Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00192/16.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:IVA. REGULARIZAÇÃO;
ANULAÇÃO DE FATURA;
NOTA DE CRÉDITO;
Sumário:
I - A alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA deve ser interpretada no sentido de que também é sujeito passivo do imposto quem mencione o IVA indevidamente em fatura, com isso dando início à cadeia de liquidação e dedução de imposto, com os efeitos daí subjacentes.

II – Nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, o motivo concreto para a anulação da fatura deve constar na nota de crédito para que a Administração Tributária possa verificar se efetivamente ocorreu o facto que a nota de crédito menciona como sendo aquele que deu origem à anulação da fatura. Mas o mais relevante é que o negócio tenha sido anulado ou reduzido.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...], Ld.ª, interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA do período 2013/06T.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. A sentença suporta-se em fundamentos que não constam do RIT ou da contestação da Fazenda Nacional;
2. Por outro lado, os factos novos, dados como provados e não provados, descritos na sentença, não faziam parte do tema em discussão;
3. Quanto aos factos dados como provados e não provados;
4. A recorrente não apura onde no ponto III.1.3 do RIT se refere que não devolveu à sociedade [SCom02...], Lda., o montante de € 617.100,00.
5. Tal facto não foi sequer suscitado como tema em discussão, no RIT ou pela recorrente na sua PI ou pela Fª Pª na sua contestação, juntas aos autos, pelo que não pode ser dado como facto provado nos presentes autos.
6. O facto não provado considerado pelo douto Tribunal a quo, de que não se provou, com interesse para a presente decisão, que a sociedade [SCom02...], Lda. regularizou o IVA a favor do Estado, no montante de € 107.100,00, após ter tido conhecimento da anulação da fatura n.º NFa 10C/1 ..., é um facto novo que nunca foi colocado pela AT, no RIT, nem na contestação, nem pela recorrente, na PI.
7. Pelo que nunca podiam fazer parte do tema a decidir, pois estes factos não afetavam a decisão.
8. Pelo que existe excesso de pronúncia, nesta parte, o que conduz à anulação da sentença, por nulidade, cf. Art.º 125º do CPPT;
9. A prova testemunhal devia ter sido admitida, (Art.º 392º do C.Civil e Art.º 118º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).
10. Pelo que os autos devem regressar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, para ser efetuada a prova testemunhal, em conformidade com a lei.
11. Quanto à apreciação do direito sobre a regularização do IVA e enriquecimento sem causa;
12. O que resulta do Art.º 78º, n.º 5, do CIVA e do acórdão do STA, processo n.º 0380/08BEBJA 0204/14, de 10-10-2018, Pedro Delgado, e ainda da Jurisprudência do TJUE – Acórdão C- 192/95- Comateb e Acórdão C-398/09 - Lady & Kid A/S, de 6.09.2011., e do Tribunal de Justiça, no acórdão de 18/06/2009 (processo C 566/07), é que «só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto, indevidamente cobrado à luz do direito comunitário, gera para um sujeito passivo após uma análise que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.º 43».
13. No caso dos autos, não apuramos onde possa existir enriquecimento sem causa da recorrente no caso em discussão, para sofrer o impedimento à regularização do IVA, pela via legal, da primeira parte do n.º 5 do Art.º 78º do CIVA, tendo a sociedade [SCom02...] tomado conhecimento da regularização do IVA, cf. Nota de Crédito 13C61, constante do Anexo 03 do RIT.
14. A regularização a favor da empresa no caso é repor a justiça, pois a recorrente tem direito a regularizar o imposto indevidamente liquidado.
15. Assim sendo, tendo a recorrente cumprido com o n.º 5 do Art.º 78º do CIVA, deve a liquidação recorrida ser anulada.
16. Pelo que a sentença deve ser alterada em conformidade.
17. Finalmente, deve ser decretada, sem mais, a anulação das liquidações de IVA e Juros Compensatórios recorridas.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se as liquidações de IVA e Juros Compensatórios, com todas as consequências legais, referentes ao período 2013/06T, para que assim se faça JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Antes da subida do recurso foi proferido despacho de sustentação da sentença recorrida, que concluiu a mesma não padecer de qualquer excesso de pronúncia ou de qualquer outra nulidade.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a sentença incorre em nulidade por excesso de pronúncia; se a prova testemunhal devia ter sido realizada; e se a sentença incorre em erro de direito, no que concerne à interpretação do artigo 75.º do Código do IVA.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
C) FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
I. FACTOS PROVADOS.
Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1) A Impugnante é uma sociedade comercial coletada no Serviço de Finanças ... desde 27/06/2005 pela atividade principal de “Comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados, N.E.”; em 21/06/2011 o seu objeto social era, nomeadamente, a compra e venda de artigos e equipamentos hospitalares e hoteleiros; é sujeito passivo de IVA e, entre, pelo menos, 2010 e 2013, encontrava-se enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral (conforme se extrai do ponto II.3 do Relatório da Inspeção Tributária [doravante RIT] constante de Outro (004772781) Pág. 32 de 18/05/2021 12:28:54);
2) A Impugnante tem como sócio-gerente «AA», o qual é igualmente sócio-gerente da sociedade [SCom02...], Lda.; esta última é uma sociedade uninominal por quotas constituída em 09/07/2008, cujo objeto social é, nomeadamente, a importação e exportação de artigos hospitalares e sua comercialização (conforme resulta do registo comercial da sociedade [SCom02...], Lda. constante de Outro (004772781) Pág. 62 de 18/05/2021 12:28:54 e do referido no ponto II.3.3 do RIT constante de Outro (004772781) Pág. 32 de 18/05/2021 12:28:54);
3) Em 03/12/2010 a Impugnante encomendou a produção dos seguintes bens à sociedade [SCom03...], empresa brasileira sedeada em São Paulo ligada à área da saúde e da qual a Impugnante é representante em Portugal: dois autoclaves (esterilizadores), dois scrubber para autoclaves (sistemas de lavagem de gases) e dois sistemas osmose reverso para autoclaves (conforme resulta da fatura n.º EXO...72 emitida pela sociedade [SCom03...] constante de Outro (004772781) Pág. 50 de 18/05/2021 12:28:54 conjugado com o referido no ponto III.1-2 do RIT constante de Outro (004772781) Pág. 35 de 18/05/2021 12:28:54; apesar da designação dos bens nesta fatura ser diferente da designação dos bens referidos na fatura mencionada no ponto seguinte, nenhuma questão a esse respeito é suscitada no RIT, pelo que o Tribunal firmou a convicção de que se tratam dos mesmos bens);
4) No dia 09/12/2010 a Impugnante emitiu a fatura n.º NFa 10C/1 pela transmissão à sociedade [SCom02...], Lda. dos bens referidos no ponto anterior; o valor desses bens totalizava € 510.000,00 e a Impugnante liquidou IVA à taxa de 21% no montante de € 107.100,00 (conforme fatura constante de Outro (004772781) Pág. 44 de 18/05/2021 12:28:54);
5) A Impugnante entregou ao Estado o IVA de € 107.100,00 mencionado na fatura n.º NFa 10C/1 na declaração periódica de 2010/12T (conforme admitido por acordo: artigos 19º e 7º da contestação e é referido no ponto III.1.4 do RIT constante de Outro (004772781) Pág. 39 de 18/05/2021 12:28:54);
6) No dia 29/05/2009 a sociedade [SCom02...], Lda. apresentou uma candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação, tendo o contrato do projeto apresentado sido assinado em 15/04/2010; a sociedade [SCom02...], Lda. apresentou a fatura referida no ponto 4) no âmbito desse projeto (conforme resulta dos esclarecimentos prestados pelo IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, IP. transcritos no ponto III.1.3 do RIT constante de Outro (004772781) Pág. 37 de 18/05/2021 12:28:54 e é admitido por acordo entre as Partes: artigos 7º da petição inicial e 9º da contestação);
7) A sociedade [SCom02...], Lda. pagou à Impugnante, em 19/01/2012, o montante de € 617.100,00 referente à fatura referida no ponto 4 (conforme comprovativo de depósito de cheque do Banco 1... da quantia de € 792.558,00 constante de Outro (004772781) Pág. 46 de 18/05/2021 12:28:54 - percetível a fls. 32 do processo administrativo físico – e conforme referido no ponto III.1-1 do RIT constante de Outro (004772781) Pág. 34 de 18/05/2021 12:28:54, sendo corroborado pela Impugnante no artigo 16º da petição inicial);
8) Em 2013 o projeto apresentado pela sociedade [SCom02...], Lda. e referido no ponto 5 foi cancelado pelo IAPMEI; a Impugnante, em 06/05/2013, anulou a compra dos bens à [SCom03...] referido no ponto 3) e não lhe fez qualquer pagamento pelos mesmos; esses bens nunca chegaram a dar entrada em Portugal (conforme resulta dos pontos III.1.2 e III.1.3 do RIT e lançamentos contabilísticos constantes de Outro (004772781) Pág. 36, 38 e 55 de 18/05/2021 12:28:54);
9) No dia 30/04/2013 a Impugnante emitiu em nome da sociedade [SCom02...], Lda. a nota de crédito n.º 13C61 de modo a anular a fatura n.º NFa 10C/1 referida no ponto 4); nessa nota de crédito a Impugnante referiu: Devolução dos artigos pelo cliente. Ao abrigo do n.º 5 do art.º 78º do CIVA. Agradecemos devolução do duplicado devidamente assinado e carimbado (conforme nota de crédito constante de Outro (004772781) Pág. 48 de 18/05/2021 12:28:54);
10) A sociedade [SCom02...], Lda. tomou conhecimento da anulação da fatura referida no ponto anterior (conforme carimbo e assinatura apostos na nota de crédito referida no ponto anterior);
11) A Impugnante não devolveu à sociedade [SCom02...], Lda., até pelo menos à elaboração do RIT, o montante de € 617.100,00 pago pela mesma em 19/01/2012 referente à fatura n.º NFa 10C/1 (conforme mencionado no ponto III.1.3 do RIT e resulta do extrato da conta 278 – Outros devedores e credores da Impugnante referente à sociedade [SCom02...], Lda. constantes de Outro (004772781) Pág. 36 e 52 de 18/05/2021 12:28:54);
12) A Impugnante regularizou a seu favor o IVA de € 107.100,00 referido na fatura n.º NFa 10C/1 na declaração periódica de 2013/06T (conforme campo 40 dessa declaração periódica de IVA da Impugnante constante de Outro (004772781) Pág. 18 de 18/05/2021 12:28:54);
13) Entre os dias 04/09/2015 e 27/11/2015 os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... efetuaram uma ação de fiscalização à Impugnante, de âmbito parcial e ao exercício de 2013, de modo a controlar as regularizações de IVA a favor da Impugnante constantes do campo 40 das declarações periódicas; no âmbito dessa ação de fiscalização não aceitaram a regularização efetuada pela Impugnante a seu favor referida no ponto anterior e corrigiram em sede de IVA o montante de € 107.100,00 (conforme RIT constante de Outro (004772781) Pág. 27 e seguintes de 18/05/2021 12:28:54);
14) A fundamentação para a correção referida no ponto anterior foi, nomeadamente, a seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(conforme ponto III.1.4 do RIT constante de Outro (004772781) Pág. 39 de 18/05/2021 12:28:54);
15) Com base na correção referida nos pontos anteriores a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidaram IVA no montante de € 10.935,35 e de juros compensatórios de € 1.029,42, num total de € 11.964,77 (conforme nota de cobrança e demonstração de liquidação de IVA e nota de cobrança e demonstração de liquidação de juros constantes de Outro (004772781) Pág. 9 e 11 e 12 e 14 de 18/05/2021 12:28:54);
II. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou, com interesse para a presente decisão, que a sociedade [SCom02...], Lda. regularizou o IVA a favor do Estado, no montante de € 107.100,00, após ter tido conhecimento da anulação da fatura n.º NFa 10C/1 (nenhuns elementos a esse respeito constam dos autos).
III.MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A convicção do tribunal baseou-se nos articulados, nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada ponto.

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Alteração e Eliminação da matéria de facto

Em função do recurso apresentado, altera-se e elimina-se a matéria de facto a seguir referida.

Em primeiro lugar, altera-se o ponto 11) da matéria de facto, que passa a ter a seguinte redação:
11) No «Extrato de Conta – Contabilidade Geral», da «[SCom01...], Lda.ª» em relação à «[SCom02...], Lda.ª» e respeitante ao ano de 2013, consta no dia 30 de abril a seguinte indicação: «Nº Int. ...20 De exercícios anteriores N/N/C 30Abr: Crédito 617.100,00. Saldo 426.313,01 D». O saldo imediatamente anterior a esta indicação era de 1.043.413,01 D. [vide Anexo 7 ao Relatório de Inspeção, a págs. 53 do pdf do PA eletrónico e pág. 39 do PA em suporte físico].

De seguida, elimina-se o ponto II, dos factos não provados.

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Apreciação fático-jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que a sentença foi uma decisão surpresa, pois assentou em factos que não estavam em discussão na fundamentação da liquidação e por isso não foram impugnados. Trata-se do facto 11), que não apura onde no ponto III.1.2 do RIT conste, sendo que tal facto nem sequer foi suscitado no RIT, na Petição Inicial ou na Contestação.
Entende a Recorrente que esse facto não pode ser dado como provado e deve ser afastado.
Concluiu que ocorre excesso de pronúncia, que leva à nulidade de sentença.
Apreciando.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT (à semelhança do previsto no atual artigo 615.º do CPC), é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está diretamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608.º, n.º 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, ou seja, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas), ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal aprecia e decide uma questão, isto é, um problema concreto, que não foi suscitada pelas partes nas respetivas peças processuais, com exceção das que sejam do conhecimento oficioso. Como refere Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado”, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 366, ocorre nulidade da sentença “Se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar”.
O mesmo equivale a dizer, em síntese, que o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, o que determina que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.
Verifiquemos se na situação concreta ocorre um excesso de pronúncia.
O Processo Administrativo (PA) digitalizado em pdf consta de pág. 69 do processo eletrónico SITAF (a fls. 21 e seguintes do processo físico do PA em papel). Nesse documento de PA, a suas folhas 36 (numeração pdf desse documento), consta o RIT - Relatório de Inspeção Tributária (sendo que a fls. ou a pág. 36 do PA, corresponde à pág. 9 do RIT). Nessa página, consta a seguinte indicação (penúltimo parágrafo da folha 36 do pdf ou pág. 9 do RIT):
«c. Importa referir que não existiu, até à data, a restituição à [SCom02...], do valor pago por esta (Anexo 7)».
A menção, «até à data», refere-se à data de elaboração do Relatório de Inspeção, que ocorreu em 23/12/2015, sendo isso que refere o ponto 11) da matéria de facto da sentença.
Não obstante o ponto 11) da matéria de facto da sentença referir que a não devolução à «[SCom02...]» consta do ponto III.1-3 do RIT, na realidade tal matéria consta do ponto III.1-2 do Relatório de Inspeção, conforme acima se transcreveu. No entanto, a página do documento em pdf está bem indicada, ou seja, trata-se da página 36 desse pdf, que corresponde ao PA digitalizado a pág. 69 do SITAF.
Para além disso, consta da pág. 8 do Relatório de Inspeção que foi solicitado à Impugnante, na pessoa da sua contabilista: «Documentos e registos contabilísticos comprovativos da devolução do valor pego pelo cliente [SCom02...], no decorrer da fatura nº 10C/1 e posteriormente da Nota de Crédito n.º 13C61».
Nessa sequência foram entregues diversos documentos, entre os quais o «Extrato de Conta – Contabilidade Geral» da Impugnante em relação à «[SCom02...], Lda.», que são os mencionados no Relatório de Inspeção como correspondendo ao Anexo 7.
Desta forma, a matéria de facto em apreço já estava mencionada no Relatório de Inspeção Tributária, pelo que não ocorre excesso de pronúncia.
Ocorre, sim, erro na matéria de facto, na medida em que no Anexo 7, consta que a Impugnante creditou a seu favor no dia 30/04/2013, a quantia de € 617.100,00, conforme se pode verificar pela alteração realizada a este ponto 11) da matéria de facto, segundo a redação acima dada na parte referente à alteração da matéria de facto. A devolução dessa quantia realizou-se no dia da emissão da nota de crédito, conforme se pode ver pelo teor do ponto 9) da matéria de facto; o qual corresponde à descrição da nota de crédito.
A correção ao ponto 11) da matéria de facto, justifica-se uma vez que é questão a apreciar no recurso, tendo sido pedida a sua eliminação e concedida apenas a alteração dessa matéria de facto; alteração essa, ainda que realizada oficiosamente, mostra-se possível na medida em que o processo administrativo é de conhecimento oficioso, para além de que consta de documento aceite pela Fazenda Pública, pelo que esse documento faz prova plena do que dele consta.
Acerca da possibilidade da apreciação do tribunal de recurso sobre a matéria de facto e documento que faça prova plena de um facto, veja-se o que diz o Conselheiro Abrantes Geraldes em anotação ao artigo 635.º do CPC, no seu livro, “Recursos em Processo Civil”, (6.ª edição, 2020, Almedina), a págs. 137-139, que:
«4. Os poderes do tribunal ad quem em sede de recurso encontram ainda outras limitações:
A interposição de recurso impede que, pelo decurso do prazo, se produzam os efeitos de caso julgado em relação à decisão ou decisões por ele abarcadas (art. 628.º). Porém, atento o disposto no n.º 5 do art. 635.º, o caso julgado que, porventura, por qualquer via, se tenha estabelecido em relação a alguma decisão ou segmento decisório não pode ser perturbado por uma atuação posterior, ainda que de um tribunal hierarquicamente superior.
Em matéria de qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem não está limitado pela iniciativa das partes (art. 5.º, n.º 3). Ou seja, uma vez interposto o recurso, é lícito ao tribunal ad quem conhecer oficiosamente de determinadas questões relativamente ao segmento decisório sob reapreciação, sejam de natureza processual (v.g. incompetência absoluta, falta de personalidade), sejam de natureza substantiva (v.g. nulidade do contrato por vício formal ou simulação, caducidade em matéria de direitos indisponíveis), desde que estejam acessíveis os necessários elementos de facto e seja respeitado o contraditório, tendo em vista evitar decisões surpresa, nos termos do art. 3.º, n.º 3. No que concerne a aspetos estritamente jurídicos, e com a mesma cautela, o tribunal é livre de identificar as normas que melhor se ajustam ao caso concreto para qualificar as relações jurídicas ou para delas extrair os efeitos adequados (art. 5.º, n.º 3).
Por seu lado, é legítimo considerar na fundamentação do acórdão proferido no âmbito do recurso de apelação ou de revista, por aditamento ou por alteração da decisão do tribunal a quo, factos que estejam plenamente provados por documento, confissão ou acordo das partes, desde que tenham sido oportunamente alegados, tal como devem ser oficiosamente desatendidos outros que foram considerados provados a partir de meios de prova legalmente insuficientes.

Resulta, assim, que o facto 11), menciona uma determinada factualidade que não está correta, por isso se efetua a sua alteração, conforme acima ficou redigida no Aditamento/Alteração/Eliminação da matéria de facto.
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De seguida alega a Recorrente que, em relação ao facto não provado, ou seja, «que a sociedade [SCom02...], Lda. regularizou o IVA a favor do Estado, no montante de € 107.100,00, após ter tido conhecimento da anulação da fatura n.º NFa 10C/1», trata-se de um facto novo, que nem sequer consta do RIT, nem foi suscitado pelas partes, nem era de conhecimento oficioso e nem sequer o tribunal não se dignou em saber oficiosamente se o IVA foi ou não regularizado
Mais refere que, esta situação não foi matéria de fundamentação da liquidação.
Concluiu que ocorre excesso de pronúncia, que leva à nulidade de sentença.
Apreciando.
Verifiquemos, então, se na situação concreta ocorre um excesso de pronúncia.
Lido o Relatório de Inspeção, efetivamente, do mesmo não consta a matéria em apreço, nem qualquer referência à regularização ou não do IVA pela empresa «[SCom02...], Ld.ª». De tal forma que a liquidação efetuada não viu necessidade de se sustentar nessa matéria, pois fundamentou-se antes no facto de o IVA ter sido indevidamente mencionado na fatura, na medida em que não ocorreu nenhuma operação real, por não ter havido sequer importação da mercadoria em causa; portanto não ter havido compra no estrangeiro da mercadoria para vender em território nacional, pelo que não podiam ser devolvidos, ao contrário do que diz a Nota de Crédito, produtos que nunca foram adquiridos.
Por sua vez, este assunto não é mencionado na Petição Inicial, nem na Contestação da Fazenda Pública.
Por outro lado, a situação em apreço também não configurava um facto de conhecimento oficioso, na medida em que a ser matéria relevante para os termos da liquidação, teria que ser trazida à colação pela Administração Tributária (AT), no momento próprio; ou seja, aquando da emissão da liquidação adicional de IVA, que se sustenta no Relatório de Inspeção Tributária. Como a AT não viu necessidade de fundamentar a liquidação com base na regularização do IVA pela «[SCom02...], Ld.ª», ou melhor, na suposta não regularização, também não pode agora o Tribunal ter em consideração tal situação. Ou seja, é situação que não cumpre saber oficiosamente se ocorreu ou não.
Significa isto que, a regularização ou não regularização do IVA pela «[SCom02...], Ld.ª», não era facto controvertido na relação jurídica em apreço, pelo que não devia ter sido levado ao probatório.
Desta forma, conclui-se que a sentença incorreu em excesso de pronúncia, pelo que tal facto deve ser eliminado do ponto II, dos factos não provados.
Face ao exposto, elimina-se do probatório (ponto II dos factos não provados), o facto dado como não provado.
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Alega, igualmente, a Recorrente que o tribunal dispensou a inquirição de testemunhas, o que está errado, pois deveria ter sido realizada prova testemunhal sobre a regularização do IVA no campo 40 da declaração periódica de IVA, para demonstrar que a sociedade «[SCom02...], Lda.ª» tomou conhecimento da Nota de Crédito com a respetiva assinatura, em cumprimento do n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA; tudo para atestar o que consta na Petição Inicial nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 14, 22, 24 e 27 e no RIT.
Diz, ainda, a Recorrente que não se pode afiançar que a inquirição de testemunhas não tem interesse para a boa decisão da causa, por isso o despacho que dispensas essa inquirição deve ser revogado e substituído por outro que admita a prova testemunhal oferecida.
Apreciando.
Para melhor compreensão desde segmento do recurso, transcreve-se de seguida na íntegra o despacho que dispensou a inquirição de testemunhas e que contém o seguinte teor:
«DESPACHO
Nos presentes autos, as Partes requereram a produção de prova testemunhal.
Ora, como se verá na sentença a seguir proferida, as alegações da Impugnante relevantes para a apreciação da questão a decidir, são corroboradas pelo relatório da inspeção tributária e encontram-se em consonância com o alegado pela Fazenda Pública na contestação.
Por outro lado, relativamente ao facto dado como não provado pelo Tribunal, nenhuma alegação foi produzida pela Impugnante a respeito do mesmo.
Verifica-se, assim, que para a boa decisão da causa são suficientes os elementos que já constam dos autos, pelo que a produção de outra prova se revela desnecessária e inútil.
Nestes termos:
- Dispenso a inquirição das testemunhas arroladas pelas Partes (artigos 99º, n.º 1 da LGT e 13º, n.º 1 do CPPT);
- Notifique.»

A matéria que a Recorrente pretende demonstrar por prova testemunhal, é matéria que se refere ao projeto apresentado ao IAPMEI; à suspensão da encomenda efetuada à empresa brasileira e não entrega desses equipamentos; e ao conhecimento da Nota de Crédito por parte da «[SCom02...], Lda.ª».
Ora, a matéria em apreço não se mostra controvertida, pois a Administração Tributária aceita que a «[SCom02...], Lda.ª» tomou conhecimento da Nota de Crédito, de acordo com o aludido n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, assim como aceita que a encomenda foi cancelada, bem como o Relatório de Inspeção descreve o que se passou junto do IAPMEI, uma vez que esta entidade foi oficiada para prestar informações, tendo as mesmas ficado mencionadas no RIT, conforme se pode ver pelas págs. 10 e 11 do Relatório de Inspeção (pág. 37 e 38 do pdf que corresponde à digitalização do PA, a págs. 69 do SITAF). E o procedimento junto do IAPMEI não se relata por depoimento testemunhal, mas antes através da informação oficial sobre o dito procedimento (o que foi realizado) ou a través da junção de cópia de tal procedimento.
Para além disso, não alega a Recorrente qual o concreto ponto da matéria de facto que devia ter sido julgado de outro modo, em função da não realização da prova testemunhal.
Assim, atendendo a que não ocorre divergência na factualidade mencionada pelas partes e que a mesma se sustenta em base documental, não se vislumbra necessidade da produção de prova testemunhal.
Face ao exposto, o despacho de dispensa se prova testemunhal, deve ser mantido.
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Por fim, alega a Recorrente que a regularização do IVA a seu favor não constitui um enriquecimento sem causa, sendo que essa regularização é possível, desde que o cliente tenha tido conhecimento da regularização, como foi o caso, pois teve conhecimento da Nota de Crédito, cumprindo o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA.
Mais refere que fez a regularização que era devida da correção do imposto, não podendo ser efetuada a correção do imposto, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, pelo que deve ser anulada a liquidação adicional de IVA.
Quanto a este aspeto, a sentença entendeu que estaria em causa a aquisição de um bem futuro, mas como a compra foi anulada e posteriormente cancelada e os bens nunca chegaram a ser produzidos (portanto não foram adquiridos pela Impugnante), não chegou a haver transmissão de bens. Refere a sentença, que tendo em conta que, nos termos do n.º 2 do artigo 406.º do Código Civil, se a transferência respeitar a coisa futura, o direito apenas se transfere quando a coisa for adquirida, resulta que não se podem considerar adquiridos os bens pela Impugnante, pelo que não os pôde transmitir à «[SCom02...]». Conclui a sentença, que não se verificou uma transmissão de bens para efeitos de IVA, mas o imposto é devido, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA, tendo a Impugnante atuado em conformidade com esta norma.
Refere, ainda, a sentença que a Impugnante não pode efetuar a regularização do IVA, na medida em que a nota de crédito refere devolução de artigos, quando nenhum artigo foi devolvido, pelo que não cumpre o disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA.
Diz, igualmente, a sentença que, quando a sociedade «[SCom02...]» efetuou o pagamento da fatura, ficou com o direito a deduzir o IVA e o que importa acautelar com a regularização pretendida pela Impugnante é a total neutralização do circuito da liquidação e tal desiderato apenas é atingido certificando-se que a sociedade «[SCom02...]» regularizou o IVA a favor do Estado, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º do Código do IVA, de modo a neutralizar o impacto financeiro do montante que teve direito a deduzir.
Afirma a sentença que foi para obviar ao enriquecimento sem causa que o legislador optou pela solução normativa prevista do n.º 5 do artigo 71.º do Código do IVA, por isso não bastava à Impugnante ter dado conhecimento à «[SCom02...]» da nota de crédito, mas cabia-lhe desmontar nos autos que a «[SCom02...]» regularizou o IVA a favor do Estado, de modo a poder regularizar esse IVA a favor da Impugnante.
Apreciando.
Ora, a sentença socorre-se, em grande parte, de um enquadramento jurídico que a Administração Tributária não aplicou.
Assim, o RIT não menciona que a regularização do IVA pretendida pela Impugnante está dependente do facto de a «[SCom02...]» não ter deduzido o IVA, assim como nada diz sobre o regime do n.º 5 do artigo 71.º do Código do IVA, ou sobre eventual enriquecimento sem causa da Impugnante.
Conforme dado por assente no ponto 14) da matéria de facto, a liquidação adicional de IVA foi realizada com base no disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA e com fundameno no facto de os artigos descritos na nota de crédito não terem sido devolvidos, uma vez que nunca foram entregues, por isso não encontra enquadramento no disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA.
Portanto, deve ser apenas com base no enquadramento jurídico configurado pela Administração Tributária, que o Tribunal deve analisar a situação de facto e não estar a acrescentar motivos adicionais para justificar a emissão da liquidação.
Ora, a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, diz o seguinte:
Artigo 2.º (Incidência subjetiva)
1 – São sujeitos passivos do imposto:
(…)
c) As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura;
(Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto)

Segundo Clotilde Celorico Palma, no livro, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 6.ª ed., 2022, Almedina, referindo-se exatamente a esta alínea, escreve: «Compreende-se que o legislador comunitário se tenha preocupado em tornar sujeito passivo do imposto quem mencione IVA indevidamente numa factura. Com efeito, o que se passa nestas circunstâncias é que se está a dar início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes.».

No caso em apreço, nada consta que a empresa a quem foi emitida a fatura, tenha deduzido o imposto. Aliás, essa empresa teve conhecimento de que a fatura foi anulada através da nota de crédito, pelo que, nessa ocasião cessou o direito à dedução.
Para além disso, não se verifica nenhum circuito de transmissão dos bens faturados, até porque nenhuns bens existiam e houve devolução integral do valor que consta da fatura ao emitente desta – vide ponto 11) da matéria de facto alterada. Ainda que essa “devolução”, tenha sido realizada através de um “encontro de contas”, verifica-se que o montante exato da fatura foi creditado a favor da «[SCom02...]»; o que resultou passar esta empresa a ter uma dívida menor junto da Impugnante, precisamente reduzida no exato valor da fatura anulada pela nota de crédito.
Por outro lado, a Administração Tributária nem sequer coloca a hipótese de se tratar de uma fatura emitida apenas com o intuito de realizar a dedução do correspondente IVA. Portanto, em momento algum a Administração Tributária coloca sequer a possibilidade de se estar diante de uma situação de faturação falsa.
Por sua vez, a Inspeção Tributária não sustenta a sua decisão de não admissão da regularização de IVA, no facto de a «[SCom02...]» ter deduzido o IVA ou eventualmente ainda poder efetuar essa dedução. A decisão baseia-se simplesmente no facto de não ter havido devolução de mercadoria, por não ter sido entregue qualquer mercadoria, no momento da emissão da fatura.
Perante o exposto, parece poder concluir-se que, no caso concreto, não há uma cadeia de liquidação de IVA. Na verdade, não ocorreu uma transmissão de bens com a emissão da fatura, mas também não é dito no RIT que essa situação configura um caso de faturas falsas. O RIT diz que a mercadoria não existia na data da emissão da fatura e por isso mencionou indevidamente o IVA, na medida em que apenas com a transmissão do bem é que existe o negócio e nessa ocasião que deve ser liquidado o IVA.
Portanto, a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA deve ser interpretada no sentido de que também é sujeito passivo do imposto quem mencione o IVA indevidamente em fatura, com isso dando início à cadeia de liquidação e dedução de imposto, com os efeitos daí subjacentes.
Na situação em apreço, o RIT não refere que foi dado início a esta cadeia de liquidação e dedução de IVA.
Por isso, entende-se que não haveria motivo para proceder à liquidação adicional de IVA.

No que concerne à regularização pretendida pela Impugnante, cumpre chamar à colação o artigo 78.º do Código do IVA, que dispõe da seguinte forma:
Artigo 78.º (Regularizações)
1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.
2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.
3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.
4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.
5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.
6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
(…)
Em anotação a este artigo veja-se o Código do IVA e RITI – Notas e Comentários, de Clotilde Celorico Palma, António Carlos dos Santos e outros, edição e-book, ano 2021, Almedina, onde a pág. 397, se refere o seguinte:
«No presente artigo, além da regra geral relativa às alterações ou anulação da operação tributável (nº 2), regulam-se em especial, os erros da emissão de faturas (nº 3), a correção de erros materiais ou de cálculo no registo contabilístico ou preenchimento das declarações fiscais (nº 6) e o tratamento dos créditos de cobrança duvidosa e créditos incobráveis (nºs 7 a 12 a rts. 78º-A a 78º-D). Todas as operações foram registadas contabilisticamente, o que origina, com a alteração de valor da operação tributável ou do imposto liquidado, a necessidade de proceder à regularização.
(…)
Perante a anulação da venda ou prestação de serviço, redução do seu valor tributário decorrente de invalidade, resolução ou redução do contrato, nomeadamente, a devolução de mercadorias ou concessão de abatimentos ou descontos em operações já faturadas e registadas, o fornecedor do bem ou prestador de serviço pode retificar o imposto liquidado a mais até final do período seguinte.
Esta regularização – com carácter facultativo – só é, todavia, admitida quando o sujeito passivo tenha prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado o imposto pelo adquirente (nº 5), sob pena de nulidade da dedução efetuada. (…)». Anotação de Amândio Fernandes Silva.

Ainda sobre a regularização do IVA e sua problemática, veja-se um artigo publicado nos Cadernos IVA 2017, edição Almedina, intitulado «A Regularização do IVA nos Bens de Investimento Imobiliário», de Isabel Vieira dos Reis, onde a pág. 315, refere o seguinte:
«A regularização do IVA deduzido pelos sujeitos passivos no âmbito da sua actividade é provavelmente um dos temas mais áridos em matéria de tributação indirecta, não só pela redacção das normas internas, nem sempre fáceis de interpretar, mas também pela complexidade que acompanha o procedimento do IVA [indevidamente] deduzido ao Estado.
A devolução do IVA, obrigatória ou facultativa, consoante seja a favor do Estado ou do sujeito passivo, pode dever-se por diversos motivos, (i) seja porque a operação realizada sofreu alterações nos elementos tomados em consideração para a determinação da dedução no âmbito do artigo 78.º, n.º 1 a 6, (ii) seja porque o crédito do sujeito passivo tornou-se incobrável nos termos do artigo 78.º, n.º 7 a 17, 78.º-A a 78.º-B, (iii) seja porque respeita a bens de investimento, mobiliário ou imobiliário, conforme estabelece o artigo 24.º a 26.º, todos do Código do IVA.».

Portanto, no que concerne à regularização do IVA, pode estar-se diante de uma situação que não é de todo linear, podendo dar azo a divergências de interpretação e aplicação da lei.
Ora, no seguimento da matéria de facto dada como provada, verifica-se que a nota de crédito emitida pela Impugnante, anula integralmente a fatura que havia sido emitida. A nota de crédito foi conhecida e aceite por quem tinha pago a fatura [portanto cumpriu o requisito estabelecido no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA].
Na situação em apreço, a Administração Tributária não ficou com dúvidas acerca da não realização do negócio (aliás, ab initio), nem ficou com dúvidas de que não houve circuito algum com a fatura em apreço. Assim, como não ficou com dúvidas de que não foi deduzido IVA. E também estava em condições de não ter dúvidas que o valor integral da fatura havia sido devolvido à «[SCom02...]» através da nota de crédito, uma vez que no Extrato de Conta das duas empresas, a emitente da fatura (a Impugnante), credita o valor da fatura na dívida que a «[SCom02...]» tem para consigo, dessa forma diminuindo tal dívida.
Por outro lado, o motivo concreto para a anulação da fatura deve constar na nota de crédito para que a Administração Tributária possa verificar se efetivamente ocorreu o facto que a nota de crédito menciona como sendo aquele que deu origem à anulação da fatura. Mas o mais relevante é que o negócio tenha sido efetivamente anulado ou reduzido.
Ora, se atentarmos na redação do n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, o mesmo refere duas situações que permitem a regularização do IVA, que são a anulação da operação e a redução do valor tributável da operação. O demais que o preceito refere, são exemplos sobre o motivo da anulação ou redução da operação.
Reveja-se a redação do preceito em apreço:
2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

Aliás, no Código do IVA e RITI comentado, acima transcrito, refere que o motivo da anulação ou redução da venda decorre, nomeadamente, da devolução de mercadorias, entre outros motivos. Portanto, o importante é que o negócio tenha sido anulado ou reduzido, a indicação concreta do motivo serve para se poder confirmar se o negócio foi ou não efetivamente anulado ou reduzido.
No caso dos autos, a Impugnante indicou a devolução de mercadorias como motivo da anulação da fatura, sendo que a Administração Tributária entendeu que devolução de mercadorias não havia, uma vez que estas não haviam sido entregues. Nessa medida não aceitou a regularização pelo facto de não ter havido devolução de mercadoria, pois era impossível devolver algo que nunca foi recebido.
Não obstante esta asserção ser correta, resulta, sem qualquer margem de dúvidas, para a Administração Tributária e para o Tribunal, que não houve negócio, sem que tal situação configurasse um caso de faturação falsa. Portanto, o motivo da anulação da fatura era conhecido da Administração Tributária: a efetiva não venda de qualquer mercadoria.
Significa isto, que a Administração Tributária pretende liquidar um não facto, ou seja, uma inexistência de facto tributário, sustentando-se apenas numa emissão irregular de uma fatura, que foi anulada, precisamente por não ter havido afinal qualquer negócio.
A anulação ocorreu com a nota de crédito emitida em 30/04/2013, conforme consta do ponto 2) da matéria de facto.
Por sua vez, conforme resulta do ponto 11) da matéria de facto alterada, verifica-se que no «Extrato de Conta – Contabilidade Geral», da «[SCom01...], Lda.ª» em relação à «[SCom02...], Lda.ª» e respeitante ao ano de 2013, que se encontra inscrito um lançamento a crédito no valor de € 617.100,00, a favor da «[SCom02...]»».
Portanto, na contabilidade da Impugnante consta que devolveu à «[SCom02...]»» a quantia que esta havia pago com a emissão da fatura.
Desta forma, não vemos motivo substancial para que não seja admitida a regularização do IVA pretendida pela Impugnante, sendo que a substância, neste caso, deve prevalência sobre a forma.
Em face de tudo o exposto, o recurso merece provimento.
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No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a revogação da sentença e ao facto de a Recorrida não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo desta, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - A alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA deve ser interpretada no sentido de que também é sujeito passivo do imposto quem mencione o IVA indevidamente em fatura, com isso dando início à cadeia de liquidação e dedução de imposto, com os efeitos daí subjacentes.
II – Nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, o motivo concreto para a anulação da fatura deve constar na nota de crédito para que a Administração Tributária possa verificar se efetivamente ocorreu o facto que a nota de crédito menciona como sendo aquele que deu origem à anulação da fatura. Mas o mais relevante é que o negócio tenha sido anulado ou reduzido.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente, anulando a liquidação de IVA impugnada.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
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Porto, 7 de dezembro de 2023.

Paulo Moura
Tiago Miranda
Carlos de Castro Fernandes