Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01034/21.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO;
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL;
DOENÇA DO FORO PSICOLÓGICO CAUSADA POR ACTOS ILÍCITOS DE UM MILITAR DA G.N.R.;
Sumário:
1. Para que um evento seja caracterizado como acidente de serviço deve antes de mais ser um acidente.

2. Se é indicada, como acidente de serviço, a prática de actos ilícitos causadores de uma depressão, ou seja, de uma doença do foro psicológico, trata-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual do Estado, resultante de actos ilícitos praticados por um funcionário, neste caso um militar da GN.R., e não de uma incapacidade resultante de caso fortuito ou inesperado, isto é, de um acidente.

3. A Entidade Demandada ao recusar-se a reconhecer a situação como “acidente de trabalho” não desrespeitou, antes cumpriu a lei, em concreto os dispositivos legais aplicáveis, em particular o disposto no artigo 7º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, e no artigo 8º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 04.11..*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pelo qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção que intentou contra o Ministério da Administração Interna para declaração de invalidade da decisão do Ministro da Administração Interna, de 23.02.2021 que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Autor, da não qualificação de evento como acidente de serviço, assim como para a condenação da Entidade Demandada a tal qualificação e ao pagamento dos consequentes danos.

Invocou para tanto, em síntese, que decisão recorrida errou ao não considerar o evento em causa nos autos como um acidente de serviço, julgando assim a acção totalmente improcedente.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. O aqui Recorrente interpõe as presentes alegações de recurso por discordar, inteiramente, da sentença proferida que julgou totalmente improcedente a ação por si intentada e, nessa sequência, absolveu o Réu, Ministério da Administração Interna, dos pedidos,

II. Na medida em que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, considerou a sentença recorrida não se encontram preenchidos os requisitos para qualificar o evento sofrido como acidente em serviço, nos termos dos artigos 8.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), por remissão do artigo 7.º, n.º1, do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

III. No entanto, não pode, nem deve o aqui Recorrente aceitar o teor de tal decisão, por desprovida de qualquer fundamento, quer legal, quer factual válido,

IV. Vejamos:

V. Conforme resulta do constante dos presentes autos, em 11 de Junho de 2021, intentou, o aqui Recorrente, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., a competente ação especial de impugnação do ato,

VI. Visando o Despacho proferido pelo Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna, datado de 23 de Fevereiro de 2021, no âmbito do processo de acidente em serviço n.º PAS 836/18....

VII. Isto porque:

VIII. Em virtude de, em 07 de Outubro de 2018, o aqui Recorrente ter elaborado uma participação por acidente em serviço,

IX. Participação essa em que, claramente, consta que o mesmo “apresenta um quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa com exacerbação recente, irritabilidade fácil, queixas no domínio cognitivo (nomeadamente falta de concentração e atenção), pensamentos de menos valia e alteração de sono com insónia inicial, reativa a fatores de vivência, nomeadamente laborais (com superior hierárquico direto, o senhor Comandante de Posto)”,

X. Foi-lhe prescrita uma incapacidade absoluta temporária,

XI. Motivo pelo qual, foi determinada pelo Exmo. Comandante da Unidade, Coronel «BB», a abertura do procedimento por acidente em serviço n.º PAS 836/18....

XII. Porém, no seio do processo de acidente em serviço referenciado, para enorme surpresa do aqui Recorrente, foi proferida decisão no sentido de não qualificar o evento por si sofrido como acidente em serviço,

XIII. Razão pela qual apresentou os competentes recursos hierárquicos, primeiramente junto do Comandante geral da Guarda Nacional Republicana e, posteriormente, junto do Ministro da Administração Interna,

XIV. Alegando, em suma, que, contrariamente à posição adotada, o evento sofrido configurava, e ainda configura, um verdadeiro acidente em serviço.

XV. Contudo, tudo o alegado pelo aqui Recorrente não foi devidamente considerado, pois, em 23 de Fevereiro de 2021, foi proferida pelo Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna, negando provimento ao recurso interposto,

XVI. Pelo que, não se podendo o Autor, aqui Recorrente, conformar com o entendimento adotado em tal decisão,

XVII. Principalmente tendo na devida consideração tudo o alegado em sede de recurso apresentado,

XVIII. Mormente, o facto das vivencias laborais que o mesmo sofrera com o seu superior hierárquico, o Senhor Comandante do Posto, 1.º Sargento, «CC», terem configurado nada mais menos do que acontecimentos súbitos, de verificação inesperada e origem externa,

XIX. Até porque, as lesões manifestadas por este último, apesar de não configurarem uma lesão física ou corporal, configuram uma afetação nervosa, mental ou psíquica, sendo causa direta, adequada e necessária das mesmas,

XX. Isto é, a postura adotada pelo seu superior hierárquico, provocou no aqui Recorrente, conforme medicamente comprovado, “sintomatologia ansiosa, socialização, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração e atenção, pensamentos de menos valia e incapacidade e insónia”, o que o incapacitou para o seu exercício profissional,

XXI. Intentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... a competente ação de impugnação do ato administrativo.

XXII. Todavia, realizada a competente Audiência de Discussão e Julgamento, foi, aqui e agora, o mesmo notificado da sentença proferida nos presentes autos, que, de modo inesperado e inusitado, decide julgar improcedente a ação intentada pelo Autor, e nessa sequência, absolver o Réu, Ministério da Administração Interna, dos pedidos,

XXIII. Decisão com a qual não pode, nem deve, mais uma vez, concordar por desprovida de qualquer fundamento, quer legal, quer factual válido.

XXIV. E diz-se que não pode, nem deve, mais uma vez, o aqui Recorrente, concordar por desprovida de qualquer fundamento, quer legal, quer factual válido,

XXV. Pois, salvo o devido respeito por opinião contrária, é notoriamente vislumbrável, na Sentença recorrida, erro de julgamento de direito, por errada interpretação dos artigos 7.º, n.º1 do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de Novembro e 8.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009.

XXVI. No entendimento do aqui Recorrente, o Tribunal a Quo, contrariamente ao que se impunha, atenta a materialidade apurada, proferiu decisão puramente formal, impedindo-o de ver apreciada a sua pretensão, ou seja, de ser feita Justiça Material.

XXVII. Isto porque, o Tribunal a Quo considerou, indevidamente, que o evento sofrido pelo Autor, aqui Recorrente, não é subsumível ao conceito de acidente em serviço,

XXVIII. Quando, de facto, em face da factualidade dada como provada, pode-se afirmar que estão verificados todos os pressupostos para se concluir pela existência dum verdadeiro acidente em serviço e consequente direito à reparação por todos os danos sofridos pelo Recorrente.

XXIX. Decide a sentença recorrida de “uma leitura global do probatório permite inferir que não está em causa uma situação isolada e delimitada num preciso momento temporal, mas sim um conjunto de situações prolongadas no tempo”,

XXX. Conclui-se, assim, que “é entendimento deste Tribunal que a situação do Autor não é enquadrável no conceito de acidente de trabalho”,

XXXI. Até porque, “(...) não se trata de um evento lesivo isolado e súbito, de verificação inesperada, mas sim de um conjunto de situações, perpetuadas num determinado lapso temporal, faltando-lhe, justamente, as características de instantaneidade e verificação inesperada.”

XXXII. Contudo, a interpretação operada pelo Tribunal a Quo dos artigos 7.º, n.º1, do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de Novembro e 8.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009,

XXXIII. Concluindo pela não subsunção da situação vivenciada pelo Autor ao conceito de acidente em serviço, por não se tratar de um evento isolado e súbito, de verificação inesperada,

XXXIV. Faltando-lhe, portanto, as características de instantaneidade e verificação inesperada,

XXXV. Foi totalmente errónea.

XXXVI. Como tal, não pode soçobrar.

XXXVII. Conforme supra referido, o acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal.

XXXVIII. Contudo, o acidente de trabalho em termos naturalísticos pode não ser instantâneo nem violento.

XXXIX. Este é o entendimento que tem vindo a ser defendido na Jurisprudência dos Tribunais Comuns e Superiores, mormente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30 de Maio de 2012, no âmbito do Processo n.º 159/05.0TTPRT.P1.S1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21/11/2001, no âmbito do Processo n.º SJ200111210015914.

XL. Segundo tais decisões:
“No entanto, continua este autor, esta caracterização está longe de ser completa, pois “nem o acontecimento exterior direto e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente”.
Por isso, sustenta este autor que a violência não constitui, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho. E quanto à subitaneidade, que constitui uma característica importante que permite a possibilidade de localizar no tempo o evento lesivo, e por isso distinguir o acidente de trabalho da doença profissional, também este critério não resolve, sozinho, todas as situações da vida real (obra citada, 36 e 37).
Efetivamente, já Veiga Rodrigues sustentava que o carácter repentino do acidente naturalístico não quer dizer que este deva ser instantâneo, pois pode tratar-se dum acontecimento que coincida com o dia de trabalho. E continuando a citar este autor, acidente é qualquer facto ou ocorrência modificadora de um estado físico anterior, sendo que “essa modificação há-de objetivar-se na produção de uma lesão ou doença física ou psíquica, aparente ou não, interna ou externa, profunda ou superficial, de evidenciação imediata ou mediata”.
Donde podermos concluir que o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência dum acidente, entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que lhe provoque uma lesão na saúde ou na sua integridade física e que este evento ocorra no tempo e no local de trabalho.
Mas estes requisitos podem não aparecer de forma tão nítida e evidente em todas as situações” (sublinhado e negrito nossos) - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30 de Maio de 2012, no âmbito do Processo n.º 159/05.0TTPRT.P1.S1.
“No caso dos autos, o ponto de divergência prende-se com o requisito «subitaneidade», que, assim, importa analisar.
O acontecimento súbito traz consigo a ideia de «repentino», «instantâneo», «imediato», mas cumpre acautelar que tal ideia não pode ser entendida em termos absolutos, devendo antes aproveitar-se para associar-lhe a ideia de duração curta e limitada
E estando o evento limitado no tempo, aliado à característica da sua imprevisibilidade, própria do acidente, é de concluir estarmos, no caso em apreciação, perante um acidente de trabalho e não em face de uma doença profissional (...)".
Quanto à primeira, como se viu, a subitaneidade não é sinónimo de facto instantâneo, mas tão-só de facto limitado no tempo, de curta duração” (sublinhado e negrito nossos) - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21/11/2001, no âmbito do Processo n.º SJ200111210015914.

XLI. Versando-nos sobre a situação em concreto, resulta claro, nomeadamente da matéria dada como provada na sentença recorrida, que o Autor, aqui Recorrente, foi sujeito a conjunto de situações de tensão criadas e ocorridas, unicamente pelo 1.9 Sargento «CC»,

XLII. Superior hierárquico do Autor, prolongadas num determinado lapso temporal,

XLIII. Estando-se assim na presença do conceito de ato continuado, que culmina em consequências, como as em juízo na situação em apreço,

XLIV. Isto é, os vários comportamentos perpetrados pelo 1.9 Sargento «CC», ocorreram ao longo de mais de um ano,

XLV. E tiveram, por consequência direta, necessária e causal uma alteração significativa do foro psíquico do Autor, aqui Recorrente, com várias patologias, melhor referenciadas nos elementos clínicos juntos aos autos.

XLVI. Ora, como é de lógica assunção, é certo que não estamos perante um acontecimento súbito e repentino (na forma tabelar que é encarada na sentença recorrida), embora repentino,

XLVII. Pois tratou-se de um episódio que perdurou durante algum tempo – e quando se diz episódio que durou algum tempo, deve-se entender não da forma que o é feito na sentença recorrida como uma globalidade de comportamentos, mas, isso, sim, como um comportamento/conduta única que foi perpetrada pelo superior hierárquico do aqui Recorrente, e que se veio a manifestar em diversos episódios, cada um intensificando, ainda mais, a alteração significativa do foro psíquico do Autor.

XLVIII. No entanto, o caráter repentino do acidente não quer dizer que este deva ser instantâneo, como sustenta Veiga Rodrigues – já citado –

XLIX. Pois, a ideia de subitaneidade do evento não deve ser entendida em termos absolutos, mas no sentido de evento de duração curta e limitada, não sendo subitaneidade sinónimo de facto instantâneo ou momentâneo, mas tão só de facto limitado no tempo, de curta duração.

L. Desse modo, sempre se dirá que, atenta a materialidade apurada, se conclui pela existência dum acidente em serviço, contrariamente à posição vertida na sentença recorrida.

LI. Pode suceder que os efeitos do acidente de trabalho não sejam, percetíveis de imediato, ou seja, não significa que o evento não decorra durante um período de tempo, isto é, que apresente uma” marcha progressiva”.

LII. Isto a significar que o Autor, tendo tudo o constante nos autos em devida consideração, sofreu um evento lesivo em sentido naturalístico, perfeitamente limitado no tempo, uma vez que se perdurou por mais de um ano, e, como tal deve ser considerado como um verdadeiro acidente em serviço.

LIII. A não considerar a situação do aqui Recorrente como acidente em serviço O Tribunal a Quo fê-lo numa decisão puramente formal impedindo-o de ver apreciada a sua pretensão,

LIV. Ou seja, de ser feita Justiça Material, como com toda a certeza. V/Exa. Colendos Desembargadores o farão revogando a decisão recorrida.

LV. Pois, a não ser assim, o que não se concede, é caso para dizer que o Autor/Recorrente “é preso por ter cão, e por não ter cão”.

LVI. Nessa conformidade, e sem necessidade de mais amplas considerações, entende o aqui Recorrente que deve ser a sentença recorrida revogada, e, nessa sequência, proferida nova decisão no sentido de considerar a situação vivenciada por este último, como um verdadeiro acidente em serviço,

LVII. Devendo, assim, o Réu, Ministério da Administração Interna, ser condenado à qualificação do evento como acidente em serviço e no ressarcimento dos danos causados, conforme peticionado, conforme V/Exas., Venerando Desembargadores, certamente decidirão, só assim se fazendo inteira Justiça Material.

Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerando Juízes Desembargadores:

A) Julgar procedente o presente Recurso Jurisdicional, revogando a Sentença recorrida,

B) E, em consequência, proferida nova decisão no sentido de considerar a situação vivenciada por este último, como um verdadeiro acidente em serviço, devendo, assim, o Réu, Ministério da Administração Interna, ser condenado à qualificação do evento como acidente em serviço e no ressarcimento dos danos causados, conforme peticionado.




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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) O Autor é Guarda-Principal da Guarda Nacional Republicana, desempenhando as suas funções no Posto Territorial ..., pelo menos desde o ano de 2017 – facto não controvertido.

2) No ano de 2017, foi colocado no Posto Territorial ..., como superior hierárquico do Autor, o 1.º Sargento «CC» facto não controvertido.

3) Em setembro de 2017, o 1.º Sargento «CC» reuniu com os seus subordinados para estabelecer objetivos a serem atingidos prova por declarações de parte e prova testemunhal.

4) Na mesma reunião, o 1.º Sargento «CC» determinou que o não cumprimento dos objetivos referenciados no ponto anterior tinha consequências na elaboração das escalas e trocas de serviço dos guardas do Posto Territorial ... prova por declarações de parte e prova testemunhal.

5) Não é modus operandi da GNR fixar objetivos a serem alcançados pelos seus guardas prova por declarações de parte e prova testemunhal.

6) No período de chefia do o 1.º Sargento «CC», foi afixado, no Posto Territorial ..., em local de visibilidade pública, um quadro com fotografias dos guardas e um código de cores com referência às trocas de serviço destes prova por declarações de parte e prova testemunhal.

7) Em 14-11-2017, o 1.º Sargento «CC» enviou e-mail aos seus subordinados, entre o mais, com o seguinte conteúdo:

“(...) Junto se envia para conhecimento do efetivo a nova NEP que regula as férias do militar.
Em resumo os militares da GNR passam a ter direito a 22 dias de férias aos quais acresce 1 dia por cada 10 anos de serviço e ainda pode acrescer até 3 dias dependendo da avaliação do militar (ver 3.b(3)).
Aproveito ainda para, mais uma vez, alertar o efetivo de que os resultados operacionais do Posto estão aquém do desejado,
Infelizmente nem todos os militares perceberam a mensagem que foi passada na reunião e andam uns a trabalhar para os outros. Uma coisa vos posso garantir, estou atento e sei reconhecer o mérito a quem o tem! No entanto e como somos uma equipa, por vezes podemos ser prejudicados pela falta de desempenho de alguns elementos dessa mesma equipa.
Cultura geral (definição):
Parasitas ou parasitos são organismos que vivem em associação com outros dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro, um processo conhecido por parasitismo. O termo parasita descende do latim parasitus que, por sua vez, deriva do grego nopácmoç (parásitos), ou seja, "aquele que come na mesa de outrem” (...)”
- Cfr. Anexo 1 a p. 147 e ss. do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8) Em 09-04-2018, o 1.º Sargento «CC» enviou e-mail aos seus subordinados, entre o mais, com o seguinte conteúdo:

“(...) Desempenho individual - Objetivos para 2018
1) Como bem se recordam, em SET17, por ocasião da reunião de apresentação deste comando ao efetivo do Posto Territorial ..., foram delineados objetivos no que concerne ao desempenho individual dos militares, objetivos estes que todos concordaram que eram o mínimo do que se poderia exigir a um militar da Guarda no desempenho da sua missão de patrulhamento.
2) Na mesma reunião foram elencados e analisados pormenorizadamente os direitos e os deveres de todos os militares da Guarda, inclusive os deveres incumbidos ao Comandante do Posto.
3) Foi também feita a distinção entre direitos e benesses (benesse significa um benefício ou um ganho, não é um direito, é o género de um prémio).
4) Ora, terminado o período de adaptação à ação de comando exercida do signatário (entre SET17 e DEC17) e terminado também o 1.º trimestre do presente ano de 2018, importa analisar os dados relativos ao desempenho individual dos militares deste Posto.
5) Posto isto, relativamente ao desempenho individual dos militares deste Posto referente ao 1.º trimestre de 2018, é com deceção e frustração que se verifica o seguinte:
a) Durante o 1.º trimestre de 2018 foram apenas realizadas 11 detenções em flagrante delito, sendo que as mesmas foram realizadas por 8 militares, ou seja, cerca de metade do efetivo que efetua serviço de patrulha nunca efetuou uma detenção em flagrante delito;
b) No que respeita aos processos de droga, apenas 4 militares elaboraram processos deste género;
c) No que respeita às contraordenações, apenas 3 militares cumpriram os objetivos estabelecidos (objetivos estes que todos concordaram que eram o mínimo dos mínimos do exigível a um patrulheiro).
Face ao acima exposto, determino aos militares que se encontram na situação de incumprimento dos objetivos delineados para o ano de 2018, que, por ocasião da apresentação ao Comandante do Posto para iniciar ou terminar o serviço diário para o qual se encontram escalados, apresentem justificação para tal incumprimento.
Mais se informa que mediante as justificações apresentadas (ou falta delas), sem prejuízo dos direitos legalmente previstos dos militares, o signatário irá alterar de forma significativa o método de elaboração da escala do Posto. (...)”
- Cfr. Anexo 4 a p. 147 e ss. Do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9) Em 16-05-2018, o 1.º Sargento «CC» enviou e-mail aos seus subordinados, entre o mais, com o seguinte conteúdo:

“(...) DETERMINAÇÃO
A partir desta data, os militares que se encontram escalados de serviço de patrulha, ou de atendimento ao público, ficam proibidos de tomar refeições fora das instalações do Quartel. O Quartel dispõe de todas as condições necessárias para a confeção de refeições.
Caso não pretendam confecionar refeições no Quartel, podem adquirir alimentação em qualquer estabelecimento de restauração "take away" e toma-la nas instalações da Guarda.” (...)”
- Cfr. Anexo 5 a p. 147 e ss. do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10) Em 07-10-2018, o Autor efetuou uma participação junto do Réu, entre o mais, com seguinte conteúdo:

“(...) PARTICIPAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO (...) Data 25-07-2018
Local: Posto Territorial ...
Circunstâncias da ocorrência:
Incapacidade para actividade profissional, conforme certificado de incapacidade temporária para o trabalho, em resultado dos factos que constam no processo disciplinar n.º ...49....
Eu, «AA», apresento um quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa, somatização com agudização recente, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração, atenção, pensamentos de menos valia e alteração do sono com insónia. De referir que a minha condição clínica é relativa a factores vivências, nomeadamente laborais (com o meu superior direto, o Senhor Comandante de Posto). (...)”
cfr. despacho a fls. 3 do processo administrativo (doravante PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11) Na sequência da participação identificada no ponto antecedente, em 12-10-2018, os serviços do Réu desencadearam um procedimento “por acidente de serviço” – cfr. despacho a fls. 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12) Em 13-05-2020, em resposta à participação referida nos pontos antecedentes, pelos serviços do Réu foi proferida informação, entre o mais, com o teor seguinte:

“(...) I
SINOPSE JURÍDICA E REFERENCIAL
1. Dos autos, e ao contrário do que seria expetável, não resulta claramente a data de verificação do alegado evento lesivo.
2. Com efeito, por um lado, o sinistrado, aquando do preenchimento do verso do ANEXO 1 - Participação e Qualificação do Acidente de Trabalho, registou como data, do incidente, o dia 25JUL18 (fls.3v).
3. Por outro lado, em sede de auto de inquirição, o militar mencionou que o evento lesivo se terá verificado em 20JUL18 (fls. 15).
4. Não obstante, e ainda em relação ao teor das declarações prestadas pelo sinistrado, o mesmo alega também que, desde SET17, se começou a sentir humilhado pelo novo Comandante de Posto, aquando do início de funções (fls. 15).
5. Acresce, para os devidos efeitos, que, nos termos do exarado no verso do ANEXO 1 - Participação e Qualificação do Acidente de Trabalho, o sinistrado alega que a sua incapacidade para a atividade profissional resulta dos factos que constam no processo disciplinar n.º ...49..., que corre os seus termos na respetiva Unidade, cujo objeto incide acerca do relacionamento entre o Comandante de Posto e os seus subordinados (fls. 3v).
6. O sinistrado refere, em sede de auto de inquirição, que terá sido a partir do episódio ocorrido em 20JUL18 que começou a ser seguido peia especialidade de psiquiatria (fls. 15).
7. Neste sentido, o militar fez entranhar nos autos dois relatórios médicos, da especialidade de psiquiatra, datados, respetivamente, de 11 SET 18 e de 290UT18, que atestam que tem sido acompanhado clinicamente no âmbito psiquiátrico, mas sem que estabeleça, objetiva e inequivocamente, o nexo de causalidade entre o evento lesivo alegado e as consequências patológicas de que o militar padece (fls. 04 e 13).
8. Aliás, neste sentido, é mister atentar que, nos supracitados relatórios, o médico especialista limita-se a mencionar que “Segundo refere [o sinistrado] a sua condição clínica é reativa a fatores vivenciais, nomeadamente laborais (com o seu superior) ”, sem que, contudo, ateste a existência de nexo de causalidade entre a condição clínica e os acontecimentos alegados (fls. 04 e 13).
9. No ANEXO II - Boletim de Acompanhamento Médico (BAM), datado de 07AGO18, é referido em circunstâncias da ocorrência “Perturbação de afastamento (...) Reações ao stress grave e perturbações de ajustamento”, e em sintomatologia e lesões diagnosticadas. '‘Sintomatologia ansiosa, socialização, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração e atenção, pensamentos de menos valia e incapacidade e insónia" (fls. 17),
10. Do alegado evento lesivo resultou a prescrição de incapacidade temporária absoluta para o sinistrado, não tendo sido, ainda, prescrita alta médica (fls. 17 e verso).
11. No Relatório de Instrução, datado de 08NOV18, o Oficial Instrutor do Processo propõe que o mesmo deverá ser arquivado por extemporaneidade e por falta de elementos que permitam atestar a existência de um acidente em serviço (fls. 19 a 21).
12. Posicionamento sufragado pelo Comandante do Comando Territorial de ..., no seu Despacho de 09NOVÍ8 (fls. 23).
13. Após a devida análise dos autos, esta Divisão entendeu que no caso sub judice o procedimento padecia de vícios de natureza substanciai e processual que, decisivamente, e em uníssono, inquinavam a pretensão do sinistrado, que seria, nitidamente, a de beneficiar do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
14. Conforme se menciona de forma mais detalhada na Informação n.º 439/19, de 14FBV19, da Direção de Justiça e Disciplina (DJD), submetida a Despacho, de 14MAR19, do Excelentíssimo 2.º Comandante-Geral, para cujo teor se remete, por um lado, do ponto de vista substancial, os pressupostos que permitem a qualificação, ou pelo menos o registo, do evento lesivo não se encontram reunidos, já que é duvidoso que exista um evento em sentido naturalístico (fls. 26 a 32),
14.1. Note-se, ainda, que no cenário sub judice não se consegue precisar, em concreto a data de verificação do evento: se desde setembro de 2017, se em 20JUL18 ou se, ao invés, em 25JUL18;
14.2. Para além disso, o sinistrado não precisa os factos que concretamente se verificaram, já que, no verso do ANEXO I não faz qualquer referência aos factos concretos e, em sede de auto de inquirição, alega que terá sido a partir do evento de 20JUL18 que terá começado a ser seguido psiquiatricamente, quando, no entanto, e simultaneamente, refere que o alegado evento agravou o seu estado psíquico;
14.3. Daqui suscitam-se diversas questões que os autos não esclarecem, nomeadamente se o sinistrado já se encontrava com problemas psiquiátricos, e em caso afirmativo, se já tinha informado a entidade patronal nomeadamente o serviço de saúde da Guarda Nacional Republicana, dessa patologia;
14.4. Para além disso, e mesmo que se considere, em concreto, a data de 20JUL18 ou de 25JUL18, a verdade é que teremos de atestar, numa ótima externa, e aos olhos de um homem médio, de que forma o evento lesivo é causa adequada a produzir o transtorno psiquiátrico que o sinistrado alegadamente padece, o que, por si só, transfere a análise para o campo do nexo de casualidade entre o evento e a lesão.
15. Por outro lado, no âmbito processual, e com clara expressão, a participação do evento lesivo é extemporânea, já que o verso do ANEXO l - Participação e Qualificação do Acidente de Trabalho, faz menção a um evento lesivo, alegadamente ocorrido em 25JUL18, mas que só terá sido participado pelo sinistrado em 07OUT18.
15.1, Ou seja, o hiato temporal decorrido entre o alegado evento lesivo, ocorrido em 25JUL18, e a data em que o sinistrado oficializa a participação do acidente de trabalho, em 07OUT18, ultrapassa, largamente, o período, imperativo, legalmente estabelecido de 2 (dois) dias úteis, nos termos do n.º 1 e 4 do art.º 8.° do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro;
15.2. Tal cenário de extemporaneidade da participação mantém-se, e aliás, ainda mais se intensifica, caso se alegue que o evento lesivo ocorreu em 20JUL18 e não em 25JUL18, conforme avançado pelo sinistrado em sede de auto de inquirição;
15.3. E que não se diga, no entanto, que a 20JUL18, ou a 25JUL18, o sinistrado se encontrava impossibilitado de discernir os efeitos psiquiátricos resultantes do evento alegadamente ocorrido, já que, por um lado, o sinistrado alega, em sede de auto de inquirição, que foi o episódio ocorrido em 20 de julho de 2018, que efetivamente conduziu o sinistrado a ter da participar o evento como incidente em serviço. Acrescentando que foi a partir deste evento que começou a ser seguido por médica psiquiátrica (...)” e, por outro lado, não obstante o BAM, datado de 07AGO18, e o relatório médico, datado de 11 SET 18, nos quais se faz o diagnóstico do quadro de transtorno psiquiátrico apresentado pelo militar, o mesmo não logrou, nos dois dias uteis seguintes, formalizar a participação de acidente (fls. 15).
16. Assim, por força do Despacho, de 14MAR19, do Excelentíssimo 2,° Comandante-Geral, exarado na Informação n.º 439/19, de 14FEV19, da DJD, uma vez que o projeto de decisão se revelava desfavorável ao sinistrado, foi concedida audiência prévia ao sinistrado, nos termos do constante nos artigos 121º e seguintes do CPA, por remissão do art.º 53.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro (fls. 31 e 32).
17. Com efeito, tanto o sinistrado como o seu mandatário judicial foram devidamente notificados do sentido provável da decisão, tendo sido apresentada a Audiência Prévia, para cujo teor se remete integralmente (fls. 33, 34 e 36 a 42).
18. Na referida peça processual, elaborada pelo mandatário judicial do sinistrado, alega-se, grosso modo, o seguinte:
18.1. Que, conforme consta dos relatórios médicos insertos nos autos, o sinistrado sofre de uma sintomatologia ansiosa, do foro psíquico, sendo notório, e como tal, não carece de prova, que isso advém de um conjunto de situações de stress e tensão criadas e ocorridas, no relacionamento entre o militar e o Comandante de Posto, seu superior hierárquico, não num curto período de tempo, mas prolongadas no tempo;
18.2. Que, foram os comportamentos do superior hierárquico que tiveram por consequência direta, necessária e causal uma alteração significativa do foro psíquico do sinistrado, estando, portanto, o quadro de sintomatologia depressiva e ansiosa do militar diretamente relacionada com o foro laborai;
18.3. Que, o evento sofrido pelo sinistrado não pode ser entendido como um evento súbito, mas sim como um evento continuado, uma vez que se perdurou por mais de um ano, perfeitamente limitado no tempo;
18.4. Que, as lesões do sinistrado, apesar de não configurarem uma lesão física ou corporal em sentido estrito, configuram, sim, uma afetação nervosa, mental ou psíquica, sendo causa direita, adequada e necessária das mesmas;
18.5. Por fim, relativamente à extemporaneidade, volta-se a frisar que uma vez que está em causa um ato continuado, a referência â data de 25JUL18 feita pelo sinistrado não passa por ser mais do que um relato de um dos vários comportamentos de que o sinistrado foi vítima por parte do seu superior hierárquico, frisando-se, ainda, que não houve um evento lesivo que terá causado as lesões no militar, mas sim uma série de múltiplas situações que culminaram na sua atual situação clínica.
II
ANÁLISE
1. Conforme referido na Informação n.º 489/19 de 20 de fevereiro de 2019, desta Direção, para que se verifique um evento lesivo em sentido naturalístico - prossuposto essencial para a qualificação de um evento como acidente em serviço - tem de se verificar uma causa súbita, imprevista e de duração curta e limitada no tempo, com efeitos traumáticos quase imediatos e não previsíveis.
2. Ora, no caso em análise, o próprio refere que as patologias do foro psíquico diagnosticadas não são consequência de um episódio isolado, súbito, com efeitos quase imediatos, mas sim de um conjunto de situações prolongadas no tempo, o que não se coaduna com a definição de evento lesivo em sentido naturalístico, conforme defendido pela Doutrina e Jurisprudência dominantes.
3. Deste modo, não se verificando a existência de um evento em sentido naturalístico, não se encontram preenchidos os pressupostos dos acidentes em serviços previstos no n,.º 1 do art.º 8.º da Lei n° 98/2009, de 04 de setembro (LAT), por remissão do art.º 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
4. Quanto muito, os fatos relatados pelo militar poderão, eventualmente, corresponder à definição de doença profissional.
5. Enquanto que o acidente de trabalho é um evento isolado, que ocorre de forma súbita e imprevista, a doença profissional surge de modo lento devido a uma ação continuada de um agente nocivo.
6. Contudo, o diagnóstico e a caraterização de uma doença como profissional é da responsabilidade dos serviços médicos do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, nos termos do art.º 26.º n.º 1 e art.º 27.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
7. Deste modo, uma vez que o evento lesivo tem de assumir urna causa súbita, imprevista e de duração curta e limitada no tempo, pura ser suscetível de qualificação como acidente em serviço, acresce a importância da conformidade processual relativamente ao limite temporal imperativo de participação, legalmente estabelecido, de 2 (dois) dias úteis, nos termos do n.º 1 e 4 do art.º 8.° do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, cujo incumprimento implica necessariamente a extemporaneidade da mesma.
8. Por fim, e sem prejuízo da veracidade dos relatórios médicos acerca do atual quadro sintomatológico do sinistrado, cujo teor nunca foi atentado ou colocado em dúvida, na verdade deverá, igualmente, realçar-se que os mesmos, em momento algum, estabeleceram um qualquer nexo de causalidade entre as patologias de que o militar é portador e as situações específicas alegadamente ocorridas no relacionamento laboral, o que, per si, deixa em aberto que outras causas extremas, completamente alheias à relação laborai, possam ter interferido no estado mental do militar, desprovendo-o da capacidade de discernir o cumprimento das ordens superiormente emanadas, do exercício das especiais funções policiais e do enquadramento na hierarquia militar que é inerente à sua condição.
9. E, nesta esteira, remete-se para a sede própria, a instrução do processo disciplinar n.º ...49..., a busca da verdade material acerca dos alegados episódios de conflito entre o sinistrado e o seu superior hierárquico.
Face ao exposto, a Divisão de Procedimentos Não Sancionatórios e de,
III
PARECER
1. Considerando os elementos fácticos e probatórios entranhados nos autos, conclui-se que não se encontram reunidos os pressupostos que caraterizam os acidentes em serviço, pois que, os pressupostos que permitem a qualificação, ou pelo menos o registo, do evento lesivo não se encontram reunidos, já que, por um lado, do ponto de vista substancial, não existe um evento cm sentido naturalístico, e, por outro lado, do ponto de vista processual, a participação deverá ser entendida como extemporânea.
2. Deste modo, não estando reunidos os requisitos legais expressos no n.º 1 do art.º 8.° da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (atual Lei dos Acidentes de Trabalho - LAT), por remissão do n.º 1 do art.º 7,° do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e, uma vez que já foi dada oportunidade ao sinistrado de se pronunciar, em sede de audiência de interessados, conclui-se que o evento lesivo sub judice não poderá ser qualificado como acidente em serviço.
3. Devolva-se o Processo à Unidade para notificação do sinistrado, e do seu ilustre mandatário, do Despacho que merecer a presente informação.
Nestes termos,
Vai o presente concluso ao superior conhecimento, apreciação e subsequente decisão vinculativa. (...)”

- Cfr. fls. 48 a 55 do PA e documento a p. 214 a 221 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13) Sobre a informação identificada no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do 2.º Comandante Geral, em 20-05-2020 - Cfr. fls. 48 a 55 do PA e documento a p. 214 a 221 do SITAF.

14) Em resposta ao despacho identificado nos pontos precedentes, em 02-07-2020, o Autor apresentou, junto do Réu, recurso hierárquico - Cfr. fls. 62 a 81 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15) Em 17-02-2021, em resposta ao recurso hierárquico supra referido, pelos serviços do Réu foi proferida informação com o teor seguinte:

“(...) Enquadramento
1. «AA», Guarda Principal Cabo NM ... da Guarda Nacional Republicana (GNR) vem interpor recurso hierárquico do despacho do 2.º Comandante Geral da GNR, de 20 de maio de 2020, exarado na Informação n.º 1422/20, de 7 de maio, da Direção de Justiça e Disciplina da GNR (DJD) que não qualificou o incidente participado como acidente ocorrido em serviço.
2. O processo administrativo por acidente de serviço n.º PAS 836/18 ... foi instaurado na sequência da participação do ora recorrente, de 7 de outubro de 2018, na qual o mesmo descreveu, a título de incidente, o seguinte:
" Incapacidade para atividade profissional conforme certificado de incapacidade temporária para o trabalho, em resultado dos factos que constam no processo disciplinar n.º ...49....
Eu, «AA», apresento um quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa e somatização com agudização recente, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração, pensamentos de menos valia e alteração do sono com insónia.
De referir que a minha condição clínica é reativa a fatores, vivências, nomeadamente laborais (com o meu superior direto, o Senhor Comandante do posto)."
3. Instruído o processo de sanidade foi o mesmo analisado pela DJD que emitiu a Informação Complementar n.º 1422/20, de 7 de maio de 2020, na qual entende que não se encontram reunidos os pressupostos que caracterizam os acidentes em serviço, consagrados no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, por remissão do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e que, tendo sido dada oportunidade ao sinistrado para se pronunciar em sede de audiência de interessados, poderia ser emitida decisão no sentido de o evento lesivo sub judice não ser qualificado como acidente em serviço.
4. Nos termos e com os fundamentos da mencionada Informação Complementar n.º 1422/20, de 7 de maio de 2020, da DJD, o 2.º Comandante Geral da GNR proferiu despacho, a 20 de maio de 2020, não qualificando o evento lesivo como acidente de serviço.
5. No recurso agora em análise, o Recorrente vem, além do mais e em síntese, alegar que a decisão recorrida desconsiderou os relatórios médicos apresentados que evidenciam que a sua sintomatologia depressiva é grave e está diretamente relacionada com o foro laborai, que o evento sofrido não pode ser entendido como um evento súbito, mas sim, como um evento continuado, e que as ações do Comandante do Posto configuram acontecimentos súbitos, de verificação inesperada e origem externa.
6. A entidade recorrida pronunciou-se sobre o recurso, através de despacho do Comandante GeraldaGNRde21dejulhode 2020, exarado no Parecer n.º 134/20, de 17 de julho da DJD, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
7. Consultada para o efeito, a Direção de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (DSAJCPL) emitiu o Parecer n9 455-D/2020, de 55 de agosto, no qual analisa o processo, adere integralmente à posição da entidade recorrida e conclui que Sua Excelência o Ministro da Administração Interna poderá, caso concorde, negar provimento ao presente recurso com os fundamentos detalhadamente desenvolvidos no referido Parecer n.º 134/20,de 17 de julho, da DJD.
Proposta
8. Visto o processo, considerando a pronúncia da entidade recorrida expressa no Parecer n.º 134/20, de 17 de julho, da DJD e o referido Parecer da DSAJCPL, seus termos e fundamentos, poderá Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, concordando, negar provimento ao presente recurso hierárquico e determinar que seja comunicado o despacho que vier a proferir ao Comando Geral da GNR que notificará o Recorrente e o seu ilustre Mandatário conforme vem proposto. (...)”
-
Cfr. fls. 120 e 121 do PA e documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16) Sobre a informação identificada no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Ministro da Administração Interna em 23-02-2021- Cfr. fls. 120 e 121 do PA e documento n.° ... junto com a PI.

17) O despacho identificado no ponto antecedente foi comunicado ao Autor em 12­03-2021 - Cfr. fls. 123 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Mais se provou que:

18) No período compreendido entre 25-07-2018 e 07-08-2018, ao Autor foi certificada incapacidade temporária para o trabalho por doença – cfr. certificado, junto como documento n.° ... com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19) Pelo menos no período compreendido entre abril de 2018 e junho de 2020, o Autor tomou a seguinte medicação: Loflazepato de etilo, Victan; Trazodona; Magnésio Rapid; Valeriana (raiz); Escitalopram; Paracetamol – cfr. conjugação de prescrições médicas, juntas como documento n.° ... com a PI e documento a p. 199 a 210 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com prova por declarações de parte e prova testemunhal.

20) Em 11-09-2018, pela Dra. «DD», médica psiquiatra, foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico
O paciente «AA» com o Cartão de Cidadão n° ... vindo a ser acompanhado em consulta de Psiquiatria neste Hospital com o diagnóstico de Reação de Ajustamento com sintomas ansiosos desde julho do corrente ano.
O paciente apresenta um quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa e somatização com agudização recente, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração e atenção, pensamentos de menos valia e alteração do sono com insónia. Segundo refere a sua condição clínica é reativa a fatores vivenciais, nomeadamente laborais (com o seu superior).
Na última consulta, foi feito ajuste terapêutico, encontrando-se medicado com Trazodona 100 mg (1 cp ao deitar), Livetan 500 mg (1+0+1), Loflazepato de Etilo 2 mg (2x/dia e em sos) e Magnésio (1 cp/dia).
O paciente tem uma atividade profissional considerada de risco (GNR), não se encontrando estabilizado psicopatologicamente, pelo que sou do parecer, que não se encontra apto para o exercício da sua atividade profissional.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo este relatório médico que dato e assino e vai com o carimbo do Hospital.”
– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21) Em 29-10-2018, pela Dra. «DD», médica psiquiatra, foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico
O paciente «AA» com o Cartão de Cidadão n° ... vindo a ser acompanhado em consulta de Psiquiatria neste Hospital com o diagnóstico de Reação de Ajustamento com sintomas ansiosos (F43 - Reações ao “Stress” Grave e Perturbação de Ajustamento - Classificação Internacional de Doenças 10a edição (CID-10), desde julho do corrente ano.
O paciente apresenta um quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa com somatização, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração e atenção, pensamentos de menos valia e incapacidade e alteração do sono com insónia.
Segundo refere a sua condição clínica é reativa a fatores vivenciais, nomeadamente laborais (com o seu superior).
Na última consulta, foi feito ajuste terapêutico, por manutenção de sintomatologia exacerbada, encontrando-se medicado com Escitalopram 10 mg (1+0+0), Trazodona 100 mg (1 cp ao deitar), Livetan 500 mg (0+0+1), Loflazepato de Etilo 2 mg (2x/dia e em sos) e Magnésio (1 cp/dia).
O paciente tem uma atividade profissional considerada de risco (GNR), não se encontrando estabilizado psicopatologicamente, pelo que sou do parecer, que não se encontra apto para o exercício da sua atividade profissional.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo este relatório médico que dato e assino e vai com o carimbo do Hospital.”

– cfr. documento n.º ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22) Em 28-11-2018, pelo Dr. «EE», médico psiquiatra do Hospital das Forças Armadas - ... (Hospital ...), foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico n.º 517/SERVIÇO de PSIQUIATRIA/2018, de 28 de Novembro de 2018
Para os devidos efeitos se declara que o Doente, «AA», nascido a .../.../1979, beneficiário da SAD/GNR n° ...01, é acompanhado nesta consulta de Psiquiatria por Perturbação de Adaptação, sendo classificado segundo a rúbrica F43.2 da Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (OMS). Faz Psicoterapia e Psicofarmacoterapia.
Em nosso entender este Militar deve ser inibido do uso e porte de armas.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo o presente relatório, confidencial, que dato e assino.”

– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23) Em 29-11-2018, pela Dra. «DD», médica psiquiatra, foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico
O paciente «AA» com o Cartão de Cidadão n° ... vindo a ser acompanhado em consulta de Psiquiatria neste Hospital com o diagnóstico de Reação de Ajustamento com sintomas ansiosos (F43 - Reações ao "Stress’ Grave e Perturbação de Ajustamento - Classificação Internacional de Doenças 10'1 edição (C1D- 10), desde julho do corrente ano.
Segundo refere a sua condição clínica é reativa a fatores vivenciais, nomeadamente laborais (com o seu superior).
O paciente mantém quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa com somatizaçâo, desmotivação, irritabilidade fácil, pensamentos de menos valia e incapacidade e alteração do sono.
Encontra-se medicado com Escitalopram 10 mg (1+0+0), Trazodona 100 mg (1 cp ao deitar), Livetan 500 mg (0+0+1), Loflazepato de Etilo 2 mg (2x/dia e em sos) e Magnésio (1 ep/dia).
O paciente tem uma atividade profissional considerada de risco e uma vez que a sua condição clínica está relacionada com o seu local de trabalho, sou do parecer não se encontra apto para retomar a sua atividade profissional sob pena de agravamento do seu quadro psicopatológico.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo este relatório médico que dato e assino e vai com o carimbo do Hospital.”

– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24) Em 03-01-2019, pelo Dr. «EE», médico psiquiatra do Hospital das Forças Armadas - ... (Hospital ...), foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico n.º 569/SERVIÇO de PSIQUIATRIA/2018, de 03 de Janeiro de 2019
Para os devidos efeitos se declara que o Doente, «AA», nascido a .../.../1979, beneficiário da SAD/GNR n° ...01, é acompanhado nesta consulta de Psiquiatria por Perturbação de Adaptação, sendo classificado segundo a rúbrica F43.2 da Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (OMS). Faz Psicoterapia e Psicofarmacoterapia.
Em nosso entender e por motivos psicopatológicos esta Doente encontra-se incapacitado para o desempenho das suas atribuições profissionais, devendo manter-se em convalescença no domicílio mas podendo ausentar-se do mesmo, mais se declara que se deve manter inibido do uso e porte de armas.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo o presente relatório, confidencial, que dato e assino.”

– cfr. documento n.º ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

25) Em 09-05-2019, pelo Dr. «EE», médico psiquiatra do Hospital das Forças Armadas - ... (Hospital ...), foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico n.º 222/SERVIÇO de PSIQUIATRIA/2019, de 09 de Maio de 2019
Para os devidos efeitos se declara que o Doente, «AA», nascido a .../.../1979, beneficiário da SAD/GNR n° ...01, é acompanhado nesta consulta de Psiquiatria por Perturbação de Adaptação, sendo classificado segundo a rúbrica F43.2 da Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (OMS). Faz Psicoterapia e Psicofarmacoterapia.
Em nosso entender e sob o ponto de vista psiquiátrico este Doente encontra-se incapacitado para o desempenho das suas atribuições profissionais, devendo manter-se em convalescença no domicílio mas podendo ausentar-se do mesmo. Mais se declara que deve manter-se inibido do uso e porte de armas.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo o presente relatório, confidencial, que dato e assino.”

– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

26) Em 20-05-2019, pela Dra. «FF», médica psicóloga do Centro Clínico da GNR, foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) RELATÓRIO PSICOLÓGICO
«AA», Guarda Principal ... iniciou acompanhamento psicológico em abril de 2019, por encaminhamento cia JSS e apresentar um diagnóstico de Reação de Ajustamento com sintomas ansiosos.
O militar quando recorreu à consulta apresentava queixas de fácil irritabilidade, sentimento de revolta, ansiedade e desregulação dos ciclos normais de sono {insónias intermédias), devido a conflito grave com o seu superior hierárquico, que têm impacto significativo no seu funcionamento global e capacidade de trabalho.
Embora faça tratamento psicofarmacológico, denoto um recrudescimento da sintomatologia ansiosa pelo facto da sua situação laboral se manter inalterada.
Perante esta situação, é emergente a continuidade do acompanhamento psicológico regular, a mudança para um local de trabalho que não seja o Posto Territorial ..., onde se encontra o grande evento stressor responsável por este seu estado emocional e manter-se a incapacidade temporária para o trabalho.”

– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27) Em 25-07-2019, pelo Dr. «EE», médico psiquiatra do Hospital das Forças Armadas - ... (Hospital ...), foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico n.º 360/SERVIÇO de PSIQUIATRIA/2019, de 25 de Julho de 2019
Para os devidos efeitos se declara que o Doente, «AA», nascido a .../.../1979, beneficiário da SAD/GNR n° ...01, é acompanhado nesta consulta de Psiquiatria por Perturbação de Adaptação, sendo classificado segundo a rúbrica F43.2 da Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (OMS). Faz Psicoterapia e Psicofarmacoterapia.
Em nosso entender e sob o ponto de vista psiquiátrico este Doente encontra-se incapacitado para o desempenho das suas funções profissionais, beneficiando de um período de convalescença no domicílio, mas podendo ausentar-se do mesmo. É importante que fique inibido do uso e porte de armas.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo o presente relatório, confidencial, que dato e assino.”

– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

28) Em 08-11-2019, pelo Dr. «EE», médico psiquiatra do Hospital das Forças Armadas - ... (Hospital ...), foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico n.º 594/SERVIÇO de PSIQUIATRIA/2019, de 8 de Novembro de 2019
Para os devidos efeitos se declara que o Doente, «AA», nascido a .../.../1979, beneficiário da SAD/GNR n° ...01, é acompanhado nesta consulta de Psiquiatria por Perturbação de Adaptação, sendo classificado segundo a rúbrica F43.2 da Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (OMS). Faz Psicoterapia e Psicofarmacoterapia.
Por motivos psicopatológicos o Militar encontra-se incapacitado para o desempenho das suas funções, beneficiando do facto de se manter em convalescença no domicílio, mas podendo ausentar-se do mesmo.
Por motivos psicopatológicos é importante que o Militar fique inibido do uso e porte de armas.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo o presente relatório, confidencial, que dato e assino.”

– cfr. documento n.° ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

29) Em 05-03-2020, pelo Dr. «EE», médico psiquiatra do Hospital das Forças Armadas - ... (Hospital ...), foi emitido relatório médico referente ao Autor nos seguintes termos:

“(...) Relatório Médico n.º 108/SERVIÇO de PSIQUIATRIA/2020, de 5 de Março de 2020
Para os devidos efeitos se declara que o Doente, «AA», nascido a .../.../1979, beneficiário da SAD/GNR n° ...01, é acompanhado nesta consulta de Psiquiatria por Perturbação de Adaptação, sendo classificado segundo a rúbrica F43.2 da Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (OMS). Faz Psicoterapia e Psicofarmacoterapia.
Sob o ponto de vista psicopatológico o Militar deve desempenhar as suas funções, ser rearmado e dispensado de Serviços Externos.
Por ser verdade e me ter sido pedido passo o presente relatório, confidencial, que dato e assino.”

– cfr. documento n.º ... junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

30) O Autor despendeu as seguintes quantias por motivos de saúde:
DataDescriçãoMontante (€)
24-07-2018Atendimento Médico Permanente19,55
25-07-2018Consulta - Psiquiatria3,99
07-08-2018Consulta - Psiquiatria3,99
30-08-2018Consulta - Psiquiatria3,99
04-09-2018Consulta - Psiquiatria3,99
11-09-2018Relatório do Processo Clínico50,00
24-10-2018Consulta - Psiquiatria3,99
30-10-2018Relatório do Processo Clínico50,00
07-11-2018Consulta - Psiquiatria3,99
30-11-2018Relatório do Processo Clínico50,00
05-12-2018Consulta - Psiquiatria3,99
16-01-2019Consulta - Psiquiatria3,99
11-02-2019Consulta - Psiquiatria3,99
11-03-2019Consulta - Psiquiatria3,99
08-05-2019Consulta - Psiquiatria3,99
04-06-2019Relatório do Processo Clínico50,00
26-08-2019Consulta - Psiquiatria3,99
10-02-2020Consulta - Psiquiatria3,99
11-03-2020Consulta - Psiquiatria3,99
05-08-2020Consulta - Psiquiatria3,99
09-09-2020Consulta - Psiquiatria3,99

– cfr. documento a p. 176 a 198 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

31) Durante o período de chefia do 1.º Sargento «CC», o Autor não tinha vontade de ir trabalhar e teve perturbações de sono, crises de ansiedade e irritação – prova por declarações de parte e prova testemunhal.

*
III - Enquadramento jurídico.

O Recorrente pretende que nesta sede de recurso jurisdicional seja
“proferida nova decisão no sentido de considerar a situação vivenciada por este último, como um verdadeiro acidente em serviço, devendo, assim, o Réu, Ministério da Administração Interna, ser condenado à qualificação do evento como acidente em serviço e no ressarcimento dos danos causados, conforme peticionado”.

Mas está condenado ao fracasso este recurso.

Com efeito a questão não se coloca em saber se é relevante que o evento causador da incapacidade do Recorrente para o seu serviço como membro da G.N.R. tenha sido instantâneo ou não, ou se a ideia de subitaneidade deve ser entendida ou não como sinónimo de facto instantâneo ou momentâneo, mas tão só de facto limitado no tempo, de curta duração.

Porque para que um evento seja caracterizado como acidente de serviço deve antes de mais ser um acidente.

Ora a situação descrita nos autos pela Autor e ora Recorrente não se traduz num acidente.

Um “acidente”, no seu sentido comum, a que o legislador não pode ser alheio – n.º3 do artigo 9º do Código Civil - é um acontecimento casual, fortuito, inesperado (dicionário Priberam on line).

A situação descrita pelo Autor traduz antes na prática de actos ilícitos causadores de danos.

Tendo em conta, repete-se, a própria versão do Autor e ora Recorrente.

Conforme este sintetiza nas conclusões das suas alegações:

“XLI. Versando-nos sobre a situação em concreto, resulta claro, nomeadamente da matéria dada como provada na sentença recorrida, que o Autor, aqui Recorrente, foi sujeito a conjunto de situações de tensão criadas e ocorridas, unicamente pelo 1.9 Sargento «CC»,

XLII. Superior hierárquico do Autor, prolongadas num determinado lapso temporal,

XLIII. Estando-se assim na presença do conceito de ato continuado, que culmina em consequências, como as em juízo na situação em apreço,

XLIV. Isto é, os vários comportamentos perpetrados pelo 1.9 Sargento «CC», ocorreram ao longo de mais de um ano,

XLV. E tiveram, por consequência direta, necessária e causal uma alteração significativa do foro psíquico do Autor, aqui Recorrente, com várias patologias, melhor referenciadas nos elementos clínicos juntos aos autos.

Trata-se, em suma, de responsabilidade civil extracontratual do Estado resultante de actos ilícitos praticados por um funcionário, neste caso um militar da GN.R., o 1.º Sargento «CC».

E não de uma incapacidade resultante de caso fortuito ou inesperado, ou seja, de um acidente.

A Entidade Demandada ao recusar-se a reconhecer a situação como “acidente de trabalho” não desrespeitou, antes cumpriu a lei, em concreto os dispositivos legais aplicáveis, em particular o disposto no artigo 7º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, e no artigo 8º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 04.11.

Pelo que a acção, tendo em conta o pedido essencial de reconhecimento da situação dos autos como acidente de serviço, estava votada ao insucesso, conforme decidido, embora por fundamento diverso.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Porto, 13.09.2023

Rogério Martins
Helena Ribeiro
Luís Migueis Garcia