Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00635/09.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/31/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CUSTOS COM SEGURO DE DOENÇA DE TRABALHADORES E FAMILIARES, TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA, DESPESAS COM JUROS ALD, PORTAGENS E ESTACIONAMENTOS
, BENEFÍCIO FISCAL, CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO, ARTIGO 17.º DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - Os custos suportados com os seguros de doença dos trabalhadores e dos seus familiares, embora em abstracto possam ser dedutíveis, não relevam, em concreto, para a determinação da matéria tributável em IRC, por não satisfazerem, in casu, os requisitos conjugados do artigo 23.º e das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 40.º do Código de IRC.

II - Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5. Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD é tributado, mas já não as despesas com portagens, estacionamento e parques de estacionamento.

III - São dedutíveis como custo fiscal os encargos suportados com a criação líquida de postos de trabalho para jovens com menos de 30 anos, nos anos de 2001 e de 2002, majorando todos os encargos suportados em 50%, na medida em que cada um dos encargos mensais individualmente considerado não excedesse o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, nos termos do disposto no artigo 17.º do EBF, na redacção vigente até 31/12/2002.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

AM., S.A. [sociedade incorporante da OS., S.A], com o NIPC (…), e a Representação da Fazenda Pública interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 03/07/2018, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2005, no montante global de €85.519,46, que originou a emissão da Demonstração de Acerto de Contas número 2009 0000002…., da qual resultou o montante a pagar de €18.822,95.

A Recorrente, AM., S.A., terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1. O presente recurso vem interposto da parte da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela AM... S.A. contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2005.
2. Tendo por base a fundamentação da decisão recorrida, defende a Recorrente que a Sentença está ferida de anulabilidade. Esta resulta, de um deficiente julgamento quanto à matéria de direito mobilizada.
3. Entende a Recorrente que o Tribunal fez, em relação à correcção realizada ao nível da desconsideração fiscal do custo relativo a prémios de seguro de doença em favor de familiares dos trabalhadores da empresa, uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito consequentemente aplicável.
4. As despesas suportadas pela Impugnante com a parte dos seguros de saúde contratados relativa aos cônjuges e filhos dos seus colaboradores não poderão deixar de ser consideradas um custo fiscalmente dedutível, desta feita por pura aplicação do n.º 1 do artigo 23.° do Código do IRC.
5. No caso em apreço, a Impugnante suportou os encargos em causa por motivos intrinsecamente empresariais, sentindo-os, portanto, como o cumprimento, não só de um ímpeto de cariz social e comunitário, mas também de um interesse próprio.
6. Os pagamentos aos familiares dos trabalhadores são, assim, causa societatis, e, nessa medida, indispensáveis nos termos do artigo 23.° do Código do IRC.
7. A dedutibilidade fiscal destes encargos, designadamente os suportados com os prémios de seguros de doença relativos aos familiares dos trabalhadores, foi já confirmada em diversas decisões do Centro de Arbitragem Administrativas, bastando, para o efeito, aqui referir, por todos, a proferida no âmbito do Processo n.° 4/2012 - T, cuja consulta está disponível em www.caad.org.pt.
8. Sobre a correcção ao nível da tributação autónoma das despesas referentes a juros de ALD, portagens e estacionamentos, a sentença recorrida apenas se limitou a constatar que o tipo de encargos em causa - Juros de ALD, Portagens e Estacionamento - a própria Impugnante não refuta que estão relacionados com veículos ligeiros de passageiros. Assim sendo, caem dentro da previsão do artigo 81°, n° 3 e 5 do CIRC (...) e como tal sujeitas a tributação autónoma.
9. Ao tributar 5% das despesas com reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e reparação, combustíveis e impostos incidentes sobre a utilização de viaturas ligeiras de passageiros, o legislador pretende tributar o uso privado das mesmas. Uso privado esse que se presume e que se quantifica com base naquela percentagem forfetária de 5% sobre o valor da despesa em causa.
10. No entanto, o mesmo legislador teve o cuidado de afastar da incidência deste dispositivo aquelas situações em que esta tributação forfetária se revelaria injusta e desadequada, nomeadamente quando se trata de utilização de viaturas alugadas pelo sujeito passivo para a sua actividade e afectas à exploração do serviço público de transportes, e, bem assim, aquelas situações em que o uso privado das viaturas já é tributado na esfera do trabalhador, configurando uma remuneração em espécie, como é o caso das viaturas relativamente às quais haja sido celebrado o acordo previsto n° 8) da alínea b) do nº 3 do artigo 2° do Código do IRS.
11. Esta técnica de quantificação da intensidade de uso privado com base numa percentagem forfetária surge assim como o menor dos males, ainda que constitua sempre uma entorse ao princípio da tributação do rendimento real.
12. No entanto, esta presunção é evitável e desnecessária no que respeita às despesas com portagens e estacionamento, visto que o controlo da afectação destas despesas, de ocorrência pontual e localizada no tempo e comprovável documentalmente, se afigura muito facilitado e 100% fiável.
13. Também os juros decorrentes de contratos de ALD das viaturas ligeiras de passageiros detidas pela Impugnante não são passíveis de tributação autónoma.
14. É que na raiz da opção pelo financiamento da aquisição de quaisquer viaturas por parte das empresas em lugar da sua aquisição com fundos próprios, estão, sobretudo, motivos que são comuns a qualquer outro financiamento. Deste modo, será indiferente, para uma empresa que queira adquirir uma frota de viaturas, contrair um empréstimo de longo prazo sem utilização específica ou celebrar contratos de ALD, se chegar à conclusão que os encargos que lhes estão associados são idênticos. Tal como deverá ser indiferente, para efeitos fiscais, que uma determinada empresa obtenha um empréstimo junto de um banco de um milhão de euros para adquirir uma frota de automóveis a um juro de 5% ao ano ou que celebre contratos de ALD no valor de um milhão de euros relativamente a idêntico número de viaturas, à taxa de 5% ao ano.
15. A aceitar-se a sujeição dos encargos de ALD à tributação autónoma em questão estar-se-ia a estabelecer, no plano tributário, uma distinção infundada entre os sujeitos passivos de IRC, consoante o seu nível de endividamento, o que atentaria contra os princípios da tributação do rendimento real, da igualdade e da capacidade contributiva.
16. Do que vem de ser dito é, pois, forçoso concluir que a sentença recorrida fez uma qualificação errónea dos supra referidos encargos para efeitos de IRC, devendo, nesta medida, ser anulada.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE DE QUE ORA SE RECORRE.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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A Recorrente, Fazenda Pública, terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“1º- A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade,
- Relativamente à primeira questão controvertida, dos encargos com seguros de saúde dos trabalhadores, entendeu o respeitoso tribunal a quo que o critério utilizado pela impugnante na atribuição dos seguros de saúde aos seus trabalhadores, ao incidir exclusivamente sobre a remuneração que pelos mesmos é auferida, cumpre com os requisitos da objectividade e de identidade, previstos na alínea b), do n.º 4, do artigo 40.º do Código do IRC.
- Discordamos frontalmente da asserção retro transcrita e expendida pelo respeitoso tribunal a quo, porquanto, conforme plasmado foi no relatório inspectivo, exigia-se que o benefício de contratos de seguros de doença fossem estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, ao abrigo das exigências vertidas no art. 40º do CIRC, especificamente da al. b) do seu nº 4.
- Ora, cada contrato de seguro de saúde, dos que foram analisados pelos serviços de inspecção, contém coberturas e abrangências próprias, distintas de todos os outros, sugerindo até, uma graduação na sua atribuição a certos trabalhadores, podendo mesmo falar-se, dado o nível de diferenciação, entre um contrato para trabalhadores acima de certo plano remuneratório e os restantes e, nestes, entre uns que abrangem todo o agregado e outros que se destinam só a trabalhadores.
- Acresce que o registo contabilístico dos seguros de saúde em causa testemunha ainda uma diferenciação entre seguros de saúde para membros dos órgãos sociais e seguros de saúde para o restante pessoal, pois foi desdobrado entre os que se referem a “órgãos sociais” e a “pessoal” indiferenciados.
- Diante destas circunstâncias não se pode falar de um critério idêntico para todos os trabalhadores, mas de vários critérios que terão presidido à contratação de cada seguro de modo diferenciado e à sua atribuição para cada beneficiário.
- Ou mesmo da ausência de critério senão o nível remuneratório, que faz incluir dado trabalhador e seu agregado no contrato mais completo ou nos demais, à medida que foram sendo contratados/renovados, com ou sem o agregado familiar.
- O exigido critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores inexiste no caso em apreço, porque não se vislumbra que haja um critério objectivo de atribuição que não o nível remuneratório, nem, por este motivo, que esse critério seja idêntico para todos os trabalhadores, como determina a letra da lei.
- Neste pendor, se a fundamentação dada à liquidação impugnada pelo dito Relatório discerne a parte dos encargos suportados com os trabalhadores da suportada com os demais beneficiários, é porque esse é mais um índice que diferencia os contratos entre si juntamente com as coberturas de que beneficiam os trabalhadores, falhando o preenchimento dos requisitos de identidade e objectividade para todos os trabalhadores colocados pelo art. 40º do CIRC para serem considerados custo do exercício.
10º- Destarte, demonstrando-se, como vai assente, as características distintas dos próprios contratos, as despesas com estes contratos de seguro de doença não revestem carácter geral, pois não são extensíveis a todos os trabalhadores com igual ou idêntico conteúdo, permitindo quantificar de forma directa o benefício auferido pelos beneficiários de cada apólice, em relação a si e ao respectivo agregado.
11º- Face ao que vai dito, no tocante a esta matéria, respeitosamente se entende dever a decisão ser revogada, com todas as legais e devidas consequências.
12º- Já quanto à questão da dedução da majoração aos custos com a criação de empregos para jovens dos anos de 2001 e 2002, fixado pelo nº 2 do art. 17º do EBF, na redacção em vigor até ao exercício de 2002, cumpre referir que, in casu, está em causa um limite máximo reportado ao valor dos encargos com trabalhadores, e não à majoração, e que, se porventura os encargos anuais excedessem o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional, seria a esse limite que se aplicaria a majoração.
13º- A lei determina no nº2 do art. 17º do EBF que, para todos os efeitos do disposto no nº1 desse preceito (pois não faz qualquer distinção entre parâmetros do nº1 a que se aplica), o montante máximo dos encargos mensais, majoração incluída, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, significando que o valor a deduzir no quadro 07 da declaração modelo 22 não pode exceder essa baliza, quantificada em € 5.245,80 para 2005, reduzindo-se até à exclusão quando atingido esse valor,
14º- Destarte, a majoração é um parâmetro sujeito ao limite, além do valor mensal do total dos encargos, e só permite a dedução até esse valor, pelo que à medida que o valor da majoração aproxima-se desse limite, diminui a dedução efectiva.
15º- Só se aproveita da dedução na medida da diferença entre os encargos mensais contabilizados e os encargos mensais majorados, e na medida em que essa diferença se mantenha abaixo do limite do nº2 do art. 17º do EBF.
16º- Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.
17º- Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.
18º- Com o devido respeito, que muito é, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.
19º- Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.
TERMOS EM QUE,
Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais.
Todavia,
Em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!”
***
A Recorrida, AM., S.A.”, contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
“1. O presente recurso vem interposto pela Fazenda Pública da parte da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2005.
2. No que diz respeito à primeira correcção, o Tribunal a quo entendeu que o critério utilizado pela impugnante na atribuição dos seguros de saúde aos seus trabalhadores, ao incidir exclusivamente sobre a remuneração que pelos mesmos é auferida, cumpre com os requisitos da objectividade e de identidade, previstos na alínea b), do n.° 4, do artigo 40.° do Código do IRC.
3. Por seu turno, a opinião da Recorrente é a de que não se encontra cumprido o critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, imposto pelo artigo 40° do CIRC, especificamente na al. b) do seu n° 4.
4. Contudo, salvo o devido respeito, é evidente o erro de interpretação do direito mobilizável em que assentam os fundamentos do recurso interposto pela AT.
5. Ora, uma leitura do requisito critério objectivo e idêntico compatível com o racional da norma relativa a este tipo de realizações de natureza social apenas permite a conclusão de acordo com a qual a dedutibilidade dos custos suportados com um determinado seguro de saúde só é permitida quando esse seguro abrange a generalidade dos trabalhadores, não sendo, porém, obrigatório que essa abrangência se verifique de forma exactamente igualitária, como defende a AT.
6. O facto de os benefícios resultantes de um contrato de seguro deverem ser estabelecidos para todos os trabalhadores de acordo com "um critério objectivo e idêntico" não implica, como bem nota o Tribunal a quo, que todos eles devam estar sujeitos ao mesmo regime concreto, sem a mínima variação entre as particulares condições que conformam esse regime.
7. Com efeito, caso a identidade a que a norma se refere devesse ser entendida como sinónimo de igualitarismo, como parece entender a Recorrente, nenhum sentido teria a necessidade legal de um critério "objectivo" para a atribuição dos benefícios — na verdade, todos os trabalhadores teriam então de estar submetidos ao mesmo exacto regime.
8. É um argumento de ordem lógica: se na mente do legislador residiu aquela ideia "igualitária", por que razão se não bastou ele, na redacção do texto legal, com a necessidade de um critério de identidade? O que acrescenta á pura exigência de igualdade, a necessidade cumulativa do estabelecimento de um critério de objectividade? E de identidade? Em que outros pontos da lei encontramos uma técnica legislativa redundante e exaustiva na clarificação dos conceitos?
9. As perguntas são retóricas e as respostas não podem deixar de ser aquelas a que já aludimos: o legislador não pretendeu formular um regime de tratamento igual(itário) do que é intrinsecamente diferente, assim intimando os contribuintes empresas a fazerem presidir "um critério objectivo e idêntico" à distribuição dos benefícios decorrentes de seguros de doença contratados a favor do grupo dos seus colaboradores.
10. É verdade que a alínea b) do n.° 4 do artigo 40.° tem uma função preventiva de eventuais abusos - que ocorreriam, por exemplo, se uma empresa criasse um beneficio exclusivo para os seus colaboradores dirigentes, com uma excelente apólice de seguro (cujas despesas conseguiria deduzir como custo fiscal total da empresa, sem incidência de IRS na esfera dos beneficiários), e o "temperasse", apenas para cumprir o requisito da abrangência global, com uma apólice básica e residual para os demais trabalhadores.
11. Todavia, essa sua teleologia não impede que a única interpretação correcta do texto legal em crise (nomeadamente à luz da referência ao "critério objectivo") seja a de que a lei aceita a dedutibilidade dos custos suportados com contratos de seguro em que - sempre segundo princípios de justiça material, adequação, proporcionalidade, segurança e certeza (é esse o sentido de um "critério objectivo") - se prevejam diferentes patamares de cobertura, como, de resto, a AT não pode desconhecer considerado que seja que isto mesmo se passa com a determinação, por exemplo, dos valores das ajudas de custo para os trabalhadores em funções públicas (vide a Portaria n.° 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, alterada pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro).
12. A lei não afasta, pois, as situações (de longe, aliás, as mais frequentes) em que existe uma "estratificação" dos benefícios, desde que - repita-se - a mesma se faça de acordo com a referida objectividade.
13. Serão "critérios objectivos", designadamente: a existência de um patamar mínimo de cobertura que não seja artificial e que preveja condições minimamente aceitáveis; a não aplicação das coberturas mais vantajosas a uma clara minoria de colaboradores (administração ou pouco mais); a não dependência da inserção de um colaborador num ou noutro patamar de cobertura do facto de ele fazer parte de uma ou de outra classe profissional; a existência de critérios de proporcionalidade, como por exemplo o nível remuneratório.
14. Na situação em análise, é precisamente isso que ocorre, como obviamente resulta da prova testemunhal realizada: existem várias apólices de seguro, e o acesso àquelas que prevêem condições mais favoráveis não abrange apenas um grupo reduzido de colaboradores, mas sim uma proporção bastante considerável dos trabalhadores da Impugnante.
15. Em suma, os seguros de saúde contratados pela Impugnante em benefício dos seus trabalhadores cumprem todos os requisitos do artigo 40.° do Código do IRC, devendo nessa medida a totalidade dos encargos correspondentes ser considerada um custo fiscal do respectivo exercício e manter-se, nesta parte e de modo concomitante, o decidido na sentença de que vem interposto recurso.
16. Por outro lado, entende a Recorrida que o Tribunal fez, em relação à correcção realizada ao nível do benefício fiscal dirigido à criação líquida de postos de trabalho, com base nos encargos incorridos em 2001 e 2002, uma correcta interpretação, literal, teleológica e sistemática, da norma do artigo 17° do EBF.
17. Com efeito, se o n.° 2 do artigo 17° diz, literalmente, que, para efeitos da majoração prevista, o montante máximo dos encargos mensais é o equivalente a 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, então outra interpretação se não pode fazer do que a seguinte: quando os encargos mensais forem inferiores àquele padrão, majoram-se em 50% na sua totalidade; se os mesmos forem em montante igual ao do padrão, majoram-se em 50% igualmente na sua totalidade; caso sejam apurados em montante superior ao padrão, é sobre este último valor que incide a majoração. Foi exactamente com respeito por esta interpretação que a AM. actuou na situação decidenda.
18. O labor interpretativo da Recorrente não tem qualquer apoio no texto da lei, pelo que, desde logo, viola a directriz fundamental da interpretação das normas jurídicas estabelecida no n.° 2 do artigo 9° do Código Civil.
19. Atendendo também à teleologia que enforma o artigo 17°, deve ser sublinhado que a intenção subjacente à limitação quantitativa constante do seu n.° 2 é a de evitar um "excesso de dedução", tendo em mente os salários mais elevados, que ficam assim limitados, na possibilidade de dedução que conferem, pelo rendimento padrão. Se os encargos mensais não forem superiores ao padrão, há uma correspondência directa entre o valor desses encargos e o valor da majoração; se os encargos mensais forem superiores ao rendimento padrão, o valor da majoração fica por ele limitado.
20. Existem, por fim, razões de índole sistemática que reforçam a invalidade das alegações da Recorrente. Desde logo, a lógica seguida consubstancia, na prática, a caracterização deste beneficio como uma isenção, quando, na verdade, o mesmo é uma dedução acrescida (cfr. o n.° 2 do artigo 2° do EBF).
21. Do que vem de ser dito é, pois, forçoso concluir que a sentença recorrida fez uma qualificação correcta das normas legais supra mencionadas, devendo, nesta medida, ser mantida na ordem jurídica.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento a ambos os recursos.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, estando o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir,
- quanto ao recurso interposto pela AM., S.A., se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que as despesas incorridas com apólices de seguros de saúde dos familiares dos trabalhadores não são custos indispensáveis, nos termos conjugados dos artigos 23.º e 40.º do CIRC; bem como ao confirmar as tributações autónomas de despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento e juros de ALD, nos termos do artigo 81.º n.º 3 do CIRC.
- quanto ao recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública,
se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que o critério utilizado na atribuição dos seguros de saúde aos seus trabalhadores, ao incidir exclusivamente sobre a remuneração que pelos mesmos é auferida, cumpre com os requisitos da objectividade e de identidade, previstos na alínea b), do n.º 4, do artigo 40.º do Código do IRC; bem como ao julgar legal a correcção efectuada relativa ao nível da criação líquida de postos de trabalho.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados.
Com interesse para a decisão da causa, julgo provados os seguintes factos:
A. Por deliberação de 14 de Setembro de 2007, foi determinada a incorporação, por fusão, da sociedade OS., S.A. na sociedade NS., S.A., a qual passou adoptar a firma AM., S.A. ora impugnante.
[cf. admissão por acordo; documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]
B. A sociedade impugnante tem por objecto social a implementação, operação, exploração e oferta de redes e prestação de serviços de comunicações electrónicas, bem como de quaisquer recursos conexos e, ainda, o fornecimento e comercialização de produtos e equipamentos de comunicações electrónicas.
[cf. admissão por acordo; documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]
C. Na sequência da emissão da ordem de serviço OI200800293 de 23 de Julho de 2008, a impugnante foi alvo de uma acção de inspecção efectuada pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária [“DSIT”] da Direcção-Geral dos Impostos, tendo, entre o mais, por âmbito o Imposto sobre o sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e extensão o exercício económico de 2005.
[cf. página 1 e 2 do relatório de inspecção tributária constante do processo administrativo].
D. Por despacho datado de 05 de Janeiro de 2009, exarado sobre o parecer da Coordenadora de Equipa emitido em 30 de Dezembro de 2008, o Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção-Geral dos Impostos, determinou a elaboração do relatório de inspecção por força do qual foram efectuadas correcções meramente aritméticas, entre o mais, em sede de IRC, ao exercício de 2005 da impugnante, no valor global de EUR 241.670,97.
[cf. parecer e despacho em fls. 92 e conclusões do relatório de inspecção em fls. 95, ambos do processo físico].
E. Do relatório identificado na alínea antecedente destaca-se, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
(…)
1.1.1. Seguros de Doença
Durante o exercício económico de 2005 a OS. celebrou com a Seguros (...), S.A. cinco apólices de seguro, do ramo “M…... Empresas‟ e “F….Empresas.” (seguros de doença):
Apólice n.º 1000296
Apólice n.º 9900067
Apólice n.º 9901779
Apólice n.º 9901778
Apólice n.º 1000170
Relativamente ao presente exercício, os custos relacionados com as despesas de seguros de doença estão evidenciados na contabilidade da AM. nas seguintes sub-contas de custos com o pessoal e pelos seguintes valores:
64610101 Seguros de doença – órgãos sociais 4.852,37 €
64630101 Seguros de doença – Pessoal 159.206,446 €
As apólices n.ºs 99010…/0 e 99011…/0 têm condições iguais e economicamente os prémios por pessoa segura têm o mesmo valor. No entanto, a apólice n.º 991/0 inclui pessoas seguras, para além dos trabalhadores, os respectivos cônjuges e filhos, enquanto que a apólice n.º 990/0 apenas abrange os trabalhadores.
Pela análise às condições particulares das apólices supra mencionadas verificamos que estas contêm condições diferentes para os respectivos beneficiários dos seguros. A título exemplificativo, ao comparar a apólice n.º 999 com a apólice n.º 998 verificamos que na primeira estão abrangidos, enquanto beneficiários, os cônjuges e os respectivos filhos dos colaboradores da AM., contrariamente à segunda em que só são beneficiários os colaboradores da AM..
(…)
Neste quadro resumo, conseguimos depreender que, as apólices n.º 1006, n.º 9907 e n.º 9909, além dos trabalhadores da AM., abrangem como pessoas seguras os cônjuges e os filhos dos trabalhadores. Enquanto as apólices n.º 9908 e 1000, apenas incluem pessoas seguras os próprios trabalhadores.
Por outro, relativamente aos prémios de cada uma das apólices de seguro, também se verificam diferenças significativas (…)
As apólices n.º 106, 9907 e 1000 têm um prémio comercial anual por pessoa muito superior às restantes apólices. No entanto, a apólice 106, apesar de ter um prémio comercial igual à apólice 1000, abrange, além do trabalhador, os cônjuges e os filhos, o que traduz numa diferença económica substancial.
(…)
Refira-se que, no caso concreto, para efeitos de processamento de vencimentos e consequente tributação em sede de IRS, os custos associados a estes seguros não foram considerados rendimento de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3, da alínea b), do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.
Desta forma, verifica-se que a AM. suportou o custo com as referidas apólices de seguro não tendo o mesmo sido considerado como rendimento em espécie dos trabalhadores, consequentemente não foi tributado em IRS.
Como tal, para serem aceites como custo, os prémios dos referidos seguros de doença deverão cumprir os requisitos descritos no art. 40.º do Código do IRC.
(…)
Face ao exposto, os gastos suportados com o pagamento do prémio das apólices de seguros de saúde, na parte em que são beneficiários os familiares dos trabalhadores, no montante de EUR 72.230,49, não estando abrangidos no art. 40.º do Código do IRC, não são aceites como custos ou perdas do exercício, por força do disposto no referido n.º 4 do art. 23.º do Código do IRC.
Acresce à limitação anteriormente referida, para além de outras limitações contempladas no art. 40. º e que não estão agora a ser analisadas, a constante da alínea b), do n.º 4, do citado normativo: “Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores (…)”.
No entanto, constata-se que os benefícios (e consequentemente os prémios comerciais) relativos a cada uma das apólices são bem distintos:
1.Os trabalhadores segurados pelas apólices n.ºs 10006, 99007 e 99019 beneficiam de seguro de doença que abrange os próprios trabalhadores, bem como os respectivos cônjuges e filhos. Contudo, os trabalhadores abrangidos pelas apólices n.ºs 998 e 1000 não vêm os elementos do seu agregado familiar beneficiados pelo seguro suportado pela AM.;
2. A Apólice n.º 9909/0 garante aos seus segurados níveis de cobertura significativamente superiores aos das apólices n.ºs 9900/0 e 9901/0, conforme ilustram os seguintes quadros comparativos:
(…)
3. Tal como anteriormente referido, e em consequência das diferenças ao nível de coberturas, o prémio comercial anual por pessoa segura (suportado pela empresa) é significativamente superior na apólice n.º 9907 em relação a outras apólices.
Uma vez que esta apólice possui coberturas com valores muito superiores às restantes o custo do prémio comercial é também muito superior (por exemplo, o prémio por titular é de 416,09 EURO na apólice 9907 e de 192,24 EURO nas apólices 9909 e 9908).
Como tal, verifica-se que a OS. contratou cinco apólices de seguro de doença distintas, das quais resultam benefícios bastante diferenciados para os seus trabalhadores.
Nas apólices n.º 1006 e 1000 estão integrados 55 e 103 trabalhadores da empresa, respectivamente. Nestas duas apólices de seguro, o prémio comercial é igual e os benefícios por beneficiário são idênticos, no entanto, a primeira apólice (n.º 1000296) abrange todos os elementos do agregado familiar, enquanto a segunda apólice (n.º 1000170) apenas inclui os trabalhadores da AM.. Desta forma, é seguro concluir que os critérios estabelecidos para ambas são diferentes.
Quanto à apólice n.º 9907, esta inclui 72 trabalhadores da AM.. Oferece aos colaboradores benefícios significativamente maiores que as anteriores (melhores coberturas por pessoa segura e inclusão dos cônjuges e filhos dos titulares). Nesta apólice são integrados os trabalhadores que se situam acima de um determinado nível remuneratório definido pela empresa.
(…)
Portanto, conclui-se que os benefícios não foram “estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores” (…), contrariando o disposto na alínea b) do n.º 4 do art. 40.º do Código do IRC.
Face ao exposto, (…) também a parte do custo relativo aos trabalhadores no montante de EUR 103.225,83 não está abrangida pelo disposto no art. 40.º do Código do IRC, por não cumprir o requisito previsto na al. b) do n.º 4, do mesmo artigo (…)
(…)
1.1.2. Incentivo à criação de emprego para jovens
O sujeito passivo deduziu ao lucro tributável, a título de benefício fiscal referente à criação líquida de postos de trabalho, previsto no artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (campo 234 do quadro 07 da declaração modelo 22), o montante de € 251.183,13, tal como a seguir se discrimina (…)
(…) para efeitos da aplicação do benefício fiscal constante do n.º 1 do art. 17.º do EBF, mensalmente, os encargos a considerar como custo (que, conforme dispõe o n.º 1, correspondem a 150 % dos encargos efectivamente suportados) têm como limite máximo o montante de € 5.245,80 (14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado em vigor para o ano de 2005).
(…) Face à nova redacção do n.º 2 do art. 17.º, não só o limite respeita apenas à majoração anual (valor deduzida no quadro 07), como também é alterado o respectivo montante, o qual não pode exceder 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
Pelo exposto, resulta que a legislação aplicável aos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho nos exercícios de 2000 a 2002 é diferente da aplicável aos exercícios de 2003 a 2005.
A) Criação líquida de postos de trabalho entre 2000 e 2002
Da análise da listagem (…) constata-se que este teve dois tipos de procedimento:
- quando o valor mensal total dos encargos, antes de serem majorados, não exceda o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional, aplicou uma majoração de 50 % sobre a totalidade mensal dos encargos
- quando o valor mensal do total de encargos, antes de serem majorados, excedessem o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional, aplicou uma majoração de 50 % sobre o referido limite (…).
Em qualquer dos casos, o benefício fiscal utilizado pelo sujeito passivo corresponde ao montante da majoração apurada.
No entanto, conforme foi anteriormente exposto, o sujeito passivo deveria aplicar a majoração de 50 % sobre os encargos suportados e comparar esse montante com o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional (…)
Consequentemente, face ao procedimento de cálculo do benefício fiscal adoptado pelo sujeito passivo, verifica-se que este considerou como custo um valor superior ao limite previsto na lei.
(…)
Face ao exposto, de acordo com o art. 17.º do EBF, e identificados os casos em que as majorações excedem o limite permitido relativamente aos postos de trabalho criados no ano de 2001, conforme Anexo I (1 folha), e aos postos de trabalho criados no ano de 2002, (Anexo II – 1 folha),o montante da correcção ascende a € 48.905,65 e € 28.706,49, pelo que se deverá acrescer ao lucro tributável o valor de 77.612,14.
(…)
3.1.3.1. Tributações autónomas
(…) De acordo com os elementos incluídos pelo sujeito passivo no dossier fiscal, bem como pelos recolhidos na acção inspectiva, verificou-se que o contribuinte considerou como encargos relacionados com viaturas ligeiras os constantes das diversas contas de custo respeitantes a reintegrações, combustíveis, conservações e reparações, seguros, rent-a-car, imposto sobre veículos, AOV (Aluguer Operacional de Viaturas) e ALD (Aluguer de Longa Duração).
Em relação aos ALD, considerou as subcontas relativas a amortizações aceites fiscalmente, fees, seguros e diversos. Os referidos encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras apurados pelo sujeito passivo totalizam € 1.179.210,98. Ao referido montante foi aplicada a taxa de 5%, prevista no n.º 3, resultando IRC no montante de € 61.788,28.
Verificou-se, no entanto, que o sujeito passivo não considerou como elegíveis para efeitos de tributação autónoma as seguintes contas de custos relativas a veículos ligeiros de passageiros ou mistos (…)
Apesar de os referidos encargos não estarem explicitamente previstos no referido n.º 5 do art. 81.º como “encargos relacionados com viaturas ligeiras”, estão sujeitos a tributação autónoma por força do n.º 3 do mesmo artigo, visto que estamos perante encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.
Veja-se a este propósito a posição expressa por Joaquim Fernando da Cunha Guimarães relativamente ao n.º 4 (actual n.º 5) do art. 81.º: «(…) contêm a palavra “nomeadamente” (ou designadamente ou exemplificadamente) pelo que não houve a preocupação do legislador em elencar todos os encargos, daí que se devam incluir outros não aí mencionados (v.g. portagens, encargos com estacionamento, aluguer de garagens).» [Os encargos com viaturas ligeiras (POC e CIRC)” publicado na Revista TOC n.º 29, Agosto de 2002, pág. 39].
Relativamente aos encargos com ALD, o mesmo autor afirma «Relativamente aos juros (…) incluídos na renda também incide a referida tributação autónoma (…)
Assim, verificando-se que o sujeito passivo não deu cumprimento ao disposto no referido n.º 3 do art. 81.º do Código do IRC, propõe-se uma correcção ao imposto apurado decorrente da tributação autónoma no montante de € 17.059,94 (€ 341.198,72 x 5%).
[cf. Relatório de inspecção de fls. 51 e seguintes do processo administrativo apenso e respectivos anexos que dele fazem parte integrante e constantes de fls. 113 e seguintes do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
F. Em 14 de Janeiro de 2009, na sequência das correcções identificadas nas alíneas antecedentes, foi emitida, em nome da sociedade ora impugnante, a seguinte liquidação adicional:
PeríodoN.º LiquidaçãoTributoMontante (EUR)Juros
compensatórios
Data limite
20052007 850007IRC17.059,641.763,01-

[cf. impressão junta como documento n.º 1 com a petição inicial e fls. 40 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]
G. Em 16 de Janeiro de 2009, na sequência da liquidação identificada na alínea antecedente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em nome da sociedade ora impugnante, a demonstração de acerto de contas com o número 2009 0000000 relativa a IRC do exercício de 2005 e respectivos juros compensatórios, da qual consta como saldo a pagar o montante de EUR 18.822,95 e data limite de pagamento o dia 25 de Fevereiro de 2009.
[cf. impressão junta como documento n.º 2 com a petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]
H. Em 19 de Março de 2009, o Serviço de Finanças da Maia instaurou, contra a sociedade ora impugnante, o processo de execução fiscal n.º 1805200901027 para cobrança coerciva da liquidação identificada nas alíneas antecedentes.
[cf. impressão de fls. 45 do processo administrativo]
I. Em 19 de Março de 2009, foi associada uma garantia ao processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente.
[cf. impressão de fls. 45 do processo administrativo]
Quanto aos custos incorridos com o pagamento das apólices de seguro, mais se provou que:
J. Para efeitos da sua inserção nas apólices de seguros de doença contratadas pela sociedade impugnante, os trabalhadores titulares de um contrato de trabalho por tempo indeterminado são agrupados em níveis funcionais.
[cf. depoimento de MM.]
K. A cobertura das apólices de seguro contratualizados pela impugnante é diferenciada em função do nível remuneratório ou salarial dos trabalhadores.
[cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 110 do processo administrativo e depoimento de MM.]
L. O alargamento das apólices do seguro de saúde aos membros do agregado familiar permitia diminuir o custo das apólices de seguro [quanto maior o número de segurados menor o preço unitário por segurado].
[cf. depoimento de MM.]
M. O alargamento das apólices ao agregado familiar diminui o risco de fraude ao seguro.
[cf. depoimento de MM.]
*
Factos não provados.
Com relevância para a decisão da presente causa não se provou que:
1) A assumpção pela sociedade impugnante das despesas com as apólices de seguro dos familiares dos seus trabalhadores se tenha devido a razões relativas à sua organização interna [simplicidade e desburocratização], ao acompanhamento dos usos constantes do comércio e, bem assim, ao cumprimento de uma função social [v.g. a OS. é uma empresa que se preocupa com o bem-estar da comunidade que a compõe];
*
Motivação.
A decisão da matéria de facto efectuou-se, mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito [artigos 607.º, n.º 3 e 596.º do CPC], com base no exame dos documentos juntos aos autos [não impugnados; artigos 374.º e 376.º do Código Civil] e integrados no processo de administrativo apenso [cuja veracidade não fora colocada em crise; artigos 370.º a 372.º do Código Civil], bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados [na parte em que foi possível obter a admissão por acordo; 574.º, n.º 2, 1ª parte, do CPC], tal como, de resto, se encontra especificado nas várias alíneas da matéria de facto julgada como provada.
No que diz respeito ao juízo probatório positivo enunciado sob os Pontos L) a Y) dos factos provados, o mesmo adveio da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 700/09.0BEPRT e aproveitada, por acordo das partes, para os presentes autos [acta de fls. 240 e seguintes do processo físico], livre e criticamente analisada à luz das regras de experiência comum [artigo 607.º, n.º 4, parte final, do CPC].
Explicitando.
A testemunha MM., pese embora seja funcionária da sociedade impugnante desde o ano de 2001, prestou o seu depoimento de forma serena e inteiramente assertiva, tendo, por isso, sido digna de integral credibilidade por parte do Tribunal, seja por este se haver afigurado de verdadeiro, seja por se haver encontrado em congruência com os demais elementos probatórios juntos aos autos [v.g. as apólices de fls. 174 e seguintes do processo físico] [Pontos J) a M) dos factos provados].
Nesta sequência, foi possível ao Tribunal concluir, com a segurança que aqui se impõe, que, pese embora todos os trabalhadores da impugnante tenham um seguro de saúde, a verdade é que havia uma diferenciação na sua extensão e cobertura.
Todavia, todos os trabalhadores da sociedade ora impugnante dispunham de um seguro de doença dotado de uma cobertura mínima ou standard que, eventualmente, seria acrescida de um “plus” [v.g. benefícios de saúde adicionais] em função do tal critério funcional ou nível salarial de cada um desses trabalhadores [asserção esta que se encontra em manifesta congruência com os dados extraídos pelos serviços de inspecção no seu relatório de fls. 51 e seguintes do processo administrativo].
Por outras palavras, pese embora todos os trabalhadores tivessem um seguro de doença [mínimo] atribuído pela sociedade impugnante, a cobertura da respectiva apólice seria maior ou menor em função da remuneração efectivamente auferida pelo trabalhador [daí a contratação de várias apólices – fls. 174 e seguintes do processo físico].
Quanto à motivação que subjaz à opção pela abrangência de familiares [cônjuges e descendentes], o Tribunal apenas ficou convencido quanto à asserção segundo a qual esta opção terá, tal como indicam as regras de experiência comum, a virtualidade de proporcionar à sociedade impugnante melhores condições negociais, na medida em que o preço a efectuar à Companhia de Seguros será, por regra, regressivo, isto é, quanto mais segurados aquela contratar, menor será, tendencialmente, o respectivo preço.
Isto é, ao estender as apólices de seguro aos familiares dos seus trabalhadores a sociedade impugnante obteve um preço mais económico, mais reduzido.
Acresce que, se é certo que, de igual forma, se compreende [à luz das razoáveis máximas de experiência] que o facto de o agregado familiar se encontrar incluído nas referidas apólices pode, em abstracto, contribuir para a redução do risco de fraude, não menos o é que jamais poderia o Tribunal concluir, seja por falta de substanciação concretizadora, seja por falta de actividade probatória consistente [que não se reduza a um mera prova de “primeira aparência” ou “princípio de prova”], que a dita extensão das apólices de seguro ao agregado familiar dos seus trabalhadores se deveu a preocupações de cariz social e comunitário [entre outras razões] ou por motivos de simplicidade e desburocratização [Quais? De que forma? Por que razão?] [Ponto 1) dos factos não provados].
Enfim, na falta de outros elementos que expliquem, densifiquem e tornem credível a “razão de ser” dessas preocupações altruístas da sociedade ora impugnante, não é possível formular qualquer juízo probatório específico sobre essa factualidade.
No mais, considera-se não provada, conclusiva, de direito [v.g. relativa à correcção respeitante ao benefício fiscal da criação líquida de emprego] ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.
É esta, em suma, a motivação que subjaz ao juízo probatório formulado.”
*
2. O Direito

A Recorrente AM. alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, ao considerar que as despesas incorridas com apólices de seguros de saúde dos familiares dos trabalhadores, no montante de €72.230,49, não são custos indispensáveis, nos termos conjugados dos artigos 23.º e 40.º do CIRC.
Entende a Recorrente que as despesas suportadas pela Impugnante/Recorrente com a parte dos seguros de saúde contratados relativos aos cônjuges e filhos dos seus colaboradores não poderão deixar de ser consideradas um custo fiscalmente dedutível, desta feita por pura aplicação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
No caso em apreço, a Impugnante/Recorrente suportou os encargos em causa por motivos intrinsecamente empresariais, sentindo-os, portanto, como o cumprimento, não só de um ímpeto de cariz social e comunitário, mas também de um interesse próprio.
Os pagamentos aos familiares dos trabalhadores são, assim, causa societatis, e, nessa medida, indispensáveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
Vejamos.
A primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se a sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento, confirmando o acto impugnado, ao considerar não relevarem para a determinação da matéria tributável em IRC as despesas com os seguros de saúde contratados pela Impugnante relativamente a familiares dos seus trabalhadores, e se tais despesas cumpriam com todos os requisitos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.
Dispõe o artigo 23.º do CIRC que: “1- Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(…)
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
Dispõe, ainda, o n.º 2 do artigo 40.º Código do IRC (na redacção aplicável à data dos factos) que:
2. São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como contratos de seguros de vida, contribuições para fundo de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”
Por outro lado, dispõe, também, o n.º 4 deste artigo 40.º, na versão à data dos factos que:
(…)
4 - Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:
a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;
b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. (…)”
Importa, assim, analisar se os custos suportados com os seguros de doença dos familiares dos trabalhadores, embora em abstracto possam ser dedutíveis, se satisfazem, em concreto, os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC.
Sobre esta questão, já se pronunciou este TCAN, nos acórdãos de 11/03/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT, respectivamente, em que estão em causa os mesmos sujeitos processuais, pese embora, em alguns, sejam diferentes os anos do imposto. Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, de 11/03/2021, proferido no âmbito do processo n.º 2303/11.0BEPRT; uma vez que não ocorre justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, a fundamentação de tal aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise.
Nele constando que: “(…) Como não o fez, o julgamento de jure que se impõe é o de que os custos em causa, embora em abstracto dedutíveis, não satisfazem, em concreto, os requisitos das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 40º do CIRC (numeração imediatamente anterior a 2009).
Porém, tratando-se de um direito do sujeito passivo, incumbe a este alegar, no processo tributário, os factos concretos de que decorre que a atribuição de tais seguros obedeceu aos requisitos do nº 4 do mesmo artigo, designadamente os das alíneas a) – universalidade do seguro ou cumprimento de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho – e b) – atribuição dos benefícios segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ou em cumprimento de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho. (…)”
A sentença recorrida, nos presentes autos, após fazer uma interpretação dos artigos 40.º e 23.º do CIRC concluiu que: “(…) Enfim, às despesas suportadas pela sociedade impugnante com o pagamento das apólices de seguro dos familiares dos seus trabalhadores não poderá ser reconhecido o carácter de realização de utilidade social, pelo que, nessa consonância, estes encargos não são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do Código do IRC [ex vi artigo 23.º, n.º 4] [neste sentido, vejam-se o acórdão do TCA-Sul, de 25 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 05073/11, as sentenças proferidas por este Tribunal, em 29 de Setembro de 2013, no processo n.º 815/10.1BEPRT, em 11 de Abril de 2016, no processo n.º 3156/06.0BEPRT [transitada em julgado] e, em 28 de Abril de 2016, no processo n.º 2727/08.0BEPRT; vide ainda a decisão do Centro de Arbitragem Administrativa, de 22 de Outubro de 2013, proferida no processo n.º 69/2013-T, acessível em https://caad.org.pt]
Acresce que, conforme já se teve oportunidade de adiantar, independentemente dos factos instrumentais especificamente relevados no probatório dos presentes autos [Pontos J) a M) do elenco dos factos provados], a verdade é que, depois de fundadamente indiciada a dispensabilidade de tais custos por parte dos serviços de inspecção tributária, jamais a impugnante logrou fazer prova da genérica alegação segundo a qual as referidas despesas terão sido causa societatis e, por isso, indispensáveis à obtenção de proveitos ou manutenção da sua fonte produtora [artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC]. (…)”
Com efeito, analisada a matéria de facto provada nos pontos L) e M), e do facto não provado em 1), não impugnados, deles não se retiram factos concretos de que a atribuição de tais seguros obedeceu aos requisitos do n.º 4 do mesmo artigo, designadamente os das alíneas a) – universalidade do seguro ou cumprimento de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho – e b) – atribuição dos benefícios segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ou em cumprimento de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.
Nesta conformidade, impõe-se-nos concluir que os custos suportados com os seguros de doença dos familiares dos trabalhadores, embora em abstracto possam ser dedutíveis, não relevam, em concreto, para a determinação da matéria tributável em IRC, por não satisfazerem, em concreto, os requisitos conjugados do artigo 23.º e das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC.
Destarte a sentença recorrida fez uma correcta interpretação da lei, pelo que, nesta parte, não incorreu no erro de julgamento que lhe vem assacado.

Nas restantes alegações do recurso, a Recorrente AM. alega, ainda, que ao tributar 5% das despesas com reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e reparação, combustíveis e impostos incidentes sobre a utilização de viaturas ligeiras de passageiros, o legislador pretende tributar o uso privado das mesmas. Uso privado esse que se presume e que se quantifica com base naquela percentagem forfetária de 5% sobre o valor da despesa em causa.
No entanto, o mesmo legislador teve o cuidado de afastar da incidência deste dispositivo aquelas situações em que esta tributação forfetária se revelaria injusta e desadequada, nomeadamente quando se trata de utilização de viaturas alugadas pelo sujeito passivo para a sua actividade e afectas à exploração do serviço público de transportes, e, bem assim, aquelas situações em que o uso privado das viaturas já é tributado na esfera do trabalhador, configurando uma remuneração em espécie, como é o caso das viaturas relativamente às quais haja sido celebrado o acordo previsto n° 8) da alínea b) do n° 3 do artigo 2° do Código do IRS.
Entende que esta técnica de quantificação da intensidade de uso privado com base numa percentagem forfetária surge assim como o menor dos males, ainda que constitua sempre uma entorse ao princípio da tributação do rendimento real.
No entanto, esta presunção é evitável e desnecessária no que respeita às despesas com portagens e estacionamento, visto que o controlo da afectação destas despesas, de ocorrência pontual e localizada no tempo e comprovável documentalmente, se afigura muito facilitado e 100% fiável.
Também os juros decorrentes de contratos de ALD das viaturas ligeiras de passageiros detidas pela Impugnante não são passíveis de tributação autónoma.
É que na raiz da opção pelo financiamento da aquisição de quaisquer viaturas por parte das empresas em lugar da sua aquisição com fundos próprios, estão, sobretudo, motivos que são comuns a qualquer outro financiamento. Deste modo, será indiferente, para uma empresa que queira adquirir uma frota de viaturas, contrair um empréstimo de longo prazo sem utilização específica ou celebrar contratos de ALD, se chegar à conclusão que os encargos que lhes estão associados são idênticos. Tal como deverá ser indiferente, para efeitos fiscais, que uma determinada empresa obtenha um empréstimo junto de um banco de um milhão de euros para adquirir uma frota de automóveis a um juro de 5% ao ano ou que celebre contratos de ALD no valor de um milhão de euros relativamente a idêntico número de viaturas, à taxa de 5% ao ano.
A aceitar-se a sujeição dos encargos de ALD à tributação autónoma em questão estar-se-ia a estabelecer, no plano tributário, uma distinção infundada entre os sujeitos passivos de IRC, consoante o seu nível de endividamento, o que atentaria contra os princípios da tributação do rendimento real, da igualdade e da capacidade contributiva.
Do que vem de ser dito, a Recorrente conclui que a sentença recorrida fez uma qualificação errónea dos supra referidos encargos para efeitos de IRC, devendo, nesta medida, ser anulada.
Vejamos.
A questão que importa conhecer é a de saber se as despesas referentes a juros de ALD, portagens e estacionamentos se enquadram na previsão do artigo 81.º, n.º 3 e 5 do CIRC e como tal sujeitas a tributação autónoma.
Decorre do relatório de inspecção tributária que a Impugnante/Recorrente deveria ter incluído, para efeitos de apuramento do imposto decorrente da tributação autónoma, os custos referentes a juros de ALD, portagens e estacionamento, no pressuposto que todos os encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas ficam sujeitos a tributação autónoma à taxa de 5%., nos termos do artigo 81.º, n.º 3, do Código do IRC.
Ora, para o efeito, dispunha o artigo 81.º, nos seus números 3 e 5, do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos tributários, que:
“3 - São tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
(…)
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização
Também sobre a questão de saber se as despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento e juros de ALD se enquadram no artigo 81.º nº 3 do CIRC, já se pronunciou este TCAN, nos acórdãos, de 11/03/2021, de 29/04/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT, respectivamente. Mais uma vez, por concordarmos com a mesma, acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, de 11/03/2021, proferido no processo n.º 2303/11.0BEPRT.
Consta do referido acórdão o seguinte: (…) A recorrente sustenta que só devem ser tributadas as despesas realmente não incorridas para os fins da empresa, o que decorre, até, da natureza forfetária da tributação.
Porém, o desígnio legislativo desta anomalia que sempre é tributar uma despesa num imposto sobre o rendimento, e, ainda mais, uma despesa aceite como custo, reside precisamente numa deliberada cegueira do Legislador relativamente ao fim concreto e real de cada despesa, de modo a que todas sejam tributadas, dissuadindo, assim, o excesso de custos formalmente imputados aos fins da empresa mas susceptíveis de aproveitamento individual ou também individual.
Portanto são irrelevantes os fins concretos (da empresa ou, na realidade, particulares) das despesas desconsideradas pela Impugnante mas consideradas pela AT para tributação autónoma, desde que abrangidas pelos nºs 3 e 5 do artigo 81º (Actual 88º) do CIRC.
Admitimos a natureza exemplificativa do nº 5 do artigo 81º (actual 88º) do CIRC, porém, com as cautelas metodológicas recomendadas pelo princípio da legalidade em direito fiscal, analisado, aqui, na necessidade da previsão em lei, das realidades objecto da incidência tributária (cf. artigos 8º nº 1 da LGT e 103º nº 2 da Constituição).
Tomados de tais cautelas, julgamos que, se é certo que as menções expressas no citado normativo não esgotam as espécies de objectos de despesa tributáveis, também o é que, em homenagem ao princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, as outras realidades assimiláveis ao nº 3 do artigo 81º mediante a exemplificação do nº 5 hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no nº 5.
Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD haverá de ser tributado. Com efeito, tratando-se do cumprimento em último termo, de uma obrigação acessória da renda de um contrato de aluguer, esse, expressamente previsto no nº 5, a sua natureza não é diversa, não há uma diferença de essências entre este pagamento e o do aluguer, ou, se há, trata-se, ainda assim, de uma natureza análoga à da dívida da renda do aluguer.
Não se diga, com a Recorrente, que assim se está a discriminar negativamente, para efeitos tributários, as sociedades mais endividadas relativamente às menos endividadas. De modo nenhum: se são as sociedades mais endividadas que mais sofrem as consequências negativas fiscais da tributação autónoma dos juros de ALD de veículos, então não se está a tratar desigualmente situações iguais, mas sim tratar desigualmente o que é desigual, aliás, segundo essa desigualdade, o que já é um modo de realizar a igualdade tributária.
Já as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, essas, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às subjacentes às espécies de despesas enunciadas no nº 5 do artigo 81º do CIRC (redacção em 2008). Na verdade, estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.
Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação cega em que consiste a tributação autónoma sub judicio, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.
À conclusão hermenêutica aqui perfilhada quanto aos nºs 3 e 5 do artigo 81º do CIRS conduz-nos, também, uma interpretação histórica:
Antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma ora sub juditio, o tellos da dissuasão do abuso do registo de despesas quejandas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41º nº 4 do CIRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas “com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”. Quando optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 da actual redacção do CIRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (nº 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.
Também este elemento histórico aponta para a exclusão das despesas sub juditio, da tributação autónoma prevista no artigo 81º nºs 3 e 5 do CIRC.
Como assim, não se sufraga, nesta instância, a sentença recorrida, na parte em que julgou ter a AT andado bem quando relevou para tributação autónoma nos termos do artigo 81º nº 3 do CIRC as despesas registadas pela Impugnante e ou suas agrupadas, com estacionamentos, parques de estacionamento e portagens de veículos, pelo que, apenas nesta parte, o recurso procede quanto a esta questão. (…)”
Nesta conformidade e transpondo a jurisprudência citada, a sentença recorrida não merece censura no que concerne aos custos com os juros de ALD, incorrendo em erro de julgamento na parte referente às despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento.
Pelo exposto, aqui totalmente transponível com as devidas adaptações, haverá que conceder parcial provimento ao recurso da Recorrente AM. e revogar a sentença recorrida neste segmento.

Passemos, agora, à apreciação do recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública.
Comecemos pela correcção referente aos custos suportados com os seguros de doença dos trabalhadores, no montante de €103.225,83.
O Tribunal a quo entendeu que o critério utilizado pela impugnante na atribuição dos seguros de saúde aos seus trabalhadores, ao incidir exclusivamente sobre a remuneração que pelos mesmos é auferida, cumpre com os requisitos da objectividade e de identidade, previstos na alínea b), do n.º 4, do artigo 40.º do Código do IRC.
A Recorrente defende não se encontrar cumprido o critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, imposto por esse artigo 40.º do CIRC, especificamente na alínea b) do seu n.º 4.
Na sua alegação, a Recorrente acentua que cada contrato de seguro de saúde, dos que foram analisados pelos serviços de inspecção, contém coberturas e abrangências próprias, distintas de todos os outros, sugerindo, até, uma graduação na sua atribuição a certos trabalhadores, podendo mesmo falar-se, dado o nível de diferenciação, entre um contrato para trabalhadores acima de certo plano remuneratório e os restantes e, nestes, entre uns que abrangem todo o agregado e outros que se destinam só a trabalhadores. Acresce que o registo contabilístico dos seguros de saúde em causa testemunha ainda uma diferenciação entre seguros de saúde para membros dos órgãos sociais e seguros de saúde para o restante pessoal, pois foi desdobrado entre os que se referem a “órgãos sociais” e a “pessoal” indiferenciados.
Conclui a Recorrente que, diante destas circunstâncias, não se pode falar de um critério idêntico para todos os trabalhadores, mas de vários critérios que terão presidido à contratação de cada seguro de modo diferenciado e à sua atribuição para cada beneficiário. Ou mesmo da ausência de critério, que não o nível remuneratório, que faz incluir dado trabalhador e seu agregado no contrato mais completo ou nos demais, à medida que foram sendo contratados/renovados, com ou sem o agregado familiar, não sendo o critério idêntico para todos os trabalhadores, como determina a letra da lei.
Observa, então, a Recorrente, perante as características distintas dos próprios contratos, que as despesas com estes contratos de seguro de doença não revestem carácter geral, pois não são extensíveis a todos os trabalhadores com igual ou idêntico conteúdo, permitindo quantificar de forma directa o benefício auferido pelos beneficiários de cada apólice, em relação a si e ao respectivo agregado. Solicitando, por isso, a revogação, nesta parte, da sentença recorrida.
Por seu turno, a Recorrida contra-alega que o facto de os benefícios resultantes de um contrato de seguro deverem ser estabelecidos para todos os trabalhadores de acordo com "um critério objectivo e idêntico" não implica, como decidiu o Tribunal a quo, que todos eles devam estar sujeitos ao mesmo regime concreto, sem a mínima variação entre as particulares condições que conformam esse regime.
Sustenta a Recorrida que o legislador não pretendeu formular um regime de tratamento igual(itário) do que é intrinsecamente diferente, assim intimando os contribuintes empresas a fazerem presidir "um critério objectivo e idêntico" à distribuição dos benefícios decorrentes de seguros de doença contratados a favor do grupo dos seus colaboradores.
Na óptica da Recorrida, serão "critérios objectivos", designadamente: a existência de um patamar mínimo de cobertura que não seja artificial e que preveja condições minimamente aceitáveis; a não aplicação das coberturas mais vantajosas a uma clara minoria de colaboradores (administração ou pouco mais); a não dependência da inserção de um colaborador num ou noutro patamar de cobertura do facto de ele fazer parte de uma ou de outra classe profissional; a existência de critérios de proporcionalidade, como por exemplo o nível remuneratório. Na situação em análise, defende ser precisamente isso que ocorre - existem várias apólices de seguro, e o acesso àquelas que prevêem condições mais favoráveis não abrange apenas um grupo reduzido de colaboradores, mas sim uma proporção bastante considerável dos trabalhadores da Impugnante.
Sumariou a Recorrida que os seguros de saúde contratados pela Impugnante em benefício dos seus trabalhadores cumprem todos os requisitos do artigo 40.° do Código do IRC, devendo nessa medida a totalidade dos encargos correspondentes ser considerada um custo fiscal do respectivo exercício e manter-se, nesta parte, o decidido na sentença de que vem interposto recurso.
Está, portanto, somente em causa verificar se não se encontra preenchido o requisito previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC, tal como alega a Recorrente.
Conforme resulta do Relatório Inspectivo que está na génese da liquidação impugnada, a AT fez uma análise comparativa das cinco apólices de seguro de doença contratualizadas pelo sujeito passivo, debruçando-se sobre vários elementos destas, nomeadamente, o custo de apólice por segurado, valores seguros anuais por beneficiário, limites anuais de despesa por beneficiário, percentagens de comparticipação no regime de prestações por reembolso (etc.), apurou as diferentes condições de cobertura, tendo concluído que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, pelo que os encargos incorridos com os prémios de seguros de doença, não foram aceites como custos ou perdas do exercício, por não se mostrar preenchido o requisito previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC.
Ora, ainda que a Recorrida tenha alegado na sua petição inicial que existiu um critério objectivo e idêntico para a generalidade dos colaboradores da empresa, consubstanciado num mínimo de cobertura standard para todos os trabalhadores, resultando a distinção das coberturas das cinco apólices analisadas do nível remuneratório de cada colaborador, inerente à função e à maior ou menor responsabilidade deste, entendemos que a sentença recorrida errou ao acolher, sem prova bastante, esta tese da Recorrida.
Com efeito, condescendemos que o critério de atribuição aventado pela Recorrida é, no campo teórico, ”objectivo e idêntico", todavia, a impugnante, aqui Recorrida, não logrou provar que o mesmo presidiu, efectivamente, à atribuição das diferentes coberturas pelos seus colaboradores, ou seja, não ficou demonstrado que aquele critério de atribuição tenha sido o efectivamente adoptado pela Recorrida.
Ora, como já foi referido, a Impugnante esgrimiu em defesa da sua posição a existência do critério da remuneração como aquele que foi efectivamente adoptado, porém, não circunstanciou a utilização de tal critério, nomeadamente, esclarecendo, face às distintas tipologias das apólices de seguros em apreço, que escalões de remuneração foram considerados para cada uma das respectivas coberturas, de molde a contrariar as conclusões extraídas pela AT. Dito de forma diversa, impunha-se à Recorrida identificar o universo de trabalhadores, a respectiva categoria/função, e a correspondente remuneração, fazendo a correspondência dos diversos segmentos/níveis remuneratórios a cada uma das coberturas das cinco apólices de seguro de doença. O que efectivamente não fez.
Sobre esta questão, e neste mesmo sentido, se pronunciou já este TCA Norte, no citado aresto de 11/03/2021, proferido no âmbito do processo n.º 2303/11.0BEPRT, que, mais uma vez, parcialmente se transcreve: «(…) Os Requisitos de dedutibilidade em concreto que aqui é mister apreciar são apenas esses que decorrem das alíneas a) e b) do n.º 4 do mesmo artigo 40.º:
“4 - Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:
a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;
b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.”
A Mª Juiz a qua concluiu, a partir das diversidades de cobertura e de prestações garantidas por várias apólices dentro da mesma empresa, que estava verificada a diferenciação entre trabalhadores quanto à atribuição e aos benefícios objecto dos seguros.
O certo é, porém, que a matéria de facto provada não permite concluir tal. Note-se que não sabemos como era composto, ao tempo, o universo dos trabalhadores das empresas em causa, as categorias profissionais dos mesmos e se e qual foi o critério objectivo que presidiu à atribuição dos seguros e seus benefícios. Assim, não se pode afirmar que os seguros considerados pela Impugnante e suas grupadas, aqui sub juditio, não cumpriam com os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 42.º do CIRC (…)
Mas nem por isso a alegação da Recorrente procede.
É que tão pouco se provou – ou sequer foi alegada, apesar do muito dito em termos gerais na PI – a concreta factualidade de onde se pudesse concluir que a atribuição dos seguros em causa era generalizada a todos os trabalhadores permanentes, salvo instrumento de regulamentação colectiva do Trabalho que dispusesse diferentemente, e os seus benefícios obedeciam a um critério (de atribuição) objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, independentemente da classe profissional, salvo instrumento de regulamentação colectiva do trabalho. Ora, se a dedução de um custo legalmente previsto é um direito do contribuinte de IRC, também é a este que incumbe provar os factos que são pressuposto dele: artigo 74.º n.º 1 da LGT. Como assim, era à impugnante (…) que cumpria, sobretudo, agora, no processo, alegar os factos concretos e determinados integrantes destes requisitos.
Como não o fez, o julgamento de jure que se impõe é a de que os custos em causa, embora em abstracto dedutíveis, não satisfazem, em concreto, os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC (…).»
Impõe-se, assim, concluir não relevarem, em concreto, para a determinação da matéria tributável em IRC as despesas com os seguros de saúde contratados pela impugnante também relativamente aos trabalhadores (pois que, no que tange aos seus familiares, já havíamos concluído de igual forma, aquando da nossa apreciação supra do recurso interposto pela AM.); padecendo a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem imputado, não podendo manter-se neste segmento.

Entendeu a sentença a quo que a liquidação impugnada no segmento relativo à correcção relativa a criação líquida de emprego era ilegal, fundando-se em jurisprudência do nosso mais alto tribunal.
Porém, a Recorrente insiste, quanto à questão da dedução da majoração aos custos com a criação de empregos para jovens dos anos de 2001 e 2002, fixado pelo n.º 2 do artigo 17.º do EBF, na redacção em vigor até ao exercício de 2002, que, in casu, está em causa um limite máximo reportado ao valor dos encargos com trabalhadores, e não à majoração, e que, se porventura os encargos anuais excedessem o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional, seria a esse limite que se aplicaria a majoração. Acrescenta que a lei determina no n.º 2 do artigo 17.º do EBF que, para todos os efeitos do disposto no n.º 1 desse preceito (pois não faz qualquer distinção entre parâmetros do n.º 1 a que se aplica), o montante máximo dos encargos mensais, majoração incluída, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, significando que o valor a deduzir no quadro 07 da declaração modelo 22 não pode exceder essa baliza, quantificada em € 5.245,80 para 2005, reduzindo-se até à exclusão quando atingido esse valor. Concluindo ser a majoração um parâmetro sujeito ao limite, além do valor mensal do total dos encargos, e só permitir a dedução até esse valor, pelo que à medida que o valor da majoração se aproxima desse limite, diminui a dedução efectiva. Só se aproveita da dedução na medida da diferença entre os encargos mensais contabilizados e os encargos mensais majorados, e na medida em que essa diferença se mantenha abaixo do limite do n.º 2 do artigo 17.º do EBF.
Por seu lado, entende a Recorrida AM. que o Tribunal fez, em relação à correcção realizada ao nível do benefício fiscal dirigido à criação líquida de postos de trabalho, com base nos encargos incorridos em 2001 e 2002, uma correcta interpretação, literal, teleológica e sistemática, da norma do artigo 17.º do EBF.
Contrariamente ao entendimento da Recorrente, como se refere na sentença recorrida, em seguimento de idêntica e unânime interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo de que é exemplo o acórdão proferido em 21/06/2017, no processo n.º 0519/16, que apresenta uma repetição dos anteriores que interpretaram o mesmo normativo, entendimento que aqui se acolhe e reafirma, à míngua de outros argumentos que permitam dele inflectir, e que, por economia de meios, nos permitimos reproduzir parcialmente:
«(…) a impugnante, no período de tributação em análise, deduziu como custo fiscal os encargos suportados com a criação líquida de postos de trabalho para jovens com menos de 30 anos, majorando todos os encargos suportados em 50%, na medida em que cada um dos encargos mensais individualmente considerado não excedesse o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado. E uma interpretação sistemática da sucessão de normas em vigor não permitirá outra conclusão que não seja a de que não merece censura esta actuação da impugnante e que apenas com a nova redacção introduzida no artigo 17º do EBF, em 1 de Janeiro de 2003, pode ser feita a interpretação que a AT defende. (…) os encargos de que a lei fala são sempre os mesmos, ou seja, são as despesas que a entidade empregadora suporta com a criação do posto de trabalho, motivo pelo qual o Estado a incentiva com a “majoração”, que vai ser o seu benefício e a correspondente despesa do Estado. Ora esta despesa do Estado nada tem a ver com os encargos suportados pela entidade empregadora. E não faria qualquer sentido que o legislador, conjugando a norma do nº 2 com a norma do nº 1, utilizasse a mesma expressão – “encargos” – com um duplo sentido, para além de que a expressão “encargos mensais” utilizada no sentido de despesa fiscal também não faz sentido, uma vez que a “despesa fiscal” é relativa ao período anual (do orçamento). É certo que na posterior redacção introduzida pela Lei nº 23-B/2002, de 30 de Dezembro, o legislador passou a reportar aquele montante máximo (de 14 vezes o salário mínimo nacional) à “majoração anual”, ou seja, à despesa fiscal, mas não o fez com carácter interpretativo, mas sim com carácter inovador (ainda que se possa considerar com o propósito de corrigir um erro). (…) Lido atentamente o preceito legal em crise, antes e depois da alteração legislativa que ao mesmo foi introduzida, podemos surpreender com meridiana clareza que enquanto na redacção aplicável ao caso concreto dos autos se estabelecia um montante máximo do benefício por referência aos encargos mensais efectivamente ocasionados pelo novo posto de trabalho, já na nova redacção tal montante máximo do benefício era estabelecido por referência à própria majoração considerada anualmente.(…) Na verdade, o limite imposto ao benefício na redacção que agora nos interessa, reporta-se unicamente ao valor dos encargos mensais e não ao valor dos encargos mensais acrescidos da majoração de 50%, nada na lei permite uma tal interpretação. Ou seja, o nº 1 do artigo 17º esclarece que o valor dos encargos é levado a custo em valor correspondente a 150%, ou seja, o encargo real efectivamente suportado pela entidade patronal é acrescido de metade, e o nº 2, que a consideração de tais encargos deve respeitar o tecto máximo mensal de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, isto é, o valor máximo a considerar para estes efeitos seria sempre o do valor mensal correspondente a 14 vezes o salário mínimo mensal mais elevado, acrescido de metade desse mesmo valor. Com a alteração introduzida pelo Orçamento de Estado de 2003 é que o legislador impôs de forma expressa um limite à própria majoração, condicionando-a a um período anual e já não mensal, portanto, diferentemente do que anteriormente acontecia.»
Nesta conformidade, neste segmento, carece o recurso, em absoluto, de fundamento legal, como antes, expressa e detalhadamente, havia concluído a sentença recorrida.

Por tudo o exposto, aqui totalmente transponível com as devidas adaptações, impõe-se conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Impugnante e revogar a sentença no segmento relativo às tributações autónomas referentes a despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento; e também conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública e revogar a sentença na parte referente aos custos incorridos com os seguros de doença dos trabalhadores.

Conclusões/Sumário

I - Os custos suportados com os seguros de doença dos trabalhadores e dos seus familiares, embora em abstracto possam ser dedutíveis, não relevam, em concreto, para a determinação da matéria tributável em IRC, por não satisfazerem, in casu, os requisitos conjugados do artigo 23.º e das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 40.º do Código de IRC.

II - Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5. Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD é tributado, mas já não as despesas com portagens, estacionamento e parques de estacionamento.

III - São dedutíveis como custo fiscal os encargos suportados com a criação líquida de postos de trabalho para jovens com menos de 30 anos, nos anos de 2001 e de 2002, majorando todos os encargos suportados em 50%, na medida em que cada um dos encargos mensais individualmente considerado não excedesse o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, nos termos do disposto no artigo 17.º do EBF, na redacção vigente até 31/12/2002.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Impugnante e revogar a sentença no segmento relativo às tributações autónomas referentes a despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento.
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública e revogar a sentença na parte referente aos custos incorridos com os seguros de doença dos trabalhadores.

Custas a cargo de ambas as partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento que se fixa da seguinte forma:

Nesta instância, no recurso interposto pela Impugnante, a Recorrente suportará as custas em 84,3% e a Fazenda Pública em 15,7%, que não incluem a taxa de justiça quanto a esta, uma vez que a Recorrida não contra-alegou.

Nesta instância, no recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública, a Recorrente suportará as custas em 42,9% e a Recorrida em 57,1%.

Na primeira instância, em face da parte do julgamento que não se manteve, a proporção do decaimento fixa-se em 66,1% a cargo da Impugnante e em 33,9% a cargo da Fazenda Pública.


Porto, 31 de Março de 2022

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares