Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00047/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
PRESCRIÇÃO
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
ART. 179º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
ART. 871º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ART. 249º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Embora a prescrição só tenha sido suscitada em sede de recurso jurisdicional, constituindo, em rigor, questão nova, a mesma não pode deixar de ser apreciada já que se trata de matéria de conhecimento oficioso.
II – Todavia, a possibilidade de conhecer prejudicialmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao Tribunal se dos autos constarem elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão.
III – O facto de o processo de execução ter sido apensado a um processo de falência no ano de 2004 não é, só por si, bastante para que se possa concluir que, a partir de tal data, o processo de execução fiscal não foi objecto de qualquer tramitação pelo que, na ausência de mais elementos, é de julgar não verificados os pressupostos cujo preenchimento se mostra necessário para conhecer da questão da prescrição suscitada em recurso jurisdicional.
IV – Tendo a Administração Tributária provado a existência de indícios sérios de que a operação constante da facturação não corresponde à realidade, recai, após, sobre o sujeito passivo, o ónus da prova de veracidade da transacção.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:D..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
I. Relatório
D… & P…, Lda. (doravante, Recorrente), sociedade comercial melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra uma liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) respeitante ao ano de 1996, dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as alegações do recurso, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:
«I - A Impugnação destes autos respeita a uma liquidação de IRC inerente ao ano de 1996. Pelo que, a obrigação tributária em apreço terá prescrito quando, desde o início do ano de 1997, tenham decorrido 10 anos mais 1 (de interrupção), atento o disposto no art. 34° da C.P.T.
II - Mesmo descontando um ano de interrupção causada pela Reclamação Graciosa (10.07.2000 a 09.07.2001), já estão transcorridos onze anos sete meses e dez dias. Logo, verifica-se a prescrição das obrigações tributárias em causa nestes autos, o que se invoca para todos os efeitos, sem prejuízo do seu conhecimento oficioso (artº 259° C.P.T. e art. 175° C.P.P.T.).
III - A declaração de falência da Recorrente não impediu a prescrição, desde logo porque a sentença respectiva só foi prolatada em 25.01.2008, isto é, quando já tinha ocorrido a prescrição.
IV - De qualquer modo, a declaração de insolvência (se fosse anterior) não teria efeito suspensivo da prescrição, como resulta da lei (art. 180° do CPPT) e como vem sendo pacificamente decidido na jurisdição administrativa superior: “ a remessa do processo de execução ao processo de falência não determina a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com ele segue a sua normal tramitação” e “a declaração de falência não suspende o prazo de prescrição, só determinando a sustação das execuções a fim de serem apensadas ao processo de falência para aí correrem os seus termos como reclamação dos créditos exequendos “ - Acórdão do STA, de 12.06.2007, no Proc. n° 0436/07, in www.dgsi.pt.
V - A prova produzida apoia o êxito da Impugnação e o Parecer do Ministério Público é favorável à procedência.
VI - Porém, o meritíssimo juiz a quo optou pela hipótese inversa, desde logo com a observação de que o testemunho de M… ( única testemunha ouvida)a é muito vago e impreciso - o que, salvo o devido respeito, não é exacto.
VII - Pela reprodução da cassete em que se registou o respectivo depoimento, constata-se que a testemunha foi assertiva quanto a conhecer bem quer a actividade da Impugnante, quer as relações de subempreitada desta com o O…; confirmou não ter qualquer dúvida de que, nos anos de 1996 e 1997 o O… era um dos subempreiteiros habitualmente contratados pela Impugnante, em cujas obras colocava equipas de três, cinco ou mais homens na tarefa de aplicação de gessos projectados, a que esta se dedica, consoante as necessidades específicas de cada obra; afirmou que o mesmo tinha bastante gente a trabalhar para si e que desconhecia por que é que a mulher deste terá comunicado a sua ausência na Alemanha, porquanto disse estar seguro de que, nos referidos anos de 96 e 97, o mesmo estava em Portugal e trabalhava para a ora Recorrente, como subempreiteiro; lembrou até que o O… não só acompanhava e controlava o trabalho dos seus empregados nas diversas obras, como ele próprio trabalhava nas obras, dado que normalmente envergava roupas de trabalho.
VIII - Ademais, está dado como provado que a Impugnante recorre habitualmente a subempreiteiros e estão identificadas as obras em que o O… prestou serviços, designadamente no mapa anexo à Petição (doc. n°3), onde se representam: a azul, os clientes e as obras aos quais se destinaram e em que se materializaram os trabalhos facturados e postos em dúvida; a vermelho, o volume de obra, em metros quadrados, facturado pelo dito Mascarenhas; e a preto, o volume total de obra facturado pela Impugnante, ao seu cliente.
IX - Bem assim, a Impugnante demonstrou, através de facturas anexas à Petição de Impugnação ( docs. n°s 17 a 29), que tais obras existem, estão corporizadas e foram facturadas por si aos seus clientes, facto que arreda a conclusão de que estas correspondem a operações simuladas.
X - Os indícios em que a Administração Fiscal pretende basear-se apontam manifestamente, para irregularidades fiscais de terceiros – O… e aplicadores de gesso por si contratados - e não da própria Impugnante, que sempre cumpriu as suas obrigações tributárias.
XI - Os contribuintes não precisam demonstrar que os documentos da sua contabilidade correspondem a operações efectivamente realizadas, porquanto essa documentação se presume verdadeira, competindo à Administração Tributária elidir tal presunção (art. 74° da LGT); enquanto tal, como nota o Exmo. Procurador da República, “... é evidente que a conclusão de falsidade das facturas ou das transacções não se mostra devidamente fundamentada ... a Administração Fiscal não põe em causa que as obras foram realizadas a mando da impugnante, apenas entende que os documentos emitidos pelo ... O… não correspondem a operações efectivamente cumpridas por este, mas não encontrou na contabilidade da impugnante outros documentos relativos a tais obras, que comprovassem a duplicação de pagamentos. A ser assim como a Administração Fiscal pretende a impugnante teria como resultado final de tais obras apenas lucros sem quaisquer custos uma vez que os valores que diz ter pago seriam falsos.”
XII - Também aqui tem pertinência o extracto do Acórdão do STA, de 15.11.2000, no Recurso n° 25.244: “… não basta o mero «palpite» de que a realidade é diferente daquilo que os documentos traduzem para que a liquidação se pudesse manter. Era necessário que a Administração Fiscal provasse que, de facto, se tinha verificado a situação que a tinha levado a proceder à sindicada liquidação”.».
Não houve contra-alegações.
Neste Tribunal, a Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência da questão da prescrição e que se julgue, no mais, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
As questões a decidir
As questões que importa apreciar e decidir - suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4 e 690º, nº 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e), e artigo 281º do CPPT - são as de saber:
- Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em sede de matéria de facto;
- Se ocorre a prescrição da obrigação tributária emergente da liquidação impugnada;
- Se a sentença recorrida fez um correcto julgamento quando decidiu pela legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas contabilizadas pela Recorrente no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas.
II – Fundamentação de facto
2.1. É a seguinte a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1ª instância e que aqui se reproduz ipsis verbis:
«MATÉRIA DE FACTO PROVADA COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO:
1 – A impugnante foi objecto de uma fiscalização por parte dos Serviços de Inspecção Tributária do Porto, respeitante aos exercícios económicos dos anos de 1996 e 1997.
2 – O objecto social da impugnante consiste na construção de edifícios, sendo especializada na arte de gessos projectados.
3 – Na acção inspectiva identificada em 1) foi apurado pelos respectivos serviços que a ora impugnante havia contabilizado no exercício económico de 1996 e 1997, valores correspondentes a facturas emitidas por O….
4 - Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que tais facturas não correspondiam efectivamente a serviços prestados, conforme relatório constante destes autos a fls. 38 a 43, e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: “A empresa não possui um quadro de pessoal, para o exercício da sua actividade. Deste modo, os serviços a executar são feitos através de subcontratos.(…) Da análise efectuada à conta 6211 – Subcontratos, verificou-se o registo contabilístico de várias facturas emitidas por O… – 8.. … …, em 1996 e 1997, (junta-se relação das facturas), debitando a conta 62 e 24 – IVA deduzido, por crédito da conta do fornecedor 221, ou directamente em 11.1 – Caixa,(…) registo contabilístico dos pagamentos, foram lançados a débito da conta do fornecedor (…) O…, por crédito da conta 11.1(…) Não há emissão de qualquer cheque, ou outro meio de pagamento, o que se estranha, tendo em atenção os elevados montantes em causa impossibilitando assim, a confirmação dos supostos pagamentos. (…) O…(…) Na consulta ao sistema informático IVA/IR, verificou-se que o sujeito passivo encontra-se cessado desde 31/07/95, nos termos do nº 1 alínea b) do artº 33º do código do IVA. O contribuinte esteve colectado pela Repartição de Finanças de Mirandela pelo exercício da actividade de “Estucador de construção civil(…)
(…) Segundo informações da DDF de Bragança, verificou-se o seguinte: (…) O contribuinte encontra-se ausente no estrangeiro (Alemanha), desde 1995. Quem deu a cessação da actividade, foi a sua esposa F… (…) Em 1993 e 1994 o contribuinte declarou serviços prestados no montante de 4.518c e 3579c respectivamente. Tendo em consideração este ponto, o contribuinte revela uma falta de capacidade material e humana (não tem despesas c/ pessoal), para executar os valores de serviços prestados constantes das facturas emitidas para D… & P… Lda. (…) A letra que consta das facturas não parece ter qualquer semelhança com a do próprio contribuinte, assim como a assinatura nelas contidas”.
5 – As facturas cujos valores não foram aceites para efeitos de custos em sede de IRC, encontram-se discriminadas a fls. 43 do processo de reclamação e juntas a esse processo a fls. 50 a 55 e que aqui se dão por reproduzidas.
6 – A impugnante para o exercício da sua actividade recorre habitualmente a subempreiteiros.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos provados e não impugnados e no teor dos documentos identificados e não impugnados e no depoimento da testemunha.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou que os serviços mencionados nas facturas identificadas na matéria de facto dada como assente, tenham efectivamente sido prestados por O…, porque a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para colocar em causa os factos apurados pela inspecção tributária.
Com efeito, a única testemunha ouvida nestes autos, (“encarregado geral da empresa Codam”), prestou um depoimento muito vago e impreciso, começando por referir que “tem ideia que ele (O…) trabalhava para a D…, “, para depois afirmar, que “Estou seguro que ele (O…) foi subempreiteiro da M… & P…”. Referiu que viu o O… em obras da D…, e que nessas obras, quem executava os serviços eram as equipas daquele. Para além destas referências muito gerais, não foram identificadas quais as obras que o referido O… efectuou, que tipo de serviços este prestou, quem eram as pessoas responsáveis pela orientação de tais equipas, como eram efectuados os pagamentos, se alguma vez houve o contactou pessoalmente, e outros.
Ou seja, dizer que “tem ideia” ou que “está seguro”, que o O…, foi subempreiteiro da D…, é claramente insuficiente para se poder concluir que os serviços mencionados nas facturas emitidas pelo O… para a ora impugnante, correspondam efectivamente a verdadeiras transacções comerciais.
Juntou ainda a impugnante, cópias de cheques que alega terem servido de pagamento aos serviços que o O… lhe prestou.
Ora, se analisarmos tais documentos, verifica-se que dos mesmos, não é possível efectuar qualquer correspondência com os tais serviços que a impugnante alega terem sido prestados pelo O… ou pela sua equipa, porquanto estes cheques não se encontram emitidos em nome do referido O…, ou de outra pessoa que o represente.».
Aditamento oficioso de factualidade relevante para a decisão da causa
Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, decide-se aditar ao probatório que foi fixado na 1ª instância a seguinte matéria de facto:
7. A acção inspectiva identificada em 1. foi instaurada em cumprimento da ordem de serviço de 5-3-99 e, a Impugnante foi notificada a 17-3-2000 da liquidação adicional n.º 8310003676, respeitante ao IRC de 1996, no valor de 32.307,10 [cfr. fls. 14 destes autos].
8. Na sequência de tal notificação, a Impugnante apresentou a 10-7-2000 reclamação graciosa [n.º 1805-01/400202.4 IRC 1996], a qual veio a ser indeferida por despacho do Director de Finanças do Porto de 20-3-2003 [cfr. fls. 2 e 77 a 84 do processo de reclamação graciosa apenso a estes autos cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.].
9. A Impugnante foi notificada desse indeferimento a 31-3-2003 [cfr. fls. 85 do processo administrativo apenso].
10. A 11-4-2003 a Recorrente apresentou impugnação judicial [cfr. fls. 2-8 dos presentes autos].
11. A impugnação judicial referida em 10., foi recebida no Tribunal Administrativo do Porto a 2 de Janeiro de 2004 e na mesma foi aberto «Termo de Conclusão» a 20 de Outubro de 2005, data em que foi proferido despacho designando data para inquirição das testemunhas indicadas [cfr. fls. 58-63 destes autos].
12. Entre 30-8-2001 e 9-9-2002 não foram praticados no âmbito da reclamação graciosa quaisquer actos nem realizadas quaisquer diligências [cfr. fls. 48-49 dos autos de reclamação apensos].
13. A 12 de Outubro de 2002 foi instaurado o processo de execução fiscal e a executada foi citada pessoalmente a 3 de Abril de 2003 [cfr. fls. 193 dos autos].
14. A 26 de Novembro de 2004, o processo de execução foi apensado ao processo de falência.
III- O Direito
Conforme deixamos indiciado no ponto I deste Acórdão – aquando da enunciação das questões a decidir - , e pese embora a Recorrente não tenha especificado a impugnação do julgamento da matéria de facto, afigura-se-nos, analisado o teor das alegações do recurso e respectivas conclusões, que o dito julgamento foi colocado em questão pelo que, antes de mais, ou, se preferirmos, previamente à apreciação das questões relativas ao julgamento realizado, quer quanto à prescrição da obrigação tributária emergente da liquidação impugnada, quer quanto à legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas contabilizadas pela Recorrente no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas, importa aferir se, efectivamente, a sentença sob recurso evidencia ter sido cometido erro sobre a matéria de facto.
Este foi, aliás, o entendimento professado no Acórdão deste TCA Norte de 1 de Outubro de 2010 [processo n.º 45/03], em que a Recorrente igualmente assumia a qualidade de impugnante e em causa estava também uma obrigação tributária (IVA) do ano de 1996, e que, sem prejuízo das especialidades decorrentes da factualidade apurada nestes autos e da apreciação concreta da relevância dos mesmos, seguiremos de muito perto.
Assim:
3.1. Do erro de julgamento em sede de matéria de facto
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo, com base no depoimento da única testemunha inquirida, deveria ter julgado provado que o emitente das facturas desconsideradas pela administração tributária lhe prestou os serviços que nelas se referem.
Afigura-se-nos, porém, que não lhe assiste razão.
Com efeito, decidiu-se na sentença recorrida que “Não se provou que os serviços mencionados nas facturas identificadas na matéria de facto dada como assente, tenham efectivamente sido prestados por O…» e para o efeito, ali se ponderou, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, que «a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para colocar em causa os factos apurados pela inspecção tributária. Com efeito, a única testemunha ouvida nestes autos, (“encarregado geral da empresa C…”), prestou um depoimento muito vago e impreciso, começando por referir que “tem ideia que ele (O…) trabalhava para a D…, “, para depois afirmar, que “Estou seguro que ele (O…) foi subempreiteiro da M… & P…”. Referiu que viu o O… em obras da D…, e que nessas obras, quem executava os serviços eram as equipas daquele. Para além destas referências muito gerais, não foram identificadas quais as obras que o referido Orlando efectuou, que tipo de serviços este prestou, quem eram as pessoas responsáveis pela orientação de tais equipas, como eram efectuados os pagamentos, se alguma vez houve o contactou pessoalmente, e outros.
Ou seja, dizer que “tem ideia” ou que “está seguro”, que o O…, foi subempreiteiro da D…, é claramente insuficiente para se poder concluir que os serviços mencionados nas facturas emitidas pelo O… para a ora impugnante, correspondam efectivamente a verdadeiras transacções comerciais. »
Ora, analisado integralmente o teor do depoimento da testemunha M…, que, como referido pela Recorrente, foi a única ouvida em audiência, não temos dúvidas em afirmar que a apreciação realizada em sede de decisão da matéria de facto pela Meritíssima Juíza a quo não merece qualquer reparo ou censura.
Na verdade, e como resulta da gravação do depoimento prestado, a testemunha declarou ser encarregada de uma empresa para a qual a Recorrente prestava serviços em regime de subempreitada e que, nessa qualidade, também conheceu o O… que disse ser um dos subempreiteiros a que a Impugnante recorrida.
Mais declarou ter a certeza que nos anos de 1996-1997 a Impugnante já trabalhava nas obras da empresa para a qual o depoente trabalha mas afirmou que já nessa altura o O… trabalhasse para a Impugnante ainda que, a insistências do ilustre mandatário, admitisse tal como possível.
Referiu, ainda, que nas obras em que o referido O… participava tinha ao seu serviço três a quatro equipas de trabalhadores constituídas por 3 a 6 homens.
No entanto, esta testemunha, tal como se referiu sentença recorrida, depôs de modo genérico e vago, sem concretização mínima relativamente aos trabalhos que, alegadamente, o dito O… teria prestado para a ora Recorrente e sem que demonstrasse qualquer conhecimento em relação aos pagamentos alegadamente efectuados, nomeadamente se houve ou não pagamentos e se foram efectuados em numerário ou através de outro meio, tanto mais que, como se viu, a testemunha não trabalhava para a Recorrente mas para uma entidade patronal diversa e que com ela tinha relações comerciais.
Não é correcto, pois, e salvo o devido respeito, afirmar-se, como o faz a Recorrente e perante o depoimento gravado, «que a testemunha foi assertiva quanto a conhecer bem as relações de subempreitada desta com o O…» ou que tenha revelado «não ter qualquer dúvida de que, nos anos de 1996 e 1997 o O… era um dos subempreiteiros habitualmente contratados pela Impugnante».
O que, de resto, não surpreende já que, o depoimento em causa foi prestado cerca de 10 decorridos sobre os factos objecto de apreciação (situação que, ab initio, o Ilustre Mandatário reconheceu como factor perturbador de um depoimento esclarecedor), o que, se não afecta necessariamente a credibilidade do seu depoimento, diminui de forma significativa a fiabilidade do mesmo, como, de resto, resulta inequivocamente da indecisão ou, se preferirmos, imprecisão, revelada na resposta às perguntas que lhe foram colocadas.
Para que o depoimento testemunhal em causa permitisse fundar a prova positiva dos factos alegados pela Recorrente, impunha-se que do mesmo resultasse, de modo pormenorizado e inequívoco, quais os concretos serviços prestados pelo O…, em que condições contratuais e quais as datas da sua realização.
O que, como, repita-se, resulta da gravação realizada do seu depoimento, não sucedeu.
E, contrariamente ao aduzido pela Recorrente, também os documentos juntos em nada permitem concluir quanto à existência erro de julgamento na matéria de facto apurada.
Na verdade, é nosso entendimento, tal como foi entendimento de primeira instância, que os documentos juntos pela Recorrente, e que segunda esta são suficientes para demonstrar que os serviços constantes das facturas foram prestados pelo seu emitente, não reúnem força probatória bastante para que o Tribunal desse por assente a factualidade invocada.
Assim: as cópias dos cheques, para além de o serem apenas do seu rosto, não permitem concluir que foram passados à ordem do emitente nem de empregados seus nem descortinar quais as relações subjacentes a esses títulos de crédito.
Acresce que, o próprio facto apurado de que a Recorrente habitualmente recorre a subempreiteiros [cfr. factualidade apurada sob o n.º 6 do probatório], é inteiramente irrelevante para demonstrar que o O… lhe prestou os serviços que constam das facturas pois nem sequer foi estabelecida qualquer relação entre essa habitualidade e o referido O… e, os chamados autos de medição oportunamente juntos também não permitem inferir, como parece óbvio, que o O… lhe prestou aqueles serviços concretos.
Temos, pois, por seguro, que a sentença sob recurso não padece do erro de julgamento da matéria de facto que implicitamente lhe vem apontado, improcedendo, pois, nesta parte, o recurso interposto.
3.2. Da prescrição das obrigações tributárias emergentes das liquidações impugnadas
A primeira questão que expressamente vem suscitada pela Recorrente nas suas alegações de recurso, e vertida nas conclusões formuladas, é a da prescrição das obrigações tributárias resultantes dos actos de liquidação aqui impugnados que, não obstante constitui questão nova - já que não foi suscitada perante o Tribunal a quo, como facilmente se constata do requerimento inicial e não foi objecto de pronúncia por parte do Tribunal recorrido – não podemos deixar de apreciar já que se trata de matéria de conhecimento oficioso [cfr. artigo 175º do CPPT.].
E, nesse sentido, comecemos por deixar bem claro que, como é sabido, através da impugnação judicial o que se visa é a fiscalização da legalidade do acto tributário e a consequente anulação, total ou parcial, do mesmo.
Assim, como se referiu no acórdão deste TCAN de 11 Mar. 2010, (Processo 02794/04Viseu, disponível em www.dgsi.pt)a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – como deve ser, nos termos do art. 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – é a execução fiscal, onde o executado pode argui-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).
Em todo o caso, o prosseguimento da impugnação, no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, constitui acto inútil: a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução, caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 287.º, n.º 1, alínea e), do CPC).” [sublinhado de nossa autoria].
Todavia, como também não deixou de se afirmar no mesmo acórdão, “a referida possibilidade de conhecer prejudicialmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, pág. 22.), tanto mais que, se a obrigação tributária estiver realmente prescrita, sempre a prescrição deverá ser conhecida oficiosamente na execução fiscal, bem como sempre o impugnante aí poderá invocá-la com sucesso, nos termos que deixámos já referidos.” [sublinhado de nossa autoria].
Ora, no caso vertente, os elementos que constam dos autos, e contrariamente ao defendido pela Recorrente e pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público no seu Douto parecer, não permitem concluir, de modo inequívoco no sentido da verificação da prescrição.
Efectivamente, e como linearmente resulta do ponto I e II deste Acórdão, o que está em causa é uma obrigação tributária respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao ano de 1996, ano em que vigorava o Código de Processo Tributário (CPT).
Ora, tendo em conta que no dia 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT), coloca-se, desde logo, uma questão de aplicação da lei no tempo cuja resolução se impõe no sentido de determinar, prioritariamente, qual o prazo de prescrição da obrigação tributária exequenda.
Importa, pois, como já ficou dito no Acórdão deste TCA Norte a que supra fizemos referência, o que ora importa é ver quais os prazos de prescrição das obrigações tributárias que se sucederam no tempo por referência às previsões legais ínsitas no CPT e na LGT.
Ora, de acordo com a norma do artigo 34º, nº 1, do CPT, “a obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei” e, por sua vez, o artigo 48º, nº 1 da LGT determina queas dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (…)”.
Mas, conhecidos os prazos de prescrição que se sucederam no tempo, haverá agora que proceder à determinação do prazo aplicável no caso concreto, o qual encontrará a sua concreta definição no art. 279º do Código Civil que, sob a epígrafe “alteração de prazos”, dispõe que:
1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da data da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o momento inicial.
3. (…)
Portanto, a determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei. No caso de leis que encurtam o prazo de prescrição, que são as que têm ocorrido em matéria tributária, se no momento da entrada em vigor da nova lei, falta menos tempo para se completar à face da lei antiga, é esta que se aplica. Nos outros casos, aplica-se o prazo da lei nova, contado da data da sua entrada em vigor [neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, pág. 86 e 87.].
Revertendo, agora, ao caso concreto destes autos, em que está em causa uma obrigação tributária relativa ao ano de 1996, temos que, o prazo de prescrição da obrigação tributária, se iniciou em 1 de Janeiro de 1997, por força do estabelecido no artigo 34º, nº 2, do CPT [ “o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver decorrido o facto tributário, salvo regime especial.”], pelo que, na data da entrada em vigor da LGT (1-1-1999), haviam corrido dois anos para a prescrição. Ou seja, o tempo que naquela data faltava para o prazo se completar de acordo com a lei antiga é o mesmo da lei nova sendo, por isso, de aplicar o prazo de 8 anos previsto na LGT [neste mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág. 98.].
Definido, assim, o prazo e lei a aplicar, importa agora apurar se os elementos constantes dos autos permitem concluir sobre a ocorrência, ou não, de factos interruptivos e suspensivos da contagem do prazo prescricional e quais.
A este propósito consta da matéria de facto aditada que:
- A acção inspectiva identificada em 1. foi instaurada em cumprimento da ordem de serviço de 5-3-99 e, a Impugnante foi notificada a 17-3-2000 da liquidação adicional n.º 8310003676, respeitante ao IRC de 1996, no valor de 32.307,10 [factualidade vertida em 7. do ponto II supra];
- Na sequência de tal notificação, a Impugnante apresentou a 10-7-2000 reclamação graciosa [n.º 1805-01/400202.4 IRC 1996], a qual veio a ser indeferida por despacho do Director de Finanças do Porto de 20-3-2003 [factualidade vertida em 8. do ponto II supra];
- A Impugnante foi notificada desse indeferimento a 31-3-2003 [factualidade vertida em 9. do ponto II supra].
- A 11-4-2003 a Recorrente apresentou impugnação judicial [factualidade vertida em 10. do ponto II supra].
- A impugnação judicial referida em 10., foi recebida no Tribunal Administrativo do Porto a 2 de Janeiro de 2004 e na mesma foi aberto «Termo de Conclusão» a 20 de Outubro de 2005, data em que foi proferido despacho designando data para inquirição das testemunhas indicadas [factualidade vertida em 11. do ponto II supra].
- Entre 30-8-2001 e 9-9-2002 não foram praticados no âmbito da reclamação graciosa quaisquer actos nem realizadas quaisquer diligências [factualidade vertida em 12. do ponto II supra].
- A 12 de Outubro de 2002 foi instaurado o processo de execução fiscal e a executada foi citada pessoalmente a 3 de Abril de 2003 [factualidade vertida em 13. do ponto II supra].
- A 26 de Novembro de 2004, o processo de execução foi apensado ao processo de falência [factualidade vertida em 14. do ponto II supra].
Ora, é justamente com base nestes elementos que o Magistrado do Ministério Público neste Tribunal entende que se encontra provada a prescrição da obrigação Tributária.
Todavia como já dissemos, não lhe assiste razão.
Na verdade, como no Acórdão deste Tribunal de 1 de Outubro de 2010 se afirmou, com inteira aplicação nestes autos (no âmbito de processo em que é também parte a Recorrente e em que estava em causa uma liquidação relativa a Imposto sobre valor Acrescentado (IVA) também do ano de 1996 e que, por essa razão, nesta sede não revelam nos nossos autos especialidades que devam ser consideradas):
«Ora, é justamente a este propósito que os elementos constantes dos autos não são inequívocos. Desde logo, porque não é claro se a execução esteve ou não para por mais de 1 ano por facto imputável ao contribuinte e, por outro lado, porque da informação de fls. 192 dos autos consta que a execução fiscal se encontrará suspensa nos termos do disposto no artigo 172º do CPPT, em virtude da pendência de acção judicial, embora se desconheça a data dessa suspensão e também se desconheça quem instaurou a acção que levou à suspensão, nomeadamente, se foi o executado.
Não constando dos autos todos os elementos que permitam conhecer da prescrição e na sequência do entendimento anteriormente explanado, abstemo-nos de o fazer nesta sede processual.».
Ou seja, não basta a mera verificação de um facto interruptivo ou suspensivo isoladamente considerado e por um determinado período de tempo – desde, naturalmente, que não esgote totalmente o próprio prazo prescricional e seja manifesto que não é imputável ao contribuinte – para que possa entender-se como prescrita a obrigação tributária sendo, antes, forçoso, no caso concreto, que dos autos resultassem, sem margem para dúvidas, informação relativa à verificação, ou não, da suspensão da execução durante a pendência da falência já que, funcionando como um apenso da falência (execução universal) sofre as vicissitudes desta em termos de tramitação. Ou seja, para que, com base na apensação referida e no tempo entretanto decorrido o Tribunal pudesse concluir pela prescrição, importava ter nos autos um conjunto de informações e elementos que do mesmo não constam [A falência esteve parada? Quando se iniciou a paragem? Quanto tempo durou? Porque é que esteve parada? Quem a instaurou?].
E, não constando do processo todos os elementos que permitam conhecer da prescrição e na sequência do entendimento anteriormente explanado, impõe-se que nos abstemos de o fazer nesta sede processual.
3.3. Mas a Recorrente vem ainda imputar à sentença recorrida erro de julgamento de direito por ter concluído pela legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas contabilizadas pela Recorrente no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas.
Vejamos, pois, se nesta parte assiste razão à Recorrente sendo que, nesse sentido, importará, antes de mais, apurar se a Administração Fiscal reuniu, ou não, os elementos necessários que legitimassem a sua actuação, isto é, que as facturas em causa eram falsas (fundamentação substancial) e se tais factos se encontram acolhidos no probatório da sentença posta em crise.
A este propósito importa desde já salientar que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal, aplicando as regras do ónus da prova do artigo 74º da LGT, compete à administração tributária, quando desconsidera as facturas que reputa de falsas, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
E que, realizada tal prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção [cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF].
Ora, tendo nós visto já o que diz a Recorrente relativamente à fundamentação da administração fiscal [Os indícios em que a Administração Fiscal pretende basear-se apontam manifestamente, para irregularidades fiscais de terceiros – O… e aplicadores de gesso por si contratados - e não da própria Impugnante, que sempre cumpriu as suas obrigações tributárias (conclusão X); Os contribuintes não precisam demonstrar que os documentos da sua contabilidade correspondem a operações efectivamente realizadas, porquanto essa documentação se presume verdadeira, competindo à Administração Tributária elidir tal presunção (art. 74° da LGT); enquanto tal, como nota o Exmo. Procurador da República, “... é evidente que a conclusão de falsidade das facturas ou das transacções não se mostra devidamente fundamentada ... a Administração Fiscal não põe em causa que as obras foram realizadas a mando da impugnante, apenas entende que os documentos emitidos pelo ... O… não correspondem a operações efectivamente cumpridas por este, mas não encontrou na contabilidade da impugnante outros documentos relativos a tais obras, que comprovassem a duplicação de pagamentos. A ser assim como a Administração Fiscal pretende a impugnante teria como resultado final de tais obras apenas lucros sem quaisquer custos uma vez que os valores que diz ter pago seriam falsos.”(conclusão XI); Também aqui tem pertinência o extracto do Acórdão do STA, de 15.11.2000, no Recurso n° 25.244: “… não basta o mero «palpite» de que a realidade é diferente daquilo que os documentos traduzem para que a liquidação se pudesse manter. Era necessário que a Administração Fiscal provasse que, de facto, se tinha verificado a situação que a tinha levado a proceder à sindicada liquidação”.» (conclusão XII)], vejamos, agora quais os factos invocados pela Administração Tributária para desconsiderar as facturas a fim de poderemos concluir, ou não, que aquela recolheu indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada, isto é, em ordem a podermos concluir, como o fez o Tribunal a quo, na sentença sob recurso, que a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que as facturas contabilizadas pela Impugnante são falsas por às mesmas não subjazerem as prestações de serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Tendo, porém, sempre presente que (i) não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação já que, «como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.» e (ii) uma delimitação ou definição muito clara de indícios identificados como factos que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência[cfr., João de Castro Mendes citado por José Luís Saldanha Sanches, in «A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311»].
Ora, conforme resulta dos autos, mais concretamente do Relatório de Inspecção e do acolhimento de tais factos no probatório [factualidade apurada em 4. do ponto II supra], a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Recorrente não correspondem a efectivas operações, essencialmente, com base nos seguintes factos indiciários: “A empresa não possui um quadro de pessoal, para o exercício da sua actividade. Deste modo, os serviços a executar são feitos através de subcontratos.(…) Da análise efectuada à conta 6211 – Subcontratos, verificou-se o registo contabilístico de várias facturas emitidas por O…, em 1996 e 1997, (junta-se relação das facturas), debitando a conta 62 e 24 – IVA deduzido, por crédito da conta do fornecedor 221, ou directamente em 11.1 – Caixa,(…) registo contabilístico dos pagamentos, foram lançados a débito da conta do fornecedor (…) O…, por crédito da conta 11.1(…) Não há emissão de qualquer cheque, ou outro meio de pagamento, o que se estranha, tendo em atenção os elevados montantes em causa impossibilitando assim, a confirmação dos supostos pagamentos. (…) O…(…) Na consulta ao sistema informático IVA/IR, verificou-se que o sujeito passivo encontra-se cessado desde 31/07/95, nos termos do nº 1 alínea b) do artº 33º do código do IVA. O contribuinte esteve colectado pela Repartição de Finanças de Mirandela pelo exercício da actividade de “Estucador de construção civil(…) (…) Segundo informações da DDF de Bragança, verificou-se o seguinte: (…) O contribuinte encontra-se ausente no estrangeiro (Alemanha), desde 1995. Quem deu a cessação da actividade, foi a sua esposa F… (…) Em 1993 e 1994 o contribuinte declarou serviços prestados no montante de 4.518c e 3579c respectivamente. Tendo em consideração este ponto, o contribuinte revela uma falta de capacidade material e humana (não tem despesas c/ pessoal), para executar os valores de serviços prestados constantes das facturas emitidas para D… & P… Lda. (…) A letra que consta das facturas não parece ter qualquer semelhança com a do próprio contribuinte, assim como a assinatura nelas contidas
Como se disse no Acórdão deste tribunal central administrativo de 1-10-2010, a que vimos fazendo referência e em que esta questão foi igualmente analisada no âmbito de um processo que opunha as mesmas partes, divergindo tão só no tipo de imposto (IVA de 1996), «Estes “factos-índice”, analisados de forma integrada em concatenação e vistos à luz das regras da experiência, são suficientes para permitir justificar a actuação da administração tributária no sentido de desconsiderar o IVA constante das facturas, com o fundamento de que as operações referidas nessa factura são simuladas.»
Mais se diz no mesmo acórdão, que «Particularmente impressivo é, a nosso ver, o facto de os pagamentos dos elevados montantes titulados pelas facturas terem sido registados contabilisticamente com a partir da conta Caixa, o que equivale a dizer que teriam sido feitos, alegadamente, pela utilização de numerário» (…) Ao que acresce, finalmente, a não desprezível divergência caligráfica apontada pela administração tributária entre a assinatura que consta das facturas como sendo a do O… e a que consta do seu bilhete de identidade que, por ser ostensiva, não pode deixar de relevar neste plano de análise e apreciação de prova indiciária.».
Tudo, para aí se concluir, «(…) que a administração tributária demonstrou os pressupostos da sua actuação, passou a caber à Impugnante a provada de que as facturas titulam e documentam efectivas prestações de serviços.».
Conclusão que, forçosamente, tem que ser realizada nestes autos, pois destes não consta como apurada qualquer factualidade que, considerada que fosse permitisse concluir de modo diverso.
O que, determina, naturalmente, que o presente recurso seja julgado improcedente já que, como vimos supra em sede de apreciação do invocado erro da sentença no julgamento da matéria de facto, a Recorrente não logrou provar - como se lhe impunha em obediência à divisão do ónus da prova e á parte que sobre si recaía - minimamente, a realidade daquelas operações.
Improcede, pois, o presente recurso.
IV - Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 20-12-2011
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos