Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00922/16.7BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI)/GNR;
COMPENSAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS; ASSÉDIO MORAL;
INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», residente na Rua ..., ... ..., instaurou ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, com sede na Praça ..., ... ..., na qual peticionou a condenação deste nos seguintes termos:
a) Deve indemnizar o A. a título de compensação por danos morais, no montante de 30.000 € (trinta mil euros);
b) Deve indemnizar o A. a título de danos patrimoniais referentes a cortes no vencimento em montante a apurar em liquidação de sentença, contabilizado a partir de 1 de julho de 2013, data do primeiro Acidente Isquémico Transitório (AIT);
c) Deve indemnizar o A. a título de danos patrimoniais respeitante a despesas médicas suportadas pelo mesmo, alusivas aos anos 2013, 2014, 2015 e 2016, calculados até abril de 2016, no valor de 10.098,05 € (...) entre outras subsequentes que advenham até liquidação de sentença;
d) Deve indemnizar o A. a título de danos patrimoniais concernente a um empréstimo, junto dos Serviços Sociais da Guarda Nacional Republicana, para fazer face a despesas de saúde, no montante de 3.074,97 €;
e) Deve indemnizar o A. a título de danos patrimoniais pertencentes a despesas de transporte relacionadas com a saúde e tratamentos, na quantia de 696,25 €;
f) Deve indemnizar o A. na quantia ou quantias que venha a liquidar-se em oportuna liquidação de sentença, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais (e futuros),
Acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento, para além das custas e procuradoria condigna.”

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada verificada a exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas b), c) e e) do petitório e ainda do pagamento de quaisquer danos patrimoniais futuros que decorram dos acidentes isquémicos transitórios referidos na petição inicial e que respeitem às despesas mencionadas naquelas alíneas; foi ainda relegada para momento posterior a apreciação e decisão sobre a exceção da prescrição invocada pelo Réu, fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.ª O Recorrente perfilha o entendimento, salvo melhor opinião, de que a douta Sentença objecto do presente recurso não decidiu de forma acertada, na parte atinente à matéria de facto e à decisão propriamente dita, em que absolveu o Recorrente, atendendo à factualidade dos factos provados e não provados, bem assim à falta de fundamentação da decisão.

2.ª O Recorrente, impugna a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, em conformidade com o disposto no artigo 144° n°4 do CPTA e 640° do CPC, relativamente aos factos que o Recorrente considera, efectivamente, como tendo sido incorrectamente julgados.

3.ª No que se refere à prova do seguinte ponto:
Facto provado "H) O curso de formação inicial dos militares da GNR inclui um
módulo de patrulhamento - cfr- prova testemunhal."
Para fazer tais juízos o Tribunal considerou o depoimento das testemunhas «BB» e «CC», dizendo o seguinte destes: pg. 14 da Sentença:
. "Para prova do facto dado como provado na alínea H), o Tribunal valorou o depoimento das referidas testemunhas «BB» e «CC» que referiram que no curso inicial de formação existe um módulo relacionado com o patrulhamento, embora menos especializado do que a formação em Curso de Trânsito."

Os mesmos nunca poderiam ter sido dado como provados com aquela redação, porquanto as declarações do Autor e os depoimentos das testemunhas «BB» e «CC», contrariam/aditam a matéria dada como assente nessa alínea, como se deixou expresso no ponto IV da p. exposição (Da Prova Gravada) para o qual se remete por economia processual.

Deste modo, deve ser alterado o facto provado H) e a ele aditado a a seguinte redação:
H) O curso de formação inicial dos militares da GNR inclui um módulo de patrulhamento - cfr- prova testemunhal; O curso de formação inicial dos militares da GNR que o Autor frequentou, em 1994, não era composto por módulos e não teve módulo de patrulhamento - cf. Prova por declarações de parte;

De igual modo, das declarações do Autor e dos depoimentos das testemunhas «BB» e «CC» resulta que deve ser dado como provado que:
"O Autor «AA» não teve, na GNR, qualquer curso de formação geral/específico e/ou de especialização de patrulhamento - cf. Resulta da prova testemunha e documental (a contrario).

A douta sentença considerou não valorar as declarações do Autor, na sua fundamentação da matéria de facto, pg. 12 n “que o seu discurso pautou-se por uma grande animosidade para com a GNR de forma geral, mas em particular com os seus superiores hierárquicos à data em que exercia funções no Posto de Trânsito da ..., o condicionou o enquadramento das suas afirmações, que primaram pela falta de objectividade, coerência e sem qualquer sustentabilidade face à demais prova produzida (...)." Contudo,

O A. prestou as declarações de forma verdadeira, tentando ser correto com o Tribunal e intervenientes, sendo objetivo a maioria das vezes e nunca desmerecendo a GNR, conforme decorre da reprodução das gravações que a esta matéria constam do p. Recurso (IV. - I Prova Gravada) deve ser aditado à matéria dada como provada os seguintes novos FACTOS:
Aaa:
"O Autor «AA» tem a medalha de comportamento exemplar, medalha de assiduidade, medalha de uma estrela, medalha de 2 estrelas e foi-lhe atribuído Louvor em 6-5-2014 pelo Comandante Geral das GNR, «DD», Tenente-General - cfr. Prova por declarações de parte e documental - folha de matrícula junta a fls. Dos autos.
Bbb:
"O Autor «AA» gosta de representar a GNR, instituição que respeita e considera e contra a qual nada tem contra."

Por fim, quanto à impugnação da matéria dada como não provada, deve a mesma ser alterada, concatenados que sejam as declarações do Autor e os depoimentos da testemunha «EE», deve ser considerado alterado e dado como provado o seguinte facto dados como não provado (1), pois resulta claro da prova produzida:
NOVO FACTO PROVADO:
"ccc
A colocação do Autor em funções de patrulhamento no Posto de Trânsito ... foi determinada pelo «EE», Comandante de Destacamento de Trânsito ... em conjunto com o «FF», Comandante do Posto de Trânsito ... e comunicada ao Autor «AA», de forma verbal, sem qualquer fundamento ou justificação."

Também quanto à impugnação da matéria dada como não provada em "4. A factualidade descrita nos factos provados, atinente à conduta dos superiores hierárquicos do Autor, causou-lhe ansiedade, stress, desespero, sentimentos de revolta e vingança, profunda tristeza e humilhação, frustração e impotência enquanto pai e agente da autoridade", deve ser alterada e dada como provada, como comprovam as declarações do autor e das testemunhas «GG», «HH», «II» e «BB».

10ª Assim, deve ser dado como provado o seguinte facto dado como não provado (4):
"ddd
A factualidade descrita nos factos provados, atinente à conduta dos superiores hierárquicos do Autor, causou-lhe ansiedade, stress, desespero, sentimentos de revolta e vingança, profunda tristeza e humilhação, frustração e impotência enquanto pai e agente da autoridade"

11.ª Deste modo, é manifesto que a Sentença recorrido não valorou como devia as declarações do RECORRENTE prestadas em sede de audiência, que se encontram gravadas nos dias 7-7¬2021 e 17-9-2021.

12ª E é manifesto que o sentença recorrida valorou as declarações da testemunha «FF», gravadas em suporte digital no dia 30-9-2020 que demostrou uma animosidade extrema para com o autor, tendo dele participado disciplinarmente e criminalmente e de quem disse que mal chegou ao Posto de Trânsito ... não era, nem nunca foi "um militar útil".

13ª É assim indesmentível que o tribunal alicerçou a sua fundamentação em depoimentos imprecisos e eivados de rancor da testemunha «FF», desconsiderando as declarações do Autor, que nada tem contra a GNR apenas pretendendo ser ressarcido do assédio moral de que foi vítima e que se encontra conformado na prova produzida - quer testemunhal, quer documental.

14ª Pelo que um só caminho resta, em nossa modesta opinião: a da condenação do Réu nos precisos termos peticionados pelo autor na sua petição inicial, por verificação dos factos provados na douta sentença e os ora aditados.

Nos termos expostos e no mais que o suprimento sugerir, deve revogar-se a decisão proferida em primeira instância, e, consequentemente, alterada de igual modo, de Direito, dando-se provimento ao presente recurso nos estritos termos supra requeridos.
E assim se fará
JUSTIÇA!
O Réu não juntou contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) O Autor é Cabo de Infantaria da Guarda Nacional Republicana (GNR), com o n.º mecanográfico – facto admitido por acordo;
B) Por despacho de 02 de junho de 2009, do Comandante do Comando Territorial do ..., o Autor foi colocado no Posto de Trânsito ..., a partir de 04/06/2009 – facto admitido por acordo e cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial;
C) No Posto de Trânsito ... passou a desempenhar as funções de atendimento ao público, atendimento de telefones, receção e envio de mensagens rádio, entre outras tarefas – facto admitido por acordo;
D) As suas funções eram exercidas num horário fixo, compreendido entre as 09.00 e as 17.00 horas – facto admitido por acordo;
E) O Autor desempenhou as funções referidas na alínea C) com zelo, urbanidade e dedicação e o relacionamento laboral decorreu sem qualquer vicissitude até, pelo menos, o Autor ter sido colocado em funções de patrulhamento – facto admitido por acordo;
F) Em outubro de 2011, o Autor foi colocado na fiscalização de trânsito do Posto de Trânsito ..., em funções de patrulhamento, com horário rotativo, por turnos - facto admitido por acordo;
G) O Autor não está habilitado com o Curso de Trânsito - facto admitido por acordo;
H) O curso de formação inicial dos militares da GNR inclui um módulo de patrulhamento - cfr. prova testemunhal;
I) No Posto de Trânsito ... existia um militar afeto à parte administrativa, que desde há largos anos era desempenhada pelo «JJ» - cfr. prova testemunhal;
J) O plano de férias dos militares do Posto de Trânsito ... era apresentado em dezembro do ano antecedente e aprovado pelo Comandante desse Posto, o «FF» - cfr. prova testemunhal;
K) A 22/12/2011, o «FF» enviou uma mensagem de correio eletrónico para os militares do Posto de Trânsito ..., acerca das férias de 2012, com o seguinte teor:
"Tendo em conta o n.º elevado de militares de férias na páscoa, devem fazer alteração das mesmas. Tendo em conta o princípio da igualdade e da camaradagem que devem nortear o militar profissional, e tendo em conta o número de militares do PT, em teoria só é possível gozar de sete em sete anos férias na páscoa. Face a esta realidade, devem os militares fazer nova marcação até às 12H00 do dia 23 de dezembro, caso não seja feita alteração será a mesma feita pelo CMDT/Posto. Os militares que ficam na páscoa são os que têm maior número de férias. Espero que não façam marcação onde não existe número superior.” - cfr. documento a fls. 255 dos autos;
L) O mapa de férias do ano de 2012 foi aprovado a 24/01/2012 – cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal;
M) A 29/02/2012, o Autor dirigiu ao Comandante do Comando Territorial do ... o documento que constitui o documento n.º ... junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e no qual o Autor requereu a troca de dias de férias que constavam do seu plano de férias e ainda que “me elucidasse em relação à diferença de critérios utilizados na marcação de férias no DT ..., como por exemplo, o porquê de no Verão o DT ... gozar um período de onze dias de férias e no Posto de Trânsito ... ter que ser metade dos dias que se tem direito.”;
N) O Comandante do Posto de Trânsito ... elaborou o parecer que consta a fls. 253/254 dos autos cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “tendo em conta que o Guarda ...02 «KK» se encontra no curso de Cabos, existe a possibilidade do «AA» ocupar o período de férias que o mesmo iria gozar, sendo o mesmo de 02/04/2012 a 05/04/2012”;
O) O Comandante do Comando Territorial do ... proferiu despacho a 15/03/2012 de concordância com o parecer referido na alínea antecedente – cfr. documento n.º ... junto com a contestação;
P) A 14/03/2012 foi alterado o plano de férias a que se alude na alínea L), constando nesse mapa que o Autor passaria a gozar férias no período de 30 de março a 05 de abril de 2012 – cfr. documento n.º ... A, junto com a petição inicial;
Q) No dia 29/02/2012, o «FF» efetuou uma participação disciplinar, na qual imputava ao Autor o abandono do serviço de atendimento para o qual estava escalado, pelas 15h30, sem ter dado conhecimento ao seu comandante direto – cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial;
R) Esta participação deu origem ao procedimento disciplinar n.º 173/12 ... e foi nomeado como instrutor o Comandante de Destacamento de Trânsito ..., o «EE» – cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial;
S) O procedimento disciplinar tramitou no Destacamento de Trânsito ... e o Autor foi acusado da violação do dever de obediência, previsto pelo artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do anterior Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01/07 e por despacho de 15/11/2012 foi punido com repreensão escrita – cfr. documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial;
T) O Autor apresentou recurso hierárquico para o Comandante-Geral, ao qual foi negado provimento por despacho de 22/01/2013 – cfr. documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial;
U) Da decisão referida na alínea antecedente foi interposto recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna – cfr. documento n.º ...0 junto com a petição inicial;
V) A pena disciplinar aplicada ao Autor foi anulada, com efeitos reportados a 15/11/2013, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18/08, conjugado com o parágrafo 2.3 do n.º 2 da Nota Circular n.º 4760 de 09/10/2006 – cfr. documento n.º ...1 junto com a petição inicial;
W) O Autor foi submetido a uma cirurgia para realizar uma amigdalectomia, no dia 19/07/2012, no Hospital ... – cfr. documento n.º ...2 junto com a petição inicial;
X) No dia 01/08/2012, o Autor requereu “que lhe seja concedido o dia 20.08.2012 de dispensa para estar presente em consulta de ORL pois foi operado e faz um mês.” – cfr. documento n.º ...3 junto com a petição inicial;
Y) Por despacho do sargento «LL» o requerimento antecedente foi indeferido “por falta de efetivo” – cfr. documento n.º ...3 junto com a petição inicial;
Z) À data em que foi proferido o despacho referido na alínea antecedente, o «FF» estava de férias – facto instrumental que resultou da instrução da causa, mais concretamente da prova testemunhal;
AA) No dia 20 de agosto de 2012, o Autor foi visto em consulta de psiquiatria, tendo sido emitida declaração pela médica psiquiatra que o consultou e que consta como documento n.º ...4 junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
(...) apresenta quadro clínico compatível com perturbação de ansiedade com grande incapacidade para lidar com o stress causado por problemática laboral.
Segundo refere, tem tido nos últimos tempos situações laborais que lhe desencadearam stress e sentimentos de desesperança, revolta e vingança.
Neste contexto parece-me oportuno afastar por algum tempo o doente da atividade laboral e medicar com ansiolíticos/antidepressivos. Vai ser reavaliado em 3/09/2012.”
BB) No dia 13 de setembro de 2012, os Serviços de Saúde da GNR, na pessoa do médico psiquiatra Dr. «MM», emitiram credencial com o diagnóstico de “grave depressão” e foi proposto à Junta Superior da Área, por motivos psiquiátricos – cfr. documento n.º ...5 junto com a petição inicial;
CC) Por requerimento datado de 24/09/2012, o Autor solicitou a sua colocação a título excecional no Destacamento de Trânsito ..., alegando, nomeadamente, que tal colocação contribuiria para evitar conflitos sociais e de normal funcionamento do serviço e asseguraria a sua estabilidade psicossocial necessária ao exercício das funções – cfr. documento n.º ...6 junto com a petição inicial;
DD) O requerimento referido na alínea anterior foi deferido e o Autor foi colocado por oferecimento a título excecional no Destacamento de Trânsito ..., desde 29/10/2012 e por um período de 180 dias – cfr. documento n.º ...7 junto com a petição inicial;
EE) Por requerimento datado de 19/03/2013, o Autor requereu a manutenção da sua colocação no Destacamento de Trânsito ..., a título excecional e definitivo – cfr. documento n.º ...7 junto com a petição inicial;
FF) Por despacho de 14/05/2013 do 2.º Comandante-Geral foi indeferido o requerimento antecedente, mas foi o Autor autorizado à prorrogação da referida colocação pelo período de um ano, sem prejuízo de, a requerimento do Autor, a situação poder ser reavaliada 60 dias antes do termo daquele período, ou cessar caso, entretanto o Autor fosse colocado por oferecimento a título normal – cfr. documento n.º ...8 junto com a petição inicial;
GG) No dia 01 de julho de 2013, quando estava a exercer as suas funções no Destacamento de Trânsito ..., no serviço de atendimento ao público, em hora não concretamente apurada, o Autor sentiu-se mal, com cefaleias violentas – cfr. documento n.º ...9 junto com a petição inicial e prova testemunhal;
HH) De imediato, o Autor informou o Comandante do Destacamento de Trânsito ..., o «NN», sendo subsequentemente transportado para o Hospital ..., onde deu entrada pelas 14H30, foi visto em consulta de otorrinolaringologia e foi aconselhado a recorrer à especialidade de neurologia, com urgência – cfr. documento n.º ...9 junto com a petição inicial e prova testemunhal;
II) O Autor foi a consulta de neurologia no dia seguinte, dia 02 de julho de 2013, tendo realizado uma TAC cerebral sugestiva de lesão isquémica, tendo realizado RMN encefálica que confirmou uma lesão isquémica não recente no cerebelo esquerdo – cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial, relatório médico elaborado pela Dra. «OO», em outubro de 2013;
JJ) A 04/10/2013 o Autor entregou na secretaria do Destacamento de Trânsito ... uma exposição informativa dos episódios relacionados com a sua saúde ocorridos após o facto a que se alude na alínea GG) – cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido;
KK) Por despacho de 11/10/2013 do Comandante do Comando Territorial do ... foi decidido concordar com a informação prestada pelo Comandante do Destacamento de Trânsito ... de que a situação comunicada pelo Autor era uma situação de doença natural e não se enquadrava na noção de acidente em serviço e foi determinado o envio de “cópia para ficha médica no Centro Clínico e arquive-se no processo individual” – cfr. documento n.º ...0 junto com a petição inicial;
LL) No dia 27 de maio de 2014, ao final da manhã, o Autor, quando se encontrava ao serviço, sentiu uma forte dor de cabeça, tonturas e paralisia do corpo à esquerda – cfr. documento n.º ...2 junto com a petição inicial e prova testemunhal;
MM) Consequentemente foi auxiliado por colegas de trabalho e transportado ao serviço de urgências do Centro Hospitalar ..., em ..., onde foi assistido e realizou vários exames de diagnóstico – cfr. documento n.º ...2 junto com a petição inicial e prova testemunhal;
NN) Após cerca de seis horas em observação, o quadro clínico evoluiu favoravelmente tendo sido reforçada a medicação e orientado o Autor para consulta de neurologia para o dia seguinte e prescrita alta médica para o domicílio – cfr. documento n.º ...2 junto com a petição inicial;
OO) A 02/06/2014, o Autor elaborou uma exposição informativa dos episódios relacionados com a sua saúde ocorridos após o facto a que se alude na alínea LL) – cfr. documento n.º ...1 junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido;
PP) Por despacho do Comandante do Comando Territorial do ... de 17/06/2014 foi determinado o arquivamento da participação referida na alínea antecedente, por ter sido entendido que a situação descrita não configurava um acidente em serviço – cfr. documento n.º ...3 junto com a petição inicial;
QQ) O Autor apresentou recurso hierárquico para o Comandante-Geral da GNR que negou provimento ao referido recurso – cfr. documentos n.ºs ...4 e ...5 juntos com a petição inicial;
RR) O Autor apresentou reclamação da decisão referida na alínea antecedente que foi indeferida – cfr. documento n.º ...6 junto com a petição inicial;
SS) Após 01/07/2013, o Autor esteve incapacitado para o trabalho nos períodos melhor identificados no seu registo biográfico e de assiduidade que constam a fls. 891 a 905 dos autos e cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido;
TT) O Autor contraiu um empréstimo junto dos Serviços Sociais da GNR, no montante de € 3.074,97, destinado a “empréstimo pessoal/saúde” – cfr. documento n.º ...8 junto com a petição inicial;
UU) O Autor é divorciado e tem um filho menor que reside com a progenitora, pagando o Autor a quantia de € 150,00 a título de pensão de alimentos – cfr. documento n.º ...1 junto com a petição inicial.

DE DIREITO
Atente-se no discurso jurídico fundamentador da sentença, na parte que ora releva:
(…)
Do assédio laboral
Como referido supra, dispõe o artigo 15.º do RRCTFP o seguinte:
1 - Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador”.
2- Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos fatores indicados no n.º 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”
E o artigo 14.º do RRCTFP preceitua o seguinte:
1 - A entidade empregadora pública não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos fatores indicados no número anterior sempre que, em virtude da natureza das atividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse fator constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo à entidade empregadora pública provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos fatores indicados no n.º 1.”
No cumprimento das respetivas obrigações, o empregador público e o trabalhador devem proceder de boa-fé e constituem deveres do empregador público, nomeadamente, respeitar e tratar com urbanidade e probidade o trabalhador e proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral – cfr. artigos 86.º, nº 1 e 87.º, alínea c) do RRCTFP.
Estes preceitos legais são o desenvolvimento, na legislação ordinária laboral, do direito fundamental previsto no artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa à integridade pessoal, do qual resulta que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável.” Existem, assim, as seguintes formas de assédio:
- O assédio discriminatório, que tem por base algum dos fatores expressamente plasmados no artigo 14.º, n.º 1 do RRCTFP;
- O assédio não discriminatório, que não tem por base qualquer fator discriminatório concreto, mas antes um comportamento indesejado pelo trabalhador, e cujo carácter continuado e insidioso tem os mesmos efeitos hostis que o anterior.
As práticas de assédio, na maioria dos casos, não manifestam políticas discriminatórias de todo. Pretendem, antes, promover, com a desestabilização criada, a cessação do contrato de trabalho por parte do trabalhador, nos casos em que este não cometeu qualquer infração laboral (logo o despedimento com justa causa terá que ser desconsiderado pelo empregador), somente deixou de ser desejado ou foi preterido a favor de outro trabalhador.
Em todo o caso, o assédio moral implica comportamentos (em regra, oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado, mas que também podem advir de colegas) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão normalmente associados mais dois elementos: certa duração e determinadas consequências.
Assim, o assédio no trabalho consiste na adoção de um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima, que visa exercer pressão moral sobre o outro e que tem, em regra, associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/09/2019, proc. n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, a factualidade apurada nos autos não reúne indícios mínimos que permitam afirmar estarmos perante uma típica situação de assédio laboral.
Desde logo, no que diz respeito ao facto de o Autor ter sido colocado numa equipa de fiscalização de trânsito, sem estar habilitado para tal, sujeito a um horário rotativo, por turnos, e com desgaste, sendo objeto de um tratamento desigual perante os demais colegas, importa referir que o princípio da igualdade não é violado só por se nos depararem situações desiguais.
É que, independentemente de o Autor efetuar funções de patrulhamento sem estar habilitado com o curso de Trânsito, não resulta da legislação aplicável, nomeadamente da Lei Orgânica da GNR e do Despacho a que alude o Autor – Despacho n.º 7/13-OG do Comandante-Geral da GNR -, que nem sequer é aplicável ao caso dos autos uma vez que foi aprovado a 18/01/2013, a necessidade de estar habilitado com tal curso para poder exercer funções na Unidade Nacional de Trânsito, tendo resultado provado que no Posto de Trânsito ... existia um militar afeto à parte administrativa, que desde há largos anos era desempenhada pelo «JJ» e os demais militares da GNR poderiam ser afetos ao patrulhamento e ao atendimento ao público, em turnos rotativos, como o foram, mediante as necessidades do serviço.
Não é a afetação de um militar da GNR a uma determinada função no Posto de Trânsito, afetação efetuada no exercício do poder diretivo e organizacional da entidade empregadora pública – que necessariamente cria situações que não são iguais – que viola o princípio da igualdade, nem resulta dos autos que a afetação do Autor ao exercício de funções de patrulhamento tenha sido efetuada com o objetivo de violar a sua integridade e de criar um ambiente hostil, humilhante e/ou desestabilizador.
Quanto à questão de as férias serem marcadas e alteradas sem qualquer planeamento e sem preocupação com a conciliação da sua vida profissional e familiar, não resultou provada qualquer factualidade que permita retirar tal conclusão. Ao invés, resultou provado que o plano de férias dos militares do Posto de Trânsito ... era apresentado em dezembro do ano antecedente e aprovado pelo Comandante desse Posto, o «FF» e ainda que, no que diz respeito às férias a gozar no ano de 2012, a 22/12/2011, o «FF» enviou uma mensagem de correio eletrónico para os militares do Posto de Trânsito ..., com o seguinte teor:
Tendo em conta o n.º elevado de militares de férias na páscoa, devem fazer alteração das mesmas. Tendo em conta o princípio da igualdade e da camaradagem que devem nortear o militar profissional, e tendo em conta o número de militares do PT, em teoria só é possível gozar de sete em sete anos férias na páscoa. Face a esta realidade, devem os militares fazer nova marcação até às 12H00 do dia 23 de dezembro, caso não seja feita alteração será a mesma feita pelo CMDT/Posto. Os militares que ficam na páscoa são os que têm maior número de férias. Espero que não façam marcação onde não existe número superior.”
Mais resultou provado que o mapa de férias do ano de 2012 foi aprovado a 24/01/2012 e que, após o Autor ter requerido a alteração das férias marcadas, este seu requerimento foi deferido parcialmente, passando o Autor a gozar férias também no período de 30 de março a 05 de abril de 2012.
Não se antevê, também nesta questão, qualquer factualidade que permita concluir pela intenção da violação da dignidade pessoal e profissional do Autor e de criar um ambiente hostil, humilhante e/ou desestabilizador.
Quanto à questão de lhe ter sido instaurado um procedimento disciplinar no qual foi punido com uma pena de repreensão escrita, mas que, após recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna, foi arquivado e a pena anulada, importa referir que o exercício (isolado) do poder disciplinar não é suscetível de permitir a conclusão de que o Autor foi vítima de assédio; ademais quando esse procedimento disciplinar culminou com a aplicação de uma pena – de repreensão escrita – que foi confirmada em sede de recurso hierárquico pelo Comandante-Geral. De resto, como resulta da factualidade provada – cfr. alínea V) dos factos provados, mais concretamente a legislação aí referida –, a pena disciplinar que lhe foi aplicada não foi anulada por lhe ter sido dada razão quanto à factualidade de que foi acusado, mas sim por estarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 44.º-A, n.º 1, alínea a) do Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01/09 e alterada pela Lei n.º 66/2014, de 28/08, para a pena ser anulada.
Também não assiste razão ao Autor quanto aponta como prática de assédio o facto de ter sido nomeado instrutor do procedimento disciplinar um seu superior hierárquico, já que é esse procedimento que resulta do disposto no artigo 85.º, n.º 1 do Regulamento de Disciplina da PSP ao dispor que “sem prejuízo da competência instrutória atribuída à Inspeção-Geral da Administração Interna, a entidade que instaurar processo disciplinar deve nomear um instrutor, escolhido de entre os oficiais de categoria ou posto superior à do arguido ou mais antigo do que ele na mesma categoria ou posto.”
Em relação ao facto de ter sido indeferida dispensa ao serviço ao Autor quando pretendia estar presente numa consulta posterior a realização de cirurgia com a justificação de falta de efetivo, o que não correspondia à verdade, tal factualidade não resultou provada. Acresce que, o facto de não lhe ter sido concedida a dispensa ao serviço não implicava que o Autor não pudesse comparecer na referida consulta pelo tempo estritamente necessário para o efeito, e apresentar-se ao serviço após a realização da consulta (ou antes consoante o horário em que a consulta se realizava).
Por último, alega o Autor de que também foi vítima de assédio quando, em 2013 e 2014, sofreu dois acidentes isquémicos transitórios quando estava ao serviço que não foram qualificados como acidentes em serviço, e com essa atuação foram-lhe negados os seus direitos.
A qualificação como acidente em serviço – sendo este o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11) – compete à entidade empregadora, nos termos previstos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, inexistindo norma neste diploma legal que preveja que tal qualificação é da competência do dirigente máximo do serviço, como defende o Autor, ressalvando o disposto no artigo 3.º, n.º 2 que se aplica à administração local.
De igual forma, nas competências do Comandante-Geral previstas no artigo 23.º da Lei Orgânica da GNR também não resulta que tal qualificação seja da competência daquele.
Acresce que, o Autor impugnou administrativamente a decisão de arquivar a participação do acidente como acidente em serviço, sem sucesso e, querendo, poderia ter impugnado judicialmente tais despachos, o que não fez.
Do exposto, conclui-se que inexiste qualquer conduta ilícita suscetível de ser imputada ao Réu subsumível à prática de atos que constituam assédio moral e/ou que constituam uma intolerável discriminação do Autor, pelo que a pretensão indemnizatória formulada nos presentes autos terá, necessariamente, que improceder, o que se decidirá.
X
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Quanto à matéria de Facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2005 no proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267, o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional, por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à Constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”. A este propósito e tal como sustentado pelo Professor Mário Aroso e pelo Conselheiro Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” - em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 743).
“Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.

Como se consignou, entre outros, nos Acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, proc. 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, proc. 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.


Ressalta ainda do sumário do proc. 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I.“Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».

Assim, das considerações jurisprudenciais e doutrinais exemplificativamente referidas e em função dos elementos disponíveis, não se vislumbra a existência de fundamento para alterar a matéria de facto.
O Tribunal a quo explicou devidamente os alicerces da sua convicção. Em sede de factualidade não provada fez constar:
1) A colocação do Autor em funções de patrulhamento no Posto de Trânsito ... foi determinada pelo «FF»;
2) O «FF» marcava as férias dos militares por sua iniciativa, sem
qualquer planeamento ou conciliação com a vida profissional e familiar dos militares e mais concretamente do Autor;

3) A “falta de efetivo” a que se alude na alínea Y) dos factos provados não se verificou;
4) A factualidade descrita nos factos provados, atinente à conduta dos superiores hierárquicos do Autor, causou-lhe ansiedade, stress, desespero, sentimentos de revolta e vingança, profunda tristeza e humilhação, frustração e impotência enquanto pai e agente de autoridade.

E, em sede de motivação da factualidade assente e não apurada, consignou que:
A convicção do Tribunal resultou da análise crítica da prova testemunhal produzida em sede de audiência final assim como na prova documental junta aos autos e à posição assumida pelas Partes nos articulados, como se fez referência supra em cada uma das alíneas dos Factos Provados, conjugada com critérios ditados pelas regras da experiência da vida.
O Autor foi ouvido em declarações de parte, mas que não foram valoradas pelo Tribunal já que o seu discurso pautou-se por grande animosidade para com a GNR de forma geral, mas em particular com os seus superiores hierárquicos à data em que exercia funções no Posto de Trânsito ..., o condicionou o enquadramento das suas afirmações, que primaram pela falta de objetividade, coerência e sem qualquer sustentabilidade face à demais prova produzida, mostrando-se, inclusive, com um discurso de grande animosidade para com a Ilustre Mandatária do Réu e até com o próprio Tribunal (embora em menor escala), respondendo com “piadas” e/ou com perguntas às questões que lhe eram colocadas.
A prova testemunhal produzida foi, em termos genéricos, objeto de ponderação pelo Tribunal, tendo sido valorada a globalidade dos depoimentos prestados, que, de forma geral, se revelaram espontâneos, objetivos, coerentes, com conhecimento direto dos factos (quase todas as testemunhas eram militares da GNR e conheciam o Autor, quer as condições em que este exercia funções no Posto de Trânsito ... e/ou no Destacamento de Trânsito ..., consoante os casos) e desprovidos de qualquer interesse na causa, merecendo a credibilidade e valoração do Tribunal, expurgada de conceitos valorativos que, como é natural, variam de pessoa para pessoa, mais concretamente no que se refere à personalidade do «FF», cujos depoimentos variaram entre “era muito conflituoso” até “era muito reto no trato com os militares”, “nunca o vi a tratar mal ninguém, até o acho brincalhão”.
Assim, no que diz respeito ao exercício de funções no Posto de Trânsito ... o Tribunal valorou, além dos documentos referidos supra e da posição assumida pelas Partes, o depoimento das testemunhas «HH», militar da GNR a exercer funções no Posto de Trânsito ..., «EE», Tenente Coronel da GNR, que nos anos de 2011 e 2012 era o Comandante de Destacamento de Trânsito ..., «FF», Sargento-Chefe da GNR e que foi Comandante do Posto de Trânsito ... no período em que o Autor aí exerceu funções e «JJ», aposentado da GNR e que exerceu funções no Posto de Trânsito ..., nomeadamente no período em que o Autor aí exerceu também funções.
Todos referiram que no Posto de Trânsito ... existia um militar que fazia o serviço de secretaria, funções exercidas pela testemunha «JJ», e os restantes faziam serviço de atendimento ao público e patrulhamento, por turnos rotativos (3 horários possíveis); que, quando o Autor foi colocado no Posto de Trânsito ..., inicialmente foi colocado no serviço de rádio e atendimento ao público e tinha um horário de trabalho fixo (das 09H00 às 17H00); a testemunha «EE» referiu ainda que por motivos de organização interna – “havia muitos acidentes” – houve necessidade de colocar o Autor em funções de patrulha, decisão que foi tomada por si e comunicada ao Comandante do Posto de Trânsito ..., «FF», para dar exequibilidade à mesma, o que este fez; estas afirmações foram corroboradas integralmente pela testemunha «FF», inexistido qualquer outro meio de prova que permita contrariar o afirmado.
No que diz respeito à marcação de férias, além dos documentos referidos, o Tribunal valorou o depoimento das já referidas testemunhas «HH», «FF» e «JJ». A testemunha «FF» referiu que o plano de férias era apresentado em dezembro do ano antecedente, o que aconteceu nesse ano de 2011 e que não se recordava de terem existido reclamações quando o mesmo foi aprovado e que, no que diz respeito ao requerimento efetuado pelo Autor a 29/02/2012 (cfr. alínea M) dos factos provados), foi-lhe deferido parcialmente, uma vez que uma circunstância superveniente (a que resultou provada na alínea N) dos factos provados) permitiu que o Autor pudesse gozar férias de 30 de março a 5 de abril de 2012, como este pretendia e que, no demais, existiam regras e procedimentos internos a seguir, pelo que não poderia beneficiar um efetivo em detrimento de outro; o procedimento da marcação de férias foi reiterado pelas testemunhas «HH» e «JJ».
No que diz respeito aos acidentes isquémicos ocorridos em 2013 e 2014, além dos documentos referidos, o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas «BB», cabo da GNR a exercer funções no Destacamento de Trânsito ... e «CC», Major e que foi Comandante do Destacamento de Trânsito ... de 2011 a 15/07/2013, sendo que este último referiu que quando o Autor se sentiu mal no dia 01/07/2013 lhe deu conhecimento imediato da situação e que um efetivo da GNR o transportou ao hospital e a testemunha «BB» referiu que quando o Autor se sentiu mal no dia 27/05/2014 foi a própria testemunha quem o transportou ao hospital.
Para prova do facto dado como provado na alínea H), o Tribunal valorou o depoimento das referidas testemunhas «BB» e «CC», que referiram que no curso inicial de formação existe um módulo relacionado com o patrulhamento, embora que menos especializado do que a formação com Curso de Trânsito.
Para prova do facto dado como provado na alínea Z), o Tribunal valorou o depoimento da testemunha «FF» que se mostra consentâneo com o teor do documento n.º ...3 junto com a petição inicial.
Quanto aos factos dados como não provados o Tribunal assentou a sua convicção na ausência de prova que os sustentassem.
Assim, quanto ao facto 1), como referido supra a propósito da fundamentação dos factos provados, a testemunha «EE» referiu que por motivos de organização interna – “havia muitos acidentes” – houve necessidade de colocar o Autor em funções de patrulha, decisão que foi tomada por si e comunicada ao Comandante do Posto de Trânsito ..., «FF», para dar exequibilidade à mesma, o que este fez; estas afirmações foram corroboradas integralmente pela testemunha «FF», inexistido qualquer outro meio de prova que permita contrariar o afirmado.
Quanto ao facto 2) resultou apenas provado o que resulta dos factos dados como provados nas alíneas J) a P), para cuja fundamentação se remete e que se dá por integralmente reproduzida.
Quanto ao facto 3), não foi feita qualquer prova do alegado.
E quanto ao facto 4, apesar de várias testemunhas terem referido que o Autor tinha problemas de saúde e que apresentava um aspeto debilitado, inclusive a testemunha «PP», que foi vizinha do Autor durante três anos (a partir de 2014) disse que o viu chorar muitas vezes, nenhuma delas referiu que tal estado de saúde estivesse relacionado com o trabalho do Autor, aliás, a testemunha citada referiu que o Autor “só falava no filho”, “não falava de trabalho”; já quanto aos relatórios médicos da especialidade de psiquiatria juntos aos autos e que aludem a problemas de ansiedade, stress e depressão, não são suficientemente esclarecedores acerca da repercussão dos factos descritos na petição inicial com o estado psicológico do Autor, desde logo, porque é atestado pelos médicos que a alegada situação de problemática laboral foi transmitida e relatada pelo Autor. Estes documentos, desprovidos de qualquer outra prova acerca do facto elencado, não foram suficientes para criar a convicção do julgador da respetiva ocorrência.
Assim, não se bulirá no probatório pois não se detetou qualquer erro, mormente grosseiro, palmar, ostensivo na avaliação dos factos levada a cabo pelo Tribunal; pelo contrário, deparou-se esta Instância com um Tribunal a quo empenhado na busca da verdade material.
E o que dizer do apontado erro de julgamento de direito?
Apenas que pouco há a acrescentar à fundamentação da sentença recorrida.
Como resulta da transcrição que dela fizemos, o Tribunal socorreu-se, e bem, da lei e da jurisprudência seguida em casos semelhantes.
Como é sabido, para que ocorra responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos pressupostos constantes do artigo 483º do Código Civil (cfr. nesse sentido, por exemplo, o sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.02.2020, processo n.º 313/09.6BECTB), nomeadamente:
a) Facto voluntário, enquanto facto, positivo ou negativo, controlável pela vontade humana;
b) Ilicitude, enquanto violador de um direito de outrem, sejam eles direitos absolutos ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) Culpa, enquanto nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante, enquanto juízo de censurabilidade pessoal por o lesante não ter agido de acordo com o direito, quando podia e devia ter agido de outro modo;
d) a existência de danos;
e) nexo causal entre o facto praticado pelo lesante e os danos, em termos de causalidade adequada.)
In casu, concluindo-se que inexiste qualquer conduta ilícita suscetível de ser imputada ao Réu subsumível à prática de atos que constituam assédio moral e/ou que constituam uma intolerável discriminação do Autor, a pretensão indemnizatória formulada nos presentes autos teria, necessariamente, que improceder.
Desatendem-se, pois, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique e DN.
DT ..., 03/11/2023

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Nuno Coutinho