócio da Impugnante, MX., devolveu por sua vez os valores a quem fez os adiantamentos;
VI. A factura n.º 95 de 4.11.2003 no valor de €20.825,00 corresponde à montagem de estruturas (expositores, passerelles nos serviços prestados à Fundação (...) – c..d…s… – espaço c… e B. – lançamento de catálogo;
VII. A factura n.º 203 de 22.04.2005 corresponde ao fornecimento de serviços e construção de estruturas de apoio aos serviços prestados por M., SA, designadamente passerelles e cenários para elaboração de catálogos para a G., Lda;
VIII. A factura n.º 225 de 29.09.2005 corresponde ao fornecimento de serviços e construção de estruturas de apoio aos serviços prestados por M., SA, designadamente passerelles e cenários para elaboração de catálogos para a C., Lda. e dos eventos para a N..
*
III. 3 MOTIVAÇÃO
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA (RIT, anexos e documentação), que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados. E, ainda no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante conjugado com as regras da experiência comum.
A Impugnante apresentou prova testemunhal, cujos depoimentos foram devidamente apreciados e valorados por este Tribunal, cabendo dos mesmos ressaltar o seguinte:
AX., empresário na área de consultadoria e organização de eventos, accionista da Impugnante e foi administrador daquela pelo menos até 2002, data a partir da qual passou a ter como administrador único MX..
Afirmou que acompanhava a empresa com base nas informações que o outro sócio, MX. lhe fornecia, tendo-se inteirado, por meio da consulta aos elementos da sociedade do que respeitava os presentes autos.
Questionado sobre a sociedade F.,Lda e apesar de ter sido confrontado com as facturas n.º 95/203/225 e ter feito referência a que serviços tais facturas respeitavam, afirmou não ter tido qualquer contacto com os responsáveis e/ou trabalhadores, nunca tendo visto a empresa trabalhar em obra.
Declarou expressamente que havia recolhido junto da empresa a informação respectiva a cada uma das facturas a que foi questionado, não tendo participando do plano operacional, nem presenciado o trabalho que foi desenvolvido nas obras.
Percepcionou o Tribunal que as declarações prestadas não decorreram de conhecimentos directos que a testemunha detinha, mas eram resultado da consulta aos elementos da sociedade, assim como das informações fornecidas por MX..
Ademais, a testemunha nunca especificou os serviços titulados por essas facturas, tendo somente reconhecido os eventos e descrito os trabalhos que por regra tais sociedades prestavam à Impugnante.
Ressaltou ao Tribunal a necessidade e esforço argumentativo da testemunha em fazer crer que a aquisição da TV plasma que sempre se destinou à habitação do accionista/administrador MX. era essencial à “M,SA”, sem contudo lograr demonstrar a indispensabilidade da mesma para os proveitos da Impugnante e, leva-nos a questionar, se era tão essencial porque não foi colocado na sede da Impugnante e utilizável por todos aqueles que dele necessitassem para visionar os programadas ditos “essenciais”, pois, tal como a própria testemunha referiu, à data poderiam ser gravados e visionados posteriormente. Mais, as suas declarações relativamente à viagem a Ibiza pelo accionista/administrador também não lograram convencimento, desde logo, porque referir singelamente que Ibiza tinha eventos e vivenciá-los e inteirar-se dos “DJ’s da moda” era importante para a actividade da Impugnante é uma simples consideração difusa e vazia de sentido de molde a demonstrar a indispensabilidade da mesma e de que modo contribuiu para os proveitos daquela. I.é., se efectivamente serviu a referida viagem de mote à implementação de bares de praia, impunha-se que se demonstrasse que bares foram construídos pela Impugnante nos períodos posteriores à viagem, que eventos foram efectuados com base na inspiração alcançada pelo administrador MX. nessa viagem, ora nada disto foi concretizado.
O seu depoimento, apesar de claro e seguro não se mostrou isento e desinteressado, além do mais, mostrou-se genérico por não concretizado relativamente aos factos em questão nos presentes autos, não tendo conhecimento directo dos mesmos por não ter presenciado qualquer um dos serviços titulados pelas facturas em questão nos presentes autos.
E., empresário, com actividade na área da produção e organização de eventos.
Questionado sobre a empresa F., Lda, apenas referiu que conhece a emitente como sendo uma empresa que faz montagens das estruturas em eventos de moda. Já no que respeita aos eventuais serviços em concreto prestados à aqui impugnante, apenas admitiu, a instâncias do Ilustre Mandatário da impugnante que tenha sido a mesma a prestar os serviços que lhe foram referidos, indicando apenas um evento que sabia a impugnante realizar – alguns eventos da “B.”, um deles na praia.
Com efeito, a testemunha não demonstrou conhecimento directo dos serviços prestados pela emitente das facturas, na medida em que apesar de ter afirmado que viu a F, Lda. a trabalhar em alguns daqueles eventos, não logrou afirmar que aquela lá se encontrava a trabalhar para a Impugnante e que serviços concretos efectuou.
V. gestora de projectos, conhece a Impugnante porque entre 2003 e 2004 estagiou na Impugnante, sendo actualmente sua colaboradora.
Questionada sobre a sociedade F. Ld, disse não se lembrar, tal como nada sabia da B. ou da Fundação (...), pelo que, este depoimento não foi tido em consideração pelo Tribunal.
T., economista e técnico de contas, presta serviços como técnico oficial de contas e auxiliou o administrador MX. na resposta à acção inspectiva de que a Impugnante foi alvo.
Apesar do depoimento prestado não ter suscitado ao Tribunal qualquer dúvida quanto à imparcialidade e credibilidade, a testemunha não tinha razão de ciência quanto aos factos em questão nos presentes autos.
Com efeito, e não obstante as declarações que foi fazendo, o próprio declarou não conhecer as sociedades enunciadas nas facturas em questão nos presentes autos, decorrendo os seus conhecimentos do contacto que teve com o procedimento inspectivo e pelo que lhe foi transmitido pelo Dr. MX..
*
A convicção do Tribunal quanto ao ponto 2. da factualidade provada resultou das declarações prestadas por A. ao ter afirmado que a Impugnante recorria a outras empresas por forma a poder prestar os seus serviços pois não tinha pessoal e era uma empresa iminentemente de serviços.
*
Quanto aos factos não provados, (cfr. I. a VIII. de III. 2), não foi apresentada qualquer prova dos mesmos, documental ou através do depoimento das testemunhas inquiridas, uma vez que, o que avançaram em nada serviu para concretizar e provar a realização efectiva dos serviços insertos nas facturas por F., Lda, à Impugnante, nos exercícios em apreciação e titulados pelas facturas cujos custos foram desconsiderados pela AT. Na verdade, as testemunhas apresentadas pela Impugnante apenas se limitaram a esclarecer de uma forma genérica o procedimento usual à época nas sub-contratações e pagamentos adiantados.
Com efeito e no que respeita ao ponto I. dos factos não provados e apesar da referência por parte de E. que a sociedade F.Lda. contratava pessoal, não resultou provado que esta recorresse a subempreiteiros, que não tivesse fundos de maneio e conseguisse preços muito competitivos, desde que houvesse pagamentos em adiantado.
Relativamente aos factos não provados II. a V., a Impugnante não logrou comprovar, por meio de qualquer prova (documental e/ou testemunhal) como eram efectuados os pagamentos à sociedade F., Lda. e qual a actuação do sócio MX..
Quanto aos pontos VI. a VIII., tais factos não resultaram comprovados uma vez que apesar de AX. ter feito a correspondência entre os serviços e as sobreditas facturas, fê-lo com base nas informações que recolheu junto da Impugnante previamente à inquirição, consultando os apontamentos que trouxe para a audiência de testemunhas, não tendo visivelmente conhecimentos directos dos serviços titulados pelas facturas.
Com efeito, a testemunha declarou expressamente que havia recolhido junto da Impugnante a informação respectiva a cada uma das facturas a que foi questionado, não tendo participando do plano operacional, nem presenciado o trabalho que foi desenvolvido nas obras pela sociedade F.,Lda..
Ademais, percepcionou o Tribunal que após serem informadas pelo Mandatário da Impugnante dos projectos a que correspondiam cada uma das facturas, as restantes testemunhas (com excepção de A e V. que não tinham qualquer conhecimento) conheciam os projectos em questão mas não tinham conhecimento directo da realização dos serviços prestados que as facturas titulavam, pois nenhuma delas presenciou os serviços prestados.
Como tal e como aqui já ficou dito, nenhuma das testemunhas demonstrou ter conhecimento directo, seja por intervenção e/ou percepção presencial do relacionamento da Impugnante com a emitente F., Lda., tendo todos eles, uns de uma forma e outros de outra limitando-se a supor e a presumir o que teria acontecido pela forma como eram estabelecidos os relacionamentos profissionais das suas sociedades com a Impugnante e por terem visto a emitente em alguns eventos.
*
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugados que à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396º do Código Civil atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas.
Quanto ao ponto 10. do probatório apraz referenciar o seguinte:
Nos termos do artigo 76º da LGT “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”.
Ora, conforme decorre do artigo 371.º n.º 1 do Código Civil, aqui aplicável por força do que estatui o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, que determina as regras gerais vigentes para a força probatória dos documentos autênticos, estas informações “fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (…).
“Quanto aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, pag. 259).
Assim, e no que respeita aos factos inclusos no relatório emanado pelos SIT, estes respeitam a factos decorrentes da percepção do inspector no âmbito do procedimento inspectivo.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.»
Esta, a decisão recorrida em matéria de facto. É sobre ela que incide a crítica que suscita a 1ª questão acima enunciada. Vejamos:

1ª Questão
Errou, a sentença recorrida, quanto ao julgamento em matéria de facto, por isso que deu como não provados, ao invés de provados, os factos descritos no artigo 17º das Conclusões do Recurso, a propósito das facturas emitidas por “F., Lda”?
Como tem sido entendido por este Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Nestes pressupostos normativos, apreciemos a questão sub judices:
As “conclusões” que dão origem a esta questão vão desde a “conclusão” 1ª à 17ª.
Nesta última a recorrente enuncia várias proposições que têm, pelo menos em parte, por objecto factos concretos e que sustenta deverem ter sido dados como provados, mas foram expressamente julgados não provados.
Como meios de prova, indica os depoimentos das testemunhas S., E., C., V. e T.., que, no corpo das alegações, transcreveu integralmente. Nas conclusões sustenta em geral o valor desses meios de prova, sem concretizar documentos ou excertos de declarações que imponham decisão diversa da decisão recorrida, a qual foi de “não provado” quanto a tais factos.
No corpo das alegações tão pouco essa concretização existe, limitando-se a Recorrente a enfatizar os motivos de credibilidade das testemunhas e a criticar o discurso da Mª Juiz a qua sobre a maior ou menor credibilidade de cada declarante.
Mesmo de um ponto de vista meramente lógico, a alegação não pode ser apreciada, pois continuamos sem saber por que modo é que os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Impugnante determinavam uma conclusão diferente em matéria de factos provados e não provados, quanto àqueles factos. Certo é, de todo o modo, que a alegação não cumpre, quanto a qualquer dos factos em causa, o sobredito ónus no que respeita aos meios de prova, maxime, mas não só, os verbais.
Enfim, porque não cumpre com o ónus do Recorrente, disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 640º do CPC, o recurso vai rejeitado nesta parte.

2ª Questão
Omitiu, indevidamente, a Mª Juiz a qua, a discriminação de outros factos provados, designadamente os como tais referidos na mesma conclusão 7?
Os “factos” omissos seriam os seguintes:
“21. Quanto à Factura nº 241819.04, de 16/06/2004, no valor de € 4.990,00, da “C.,Lda.”, o equipamento adquirido (televisor plasma e demais componentes) é essencial para a prossecução do objecto social da Impugnante, tendo em conta que a maior parte da sua actividade se centra na promoção de eventos, assessoria de imprensa e relações públicas e produção de conteúdos para programas audiovisuais;”
“22. A Factura nº 33/500903, de 10/08/2005, da “T.”, no valor de € 2.550,00, corresponde à deslocação do administrador da empresa a Ibiza, em Espanha, local particularmente relevante no que diz respeito a tendências de moda, principalmente no Verão, a fim de recolher dados e inspiração para os diversos eventos de moda, design, feiras e exposições a realizar pela Impugnante.”
Há que questionar, antes de mais se efectivamente a Mª Juiz a qua deveria ou não ter-se pronunciado sobre a prova destes factos, pois só então poderá ter ocorrido a indevida omissão, que a recorrente classifica como erro de julgamento. Depois, no caso afirmativo, ainda se terá de verificar se efectivamente estes factos deixaram de ser discriminados como provados ou não provados.
Dispõe, o artigo 123º nº 2 do CPPT, que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.
Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada, releve para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.
Não se diga que basta a menção dos factos provados se estes são suficientes para a solução preconizada pelo tribunal e, quando muito, os não provados cuja não prova releva para a mesma solução.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (o direito a uma tutela jurisdicional efectiva: artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório e o recurso também quanto à solução jurídica por si preconizada.
Esta afirmação carece de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
Desçamos ao caso concreto.
As proposições acima transcritas, que o recorrente alega que deveriam ter sido objecto de discriminação como provadas, são redutíveis a matéria alegada na PI, designadamente nos artigos 105º a 107º - a primeira – e 115º - a segunda.
Assim, a conterem matéria de facto, e matéria de facto não prejudicada pela não prova ou pela prova de outros factos como tais discriminados, impunha-se a sua discriminação como provadas ou não provadas.
Sucede que os factos concretos contidos naquelas proposições – a emissão das facturas e os seus termos - estão dados como provados, desde logo no relatório, depois na sentença recorrida, que assumiu como provado todo o objecto das informações pelo RIT, aliás, a sua prova não é posta em causa pela Recorrente. O mais que ali se afirma são generalidades que envolvem sempre um juízo de valor, pelo que não são susceptíveis de prova.
Efectivamente, cumpre alertar para uma distinção: uma coisa são proposições gerais ou indefinidas sobre factos, outra são afirmações de factos concretos, individuais ou, se plurais, quantificados, situados no tempo e no espaço. Só estas são susceptíveis de prova porque só elas têm por objecto acontecimentos históricos ou realidades permanentes do mundo das coisas, que ocorreram ou ocorrem no mundo real e, portanto, podem ser objectivamente conhecidos. Aquelas outras, ainda que mediatamente tenham por objecto indefinidas realidades, acontecidas no espaço e no tempo, relevam sempre de uma conclusão cujos objectos de facto ficam por concretizar, pelo que não podem ser simplesmente conhecidos, logo, não podem ser objecto de prova. Nem mesmo a “validade” dessas conclusões é sindicável se não se conhecer os factos individuais sobre que os respectivos juízos são feitos.
Assim, quando o legislador dispõe que o juiz discrimine, na sentença, os factos provados e não provados, refere-se apenas à segunda espécie daquelas proposições: proposições sobre factos concretos, susceptíveis de prova.
Revistas as sobreditas proposições, verificamos que, na parte não objecto de discriminação como factos provados ou não provados, têm essa natureza genérica e conclusiva, susceptível de um juízo de validade – se instruídas com os factos concretos subjacentes – mas insusceptível de um juízo puro e simples de verdade.
Tal como se refere no RIT, ficamos por saber – porque não foram alegados – que eventos concretos, ainda que a título de exemplo, tornaram necessária, para a realização de proveitos pela Recorrente, a aquisição do equipamento de televisão e a sua colocação na residência do administrador, e que eventos tornaram necessária a viagem e a estadia em Ibiza. Esses, sim, seriam factos a discriminar, se alegados.
Como assim, não se pode dizer que que devessem ser discriminadas como provadas ou não provadas as proposições acima transcritas, pelo que improcede a alegação este fundamento do recurso.

4ª Questão
Errou, a AT, em matéria de direito, ao assentar as correcções efectuadas não em factos concretos e provados, mas em meras presunções e suposições?
As correcções especificamente postas em causa no recurso, atentas as conclusões supra, são apenas as que se basearam nos indícios, tidos por fundados, de não corresponderem à realidade as facturas emitidas pela sociedade F., Lda. e não serem relevantes, por não revelarem necessidade para a geração de proveitos, as relativas ao equipamento de televisão e à viagem do administrador a Ibisa.
É neste pressuposto que interpretamos esta alegação da Recorrente.
Ora:
Quanto às facturas de F., Lda. é certo que o acto impugnado releva precisamente disso, de “suposições ou presunções” – melhor, de uma aplicação de regras de ónus da prova – mas é isso mesmo o que a Lei prevê e legitima.
Com efeito, quer a AT quer a sentença recorrida não fizeram mais do que aplicar o disposto pela conjugação dos números 1 e 2 alª a) do artigo 75º da LGT, do seguinte modo:
A AT recolheu e provou factos que reputou geradores de indícios fundados de as facturas em causa não corresponderem a operações reais, fosse quanto ao objecto, fosse quanto à identidade do sujeito remunerado, designadamente os factos dados como provados no artigo 20º da matéria de facto provada, maxime no nº 1 do capítulo II do RIT aí transcrito. Provados esses factos (referimo-nos aos factos indiciadores, não ao facto objecto do indício) e julgados, os mesmos, quer pela AT, no procedimento, quer, pelo Tribunal a quo, no processo, efectivamente geradores daqueles indícios, passou a ser do Sujeito Passivo, aqui Impugnante e agora Recorrente, o ónus de provar a realidade objectiva e subjectiva, qualitativa e quantitativa, das aquisições de bens e de serviços tituladas nas facturas. Designadamente, e para o que agora interessa, a Mª Juiz a qua julgou que a Recorrente não se desincumbiu desse ónus e por isso confirmou o acto da AT no que a estas facturas diz respeito.
Em suma, no que respeita às facturas tidas por falsas pela AT, a sentença decidiu, não com base na prova da falsidade das mesmas, mas sim com base na falta de prova da sua autenticidade; e nisso julgou bem, pois fê-lo em conformidade com as regras de ónus da prova decorrentes do disposto no artigo 75º nº s 1 e 2 alª a) da LGT, pelo que a resposta à questão sub judices, no que às facturas de F, Lda.. respeita, é negativa.
Quanto às facturas tidas por irreleváveis?
Aqui a resposta negativa é evidente: os factos com base nos quais se decidiu improceder a impugnação – a emissão e a contabilização, pela Recorrente, das facturas enunciadas – foram dados como provados.
Aliás, a Recorrente não se insurgiu, sequer, contra a prova desses factos. Apenas sustentou as sobreditas generalidades, que não “trocou por miúdos”, isto é, factos históricos concretos de que se pudesse concluir pela relevância das despesas facturadas para a geração de proveitos.
Como assim, também quanto a estas facturas improcede a alegação de que a sentença errou no julgamento de facto e de direito por ter decidido com base em meras suposições.

5ª questão
“Ao decidir como decidiu”, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs. 349°, 350°, 362° e seguintes e 396° do Código Civil, 410°, 411°, 413°, e 414° do CPCivil, 19°, 20°, 35° e 82° do CIVA e 58°, 74°, 75° da LGT? 

Não se trata, aqui, tanto de uma questão autónoma, se não de um remate das conclusões, em que a Recorrente despeja uma chuva de normas por si consideradas como violadas pela sentença recorrida, sem ensaiar a menor explicitação dos motivos disso. Cremos que o fará não tanto para inovar na fundamentação do recurso como para garantir que jamais alguém possa entender que a peça processual não cumpre com o disposto na alª a) do nº 2 do artigo 639º do CPC ex vi artigo 281º do CPPT, segundo o qual as conclusões das alegações de recurso devem conter a menção das normas violadas.
De qualquer modo, cumpre pronunciarmo-nos. Assim:
Artigo 349º do CC: esta norma dá a noção de presunção. Nada é dito nas conclusões do recurso que elucide o julgador sobre por que e em que medida esta definição é violada. Não é atribuição do Tribunal substitui-se ao Recorrente na demanda dessa conexão. Portanto a alegação da sua violação desta norma pela sentença recorrida improcede.
Artigo 350º do CC: esta norma versa sobre as presunções legais e consagra a regra da sua ilidibilidade, sem prejuízo dos casos de inilidibilidade previstos especialmente na Lei.
Nada é dito, nas conclusões do recurso, que permita associar inequivocamente esta alegação a qualquer aspecto ou parte da sentença recorrida, mesmo à luz do corpo das alegações. Como assim, também esta alegação improcede.
Artigos 362º e seguintes” do CC: Desta maneira a Recorrente acaba por não definir as normas que entende violadas, pelo que esta alegação só pode improceder sem mais.
Artigo 396º do CC: “A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.”. Sem mais alegações, que as não há, a invocação desta norma parece até ser contraproducente. Seja como for, à falta de qualquer fundamentação no recurso, improcede.
Os Artigos 410°, 411°, 413°, e 414° do CPC integram o capítulo I – “disposições gerais”, do titulo V – “Da Instrução do processo”, do CPC. Nada se respiga, do teor das conclusões do recurso, que permita, ainda que com recurso ao corpo das alegações, associar inequivocamente a alegação da violação destas normas a qualquer aspecto ou parte da sentença recorrida. Assim, também esta alegação improcede.
Artigos 19°, 20°, 35º do CIVA:
O recorrente não define números nem alíneas dos artigos invocados.
Tratando-se de uma impugnação de liquidações de IRC, a alegação apresenta-se ilógica. Presumimos que se deve a lapso no aproveitamento da alegação “gémea” em matéria de liquidações de IVA.
Como assim, improcede, também, a alegação da violação destas normas do CIVA.

Conclusão:
Por tudo o exposto o recurso improcede na totalidade, pelo que hão-de ser mantidas na ordem jurídica as liquidações impugnandas.

IV – Custas
As custas do presente recurso ficam a cargo da Recorrente: artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo

Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente.

Custas pela Recorrente.

Porto, 20/1/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda,
Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento