Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00260/14.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/07/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:INSOLVÊNCIA; HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO; NOTIFICAÇÃO; EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA; DESERÇÃO; NULIDADE PROCESSUAL; ARTIGO 81º, Nº 1, DO DECRETO-LEI Nº 53/2004, DE 18.03; ARTIGO 195º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:
1. Por força do disposto artigo 81º, nº 1, do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18.03, sucedeu à autora, por força da declaração da sua insolvência, a sua massa insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência, único que pode representar a autora em juízo.
2. Como a ordem de notificação das partes primitivas para contestarem, querendo, o incidente de habilitação de cessionária, foi endereçada para a mandatária da autora, ao invés de ser endereçada para o Administrador da Insolvência, tal notificação condicionou todos os seguintes termos do apenso e do processo principal, em prejuízo direito da requerente da habilitação de cessionária, a qual, não tendo sido notificada dos despachos posteriores ao seu requerimento de habilitação da cessionária, não pôde impedir a extinção da instância no processo principal, por deserção e do apenso, por impossibilidade superveniente da lide.
3. Tem, por isso legitimidade, para recorrer destas decisões, a cessionária habilitada.
4. O erro de notificação conduz à omissão da notificação da autora para contestar o incidente da habilitação, da suspensão da instância principal e da ordem de que aguardasse a deserção, traduz uma omissão relevante que condicionou o sentido das decisões sumárias proferidas nos autos principais e no apenso, tudo à revelia do administrador da insolvência, que nunca foi notificado de nada nos autos e da requerente do incidente de habilitação de cessionária, que também nunca foi notificada para os termos subsequentes do incidente de habilitação, o que traduz uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil, a impor a anulação de todo o processado dependente da notificação omitida, incluindo as decisões finais do processo principal e do apenso. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:GGC, Ld.ª
Recorrido 1:Município de F...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Declarar nulo o processado
Ordenar a notificação da massa insolvente
Determinar a suspensão dos autos principais
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

GGC, L.da, Requerente da habilitação de cessionária da Autora, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 12.10.2017, que julgou deserta a instância, determinando a sua extinção, na acção administrativa comum, com processo ordinário, em que é Autora GMC, S.A. e Réu o Município de F..., no qual a Autora pede a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia global de 16.790,12 € (dezasseis mil setecentos e noventa euros e doze cêntimos).
Invocou para tanto, em síntese, que sendo Requerente de habilitação de como cessionária na posição processual da primitiva Autora, demonstrada está a sua legitimidade enquanto habilitanda cessionária nestes autos, não tendo o Tribunal dado cumprimento ao disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 356º do Código de Processo Civil, na medida em que não notificou as partes primitivas para contestarem, querendo, os termos da habilitação; que com a admissão do incidente de habilitação de cessionária deveria ter sido determinado pelo tribunal a suspensão da presente instância até à resolução do mesmo incidente, conforme dispõe o artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil; mais alega que a sentença é nula porque a Recorrente não foi notificada do despacho que ordenou a suspensão da instância por falta de impulso processual da Autora, omissão que constitui nulidade por preterição de uma formalidade essencial que influi decisivamente no exame da causa, nos termos dos artigos 195º, 199º e 201º do Código de Processo Civil, com o que não se assegurou o princípio do contraditório e dessa nulidade decorrendo a nulidade de todos os actos posteriores à apresentação do requerimento de habilitação e nomeadamente a sentença recorrida.
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O Recorrido Município de F... pronunciou-se no sentido da falta de legitimidade processual para recorrer por parte da Recorrente.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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A Juiz a quo sustentou a decisão recorrida.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. A Autora intentou contra o Município Réu a acção administrativa comum a que os presentes autos se reportam, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia 16.790,12€ a título de indemnização por mora no cumprimento da obrigação de liquidação do preço de um conjunto de trabalhos adjudicados aquela pelo referido Município, todos titulados pelas facturas melhor identificadas no libelo inicial
2. Em 14.06.2016 a ora Recorrente deduziu incidente de habilitação judicial, nos termos consignados nos artigos 356° e seguintes do Código de Processo Civil.
3. Atenta a data da propositura da referida peça processual -16.06.2016, decorre que o incidente de habilitação foi suscitado pela Recorrente seja antes da sentença recorrida que julgou a instância deserta, seja antes do despacho que ordenou a suspensão da instância – 16.11.2016, seja antes mesmo do despacho que ordenou a notificação da Autora para constituir novo mandatário -16.09.2016.
4. Como causa de pedir no seu requerimento de habilitação de cessionário, alegou a Recorrente ter adquirido à Autora, por contrato celebrado em 12.01.2015 o crédito litigioso desta sobre o Município Réu a que se reportam os presentes autos.
5. Concluindo em termos de pedido a Recorrente no Incidente suscitado pela admissão da sua habilitação nestes autos como cessionária nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 356° do Código de Processo Civil, requerendo, para tanto, a notificação das partes primitivas para contestarem, querendo, os termos do incidente deduzido, com as legais consequências, daqui decorrendo a sua legitimidade processual activa em consonância com o estatuído no artigo 30° n.ºs 1 e 2 do referido código.
6. No próprio requerimento de habilitação de cessionária e, concretamente nos itens 10, 11 e 12 do mesmo, a Recorrente deu conhecimento aos autos da declaração de insolvência da Autora, juntando a respectiva sentença e indicando o administrador de insolvência nomeado a quem competia assegurar a legitimidade processual activa em razão da declaração de insolvência.
7. Em cumprimento do disposto na a) do n° 1 do artigo 356° do Código de Processo Civil e, uma vez junto o requerimento de habilitação e o documento de cessão competia ao Tribunal ordenar a notificação da parte contrária para contestar, podendo esta na contestação impugnar a validade do acto ou, alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
8. O Tribunal não deu cumprimento ao disposto na a) do n°1 do artigo 356° do Código de Processo Civil, na medida em que não notificou as partes primitivas para contestarem, querendo os termos da habilitação, assim preterindo uma formalidade essencial na marcha do processo.
9. Com a admissão do incidente de habilitação de cessionário deveria ter sido determinado pelo Tribunal a suspensão da presente instância até à resolução do mesmo incidente, conforme dispõe o artigo 272°, n° 1, do Código de Processo Civil.
10. A Recorrente, pese embora ter mandatária constituída nos autos desde 14.06.2016 - data em que apresentou em juízo o seu articulado de habilitação judicial de cessionário -, não foi notificada de qualquer acto processual a partir dessa data.
11. Não foi notificada do despacho que ordenou a notificação da Autora para constituir novo mandatário forense.
12. Não foi notificada do despacho que ordenou a suspensão da instância por falta de impulso processual da Autora.
13. Verifica-se no caso vertente a preterição de uma formalidade essencial que influi decisivamente no exame e decisão da causa a qual constitui nulidade nos termos dos artigos 195°, 199 º, 201° e 615° n°1 c) e d), todos do Código de Processo Civil.
14. A sentença recorrida enferma por isso, de nulidade nos termos do disposto nos artigos 195° 1 199°, 201° e 615° n° 1 c) e d) do Código de Processo Civil.
15. A sentença recorrida viola as normas legais contidas nos artigos 3°, 30 n°s 1 e 2, 272 n° 1 e 356° n° 1 a) e b), todos do Código de Processo Civil.
Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se integralmente a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que admita o incidente de habilitação de cessionário deduzido pela Recorrente e ordene a notificação das partes primitivas para contestarem querendo, os seus termos no prazo e sob a cominação legal.
Mais se requer ao abrigo do disposto no artigo 272°, n° 1, do Código de Processo Civil, seja ordenada a suspensão da instância nos autos principais até á conclusão do incidente deduzido.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá ser julgada procedente a nulidade de sentença arguida, declarando-se nulos e de nenhum efeito todos os actos processuais praticados após a apresentação em juízo do incidente de habilitação suscitado, com as legais consequências.
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II – Matéria de facto.
São os seguintes os factos provados com interesse para a decisão do presente recurso jurisdicional e cuja prova resulta da tramitação dos autos:
1. A GMC, S.A., intentou a presente acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Município de F..., tendo formulado o seguinte petitório:
“…Nestes termos e, nos demais de direito aplicáveis, deve a presente acção ser considerada procedente, por provada, e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de € 16.790,12 (dezasseis mil setecentos e noventa euros e doze cêntimos) …” (ver petição inicial).
2. Justificou a sua legitimidade activa em plano de insolvência, alegando os seguintes factos:
“a) Por sentença de 16/03/2012, já transitada em julgado, proferida nos autos de Proc. nº 526/12.3 TBAMT, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi a Autora declarada insolvente – doc. nº 1.
b) Nos termos do plano de insolvência, homologado por sentença de 21/12/2012, já transitada em julgado, a administração da insolvente ficou confiada ao devedor, nos termos previstos no artigo 224º do CIRE, com as condicionantes previstas no artigo 226º do mesmo diploma – doc. nº 1.
3. A procuração - que é junta com a petição inicial foi outorgada pelo presidente do conselho da autora (em insolvência), JMF, e pelo Administrador da Requerente da insolvência, JEPV, à Advogada CSR – idem.
4. Regularmente citado, o Réu apresentou contestação, tendo-se defendido quer por excepção quer por impugnação; mais tendo pugnado pela improcedência total da presente acção, por não provada (ver contestação).
5. Regularmente notificada da contestação apresentada, a Autora apresentou pronúncia, tendo pugnado pela improcedência da matéria de excepção suscitada (ver resposta à contestação).
6. Foram realizadas diligências instrutórias, na sequência das quais, as partes apresentaram alegações escritas.
7. Em 15.06.2016 foi deduzido incidente de habilitação de cessionária por GGC, L.da, pelo qual esta requer a sua admissão como cessionária, em substituição da Autora, para por si prosseguir os termos da causa nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, requerendo se ordene a notificação das partes primitivas para contestarem, querendo, seguindo-se os demais termos até final (ver apenso).
8. Nos artigos 10º e 11º desse requerimento de dedução de incidente de habilitação de cessionária, a Requerente informa que por sentença proferida em 30.03.2016, nos autos de processo nº 469/14.6TBAMT, a correr termos na Comarca de Porto Este/Amarante/Ins. Central – Secção de Comércio – J3, a Autora foi declarada insolvente, tendo sido nomeado ARG Administrador de Insolvência da Autora – cfr. documento nº 2.
9. No artigo 12º, imediatamente antes do pedido formulado, a mesma declarou que com a declaração de insolvência da Autora, a sua representação em juízo nos presentes autos passa a competir ao Administrador de Insolvência designado naqueles autos- idem.
10. O documento nº 2 junto com o requerimento desse incidente, datado de 30.03.2016 constitui o Anúncio da Insolvência da Autora, declarada no processo referido em 8, no dia 29.03.2016, declarando que, para administrador da Insolvência, foi nomeado ARG, com endereço na Avenida C…, Porto, 4200-186 Porto, mais dele constando que ficam advertidos os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados, deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente – idem.
11. No dia 29.06.2016 o Juiz da causa proferiu despacho em que ordenou a notificação das partes do processo principal para, querendo, contestarem – ver despacho com esta data.
12. Enviou-se notificação para esse efeito para a Mandatária da Autora, CSR – ver ofício de 14.09.2016.
13. Para esse efeito não foi notificado o então administrador da insolvência da Autora, ARG, com o endereço supra indicado (ver autos).
14. A carta para notificação da Mandatária da Autora, CSR, veio devolvida – ver fls.
15. Feita pesquisa à Ordem dos Advogados, dela resultou que a referida advogada estava inactiva desde 01.07.2015 – ver pesquisa junta aos autos.
16. O Juiz da causa ordenou, em 01.07.2016, fosse oficiado à Ordem dos Advogados, solicitando-se confirmação sobre o actual estado daquela e caso se confirmasse o estado de inactividade, informação sobre a causa dessa inactividade – ver despacho daquela data.
17. A Ordem dos Advogados informou que a referida Advogada estava suspensa, a seu pedido, desde 01.07.2015 - ver ofício 1800/2016 da Ordem dos Advogados, junto aos autos.
18. Em 07.09.2016, o Juiz a quo ordenou fosse aberta conclusão nos autos principais – ver conclusão desta data.
19. Com a data de 1209.2016, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“…Notifique-se pessoalmente a Autora (com cópia da informação prestada pela Ordem dos Advogados em 08.07.2016, no apenso aos presentes autos – a fls. 20 do respectivo suporte físico) da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados da Ilustre Mandatária que por si foi constituída nos presentes autos (art.º 47, n.ºs 1 e 2 do C.P.C.), com expressa menção das consequências previstas no n.º 3, alínea a) do mesmo preceito legal, notificando-se também as demais partes da informação prestada pela O.A…”
- ver despacho proferido em 12.09.2016.
20. Em 16.09.2016, a Autora, e não o administrador da insolvência, foi notificada na pessoa de JF, nos seguintes termos:
“…Fica V.Ex.ª notificado da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados da Ilustre Mandatária que por si foi constituída (art. 47º nºs 1 e 2 do CPC, com expressa menção das consequências previstas no nº 3 alª a) do mesmo preceito legal.
O prazo para constituir mandatário é de 20 dias, nº 1 do art. 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e nº 3 do art. 41º do Código de Processo Civil, tendo sido junta cópia da informação prestada pela Ordem dos Advogados…”
- ver notificação registada em 14.09.2016 e com aviso de recepção assinado por JF em 16.09.2016.
21- Em 16.11.2016, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“…Nos termos do artº 47º, nº 3, a) do Código de Processo Civil, declaro suspensa a instância. Aguardem os autos o decurso do prazo previsto no artº 281º, nº1, do Código de Processo Civil. Notifique…”
- ver despacho com esta data.
22. Foi dirigida carta, sem aviso de recepção, para GMC, S.A., desconhecendo-se quem a recepcionou, em 23.11.2016, para notificação do despacho que determinou a suspensão da Instância e que determinou que os autos aguardassem o decurso do prazo para a deserção – ver ofício desta data.
23. A Requerente do incidente de habilitação de cessionária não foi notificada desse despacho – ver autos principais.
24. Desde então e até 12.10.2017, ninguém interveio nos autos principais ou no apenso, pelo que, nessa data, nos autos principais, foi determinada a extinção da instância, por deserção, nos termos do artigo 277º, alínea c), e 281º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 1º, in fine, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos – ver autos principais.
25. Na mesma data, foi proferida, no apenso do incidente de habilitação de cessionária, sentença a julgar extinta a instância incidental, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º, in fine, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
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III - Enquadramento jurídico.
1. Da legitimidade processual para recorrer por parte da GGC, L.da.
Está provado que a Autora foi declarada insolvente no processo referenciado no oitavo facto dado como provado, tendo-lhe sido nomeado Administrador da Insolvência ARG em data anterior à ordem de notificação das partes primitivas para contestarem o incidente de habilitação de cessionária.
O artigo 81º, nº 1, do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18.03, (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), com a alteração do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07 dispõe:
“1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.”
Assim, por força do disposto nessa norma, à Autora sucedeu, por força da declaração da sua insolvência, a sua massa insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência, único que pode representar a Autora em juízo.
Como a ordem de notificação das partes primitivas para contestarem, querendo, o incidente de habilitação de cessionária foi endereçada para a Mandatária da Autora, ao invés de ser endereçada para o Administrador da Insolvência, tal notificação, em violação do disposto no artigo 81º, nº 1, do referido diploma legal, condicionou todos os seguintes termos do apenso e do processo principal, em prejuízo direito da Requerente da habilitação de cessionária, a qual, não tendo sido notificada dos despachos posteriores ao seu requerimento de habilitação da cessionária, não pôde impedir a extinção da instância no processo principal, por deserção e do apenso, por impossibilidade superveniente da lide.
Determina o artigo 141º, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015:
“Pode ainda recorrer das decisões dos tribunais administrativos quem seja directa e efectivamente prejudicado por elas, ainda que não seja parte na causa ou seja apenas parte acessória.
A GGC, L.da, na data em que foi cumprida a notificação das partes primitivas para contestarem, querendo, o incidente a que vimos aludindo, era apenas uma aspirante a suceder à Autora na lide principal e a tomar a sua posição no processo, mas essa expectativa é bastante para considerar que a única prejudicada com o rumo que a acção tomou foi ela mesma e, por essa razão, não pode deixar de concluir-se pela sua legitimidade para recorrer com o fundamento que invoca, nos termos da referida disposição legal.
Assim, o recurso merece provimento quando pede a declaração da legitimidade da Requerente do incidente de habilitação, improcedendo a pronúncia em sentido contrário do Réu Município de F....
2. Da nulidade da notificação à Mandatária da Autora para contestação do incidente de habilitação e da nulidade dos termos subsequentes a esse momento seguidos no apenso dessa habilitação e no processo principal.
Face ao que se acabou de expor, quanto à legitimidade da Recorrente para recorrer, ficou claro que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 81º, nº 1, do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18.03, (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), ao notificar a Mandatária da Autora, inicialmente e perante o insucesso dessa notificação sem nunca ter notificado o Administrador da insolvência da Autora, único que a podia representar em juízo a partir da data em que foi nomeado, anterior a 15.06.2016, data em que foi ordenada a notificação das partes primitivas para contestarem o incidente de habilitação, nas notificações sucessivas da Autora do processado no apenso e nos autos principais.
O erro de notificação conduz à omissão da notificação da Autora para contestar o incidente da habilitação, da suspensão da instância principal e da ordem de que aguardasse a deserção, e tal omissão condicionou o sentido das decisões sumárias proferidas nos autos principais e no apenso, tudo à revelia do administrador da insolvência, que nunca foi notificado de nada nos presentes autos e da Requerente do incidente de habilitação de cessionária, que também nunca foi notificada para os termos subsequentes do incidente de habilitação, tendo decorrido um hiato de absoluto silêncio entre a apresentação do requerimento de habilitação e a notificação da decisão de extinção da instância incidental, por impossibilidade superveniente da lide, só desta tendo a mesma sido notificada.
Estabelece o artigo 195º do Código de Processo Civil:
“1- Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2- Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente…”
Verifica-se no caso vertente a preterição de uma formalidade essencial que influi decisivamente no exame e decisão da causa principal e incidental, a qual constitui nulidade nos termos do artigo 195°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Todas as notificações da Autora constantes dos factos provados enfermam do mesmo vício – indevida representação da Autora na lide a partir de 30.03.2016, já que deixou de poder ser representada como legitimamente estava pelos dois Administradores que outorgaram a procuração junta com a petição inicial, JMF e JEPV, para passar a ser representada pelo Administrador da Insolvência, ARG.
Só este devia ser notificado e a omissão da sua notificação conduziu ao silêncio da massa insolvente da Autora, silêncio que redundou nas sentenças de extinção da instância principal e incidental.
Assim, as decisões sumárias proferidas no processo principal e no apenso são consequência directa e necessária dessas erradas notificações, equivalentes a omissão de notificações da Autora dos seguintes despachos:
- Despacho proferido no apenso que ordenou a notificação das partes primitivas para contestarem, querendo, o incidente de habilitação de cessionária;
- Despacho de suspensão da instância, e que determinou que os autos aguardassem o prazo da deserção;
Estes dois despachos aliados ao silêncio das partes durante mais de um ano determinaram as referidas decisões de extinção das instâncias principal e incidental.
Assim, todo o processado no apenso e no processo principal, a partir da ordem de notificação das partes primitivas para contestarem, querendo o incidente de habilitação de cessionário tem de ser anulado e tem de ser repetido, com observância do disposto no artigo 81º, nº 1, do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18.03, (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), com a alteração do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, ou seja, tem de ser repetida a notificação da Autora nos termos e para os efeitos do artigo 356º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, para contestar o incidente de habilitação do cessionário, agora na pessoa do seu actual administrador da insolvência, ARG, aproveitando-se apenas a partir da prolação desse despacho a notificação do Réu Município de F... para esse efeito, pois que tal acto é independente do acto julgado nulo e dos termos subsequentes a esse acto.
Requer ainda a Recorrente que, nos termos do artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, seja ordenada a suspensão da instância nos autos principais até à conclusão do incidente deduzido.
A instância principal tem de suspender-se nos termos do artigo 269º, nº 1, alª b) do Código de Processo Civil, pois que neste processo é obrigatória a constituição de advogado e neste momento a massa insolvente da Autora não tem ainda mandatário constituído nos autos – artigos 11º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015 e 40º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Merece, pois, provimento o presente recurso jurisdicional.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Declaram nulo o processado nos termos supra expostos.
B) Ordenam a notificação da massa insolvente da Autora, na pessoa do Administrador da Insolvência para contestar, querendo, o requerimento de habilitação de cessionária.
C) Determinam a suspensão dos autos principais até à constituição de mandatário pelo Administrador da Insolvência ou, se tal não acontecer, até ao trânsito em julgado da decisão do incidente de habilitação da cessionária.
Sem custas.
Porto, 07.12.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro