Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00451/04.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Vital Lopes
Descritores:CDT.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS.
Sumário:1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido – art.º43.º, n.º1, da LGT;
2. Tendo a AT efectuado as liquidações adicionais num momento em que já sabia, perante a prova apresentada, que não se verificava o facto tributário subjacente, está-se perante um acto ilegal, que configura uma situação de erro imputável aos serviços para efeitos no disposto naquele ar.º43.º, n.º1, da LGT, pelo que são devidos juros indemnizatórios.
3. Tal é o caso da liquidação efectuada ao substituto tributário já depois de ele ter efectuado a prova dos requisitos de aplicação da CDT embora após o termo do prazo estabelecido para entrega do imposto relativo a rendimentos (juros), pagos ou colocados à disposição do beneficiário não residente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu na parte em que reconheceu à impugnante, C..., S.A., o direito a juros indemnizatórios decorrente da anulação da liquidação de IRC referente ao ano de 2000.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1.ª Atento o disposto no art.º 43 nº. 1 da LGT são requisitos do direito a juros indemnizatórios :

-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo,

-Que o erro seja imputável aos serviços,

- Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial,

- Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.158; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.472);

2.ª Concluiu a douta sentença aqui sob recurso que, …….. ‘No caso em apreço, o n.º 4 do art. 48.º da Lei n.º 67-A/2007, ao determinar a aplicação retroactiva do regime que se prevê expressamente no n.º 4 do art. 90.º-A, constitui um reconhecimento explícito de que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando se comprovasse a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção, mesmo que a comprovação viesse a ser feita apenas depois do momento em que retenção deveria ser efectuada;
Na verdade, em face do referido princípio da legalidade a que está subordinada a actividade da Administração Tributária, só com fundamento em ilegalidade se pode compreender que, na prática, se anulassem por via legislativa liquidações de imposto já efectuadas, como faz aquela norma, ao determinar a exclusão da responsabilidade do substituto tributário «independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto».;
E, efectivamente, em situações em que foi efectuada uma liquidação em momento que já se sabe que não se verifica o facto tributário que lhe está subjacente, não pode deixar de entender-se que se está perante um acto ilegal, desde logo à face dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo art. 55.º da LGT e que são corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.».
Aplicando esta doutrina ao caso vertente, torna-se evidente que houve erro imputável aos serviços no que toca à liquidação de IRC relativamente ao ano de 2000, para efeitos do art.º 43 nº. 1 da LGT.

4.ª Ora, resulta do ponto IV da Douta Sentença aqui sob recurso designadamente da alínea A) B) C) D) e F) do referido ponto IV, e da matéria das mesmas constantes e dada como provada, apenas em 2003, aquando da notificação, pelos serviços da Administração Fiscal, para a impugnante para apresentar os meios de prova que pudessem justificar a retenção do imposto, é que a aqui impugnante apresentou os documentos que legitimavam a retenção na fonte realizada, mas datados do ano 2003, não do ano 2000, tal como facto a lei impunha, no caso o artº. 9 nº.1 do D.L nº. 215/89 de 1 de Julho;

5.ª Mais sendo de referir que, a legislação em vigor, à data, da decisão proferida em 20.11.2003, pela Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, que determina a emissão da liquidação nº. 642003423 referente ao IRC de 2000, não permitia que relativamente a entidades não residentes, a prova fosse realizada em momento posterior aquele em que era obrigatório realizar a retenção na fonte, e a possibilidade de tal prova ser obtida e apresentada em momento posterior, apenas veio a ser previsto com as alterações constantes da Lei 67- A/2007 de 31 de Dezembro, operadas nos artigos 18.º do Dec.Lei 42/91 de 22 de Dezembro e 90.º- do Código de IRC;

6.ª Donde, a ser assim, é nosso entendimento que aquando da decisão proferida pelos serviços da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, anteriormente identificada, os serviços da Administração Fiscal, actuaram de acordo com a lei vigente e em cumprimento daquela, sendo que, a lei vigente não permitia outro tipo de actuação, e o imposto foi liquidado nesse mesmo pressuposto, o qual, mais não era de que não tendo o contribuinte (no caso a aqui impugnante) cumprido os requisitos legalmente previstos o artº. 9 nº.1 do D.L nº. 215/89 de 1 de Julho, no momento da verificação do facto tributário, teria que haver lugar à liquidação realizada, na medida em que, à data em que a Administração Fiscal decide (20.11.2003) o disposto no n.º6 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro e no n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC, outra decisão não permitiam que fosse tomada;

7.ª Pelo que, de tudo o que vimos de dizer, é nosso entendimento que a Douta Sentença aqui sob recurso, incorre em erro de facto e de direito, quando considera que a Administração Fiscal praticou um acto ilegal ‘’ que configura uma situação de erro imputável aos serviços para efeitos do previsto no art.º 43 nº. 1 da LGT, na medida em que à data em que é determinada, pela Administração Fiscal, a liquidação de IRC referente ao ano de 2000 impugnada nos presentes autos, a lei em vigor não legitimava, a nosso ver, outro comportamento que não fosse aquele que foi decidido pela Administração Fiscal.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V.as Ex.as Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, deverá a Douta Sentença sob recurso, ser substituída por outra que reconheça apenas a anulação da liquidação de IRC referente ao ano de 2000, mas sem o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da impugnante, com todas as consequências legais, como é de justiça».

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

I. Nenhum reparo merece a douta Sentença do Tribunal a quo que determinou a anulação total das liquidações objeto de impugnação judicial.
II. A Mma. Juiz do Tribunal a quo determinou a anulação da liquidação adicional de IRC impugnada referente ao exercício de 2000 por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
III. A Fazenda Pública, logo no ponto 1 das suas alegações, vem expressamente concordar e aceitar que a liquidação foi correta e legalmente anulada por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, incidindo o presente recurso apenas sobre a condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios.
IV. A douta Sentença ao anular a liquidação por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, ao constatar que a liquidação impugnada era ilegal e por força desta resultou o pagamento de imposto de valor superior ao legalmente devido pela Recorrida, não podia decidir de outra forma que não fosse a de condenar a Administração Tributária a pagar à Recorrida juros indemnizatórios, nos termos previstos no art. 43º, nº 1 da LGT e art. 61º do CPPT.
V. É este o entendimento acolhido e firmado na Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
VI. Entendendo também a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, sendo a liquidação anulada por estar ferida de ilegalidade e por isso ser considerada ilícita, decorre da constatação da ilegalidade a existência da culpa dos Serviços, independentemente da culpa de qualquer pessoa ou serviço concreto da Administração Tributária.
VII. Não incorrendo a douta Sentença em qualquer erro de facto e de direito, conforme incorretamente entende a Recorrente Fazenda Pública.
Acresce que,
VIII. Não corresponde à verdade que a Administração Tributária quando emitiu as liquidações adicionais de IRC estava a atuar em conformidade e em cumprimento da legislação em vigor.
Efetivamente,
IX. Em 1999 e 2000 quando a Recorrida efetuou os pagamentos de juros à sociedade de direito françes “D..., S.A.”, aplicando a taxa de retenção de IRC reduzida de 12%, prevista no art. 12º, nº 2 da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e França, a legislação que regulava esta matéria era apenas a referida Convenção e o art. 9º, nº 1 do DL nº 215/89. de 01 de julho.
X. Não existia qualquer disposição legal no nosso Ordenamento Jurídico que estabelecia qualquer outro requisito legal para aplicação das Convenções para além do disposto na referida Convenção e no citado art. 9º.
XI. O único requisito substancial implícito que a Recorrida tinha que verificar era o da residência ou sede no outro Estado Contratante (França) da beneficiária do rendimento.
XII. Foi isso que a Recorrida verificou, conforme formulários modelo 9 RFI certificados pelas Autoridades Fiscais Francesas, atestando que a sociedade “D..., S.A.” foi residente para efeitos fiscais, em França, nos exercícios de 1999 e 2000.
XIII. Não corresponde também à verdade que foi apenas com a Lei do Orçamento para 2008, Lei nº 67-A/2008, de 31 de dezembro, que passou a ser permitido que a prova da residência ou sede no outro Estado Contratante da Convenção pudesse ocorrer em momento posterior àquele em que era realizada a retenção na fonte e pagamento/entrega do imposto.
XIV. O art. 90º-A do CIRC, introduzido pela referida Lei do Orçamento de Estado para 2008 e o art. 48 dessa Lei que determinou a aplicação retroativa deste novo regime a todas as situações anteriores, é uma lei interpretativa com vista a precisar o sentido e o alcance de disposições normativas anteriores nos termos do disposto no art. 13º do Código Civil.
XV. Sempre foi entendimento da Lei que o certificado comprovativo de residência no Estado Contratante podia ser apresentado em momento posterior à retenção efetuada e à entrega do imposto - era isso que já resultava do texto da Convenção e do art. 9º do DL nº 215/89 e posteriormente do art. 90º do CIRC na redação dada pela Lei nº 32-B/2002.
XVI. O certificado comprovativo de residência no Estado Contratante podia ser apresentado em momento posterior à retenção efetuada e à entrega do imposto, tal certificado constitui um requisito “ad probationem”, um mero ato de reconhecimento dos pressupostos materiais/substantivos da limitação ou exclusão da tributação contidos nas Convenções.
XVII. O que releva é a efetiva verificação dos pressupostos substantivos, mesmo que o certificado tenha sido apresentado posteriormente à retenção efetuada.
XVIII. A norma do Orçamento de Estado de 2008 que veio determinar a aplicação retroativa do regime de limitação do substituto tributário constitui um reconhecimento explicito de que é ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando comprovasse a verificação dos pressupostos para dispensa total ou parcial da retenção.
XIX. A Recorrida podia apresentar prova de residência da sociedade Francesa em França em momento posterior ao pagamento dos juros e retenção do imposto, conforme efetivamente fez na sequência na notificação recebida da Administração Tributária para o efeito no ano de 2003, conforme ficou assente nos Autos de Impugnação.
XX. É esse o entendimento acolhido e firmado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Termos em que, em face do exposto e do mais que por certo VV. Exas. não deixarão de doutamente suprir, deve negar-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta Sentença recorrida, com o que este Venerando Tribunal fará JUSTIÇA».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal é de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente e sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão que essencialmente importa conhecer reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios decorrente da anulação da liquidação de IRC impugnada.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:


«A) No exercício da sua atividade a ora impugnante efetuou, durante os exercícios de 1999 e 2000, diversos pagamentos de juros à sociedade D..., S.A., entidade residente em França, ascendendo o valor total de rendimentos pagos a 142.929,85 €, em 1999, e 119.100,41 €, em 2000.
B) A impugnante efetuou retenção na fonte sobre as quantias mencionadas na alínea que antecede à taxa de 12%, com base no artigo 12.º, n.º 2 da Convenção Bilateral para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a França C) Na sequência da apresentação das respetivas declarações modelo 130, referentes aos rendimentos pagos em 1999 e 2000, a que se alude em A), foi a impugnante notificada, através do ofício n.º 28372, de 22/07/2003, da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais, para “apresentar os meios de prova que justifiquem a retenção de imposto, em parte (art.º 9.º do DL n.º 215/89, de 1 de Julho), concretamente o original dos formulários que justifique a retenção do imposto aplicando-se a taxa de 12% […], nos pagamentos efetuados à seguinte entidade: D..., S.A. (1999 e 2000).” – cfr. fls. 10, 26/28 e 47/49 do processo administrativo apenso aos autos.
D) Conforme solicitado, em 12/08/2003, a impugnante apresentou cópias dos formulários modelo 9 RFI, certificadas, em 04/08/2003, pelas autoridades fiscais francesas, atestando que a sociedade D..., S.A. foi residente para efeitos fiscais, em França, nos exercícios de 1999 e 2000 – cfr. fls. 12/14 e 39/40 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 24/09/2003, a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais emitiu a proposta de correção n.º 1891/03, da qual se extrai:
















- cfr. fls. 18 do processo administrativo apenso aos autos.
F) Em 25/09/2003, a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais emitiu a proposta de correção n.º 1893/03, da qual consta,














- cfr. fls. 38 do processo administrativo apenso aos autos.
G) Sobre as propostas de correções referidas em E) e F), em 09/10/2003, foi exarado despacho de concordância pelo Sr. Subdiretor Geral dos Impostos.
H) A impugnante exerceu o seu direito de audição prévia sobre os projetos de correções mencionados em E) e F), nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 33/36 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
I) Em 13/11/2003, a Direção dos Serviços dos Benefícios Fiscais emitiu a informação n.º 2277/2003, com o seguinte teor:









- cfr. fls. 30/31 do processo administrativo apenso aos autos.
J) Sobre a informação a que se alude em I) recaiu despacho de concordância da autoria do Sr. Subdiretor Geral, datado de 20/11/2003 – cfr. fls. 30 dos autos.
K) Em 12/12/2003 foram emitidas as liquidações n.ºs 6420003422 e 6420003423, referentes a IRC dos exercícios de 1999 e 2000 e respetivos juros compensatórios, nos montantes de 14.552,69 € e 11.454,00 €, respetivamente – cfr. fls. 12/13 dos autos.
L) As liquidações identificadas em K) foram pagas em 21/01/2004 e 04/01/2004, respetivamente – cfr. vinheta aposta nos documentos de cobrança constantes de fls. 12/13 dos autos.
M) A presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 01/04/2004 – cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos».

E mais se deixou consignado na sentença:

«Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Tal como resulta do probatório, a impugnante, nomeadamente no exercício de 2000 efectuou o pagamento de juros a uma sociedade não residente, tendo efectuado retenção na fonte à taxa reduzida de 12% prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação firmada entre Portugal e a França (país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos).

No seguimento da apresentação da declaração mod.130, referente a rendimentos pagos, ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes, a impugnante e ora Recorrida veio a ser notificada pela Administração tributária para apresentar os formulários justificativos da retenção do imposto à taxa reduzida da Convenção.

A impugnante veio a apresentar tais formulários, mas só certificados pela autoridade fiscal do país de residência do beneficiário dos rendimentos em 04/08/2003, atestando embora que a sociedade D..., S.A. foi residente para efeitos fiscais em França nos exercícios de 1999 e 2000.

Tal documento não foi aceite pela Administração tributária no pressuposto entendimento de que a certificação não fora feita em tempo útil, ou seja, até à data de pagamento ou colocação dos rendimentos (juros) à disposição da entidade beneficiária não residente (a D..., S.A.). E liquidou IRC pela diferença entre a taxa normal e a reduzida, em causa nestes autos.

A Lei n.°67-A/2007, de 31 de Dezembro, no n.°4 do seu art.º 48.°, determina a aplicação retroactiva do regime por ela introduzido nos arts. 90.°, n.°4, e 90°-A n°6. Nesta redacção de 2007, a situação está prevista neste art°. 90.°-A, em cujos n.°s 1, 2, 3, 5 e 6 se estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
1 - Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.°1 do artigo 88º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.°2 do artigo 80º os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:
a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência;
b) (...)
3 - Os formulários a que se refere o número anterior, devidamente certificados, são válidos por um período máximo de:
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos n.°s 3 e seguintes do artigo 14.°, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei
6 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.°2 do presente artigo e os n.°s 3 e seguintes do artigo 14.°, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.

Como resulta destas disposições, embora a não apresentação do formulário referido na alínea a) do n.°2, pelos beneficiários dos rendimentos, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto gere as obrigações de o substituto tributário efectuar a retenção de IRC e, quando não a tiver efectuado, entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido, admite-se, no n.°6, que esta responsabilidade seja afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n.°2 a verificação dos pressupostos para dispensa e retenção.

Por outro lado, o n.°4 do art°. 48.°, da referida Lei n.°67-A/2007, estatui o seguinte:
"O afastamento da responsabilidade prevista no n.°4 do artigo 90. ° e no n.°6 do artigo 90º-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação " (sublinhados nossos).

Assim, o afastamento da responsabilidade do substituto tributário previsto naquele n.°6 do art.90º-A é de aplicação retroactiva, excepto se tiver havido lugar ao pagamento do imposto e não estiver pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.

Nesta linha de raciocínio, a sentença no entendimento de que a Administração tributária incorrera no vício de violação de lei por erro nos pressupostos ao liquidar IRC pela diferença resultante da aplicação da taxa normal e reduzida aos rendimentos pagos pela impugnante, não obstante a prova dos requisitos de aplicação da Convenção feita após o termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, anulou a liquidação e reconheceu à impugnante o direito aos juros indemnizatórios peticionados.

Contra o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios se insurge a Recorrente porquanto, e a seu ver, a Administração tributária não agiu com erro, antes em estrita conformidade com a lei vigente à data da liquidação (2003), só alterada retroactivamente pelo art°.48.°, n.°4, da referida Lei n.° 67-A/2007. E nesse entendimento, não estão reunidas as condições de que depende o direito aos juros indemnizatórios, previstas no art.º43.º, da LGT.

Sobre questão idêntica já se pronunciou o STA no seu Acórdão de 07/12/2010, proferido no proc.º01075/09, que se transcreve na parte relevante para a controvérsia dos autos:

“No caso vertente, embora o imposto resultante dos actos de liquidação impugnados estivesse pago à data da entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007 (…), já se encontrava, na altura, pendente a presente impugnação judicial. Por isso, e independentemente da responsabilidade contra-ordenacional que à Impugnante possa ser imputada pela falta de oportuno cumprimento do requisito formal constante do n.º4 do artigo 14.º do CIRC, tem de concluir-se pela ocorrência dos pressupostos para a aplicação da aludida isenção e para o afastamento da sua responsabilidade como substituto tributário.
As liquidações impugnadas enfermam, pois, de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, determinante da sua anulação.
O que nos leva à necessidade de apreciar o pedido de condenação da Administração ao pagamento de juros indemnizatórios formulado na petição inicial.
A Impugnante pretende que lhe sejam pagos juros indemnizatórios (…).
Segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Como se deixou já explicitado no acórdão proferido neste Supremo Tribunal em 28/10/2009, no processo n.º 477/09, que se debruçou sobre esta específica matéria e cuja fundamentação sufragamos, «A letra desta norma, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado. A Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços.
Esta culpa está, em regra, conexionada com a própria prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita (No domínio da responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública há coincidência entre ilegalidade e ilicitude - art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 48051, de 21-11-1967 e art. 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro). Na verdade, quando uma determinada conduta constitui um facto que à face da lei é qualificável como ilegal, deverá fazer-se decorrer da constatação da ilegalidade a existência de culpa, por ser algo que em regra se liga ao próprio carácter ilícito do facto, só sendo de a afastar se se demonstrar que ela, no caso, não ocorre (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 24-4-2002, recurso n.º 117/02.)
No caso em apreço, o n.º4 do art.º48.º da Lei n.º 67-A/2007, ao determinar a aplicação retroactiva do regime que se prevê expressamente no n.º 4 do art. 90.º-A, constitui um reconhecimento explícito de que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando se comprovasse a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção, mesmo que a comprovação viesse a ser feita apenas depois do momento em que retenção deveria ser efectuada.
Na verdade, em face do referido princípio da legalidade a que está subordinada a actividade da Administração Tributária, só com fundamento em ilegalidade se pode compreender que, na prática, se anulassem por via legislativa liquidações de imposto já efectuadas, como faz aquela norma, ao determinar a exclusão da responsabilidade do substituto tributário «independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto».
E, efectivamente, em situações em que foi efectuada uma liquidação em momento que já se sabe que não se verifica o facto tributário que lhe está subjacente, não pode deixar de entender-se que se está perante um acto ilegal, desde logo à face dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo art.º 55.º da LGT e que são corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.».
Aplicando esta doutrina ao caso vertente, torna-se evidente que houve erro imputável aos serviços no que toca à liquidação de IRC relativamente ao ano de 2000, por não ser permitido, à luz da legislação então vigente, exigir que a prova da residência fosse efectuada exclusivamente nos termos e moldes previstos no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC.
Por outro lado, quanto às liquidações dos anos de 2001 e 2002, os serviços da AT tiveram conhecimento, na altura em que efectuaram a inspecção e realizaram as liquidações adicionais, que a sociedade beneficiária dos rendimentos era efectivamente residente em França e que se encontram preenchidos todos os pressupostos materiais para a aplicação da isenção prevista na Directiva 90/435/CEE, conforme resultava dos documentos que estavam já na posse da Impugnante e que lhes foram apresentados. Pelo que se impunha o reconhecimento, pelos serviços, da isenção de tributação prevista nessa Directiva e invocada pela Impugnante, não se justificando que a tenham, ainda assim, obrigado ao pagamento do imposto como substituto tributário.
«É certo que numa situação deste tipo, a actuação da Impugnante violou a lei, pois, como ainda não tinha em seu poder os documentos em causa, deveria ter efectuado a retenção. Por isso, essa conduta é susceptível de integrar uma contra-ordenação fiscal, designadamente a tipificada no n.º 4 do art. 114.º do RGIT. Mas, essa ilegalidade da actuação da Impugnante não pode justificar que seja liquidado imposto que, no momento em que é efectuada a liquidação, já se sabe que não era devido. Foi, aliás, este o entendimento que esteve subjacente à redacção do n.º 6 do art. 90.º-A introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, em que, apesar de se afirmar a subsistência da responsabilidade contra-ordenacional, se afasta a responsabilidade do substituto pela falta de retenção, nos casos em que, posteriormente, se confirma que não se verificavam os pressupostos da exigência de imposto às entidades não residentes.» - citado acórdão do STA.
Consequentemente, houve erro imputável aos serviços para efeitos no disposto no art.º43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que levam ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago (…)”.

Tendo a sentença decidido no alinhamento desta jurisprudência superior, que entendemos ser de seguir quer pela assertividade dos fundamentos que convoca, quer tendo em vista o disposto no n.º3 do art.º8.º, do Código Civil, é de confirmar o acerto do julgado.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro