Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01047/12.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TAXA DE PUBLICIDADE
COMPETÊNCIA PARA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I) O juiz deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução que foi dada a outras.
II) A omissão parcial de factos na decisão da matéria de facto não consubstancia omissão de pronúncia para efeitos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT.
III) Depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E..., Lda.
Recorrido 1:EP..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

“E…, LDA.”, nipc 5…, com sede no Lugar…, V. N. de Famalicão, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida em 08/04/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial contra o acto de liquidação, referente à taxa devida à EP – ..., S.A., no valor de € 1.362,96.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª- Ao deixar sem qualquer apreciação a questão relativa ao facto do Estado — no caso em apreço a ‘EP’ — não poder constranger o administrado ao pagamento de uma taxa, mas sim e só recusar-lhe a vantagem decorrente do licenciamento se a taxa não for paga, constitui uma omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença recorrida, conforme estatui o artigo 668º, nº 1 alínea d) do Cód. de Proc. Civil;
2ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ ao conhecer logo o pedido, sem que o processo fornecesse todos os elementos necessários (quanto à matéria de facto), violou o estatuído no nº 1 do artigo 113º do C.P.P.T.;
3ª- A impugnante/recorrente alegou factos, juntando documentos e arrolando testemunhas, que não foram considerados pelo Meritíssimo Juiz ‘a quo’;
4ª- Pese embora ter declarado que “com relevância para a apreciação da questão em apreço inexistem factos não provados”, o Meritíssimo juiz ‘a quo’ também não deu como provados factos alegados pela impugnante e que indubitavelmente se revelavam com interesse para a decisão da causa;
5ª- Há uma clara omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença que importa apreciar e conhecer;
6ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ não podia ter apreciado e decidido a questão de mérito sem previamente ter ordenado, ou permitido, a produção da prova requerida, nomeada e principalmente a prova testemunhal requerida pela impugnante;
7ª- Só após a prolação da douta sentença recorrida foi possível à impugnante conhecer o verdadeiro sentido e alcance da decisão anteriormente tomada de “conhecer logo o pedido”;
8ª- O Meritíssimo juiz ‘a quo’ decidiu a questão sem apreciar, pelo menos, um dos fundamentos invocados pela impugnante, qual seja a questão do vício de lei por erro sobre os pressupostos de facto;
9ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ julgou suficientemente fundamentado de facto o acto de liquidação, mas não adiantou — à semelhança do que se verifica na notificação do acto — um único facto (concreto) constante da decisão impugnada que satisfaça a previsão dos preceitos legais invocados (artigo 120º do CPA e artigo 77º da LGT);
10ª- É insuficiente a fundamentação que não refere individualizadamente os factos aos pressupostos da norma ou normas aplicáveis e que permitiam essa concreta decisão e não qualquer outra, nem enuncia quaisquer critérios ou factores que expliquem as valorações que conduziram ao cumprimento de uma obrigação por parte de um administrado;
11ª- A impugnante recorrente foi desatendida na sua alegação de erro sobre os pressupostos de facto sem que o Meritíssimo Juiz ‘a quo’ apreciasse tal matéria e sem que permitisse àquela produzir a prova requerida;
12ª- Já há muito que deixou de subsistir na ordem jurídica portuguesa o princípio segundo o qual o acto administrativo goza de presunção da legalidade, presunção esta que abrangeria também os seus pressupostos;
13ª- Ao deixar de apreciar e decidir a questão do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, com influência na decisão da causa, o Meritíssimo Juiz ‘a quo’ praticou uma irregularidade geradora de nulidade da douta sentença recorrida;
14ª- Ao julgar improcedente o alegado vício de incompetência do Director Regional, “sem necessidade de mais considerandos” por “os actos praticados pelo Director de Delegação Regional da EP, S.A.” terem sido “levados a cabo por Delegação de Competências”, o Meritíssimo Juiz ‘a quo’ tomou uma decisão nula, por falta de fundamento de direito, face ao estatuído no artigo 668º, nº 1, alínea b) e no artigo 158º, nº 1, ambos do Cód. Proc. Civ.;
15ª- De qualquer modo, tal decisão não se mostra conforme à lei pois, nos termos do nº 1 do artigo 11º dos Estatutos da ‘EP’, o Conselho de Administração apenas pode delegar os seus poderes de gestão, com poderes de subdelegação, em qualquer dos seus membros, o que não é o caso do Exmº Senhor Director Regional em causa;
16ª- Ademais, o invocado acto de delegação não se encontra publicado no Diário da República, em clara violação ao estatuído no artigo 37º do CPA, o que acarreta a ineficácia da delegação, equivalendo na prática a incompetência do delegado, geradora de anulabilidade do acto praticado;
17ª- De qualquer modo, não dispõe a ‘EP’ de poderes para conceder autorização ou licenças pela implantação de tabuletas e objectos de publicidade e para liquidar e cobrar a taxa prevista no Decreto-Lei 13/71;
18ª- A norma constante da alínea j) do artigo 15º do DL nº 13/71, de 23 de Janeiro, actualizado pelo DL 25/2004, de 24 de Janeiro, que constitui o suporte jurídico da taxa cuja cobrança coerciva a ‘EP’ pretende, quando interpretada no sentido de que a taxa há-de ser calculada tendo em conta a área total da tabuleta ou objecto de publicidade, independentemente da dimensão de tais tabuletas ou objectos, viola o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
19ª- A taxa (em contraposição ao imposto ou à contribuição financeira) não pode ultrapassar o custo ocasionado com a actividade pública desencadeada para emissão do acto de licenciamento ou para a prestação do serviço individualizado (o custo é um elemento-travão);
20ª- Permitindo a lei, como permite, que a entidade pública cobre uma taxa que vai muito para além do custo ocasionado com a actividade pública desencadeada para a emissão do acto, deixamos de estar perante uma taxa para passarmos a estar perante um imposto;
21ª- O regime jurídico que prevê a obrigatoriedade de emissão de parecer e cobrança da respectiva taxa — tudo sem que este tenha sido solicitado e, quiçá emitido! — há-de ser perspectivado como um obstáculo jurídico arbitrário, como uma intervenção abusiva limitadora do "jus utendi" de um bem privado, com o fim único de obter receitas, pois é certo e sabido que o bem jurídico tutelado está já tutelado pelos órgãos do Município que licenciam a publicidade em causa.
22ª- Deste modo a taxa aplicada pela 'EP', fundamentada na alínea j) do artigo 15º do DL nº 13/71, actualizado pelo DL 25/2004, inexiste na ordem jurídica portuguesa por tal norma violar o disposto nos artigos 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i) da CRP.
TERMOS EM QUE, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, como é de inteira e sã J U S T I Ç A!
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A Recorrida EP – ..., S.A. apresentou contra-alegações extemporaneamente, pelo que as mesmas foram desentranhadas dos autos e devolvidas à parte.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 180-182, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa ponderar se se verifica a invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia; apreciar o mencionado erro de julgamento no que concerne à competência da entidade recorrida para a liquidação da taxa impugnada; e bem assim da inexistência da taxa aplicada pela recorrida, por padecer de inconstitucionalidade a alínea j) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
A) A 29.11.2011, os serviços de fiscalização da EP – ... verificaram na EN 205 ao KM 15,650 D, a existência de dois painéis de publicidade implantada pertencente a “E…, LDA.”, nipc. 5…, sem que tivesse obtido prévia autorização daquela entidade, cfr. Processo Administrativo (PA.) – aqui dado como reproduzido para todos os efeitos legais;
B) A 14.12.2011, foi a impugnante notificada, nos seguintes termos:
Assunto: Notificação para pagamento de taxa de publicidade.
EN 205 Km 15 + 650LD
No âmbito dos serviços de fiscalização desta empresa, verificámos a existência de publicidade implantada no local supra-referido, pertença de V. Exª, e susceptível de ser autorizada pela EP- ..., S.A.
Efectivamente, nos termos do disposto na alínea j), do n.º 1, do art.º 15º, do Decreto-lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, com a actualização introduzida pelo Decreto-lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, tem a EP a faculdade de autorizar a colocação de publicidade cobrando a respectiva taxa.
Dado o exposto, fica V. Exª notificado para efectuar o pagamento da taxa no valor de 1.362,96€, correspondente a 24m2 x €56,79, (…).
Concede-se, igualmente, (…), o prazo de 10 dias, (…), para V. Exª, querendo, alegar por escrito o que tiver por conveniente, (…).
O Director da Delegação Regional
(…).
(Por delegação de competências, nos termos da Deliberação de CA n.º 179/2010, de 30/12).” – cfr. fls. 16 e 17 do PA., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
C) A 4.1.2012, a impugnante exerceu por escrito o direito de audição prévia – cfr. fls. 13 e 14 do PA. – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legai – ressaltando o seguinte:

(…).
Vimos pela presente informar que não pretendemos legalizar a publicidade em causa. É nossa intenção proceder à sua remoção.
Nestas circunstâncias não faz qualquer sentido legalizar uma situação que não pretendemos manter e que nunca teríamos, aliás, criado se soubéssemos que a mesma estaria sujeita às pesadíssimas taxas que V. Exª, pretende agora cobrar.
Deste modo, não pretendemos obter da Câmara Municipal qualquer licença nem pretendemos pagar as taxas liquidadas nos temos que constam da notificação a que ora se responde. (…).;
D) A 7.03.2012, foi a impugnante notificada pela EP. – cfr. fls. 10 a 12 do PA., aqui dadas como reproduzidas para os devidos efeitos legais – ressaltando o seguinte:

Assunto: Processo LI.00/1751/DRBRG/2011
Notificação para pagamento de taxa de publicidade
EN 205 AO Km 15+650 LD
Na sequência da nossa comunicação de 2011-12-14, (…), vieram V. Exªs, alegar, em síntese, que não pretendem legalizar a publicidade em causa, e que é vossa intenção procederem à remoção da mesma.
Ora, independentemente da sua remoção da publicidade, o facto é que já usufruíram da sua colocação no local, durante um determinado período de tempo.
Assim, ficam V. Exªs notificados para efectuarem o pagamento da quantia de € 1.362,96, (…), correspondente ao processo supra referido, e constantes no ofício ref.ª 3859/2011/DRBRG, referente ao ano de 2011, exigível nos termos na alínea j), do n.º 1, do art.º 15º, do Decreto-lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, com a actualização introduzida pelo Decreto-lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, até ao próximo dia 16 de Março, (…).
A presente decisão tem a data constante nesta comunicação, (…).
O Director da Delegação Regional
(…).
(Por delegação de competências, nos termos da Deliberação de CA n.º 179/2010, de 30/12).””.
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Factos não provados:
Com relevância para a apreciação da questão em apreço, inexistem factos não provados.
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Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos e informações juntos ao processo administrativo, referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.

2. O Direito

Cumpre iniciar a apreciação do presente recurso pela arguida nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC) “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Estabelece este preceito legal um dever de pronúncia do juiz, sendo que a consequência jurídica cominada pela lei processual tributária pela “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” é a nulidade da sentença - cfr. artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Ou seja, ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proc. 0514/14).
A Recorrente entende que a decisão recorrida é nula por o Meritíssimo Juiz a quo não ter efectuado qualquer apreciação da questão suscitada em sede de impugnação judicial, relativa ao facto de a entidade recorrida não poder constranger o contribuinte ao pagamento de uma taxa, mas sim e só recusar-lhe a vantagem se a taxa não for paga. Isto é, se porventura os particulares agirem sem estar na posse da respectiva licença sujeitam-se às sanções legais, mas não à cobrança coerciva da licença que rejeitam.
Efectivamente, nos artigos 8.º a 16.º da petição inicial, a Recorrente desenvolve esta questão, impugnando a liquidação em crise também com o fundamento de não pretender legalizar a situação, nem obter qualquer licença referente à publicidade em causa, sustentando que não havendo licença não haverá lugar à taxa respectiva; apenas podendo ser aplicadas sanções previstas na lei e/ou a remoção de tal painel publicitário.
Analisado com detalhe o teor da sentença recorrida, observa-se que, de facto, o Meritíssimo Juiz a quo não apreciou e nada julgou quanto à questão de a Recorrente não ter intenção de legalizar, nem de obter licença do painel publicitário, pretendendo removê-lo.
Verifica-se que o tribunal recorrido conheceu a incompetência absoluta da entidade impugnada para a liquidação da taxa, a incompetência do Director da Delegação Regional de Braga para liquidar o tributo em causa, a alegada inconstitucionalidade, por a taxa cobrada consubstanciar antes um verdadeiro imposto, os alegados vícios de falta de fundamentação e de pressupostos factuais da liquidação.
Ora, no âmbito da apreciação dos pressupostos factuais da liquidação, o tribunal aflorou a questão da existência do facto tributário, pois refere que os painéis de publicidade localizados em propriedade privada da impugnante estão sujeitos a legalização e ao pagamento da respectiva taxa, nos termos da alínea j), do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, com a actualização introduzida pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro. Acrescentando que na liquidação impugnada foram tidos em consideração a área da publicidade implantada (24m2) e o valor do m2 (€56,76), tendo sido fixado o valor de €1.362,96, correspondente ao produto da multiplicação daqueles valores.
Não obstante não ter tratado especificamente a questão de saber se a taxa seria igualmente devida não legalizando, não sendo emitida licença e sendo removidos os painéis publicitários, está implícito, ao afirmar que se mostram reunidos os pressupostos factuais para a liquidação, que a taxa seria igualmente devida e exigível.
Por outro lado, pode mesmo argumentar-se que o conhecimento desta questão ficou prejudicado pela solução que foi dada à relativa à verificação dos pressupostos factuais da liquidação.
Por este motivo, concluímos que a sentença recorrida não omitiu pronúncia acerca da questão apontada, pelo que a sentença não enferma de nulidade por este motivo.
A Recorrente alerta, ainda, que, pese embora ter declarado que “com relevância para a apreciação da questão em apreço inexistem factos não provados”, o Meritíssimo juiz ‘a quo’ também não deu como provados factos alegados pela impugnante e que indubitavelmente se revelavam com interesse para a decisão da causa. Entende, portanto, que a decisão da matéria de facto deveria ser outra: que no probatório deveriam constar mais factos além dos que efectivamente se fez constar.
Ora, é manifesto que o invocado, a verificar-se, nunca poderia constituir omissão de pronúncia, pois não se trata de “questão” para efeitos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e do artigo 608.º do CPC, mas de matéria de facto relativamente à qual se discute se deveria ou não ter sido dada como provada.
Dito de outro modo, o que está em causa não é uma “questão” que cumprisse conhecer, mas antes matéria de facto que a Recorrente entende ser relevante para a decisão da causa, e que não foi dada como provada pelo Meritíssimo Juiz do TAF de Braga, pelo que estamos no âmbito do erro de julgamento da matéria de facto e não da omissão de pronúncia.
Em face do exposto, não se verifica nulidade da sentença recorrida.

Caberá, agora, a este tribunal de recurso conhecer do objecto da apelação.
Conforme resulta da sentença recorrida, julgou-se a impugnação improcedente porquanto, entendeu-se, em síntese, designadamente, que a EP- ..., S.A. tem competência própria para a aprovação ou licença relativa à implantação de tabuletas ou objectos publicitários, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro. É que a Lei n.º 97/88, enquanto lei geral, atribui às câmaras municipais a definição dos critérios gerais de licenciamento em matéria de afixação de publicidade para salvaguarda do equilíbrio urbanístico e ambiental, nos termos daquele diploma, e o DL n.º 13/71, lei especial, prevê que à (hoje) EP cabe avaliar o impacte que a publicidade terá na circulação rodoviária, garantindo a observância das condições de segurança de pessoas e bens sejam acauteladas, nas áreas da sua competência (cfr. art. 12.º, n.º 1 do DL n.º 13/71 e 10.º do DL n.º 374/2007).
Sustenta a Recorrente que a entidade recorrida não dispõe de poderes para conceder autorização ou licenças pela implantação de tabuletas e objectos de publicidade e para liquidar e cobrar a taxa prevista no Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro.
No acórdão da 2.ª Secção do Contencioso Tributário do STA, de 26/06/2013, processo n.º 0232/13, cuja fundamentação subscrevemos na íntegra (uma vez tratar-se de questão em tudo idêntica à dos autos, e por não termos razões para dele discordar), escreveu-se o seguinte:
“3.1. O art. 1º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, que veio regulamentar a jurisdição da Junta Autónoma das Estradas em relação às estradas nacionais, estabeleceu que tal área de jurisdição abrangia, para além da “zona da estrada” (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada “zona de protecção à estrada” (constituída pelas faixas com servidão non aedificandi e pelas faixas de respeito) - arts. 1º a 3º. Diz expressamente o art. 3º do Decreto-Lei nº 13/71 que a zona de protecção à estrada nacional é constituída pelos terrenos limítrofes em relação aos quais se verificam:
a) Proibições (faixa designadamente com servidão non aedificandi;
b) Ou permissões condicionadas à aprovação, autorização ou licença da Junta Autónoma de Estradas (faixas de respeito)”.
O art. 8º, sob a epígrafe, “Proibições em terrenos limítrofes da estrada”, dispõe que é proibida a construção, estabelecimento, implantação ou produção de “Tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos de publicidade, com ou sem carácter comercial, a menos de 50 m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo no que se refere a objectos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinem a identificar instalações públicas ou particulares.”
Por sua vez, segundo o disposto no art. 10º, nº 1, alínea b), depende da aprovação ou licença da Junta Autónoma da Estrada, a “Implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva”.
Em face do quadro legal exposto, a questão essencial a decidir é a de saber se a recorrente mantém competência para liquidar taxas de publicidade, em especial nas situações referenciadas no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, sobretudo depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto.
Este diploma, que sucedeu ao Decreto-Lei nº 637/76, de 29 de Junho, veio definir o enquadramento geral da publicidade exterior, sujeitando-a a licenciamento municipal prévio e remetendo para as câmaras municipais a tarefa de definir, à luz de certos objectivos fixados na lei, os critérios que devem nortear os licenciamentos a conceder na área respectiva.
Embora o diploma não revogue expressamente o Decreto-Lei nº 13/71 nem sequer algumas das suas normas, a verdade é que aquela lei veio universalizar a licença municipal de afixação ou instalação de publicidade no espaço exterior, dizendo expressamente que esta depende do licenciamento prévio das autoridades competentes (nº 1 do art. 1º da Lei nº 97/88).
Por seu turno, diz o nº 2 que “Sem prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho”.
No preceito seguinte (art. 2º), sob a epígrafe “Regime de licenciamento”, refere no seu nº 1 que o pedido de licenciamento é dirigido ao presidente da Câmara Municipal da respectiva área, devendo, nos termos do estatuído no nº 2, “A deliberação da câmara municipal deve ser precedida de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada, nomeadamente do Instituto Português do Património Cultural, da Junta Autónoma das Estradas, da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, da Direcção de Turismo e do Serviço Nacional de parques, Reservas e Conservação da Natureza.”
Confrontando o teor deste preceito com o expressamente consagrado no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, facilmente se conclui que os preceitos estão em contradição na parte em que este último comete à recorrente, na área de jurisdição correspondente a 100 metros para além da zona non aedificadi, a competência para a aprovação ou licença, enquanto que o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 degrada essa intervenção na mesma matéria à mera emissão de parecer obrigatório.
Poderá dizer-se que constituindo a Lei nº 97/88 lei geral, em face do Decreto-Lei nº 13/71 que, pelo seu turno, consubstancia um regime especial, estaria afastada a possibilidade de este ser revogado por aquela lei.
Acontece que no caso de contradição entre normas da mesma hierarquia, a regra vai no sentido de que lex specialis derrogat legi generali ainda que esta seja posterior, excepto, neste caso, “se outra for a intenção inequívoca do legislador” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 170.).
Ora, afigura-se que a Lei nº 97/88 pretende de forma inequívoca regular a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda atribuindo o licenciamento de forma universal às câmaras municipais, na área do respectivo concelho, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de entidades com jurisdição exclusiva para defesa de interesse públicos específicos que têm de ser tidos em conta na emissão de licença final pelo respectivo município.
(…)
3.2. Em primeiro lugar, o parecer a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 não é vinculativo, mas tão só obrigatório. Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011, p. 146.), os pareceres “enquanto avaliações jurídicas ou técnicas”, são obrigatórios ou facultativos, conforme tenham ou não de ser solicitados pelo órgão instrutor, e são vinculantes ou não vinculantes, conforme tenham, ou não, de ser seguidos pelo órgão decisor. E o autor termina dizendo que “os pareceres previstos em normas jurídicas são, salvo disposição expressa em contrário, obrigatórios e não vinculantes”.
Aplicando a doutrina mencionada ao caso dos autos, temos de concluir que os pareceres a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 são obrigatórios mas não vinculativos.
Em segundo lugar, tratando-se de um parecer, ainda que obrigatório, o mesmo não se confunde com a figura da autorização nem da licença. Ao contrário dos pareceres que integram a categoria dos actos jurídicos instrumentais, mais propriamente instrutórios, na medida em que visam a assegurar a constituição de actos administrativos, as autorizações são, tal como as licenças, verdadeiros actos administrativos em sentido estrito (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 142 e p.145.), embora com conteúdos diferentes.
As autorizações em sentido amplo são, segundo VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob. cit., p. 145.), actos administrativos favoráveis porque conferem ou ampliam direitos ou poderes “administrativos” ou extinguem obrigações, distinguindo-se as autorizações propriamente ditas das licenças. As primeiras, também conhecidas por autorizações permissivas, caracterizam-se por permitirem “o exercício pelos particulares da actividade correspondente a um direito subjectivo pré-existente, apenas condicionado pela lei a uma intervenção administrativa”, destinada a remover um obstáculo por ela imposto. As segundas, também denominadas autorizações constitutivas, destinam-se a constituir “direitos subjectivos em favor dos particulares em áreas de actuação sujeitas a proibição relativa (preventiva) pela lei, uma vez acautelada no caso concreto a não lesão do interesse que justificou a proibição legal”.
Em face do exposto, a tese da recorrente conduziria ao absurdo de sobre a mesma situação recair simultaneamente uma autorização e uma licença que, embora da autoria de entidades diferentes, visaria o mesmo resultado: permitir (ou conferir o direito) à afixação ou inscrição de mensagens de publicidade comercial. O que conduziria a que duas entidades públicas tivessem competência para liquidar taxas sobre a mesma realidade fáctica, situação muito próxima da duplicação de colecta, proibida no art. 205º do CPPT.
Ora, o que a Lei nº 97/88 veio dizer, e é aceite pela recorrente, é que a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial depende do licenciamento prévio dos municípios, precedido de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada. O que significa que o legislador quis sujeitar a afixação de publicidade a um acto de licenciamento dos municípios e não a mera autorização, acto que tem de ser instruído com o parecer das autoridades com jurisdição nos locais de afixação da publicidade. Por esta via, o legislador consegue harmonizar os interesses visados pelos municípios, consistentes na salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental e, ao mesmo tempo, a segurança do trânsito das estradas nacionais. Todavia, segundo este modo de ver as coisas, existe apenas uma única entidade competente para o licenciamento e não duas como pretende a recorrente.
Em suma, em face de tudo o quanto vai exposto, é patente que a resposta à questão que vem posta não exige que se tome posição sobre o problema de saber até que ponto o Decreto-Lei nº 13/71 se encontra ou não revogado, nem tão pouco sobre se as áreas de jurisdição da recorrente consagradas no mencionado diploma ainda se mantêm ou não.
No caso em apreço, a questão sub judice traduz-se apenas em aferir da legalidade da liquidação de taxas de publicidade aplicadas às recorridas, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, e actualizadas pelo Decreto-Lei nº 25/2004, de 24 de Janeiro. E o que se conclui é que, depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a recorrente deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitária, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos dos disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.».

Sublinhe-se ainda que, a questão que ora nos ocupa, da competência da EP – ..., S.A, para a liquidação e cobrança de taxas por afixação ou instalação de publicidade exterior na zona de protecção das estradas nacionais, após o início da vigência da Lei nº 97/88, de 17/8, tem sido objecto de abundante jurisprudência do STA no sentido da competência exclusiva das câmaras municipais para o licenciamento de publicidade comercial nas áreas dos respectivos concelhos, precedida de parecer prévio da EP – ..., S.A. (vide, Acórdãos da 2.ª Secção de Contencioso Tributário, de 4/6/2014, no processo n.º 01730/13, de 2/7/2014, processos N.º 492/14, n.º 605/14, 615/14 e 653/14, de 10/09/2014, processos n.ºs 079/14 e 319/14 (na vertente da tributação do licenciamento); e ainda Acórdãos da 1.ª Secção de Contencioso Administrativo (na vertente do próprio licenciamento, «a se»), entre muitos outros, em 15/5/2014, nos procs. nºs. 0133/14, 0135/14, 0140/14, 01516/13; e em 29/4/2014, no proc. nº 073/14).
Deste modo, sufragamos a jurisprudência supra citada, que tem sido uniforme e reiteradamente aplicada, e nessa medida, há que concluir que por força do Decreto-Lei n.º 637/76, de 29 de Junho, e, posteriormente, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto (art. 2.º, n.º 2), o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na parte em que exigia a aprovação ou licença da Junta Autónoma das Estradas, foi derrogado, e essa exigência limita-se à emissão de parecer.
Assim, por força dos mencionados diplomas, o licenciamento da afixação e inscrição de mensagens de publicidade passou a ser atribuído às câmaras municipais, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de determinadas entidades, que embora não vinculativo, têm de ser tidos em consideração na emissão de licença final.
Em suma, depois da entrada em vigor da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, a EP – ..., S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.

Por conseguinte, o recurso merece provimento, devendo a sentença ser revogada, e julgar-se procedente a impugnação judicial, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.


Conclusão/Sumário

I) O juiz deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução que foi dada a outras.
II) A omissão parcial de factos na decisão da matéria de facto não consubstancia omissão de pronúncia para efeitos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT.
III) Depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, a EP – ..., S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão judicial recorrida e julgar a impugnação judicial procedente.

Custas a cargo da Recorrida, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 13 de Novembro de 2014.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves