Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00391/23.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECLAMAÇÃO CONTRA ATO DO OEF; NULIDADE INSANÁVEL DA EXECUÇÃO FISCAL;
ARTIGO 192º, Nº 3, CPPT; FALTA DE CITAÇÃO; BASE DA PRESUNÇÃO;
NULIDADE DA CITAÇÃO; FORMALIDADES DA CITAÇÃO; PREJUÍZO PARA A DEFESA;
Sumário:
I - A falta de citação não se confunde com a nulidade da citação: aquela só ocorre nas situações expressamente previstas no artigo 188º, nº 1, do CPC, e esta ocorre quando o ato tenha sido praticado com inobservância de formalidades prescritas na lei [nº 1 do artigo 191º do CPC], sendo que, em ambos os casos, se exige que a falta cometida possa prejudicar a defesa do citando (nº 4 do mesmo artigo e, alínea a) do nº 1, do artigo 165º do CPPT).

II - O cumprimento do disposto na parte final do artigo 192º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não configura um requisito formal da citação cuja inobservância pode gerar a nulidade da citação, pois que apenas pode ocorrer nulidade da citação nos casos de esta tenha sido ou deva presumir-se efetuada, ainda que sem observância das formalidades previstas na lei. Trata-se, antes, do pressuposto de operabilidade, ou seja, a base da presunção de citação, que decorre do nº 3 do mesmo artigo.

III - Não havendo prova de o citando ter recebido a(s) carta(s) destinada(s) à sua citação para a execução fiscal, numa situação como a dos autos, apenas pode presumir-se realizada a citação se tiver sido observado o estatuído na parte final do referido artigo 192º, nº 2, isto é, se for repetida a citação enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação de que a citação se considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.

IV - Daí que se, na 2ª citação, não constar a advertência desta cominação, não pode operar a presunção de citação e, assim, tem de considerar-se que ocorre falta de citação.

V - Para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado, não se exigindo a demonstração da existência de efetivo prejuízo.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. AA, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 30.05.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada improcedente a reclamação contra o ato do Chefe do Serviço de Finanças de ... de 13.02.2023, que havia indeferido o pedido de declaração de nulidade do processo de execução fiscal, com fundamento em falta de citação do ato de reversão, contra si, do processo de execução fiscal nº ..........5030, instaurado contra «X, S.A.» por dívidas de IRC e respetivos juros de mora, referentes ao período de 2011, no valor de € 16.425,69.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” exarada a fls... que entre o mais julgou a RECLAMAÇÃO apresentada pelo ora recorrente improcedente e, em consequência decidiu:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente a reclamação mantendo-se a decisão do órgão de execução fiscal.”.
2ª – O Tribunal “a quo” fez errada interpretação dos fatos o que originou uma errada subsunção dos fatos ao direito o que se traduziu na errada decisão do presente pleito.
3ª – O presente Recurso visa também a matéria de fato dada como provada.
4ª – O Recorrente entende que houve erro de julgamento.
5ª - A Meritíssima Juiz “a quo” alicerça todo o seu raciocínio em três premissas erradas.
6ª – A primeira, o Tribunal “a quo” considera que “Atenta, aliás, a alegação do próprio Reclamante, referente à cominação de presunção de citação a que se refere o art. 193º nº 3, no oficio referente à 2ª citação, sempre será forçoso concluir que o Reclamante, de alguma forma, tomou conhecimento do ofício em questão.”
7ª – Salvo o devido respeito e melhor opinião este é um paço de gigante que é claramente contraditado pela cronologia dos acontecimentos.
8ª - Do conjunto dos documentos que fazem parte do processo e que sustentam a decisão do Tribunal “a quo” é clarividente que o ora Recorrente só teve conhecimento da citação com a penhora agora efectuada, até porque, o cumprimento de formalidades essenciais está fora do âmbito do seu conhecimento.
Essa questão técnica concreta só foi levantada, após consulta do processo executivo, pelo mandatário do Recorrente, aqui subscritor..
9ª - É absolutamente claro que o que se põe em causa é a efectivação da citação (“…o Reclamante foi supostamente citado…; (…) “Esta dita CITAÇÃO POSTAL 2ª TENTATIVA terá sido efectuada…” bold e sublinhado nosso).
10ª - O que claramente não podia o tribunal “a quo” era concluir “…que o Reclamante, de alguma forma, tomou conhecimento do ofício em questão.” (2ª tentativa), porquanto tudo que consta do processo impõe precisamente a conclusão inversa.
11ª - É, também cristalino, que na Reclamação está posta em causa a possibilidade de defesa dos fatos que lhe são imputados
12ª - Recorre-se também, nesta parte, na fixação da matéria de fato, nomeadamente do ponto 14 dos fatos provados:
14. Em 17.01.2023 o Reclamante apresentou requerimento, através do e-balcão do Portal das Finanças, com o nº de entrada ...........4522, em que invoca a nulidade da citação de reversão efectuada no processo de execução fiscal nº ...........5030 – cfr. Informação de fls. 23-27 do processo electrónico.”
13ª - Da informação de fls. 23-27 do processo electrónico e da cópia do requerimento efectuado via e-balcão que se encontra a fls… do processo, consta expressamente que:
O requerente alega o seguinte:
(…)
• Que nunca foi citado, nem pessoalmente nem por carta registada com aviso de receção;
• Que não tendo sido citado, não teve oportunidade de saber porque o pretendiam reverter, se foram cumpridas todas as formalidades legais, se o ato estava devidamente fundamentado, o que configura uma nulidade processual;
14ª - Donde, impunha-se ao Tribunal “a quo” no ponto 14 completar a matéria provada com o que consta da informação, assim:
14. Em 17.01.2023 o Reclamante apresentou requerimento, através do e-balcão do Portal das Finanças, com o nº de entrada ...........4522, em que invoca a nulidade da citação de reversão efectuada no processo de execução fiscal nº ...........5030 onde alega entre o mais que não tendo sido citado, não teve oportunidade de saber porque o pretendiam reverter, se foram cumpridas todas as formalidades legais, se o ato estava devidamente fundamentado,– cfr. Informação de fls. 23-27 do processo electrónico.
15ª – Acresce que como defende Jorge Lopes de Sousa “O que é relevante, para a ocorrência da nulidade prevista na alínea a) do nº 1 deste artigo, é a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado.
16ª – Quanto à terceira premissa, o Tribunal “a quo” entendeu que o prazo para a arguição da nulidade seria o prazo para dedução de defesa “tout cour”, e para sustentar o seu raciocínio invoca o Acórdão do STA de 30-09-2020 no processo nº 0677/20.0BELRS
17ª - No Acórdão do STA a questão que importa para o caso aqui “sub judice” é se a falta cometida prejudicou ou não a defesa do citando.
18ª - No caso do acórdão do STA claramente não houve prejuízo porquanto dúvidas não há que pelo menos desde 02/06/2006 o contribuinte estava em condições de alegar a nulidade da citação e não o fez (tendo inclusivamente recorrido a outros meios de defesa, reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial)
19ª - AO CONTRARIO, no caso “sub judice” o ora Recorrente suscitou a nulidade assim que foi efectivamente citado de uma penhora num processo executivo cuja existência desconhecia por completo.
20ª - Ou seja, A IRREGULARIDADE COMETIDA COMPROMETEU DEFINITIVAMENTE O SEU DIREITO À DEFESA, razão pela qual andou mal o Tribunal “a quo” ao considerar improcedente a nulidade por preterição de formalidade legal.
21ª - O ora Recorrente foi notificado da penhora do presente processo em 14 de Dezembro de 2022, pelo que em 17 de Janeiro de 2023 estava dentro do prazo de 30 dias para alegar a nulidade.
22ª - Impõe-se a este Venerando Tribunal de Recurso corrigir os erros do Tribunal de Julgamento.
23ª - Assim fazendo conhecer da prescrição da dívida exequenda em relação ao Recorrente.
Termos em que, e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e provado anulando-se a decisão da reclamação com as legais consequências como é de
JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
1.4. O DMMP teve vista dos autos, reiterando o parecer do MP em 1ª instância, para concluir que o recurso merece provimento.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de facto (quanto ao ponto 14 dos factos provados) e de direito, ao concluir que o Recorrente foi citado para a execução fiscal, na qualidade de revertido.
*

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com interesse para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Em 07.03.2013, o Serviço de Finanças de ... elaborou informação no âmbito do processo de execução fiscal com o n.º ..........5030 e apensos em que consta entre o mais o seguinte: “Os presentes autos foram instaurados contra a firma «X, S.A.» por dívidas de IRC e IMI. Constam como gerentes (…) AA (…). Tendo sido notificados do projeto de reversão, vieram os potenciais revertidos exercer aquele direito, alegando entre outros que a notificação efetuada não continha os elementos essenciais da liquidação. De facto, apreciando a notificação remetida, verifica-se que a mesma foi enviada de forma automática pelos serviços centrais e, carece de alguns elementos nomeadamente no que diz respeito ao projeto de reversão e aos períodos de imposto. Assim, sou da opinião que deveriam de recomeçar os procedimentos de reversão, sanadas as irregularidades apontadas.” – cfr. informação de fls. 68 do PEF;
2. Na mesma data, o Chefe de Finanças proferiu despacho de concordância com a informação aludida no ponto anterior, ordenando a extinção do projeto de reversão e o início, de imediato, de novo projeto de reversão com os elementos necessários – cfr. despacho de fls. 68 do PEF.
3. Na mesma data, o Serviço de Finanças de ... emitiu informação no sentido de serem ouvidos os responsáveis subsidiários (incluindo o aqui, Reclamante), em sede de audição prévia, sobre o projeto de decisão de reversão da execução fiscal mencionada no ponto 1. – cfr. fls. 69 do PEF.
4. Na mesma data, foi proferido despacho a determinar a preparação do processo de execução fiscal, para efeitos de reversão contra o aqui Reclamante, bem ainda a notificação deste, para efeitos de exercício do direito de audição prévia sobre o projeto da reversão da execução fiscal aludida no ponto 1, por dívidas de IRC, juros de mora e IMI perfazendo quantia exequenda no montante de € 16.846,71 – cfr. despacho e certidão de fls. 71 do PEF.
5. Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de ... emitiu ofício de notificação com o n.º ...59, para o exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de reversão da execução fiscal, remetido ao Reclamante em 11.03.2013, por carta registada – cfr. oficio de fls. 77- 78 do PEF.
6. Em 26.03.2013, deu entrada no Serviço de Finanças de ..., requerimento do Reclamante, remetido por carta registada, com vista ao exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de reversão do processo de execução fiscal e apensos aludido em 1 – cfr. requerimento e envelope postal de fls. 28-57 do processo eletrónico.
7. Em 21.06.2013, o Chefe de Finança do Serviço de Finanças de ... proferiu despacho de reversão da execução fiscal aludida no ponto 1, contra o Reclamante, na qualidade de responsável subsidiário– cfr. despacho de fls. 28 – 57 do processo eletrónico.
8. Na mesma data, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... elaborou ofício de citação do Reclamante – cfr. ofício de fls. 28-57 do processo eletrónico.
9. O ofício aludido no ponto anterior foi remetido ao Reclamante, por carta registada com aviso de receção – cfr. ofício de fls. 28-57 do processo eletrónico.
10. A carta e o aviso de receção foram devolvidos ao remetente, em 26.07.2013, com a menção “objeto não reclamado” e “Não atendeu(…) data 16.07.13 (…) AVISADO na Estação de Correio de (ilegível)”– cfr. aviso e etiqueta postal e anotações em carimbo apostos no envelope devolvido de fls. 28-57 do processo eletrónico.
11. Em 04.09.2013 o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... elaborou ofício de citação de reversão do processo de execução fiscal ..........5030, contra o Reclamante em que consta, entre o mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. ofício de citação e fls. 105-106 do processo eletrónico.
12. O ofício aludido no ponto anterior foi remetido ao Reclamante, em 05.09.2013, por carta registada com aviso de receção – cfr. aviso de receção de fls. 28-57 do PEF.
13. O aviso aludido no ponto anterior foi devolvido ao remetente, em 06.09.2013, com a menção “Declaração No dia 2013-09-06 às 13:10 na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente” – cfr. aviso de fls. 28-57 do processo eletrónico.
14. Em 17.01.2023 o Reclamante apresentou requerimento, através do e-balcão do Portal das Finanças, com o n.º de entrada ...........4522, em que invoca a nulidade da citação de reversão efetuada no processo de execução fiscal n.º ...........5030 – cfr. informação de fls. 23-27 do processo eletrónico.
15. Em 13-02-2023 o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... proferiu despacho de indeferimento do requerimento aludido no ponto anterior, em concordância com a informação de 09.02.2023 do Serviço de Finanças de ... – cfr. despacho e informação de fls. 23-27 do processo eletrónico.
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Não existem factos alegados, com interesse para a decisão da causa, que não se tenham provado.
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Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do PEF e apensos juntos aos autos, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório, sendo indicado expressamente, em cada número, o documento que contribuiu para a extração de tal facto, através da indicação das folhas do processo de execução fiscal do do processo eletrónico em que o mesmo se encontra.».

3.1.2. Do erro de julgamento de facto
Entende o Recorrente que deve ser alterada (aditada) a redação do ponto 14 dos factos provados, passando a dele constar o seguinte: «14. Em 17.01.2023 o Reclamante apresentou requerimento, através do e-balcão do Portal das Finanças, com o nº de entrada ...........4522, em que invoca a nulidade da citação de reversão efectuada no processo de execução fiscal nº ...........5030 onde alega entre o mais que não tendo sido citado, não teve oportunidade de saber porque o pretendiam reverter, se foram cumpridas todas as formalidades legais, se o ato estava devidamente fundamentado,– cfr. Informação de fls. 23-27 do processo electrónico.».
Analisados os autos, verificamos que se impõe retificar a redação do ponto 14 dos factos provados, porquanto a data indicada de apresentação do requerimento não está correta, como também o não está a indicação das folhas dos autos onde se encontra o documento ali mencionado.
Assim, o ponto 14 dos factos provados passa a ter a seguinte redação:
14 – Através de requerimento eletrónico, apresentado em 13-01-2023 17:06:20, o ora Recorrente arguiu a nulidade processual decorrente do facto de nunca ter sido citado, quer pessoalmente, quer por carta registada com aviso de receção, para a execução fiscal nº ..........5030, referindo que, por isso, «(…) não teve oportunidade de saber porque o pretendiam reverter, se foram cumpridas todas as formalidades legais, se o ato estava devidamente fundamentado, etc.// 8. Ou seja, o ora reclamante está a ser penhorado por algo que nunca teve, sequer, a possibilidade de se defender.» - cfr. pp. 1 a 4 do documento nº 007901452, apresentado com a p.i..
*
Estabilizada nestes termos a decisão em matéria de facto, avancemos na apreciação jurídica deste recurso.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento de direito
O Recorrente apresentou reclamação contra o ato do órgão da execução fiscal que indeferiu o requerimento em que arguiu a falta da sua citação para a execução fiscal invocando, na p.i., que do processo não consta qualquer prova de que o aviso de levantamento da correspondência tenha sido deixado na sua caixa do correio, daí que a falta de levantamento da carta não possa ter o efeito cominatório previsto no nº 3 do artigo 192º, como foi entendido pela AT, pois que também não há prova documental de ter sido deixado aviso para levantamento da primeira citação.
A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo negou provimento à reclamação apoiando-se no seguinte discurso fundamentador:
«(…)
Subsumindo os factos ao direito constata-se que, no caso, a Entidade Exequente remeteu ao Reclamante, por carta registada com aviso de receção, ofício de citação (cfr. ponto 7, 8 e 9 dos factos provados).
Mais se verifica que a carta e o aviso de receção em questão foram devolvidos ao remetente, em 26.07.2013, com as menções “objeto não reclamado” e “Não atendeu (…) AVISADO na Estação de Correio de (ilegível)”(cfr. ponto 10 dos factos provados).
Consta, também, dos factos provados que, em 04.09.2013, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... elaborou novo ofício de citação de reversão do processo de execução fiscal ..........5030 (cfr. ponto 11 do probatório), remetido ao Reclamante em 05.09.2013, por carta registada com aviso de receção, e devolvido ao remetente, em 06.09.2013, com a menção “Declaração No dia 2013-09-06 às 13:10 na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente” (cfr, pontos 11 a 13 do probatório).
Face ao exposto é forçoso concluir que a Entidade Exequente cumpriu o ritual de citação prescrito na lei, quanto à repetição da citação frustrada enviando, para o efeito, novo ofício de citação, mediante carta registada com aviso de receção, com comprovativo de depósito na caixa postal do Reclamante.
Assim, não se pode concluir pela falta de citação do Reclamante pois esta está reservada para os casos em que, efetivamente, inexistiu entrega de citação ao revertido, quer porque o ato foi completamente omitido, quer porque houve erro na identidade do citado, quer porque foi indevidamente empregue a citação edital, quer porque foi efetuada depois do falecimento do citando, ou da extinção deste, ou ainda quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável (cfr. artigo 188.º do CPC aplicável por remissão do artigo 2.º al. e) do CPPT).
Analisando o ponto 10 dos factos provados, constata-se que o Reclamante foi avisado para levantamento da carta, referente à 1.ª tentativa de citação, sem que tivesse procedido ao seu levantamento na estação de correios. Constata-se ainda que a carta referente à 2.ª tentativa de citação foi, comprovadamente, depositada na caixa postal do Reclamante (cfr. ponto 13 dos factos provados).
Verifica-se ainda, na petição de reclamação apresentada, que o Reclamante sequer contesta ter recebido a carta contendo o 2.º ofício de citação.
Atenta, aliás, a alegação do próprio Reclamante, referente à omissão da advertência da cominação de presunção de citação a que se refere o artigo 193.º n.º 3, no ofício referente à 2.ª citação, sempre será forçoso concluir que o Reclamante, de alguma forma, tomou conhecimento do ofício em questão.
Acrescente-se que, é o próprio Reclamante que refere, na sua alegação, que a morada para a qual foram enviadas as cartas contendo os ofícios de citação, corresponde ao seu domicílio fiscal.
Refira-se ainda que o Reclamante não alegou qualquer impedimento, temporário ou perpétuo, de aceder à caixa postal que constituía, à data, o seu domicílio fiscal.
Por fim deverá ainda referir-se que o Reclamante não alegou qualquer facto no sentido de ter sido privado de meios de defesa no processo executivo, pressuposto essencial da aplicação do regime da nulidade insanável da falta de citação prevista no artigo 165.º n.º 1 al. a).
Vale isto por dizer que, não se pode, em boa consciência, enquadrar os factos provados nos presentes autos no regime jurídico da falta de citação.

Sucede, porém, que, conforme alega o Reclamante, nem todas as formalidades prescritas na lei para a citação pessoal foram cumpridas pela Entidade Exequente porquanto não consta, do teor da 2.ª tentativa de citação, a advertência da cominação prevista no n.º 3 do artigo 192.º do CPPT, a saber, que “(a) citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.”.
Impõe-se assim, de seguida, analisar quais as consequências legais da omissão da referida advertência, sobre a validade da citação efetuada nos presentes autos.
Vejamos o quadro normativo aplicável.
As nulidades insanáveis em processo de execução fiscal estão reguladas no artigo 165.º do CPPT que preceitua o seguinte:
1 - São nulidades insanáveis em processo de execução fiscal:
a) A falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado;(…)
2 - As nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos.”.
Ora, no caso, resulta do ponto 13 dos factos provados que a carta contendo o ofício de citação foi depositada na caixa postal do Reclamante no dia 06.09.2013.
Analisado o ofício de citação em questão, cujo teor consta do ponto 11 dos factos provados, verifica-se que não consta do mesmo a advertência constante do artigo 193.º n.º 3 do CPPT, nos termos do qual a citação “considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede”.
Constata-se assim que ocorreu a preterição de uma formalidade legal da citação.
Quanto à consequência da preterição de formalidades legais que não configurem a nulidade insanável prevista na al. a) do artigo 165.º n.º 1 al. a) prescreve, o n.º 2 do mesmo artigo que esta será a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
Importa agora saber até quando deveria, a referida nulidade, ser arguida.
Neste âmbito, dispõe o artigo 191.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º al. e) do CPPT o seguinte:
(…) 2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo(….).
4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”.
Do quadro normativo exposto resulta, para o que aqui releva, que a arguição de nulidades referentes à preterição de formalidades legais que não configurem falta de citação ou falta de requisitos essenciais do título executivo [cfr. artigo 165.º n.º 1 al. a) e b) do CPPT], está sujeita ao prazo de arguição de 30 dias, [cfr. as disposições conjugadas do artigo 191.º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi al. e) do CPPT e artigo 203.º do CPPT].
Ora quanto ao prazo de arguição da nulidade em questão, resulta do ponto 14 dos factos provados que, só em 17.01.2023, isto é, decorrida quase uma década da data da citação em questão, o Reclamante invocou a mesma, através de requerimento apresentado ao órgão de execução fiscal, através do e-balcão do Portal das Finanças.
Constata-se assim que, não tendo sido arguida no prazo legal para o efeito a nulidade, por preterição de formalidade legal, sanou-se (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2020, no processo n.º 0677/20.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt ).
Em conclusão, improcede quer a invocada nulidade insanável por falta de citação, quer a nulidade por preterição de formalidade legal.» - fim de transcrição.
O Recorrente não se conforma com o assim decidido e entende que a sentença alicerça todo o seu raciocínio em três premissas erradas: a primeira, ao considerar que “Atenta, aliás, a alegação do próprio Reclamante, referente à cominação de presunção de citação a que se refere o art. 193º nº 3, no oficio referente à 2ª citação, sempre será forçoso concluir que o Reclamante, de alguma forma, tomou conhecimento do ofício em questão.”, a segunda, ao considerar que não está posta em causa a possibilidade de defesa dos factos imputados e, a terceira, ao considerar que o prazo para a arguição da nulidade seria o prazo para dedução de defesa quando a questão que importa para o caso aqui sub judice é se a falta cometida prejudicou ou não a defesa do citando.
Ora, como ressalta da sentença recorrida, na parte transcrita, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considerou que não se verificava uma situação de “falta de citação”, em virtude de terem sido remetidas 2 cartas destinadas à citação do Recorrente, a primeira devolvida por não ter sido levantada e a segunda depositada no recetáculo postal na morada do citando, conforme menção aposta no aviso devolvido ao OEF. Concluiu, por isso, que a AT cumpriu o ritual de citação prescrito na lei, não se podendo concluir pela falta de citação.
Desde logo, cabe salientar que a falta de citação não se confunde com a nulidade da citação: aquela só ocorre nas situações expressamente previstas no artigo 188º, nº 1, do CPC, ou seja, «a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável»; esta, ocorre quando o ato tenha sido praticado com inobservância de formalidades prescritas na lei [nº 1 do artigo 191º do CPC], sendo que, em ambos os casos, é exigível que a falta cometida possa prejudicar a defesa do citando (cfr. nº 4 do mesmo artigo e artigo 165º, nº 1, alínea a) do CPPT).
A nulidade da citação tem como consequência, em princípio, a anulação dos ulteriores termos processuais que dela dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos, como decorre do disposto no nº 2 do artigo 165º do CPPT.
No caso, o Recorrente nega ter recebido qualquer dos ofícios destinados à sua citação donde que, antes do mais, importa apurar se pode presumir-se realizada a citação, conforme o entendeu o OEF, ao concordar com a Informação que sustenta o Despacho reclamado onde consta que «No referido processo, [ou seja, no processo de execução fiscal nº ..........5030] o requerente foi dado como citado em 2013-09-06 (citação prova depósito), na morada da sua residência fiscal à data dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 160º, 189º, 190º e nº 2 do artigo 192º do CPPT.».
O cumprimento do disposto na parte final do artigo 192º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não configura um requisito formal da citação cuja inobservância pode gerar a nulidade da citação, pois que apenas pode ocorrer nulidade da citação nos casos de esta tenha sido ou deva presumir-se efetuada, ainda que sem observância das formalidades previstas na lei. Trata-se, antes, do pressuposto de operabilidade, ou seja, a base da presunção de citação que decorre do nº 3 do mesmo artigo.
Assim, não havendo prova de o citando ter recebido a(s) carta(s) destinada(s) à sua citação para a execução fiscal, numa situação como a dos autos (em que havendo citação pessoal efetuada mediante carta registada com aviso de receção, este tenha sido devolvido e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43º), apenas pode presumir-se realizada a citação se tiver sido observado o estatuído na parte final do referido artigo 192º, nº 2, isto é, se for repetida a citação enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação (prevista no nº 3 do artigo 192º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) de que a citação se considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.
Daí que se, na 2ª citação, não constar a advertência desta cominação, não pode operar a presunção de citação e, assim, tem de considerar-se que ocorre falta de citação.
Tal é o que se verifica na situação sub judice, porquanto, analisado o teor da 2ª carta destinada à citação do Recorrente, transcrito no ponto 11 do probatório, constatamos que ali não se faz qualquer menção à advertência da cominação prevista no nº 3 do artigo 192º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, não pode operar a presunção de citação do Recorrente e, por assim ser, temos de considerar que ocorre nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 165º, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por falta de citação do revertido.
Acresce dizer que, quanto à ocorrência de prejuízo para a defesa do interessado/revertido, acompanhamos a jurisprudência pacífica e uniforme do STA no sentido de que, «como se sumariou no Acórdão deste STA de 7 de Julho de 2010, rec. n.º 0214/10, o regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art. 165.º n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem deveria ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado, a não ser que a citação antes em falta seja realizada, (…).
Já no que tange ao alegado “suprimento” da nulidade, pelo facto de alegadamente a falta de citação em nada ter prejudicado a defesa da reclamante, está por demonstrar que assim seja, (…), porquanto, como a reclamante invocou na sua petição de reclamação, a falta de citação poderá tê-la impedido de deduzir oposição à execução fiscal e de, na pendência desta, prestar garantia para suspender o processo executivo, argumentos estes que a recorrente não contraria.
Ora, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos, apoiando-se na lição de JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III, 6.ª edição, pp. 138/139), para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo, sendo que no caso dos autos não há quaisquer elementos que permitam concluir no sentido de que o alegado prejuízo para a defesa da executada decorrente da impossibilidade de dedução de oposição à execução fiscal e suspensão do processo executivo mediante prestação de garantia não se verificou.».
Ora, também no caso vertente, à semelhança do que sucedia na situação subjacente ao transcrito aresto do STA, não existe qualquer evidência de que a falta de citação do Recorrente não prejudicou a sua defesa, existindo, claramente, a possibilidade de prejuízo para a defesa do revertido, como, aliás, foi expressamente invocado pelo Recorrente no requerimento que dirigiu ao OEF (veja-se o ponto 14 do probatório, por nós alterado).
Ante o que vem considerado, é de conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, restando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A falta de citação não se confunde com a nulidade da citação: aquela só ocorre nas situações expressamente previstas no artigo 188º, nº 1, do CPC, e esta ocorre quando o ato tenha sido praticado com inobservância de formalidades prescritas na lei [nº 1 do artigo 191º do CPC], sendo que, em ambos os casos, se exige que a falta cometida possa prejudicar a defesa do citando (nº 4 do mesmo artigo e, alínea a) do nº 1, do artigo 165º do CPPT).
II - O cumprimento do disposto na parte final do artigo 192º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não configura um requisito formal da citação cuja inobservância pode gerar a nulidade da citação, pois que apenas pode ocorrer nulidade da citação nos casos de esta tenha sido ou deva presumir-se efetuada, ainda que sem observância das formalidades previstas na lei. Trata-se, antes, do pressuposto de operabilidade, ou seja, a base da presunção de citação, que decorre do nº 3 do mesmo artigo.
III - Não havendo prova de o citando ter recebido a(s) carta(s) destinada(s) à sua citação para a execução fiscal, numa situação como a dos autos, apenas pode presumir-se realizada a citação se tiver sido observado o estatuído na parte final do referido artigo 192º, nº 2, isto é, se for repetida a citação enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação de que a citação se considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.
IV - Daí que se, na 2ª citação, não constar a advertência desta cominação, não pode operar a presunção de citação e, assim, tem de considerar-se que ocorre falta de citação.
V - Para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado, não se exigindo a demonstração da existência de efetivo prejuízo.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e em julgar a reclamação procedente, anulando-se o ato reclamado.

Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias, por nelas sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, as quais não abrangem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 27 de setembro de 2023

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta