Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00876/15.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/04/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS;
DIREITO DE ESTRANGEIROS
Sumário:O regime excepcional referido no artigo 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho não depende da solicitação do particular, sendo de natureza oficiosa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ZSG
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
ZSG vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 11 de Dezembro de 2015, e que indeferiu a presente Intimação para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias que intentou contra o Ministério da Administração Interna, e onde era solicitado que:

A) Deve a presente intimação ser julgada procedente e, em consequência, deverá o R. ser intimado a deferir a legalização do A. em Portugal, ao abrigo do artigo 123º da Lei, sob pena de violação dos direitos fundamentais aí implicados (art.ºs 13º, 15º, n.º 1, e 44º n.º 1 da CRP);

B) Subsidiariamente, e caso se entenda não estarem, preenchidos os pressupostos da presente intimação, sempre se requer a convolação desta numa providência cautelar, na qual se requer que o R. seja condenado nos mesmos pedidos supra referenciados, embora a título provisório, feitos no âmbito da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;

C) Mais se requer o decretamento provisório de tal providência no prazo de 48 horas, nos termos do art.º 131º, n.º 3, do CPTA, tudo com as devidas e legais consequências…”

Em alegações o recorrente concluiu assim:

I) O tribunal recorrido incorreu, desde logo, em erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que “fez tábua rasa” dos factos alegados pelo recorrente nos art.ºs 20.º a 28º e 36.º do r.i., os quais, além de alegados, foram devidamente comprovados através da junção dos documentos n.ºs 3 e 4 e não foram impugnados pelo recorrido;

II) Sendo certo que, tal como se disse no art.º 25.º do r.i., dúvidas não podem restar de que tais factos são do conhecimento geral, não carecendo, como tal, de prova nem de alegação nos termos do art.º 412.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA;

III) Razão pela qual, a sentença recorrida violou o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º do CPC aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA. Devendo, nesta conformidade, ser alterada a matéria de facto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC, ex vi art.ºs 1.º e 140.º do CPTA, passando a incluir-se os factos constantes dos art.ºs 22.º a 28.º do r.i., com base nos documentos n.ºs 3 e 4, oportunamente, juntos com o r.i.;

IV) Incorreu, ademais, a douta sentença recorrida em erro de julgamento quanto à matéria de direito, quando considera que não ocorre, no caso, violação de princípios de actuação administrativa uma vez que “a apreciação e enquadramento do pedido formulado pelo requerente ao abrigo do citado art.º 123.º da Lei n.º 23/2007 é matéria de discricionariedade administrativa (…) ”;

V) Sendo certo que o entendimento do douto tribunal a quo não poderá proceder sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva constante dos art.ºs 20.º da CRP e 2.º do CPTA, do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2.º da CRP e dos princípios gerais inerentes à função jurisdicional consagrados no art.º 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP;

VI) A decisão sub judice é, outrossim, contraditória com a parte da própria fundamentação que nela é elencada, o que acarreta nulidade da sentença por oposição da decisão com os seus fundamentos, à luz do disposto no art.º 615.º, n.º 1 al. c) – 1ª parte do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, pois, apesar de considerar que a IPDLG era o meio adequado para reagir à actuação do recorrido, não logrou o meritíssimo juiz a quo pronunciar-se quanto ao mérito da pretensão deduzida pelo recorrente;

VII) Sendo incontroverso que qualquer cidadão – nacional ou estrangeiro – é sempre titular de direitos que encontram o seu fundamento na própria condição de “ser humano” e, como tal, não podem ser negados a ninguém, nem sequer ao abrigo do poder discricionário da administração, que nunca é total.

VIII) Ainda que a permanência de não nacionais no território do Estado não seja livre, (estando condicionada à formulação de uma decisão favorável do aparelho estadual), sempre se dirá que os princípios da Segurança Nacional e da Ordem Pública hão-de necessariamente harmonizar-se com o (s) direito (s) do (s) cidadão (s) estrangeiro (s) a permanecer (em) em território nacional.

IX) E nem se diga que vale aqui a regra de exclusão do controlo jurisdicional relativamente ao acto administrativo discricionário, tendo em conta que, in casu, se verificou a violação dos chamados limites internos da discricionariedade, i.e., dos princípios que, segundo o artº 266º da CRP sempre devem nortear a actividade da Administração.

X) Violou, desta feita, a decisão de indeferimento do recorrido o disposto nos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º, todos do CPA, razão pela qual mal andou o tribunal a quo ao ter decidido não ser possível concluir pela violação dos princípios da actuação administrativa.

XI) Ao ter considerado improcedente o pedido formulado pelo recorrente nos presentes autos, a decisão recorrida violou, ainda, o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos art.ºs 20.º da CRP e 2.º do CPTA, o princípio do Estado de Direito Democrático previsto no art.º 2.º da CRP, os princípios gerais inerentes à função jurisdicional consagrados no art.º 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, bem como o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, 71.º, n.º 2 a contrario, 95.º, n.º 3 a contrario e 109.º, n.º 1, todos do CPTA.

XII) A interpretação do tribunal a quo, ao concluir pela não-violação de princípios de actuação administrativa, embora reconhecendo que a situação sub judicio impunha uma tutela definitiva e célere dos direitos fundamentais do recorrente, afigura-se, salvo o devido respeito, como interpretação manifestamente inconstitucional do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º1 e 109.º, n.º1 do CPTA, pois que, uma vez mais, deixa feridos de morte o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio do Estado de Direito Democrático e os princípios gerais inerentes à função jurisdicional consagrados no art.º 20.º, n.º 2 e 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP.

A entidade recorrida contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões (a sua enumeração começa no artigo 55º na sequência das alegações):

55º

Denota-se, assim, o perfeito enquadramento do despacho supra, de não apreciação, no disposto no artigo 123.º da Lei n.º 23/2007 de 4/7.

56º

O preceito invocado encerra uma norma excepcional face ao regime legal de admissão de cidadãos estrangeiros em Portugal, que se consubstancia na concessão de um visto adequado à finalidade da estada, in casu, visto de residência.

57º

Nesta medida, os cidadãos estrangeiros só estão abrangidos pelo artigo 123.º da Lei acima referida, quando se enquadrem numa situação de tal forma especial que justifique a derrogação do regime legal e das restantes normas excepcionais.

58º

Trata-se de um regime excepcional de autorização de residência e tal excepcionalidade advém da invulgaridade das situações que visa proteger, invulgaridade que, à luz dos factos apresentados, não existe no caso em apreço.

59º

Dos factos analisados, constata-se que se não está perante qualquer situação que melhor se enquadre no conceito indeterminado da Lei.

60º

O conteúdo específico do interesse público em causa encontra completa e legitima identificação no procedimento prosseguido, que respeitou todas as garantias do ora Recorrente;

61º Em suma, o recurso apresentado pelo ora Recorrente é de todo improcedente, uma vez que;

- o despacho de não apreciação da manifestação de interesse afigura-se como insindicável;

- o acto devido – o da concessão de uma autorização de residência ao abrigo do artigo 123ºda Lei nº 23/2007 – não pode ser objecto de um acto administrativo proferido pela ora Recorrida, sob pena desta proferir um acto ilegal, ferido de incompetência.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso

As questões a decidir prendem-se com o facto de se saber se o recorrente tem direito a que seja deferida a autorização da sua residência temporária em Portugal, ao abrigo do artigo 123ºdo Decreto-Lei n.º 27/2007, de 4 de Julho.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO

Para a presente decisão dá-se como provada a seguinte matéria de facto:

A – O Requerente, ZSG, é cidadão da República da Guiné Bissau, sendo detentor de passaporte emitido por este país (cf. doc. a fls. 3 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

B – O Requerente em 02.10.2015 apresentou um requerimento junto do SEF - Delegação de Coimbra, tendo solicitado a regularização da sua situação em Portugal ao abrigo do “[…] art.º 123º da Lei 23/2007 de 4 de Julho […]” (cf. docs. a fls. 1 a 7 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

C – Em impressão do sistema do SEF intitulado «Consulta de Pessoas e Documento de Viagem», consta que o Requerente tem vistos temporários, tendo o último terminado em 06.07.2014 (cf. doc. a fls. 9 a 10 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

D – Em informação dos serviços do SEF, datada de 09.10.2015, quanto ao pedido referido na alínea «B», concluiu-se que: “ […] Pelo que antecede, consideramos que a pretensão apresentada não será susceptível de enquadramento na disposição legal prevista nas alíneas a) a c) do artigo 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, com as posteriores alterações, pelo que s.m.o. não deverá V/Exa. exercer a prerrogativa conferida apresentado a Sua Exa. A Ministra da Administração Interna a proposta a que se refere o citado preceito […] ” (cf. doc. a fls. 11 a 14 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

E – Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Diretor Nacional Adjunto do SEF, datado de 20.10.2015 (cf. doc. a fls. 11 a 14 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

F – Por ofício do SEF datado de 21.10.2015, foi dado conhecimento ao Requerente que:

“ […] 2. Após análise dos argumentos invocados pelo cidadão estrangeiro para sustentar a concessão da autorização de residência, considerou o órgão competente para propor esta concessão a S/EXA o Ministro da Administração Interna que os mesmos não se enquadram no regime excepcional previsto no artigo 123º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, com as posteriores alterações.

3. Perante o exposto, notifica-se V/Exª que, relativamente aos requerimentos supra identificados, o pedido não será analisado nos termos do disposto no art. 62º do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, e suas posteriores alterações, nas situações extraordinárias passíveis de aplicação do regime excepcional previsto no art. 123º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, com posteriores as alterações.

4. Poderá V. Ex.ª querendo, impugnar judicialmente a actuação administrativa em causa, nos termos e prazo previsto no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

5. Mais se informa que, não estando devidamente regularizada a sua situação em Território Nacional, poderá ser promovida a organização de procedimento de afastamento coercivo ou de expulsão, com os fundamentos em permanência ilegal em território português, cfr. a al a) do nº 1 do artigo 134.º da Lei de Estrangeiros […] ” (cf. docs. a fls. 15 a 17 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

2– DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I- O recorrente vem sustentar que ocorre nulidade da sentença por oposição da decisão com os seus fundamentos. Refere que depois de se ter considerado que a Intimação para Direitos Liberdades e Garantias era o meio adequado para reagir à actuação do recorrido, o Tribunal a quo não logrou pronunciar-se quanto ao mérito da pretensão.

É de referir, desde já, que não se compreende bem esta alegação.

De acordo com a alínea c) do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Ou seja, a sentença será nula quando a conclusão retirada esteja em oposição com a fundamentação constante da mesma. A sentença deve constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deve ser a conclusão lógica das normas legais aplicadas, tendo em atenção os factos dados como provados. Ocorre, assim, nulidade de sentença quando das premissas de facto e de direito se retira uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter retirado.

Como se refere no Acórdão do TRG proc. n.º 414/13.6TBVD.G1, de 14-05-2015 I – Verifica-se a nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

No caso em apreço vem o recorrente sustentar que ocorre nulidade uma vez que depois de se considerar que a Intimação para Direitos Liberdades e Garantias era o meio adequado para reagir à actuação do recorrido o Juiz não logrou pronunciar-se quanto ao mérito da pretensão.

Não se vê que contradição pretende referir o recorrente. O Tribunal a quo, após concluir que a pretensão deduzida pelo recorrente poderia ser apreciada através de uma Intimação, analisou a pretensão deduzida, tendo indeferida a mesma. No entanto, não é pelo facto de a decisão ter sido de indeferimento que há uma qualquer contradição. A conclusão está de acordo com as premissas enunciadas pela decisão recorrida, não se vendo que tenha ocorrido qualquer contradição. Nem, aliás, o recorrente refere onde estará a contradição.

Assim, sem necessidade de mais considerações, conclui-se que não procede esta nulidade invocada.

II- Vem ainda ao recorrente sustentar que ocorre erro de julgamento quanto à matéria de facto, referindo que o Tribunal a quo fez “ tábua rasa” dos factos alegados nos artigos 20º a 28º e 36º do requerimento inicial.

Refere o artigo 607º do CPC, nos seus n.ºs 3 e 4, que:

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”.

Na elaboração da decisão, quando estejam em causa factos que decorram dos documentos juntos aos autos, como é o caso em apreço, deve ser seleccionada a matéria de facto essencial à decisão da causa. Deve ser evitada a matéria de facto que não se mostre relevante para tal fim.

Como se refere no Acórdão deste Tribunal proc. n.º 02389/10.4BELSB, de 25/11/2014, referido pela Digna Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer: “o julgador deve proceder ao julgamento de facto seleccionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa”.

No caso dos autos vem o recorrente sustentar que deveriam ter sido seleccionados os factos constantes dos artigos 20º a 28º e 36º da pi.

Alguns dos referidos artigos contêm matéria de direito ou são conclusivos não devendo por isso mesmo ser seleccionados. As questões de matéria de facto que aí se colocam referem-se ao facto de o recorrente ter sido jogador da selecção da Guiné, questão sobre a qual não junta qualquer documento. Refere ainda que no seu País de origem ocorrem problemas de segurança, resultado da instabilidade do mesmo, facto conclusivo, remetendo para algumas notícias de jornal, a respectiva prova. Estamos perante alegações gerais sem correspondência com a situação concreta do recorrente. Estes factos alegados não são essenciais à decisão da causa, como iremos analisar de seguida, nem podem ser dados como provados apenas pela parca documentação junta. Por seu lado não devem ser seleccionados factos meramente conclusivos.

Indefere-se assim o pedido de alteração da matéria de facto.

III- Sustenta o recorrente que solicitou que lhe fosse concedida autorização de residência temporária ao abrigo do artigo 123º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que lhe foi indeferida.

A decisão recorrida considerou que não ocorre qualquer ilegalidade no acto de indeferimento da sua pretensão, o que este vem contestar, referindo que o entendimento do Tribunal a quo viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio do Estado de Direito democrático e princípios gerais inerentes à função jurisdicional.

A decisão recorrida depois de analisar o artigo 123º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, e a anotação feita a este artigo por Júlio A.C. Pereira e J. Cândido de Pinho, termina, referindo:

Na presente situação é nosso entendimento que a apreciação e enquadramento do pedido formulado pelo Requerente ao abrigo do citado art.º 123.º da Lei n.º 23/2007 é matéria de discricionariedade administrativa, só sendo sindicável pelos Tribunais quando exista uma apreciação desviada e desconforme do normativo em causa com os princípios gerais que regem aquele âmbito da atividade administrativa. Assim, por força do princípio da separação e interdependência dos poderes constitucionalmente consagrado e, aliás, também vertido no art.º 3.º do CPTA, não tendo sido alegada, ou sequer se vislumbre, qualquer patente desconformidade da atuação da administração na presente situação, não pode o presente Tribunal, impor a conduta pretendida à Requerida.

Reforçando esta tese delimitadora de poderes, está a própria redação normativa do mencionado art.º 123.º que nos aponta no sentido do processo de autorização de residência aqui previsto ser de natureza oficiosa, tal como se refere, por exemplo, no Ac. do TCAN de 07.03.2013, proferido no Proc. n.º 01949/10.8BEPRT.

Por outro lado e ainda, não se vê na conduta da Administração e no quadro legal citado em que a mesma se movimenta, qualquer ofensa aos princípios e regras constitucionais invocadas pelo Requerente.

Mais se diga, ainda, que apesar do Requerente referir a aplicabilidade do art.º 7.º da Lei n.º 27/2008 à sua concreta situação, a verdade é que a título de pedido nada solicita ao Tribunal ao abrigo daquela, pelo que inexiste qualquer pretensão sobre a qual este tenha que se pronunciar.

Concluindo, improcede aqui o pedido de intimação formulado pelo Requerente, sendo que a análise dos demais se encontra prejudicada atento a decisão tomada quanto a idoneidade da presente forma processual.

Diga-se, desde já que o assim decidido é para manter.

Refere o artigo 123º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que:

Artigo 123º

(Regime excepcional)

1 - Quando se verificarem situações extraordinárias a que não sejam aplicáveis as disposições previstas no artigo 122.º, bem como nos casos de autorização de residência por razões humanitárias ao abrigo da lei que regula o direito de asilo, mediante proposta do diretor nacional do SEF ou por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da administração interna pode, a título excecional, ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei:

a) Por razões de interesse nacional;

b) Por razões humanitárias;

c) Por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social.

2 - As decisões do membro do Governo responsável pela área da administração interna sobre os pedidos de autorização de residência que sejam formulados ao abrigo do regime excecional previsto no presente artigo devem ser devidamente fundamentadas.

A Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração (artigo 1º).

O artigo 123º vem definir situações excepcionais em que pode ser permitida residência temporária, situações excepcionais essas a aplicar apenas aos casos não abrangidos pelo artigo 122º, e que também não estejam abrangidos pela autorização de residência por razões humanitárias. Este regime excepcional não depende do impulso do particular mas apenas tem legitimidade para o mesmo o Director-Geral do SEF ou o Ministro da Administração Interna.

Ou seja, o regime excepcional referido no artigo 123º não depende da solicitação do particular, é de natureza oficiosa.

A razão de ser desta disposição prende-se com o facto de se tratar de uma situação excepcional e da necessidade de ser tratada como tal, pretendendo-se obstar a que a mesma possa ser utilizada abusivamente como um meio para o prolongamento da estadia em território nacional de cidadãos em situação ilegal. Como referem Júlio A. C. Pereira e J. Cândido de Pinho in «Direito de Estrangeiros – Entrada, Permanência, Saída e Afastamento», 2008, pág. 408: “ Por tudo isto, na última revisão do dl 244/98, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, mantendo-se embora a possibilidade de atribuição de residência, por interesse nacional, ao abrigo deste regime excepcional, procurou obstar-se ao seu uso abusivo, atribuindo ao director-geral do SEF a legitimidade para a proposta, sem prejuízo da possibilidade de iniciativa do Ministro da Administração Interna, a quem competiria a decisão, Regime este que, no respeitante ao procedimento, foi agora mantido”.

Ver, no sentido de se considerar este pedido fora do âmbito da solicitação do particular, anotação ao artigo 123º feita pelos autores anteriormente citados e na obra aí referida, pág. 407, quando referem:

2- Este regime tem natureza excepcional. Como resulta da epígrafe do artigo, sendo de natureza subsidiária. Ou seja, só é admitido quando a situação não seja abrangida pelo artigo anterior ou pelas normas que prevêem a concessão por razões humanitárias, nos termos da legislação sobre o asilo. Para além disso, não é relevante a iniciativa de qualquer candidato para a obtenção do título por essa via, já que a legitimidade para o efeito é do director-geral do SEF ou Ministro da Administração Interna […] ”.

Ver, no mesmo sentido jurisprudência deste Tribunal, processo n.º 01949/10.8BEPRT, de 07-03-2013, quando refere:

1-O procedimento de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, tem natureza oficiosa, sendo impulsionado por proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigida ao Ministro da Administração Interna, ou, directamente, pelo Ministro da Administração Interna.

Na fundamentação a este acórdão refere-se: Aliás a ratio legis deste normativo não se coaduna com o impulso particular, na medida em que este regime é um instrumento excepcional a impulsionar em situações também elas excepcionais.

Deixar o impulso nas mãos dos particulares significaria, no seu extremo, tratar situações excepcionais como se de situações não excepcionais se tratasse, e deixar ao seu alcance a derrogação do regime normal de concessão de autorização de residência. É precisamente o cariz de excepcionalidade subjacente a este regime de concessão de autorização de residência (art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho) que impõe a sua natureza oficiosa. Por outro lado, dispõe o art. 62º do Decreto Regulamentar 84/2007, de 5 de Novembro, que complementou o Regime de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros (Lei 23/2007, de 4 de Julho):“O procedimento oficioso de concessão de autorização de residência, desencadeado ao abrigo do artigo 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, rege-se, com as devidas adaptações, pelo disposto nos artigos 54º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (…) ” Daqui resulta, a nosso ver que o procedimento de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, tem natureza oficiosa, sendo impulsionado por proposta do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigida ao Ministro da Administração Interna, ou, directamente, pelo Ministro da Administração Interna, em nada obstaculizando o referido art. 53º do CPA. Sendo a lei clara e explícita no que concerne à natureza do procedimento de concessão de autorização de residência, previsto no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, não se impõe fazer qualquer tipo de juízo interpretativo não havendo qualquer “concurso de legitimados”, sendo a competência para abertura do procedimento oficioso de concessão de autorização de residência exclusiva da Administração – Ministro da Administração Interna ou mediante proposta àquele do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Pelo que, bem andou a sentença recorrida ao assim entender que o procedimento de concessão de autorização de residência, nos termos previstos no art. 123º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, é de natureza oficiosa, não podia ser impulsionado pelo particular.

Assim sendo, estando em causa um regime excepcional de atribuição de autorização de residência temporária de cidadãos estrangeiros no nosso País, de natureza oficiosa, o indeferimento de uma pretensão realizada por um particular não poderá ser sindicado pelos fundamentos invocados na mesma. Na verdade os fundamentos constantes da decisão estão no âmbito da discricionariedade da Administração, até porque só ela os pode invocar para autorizar a residência temporária de um cidadão.

Estamos no âmbito da actividade discricionária da Administração que apenas pode ser sindicada nos seus aspectos vinculados, como se refere no Acórdão do STA proc. n.º 0831/02 27-03-2003, ainda que quanto à vigência do regime do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto. I - O regime excepcional de concessão de autorização de residência consagrado no art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, consubstancia um poder discricionário da Administração, como tal apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente, os relativos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação do fim prosseguido. II - Não evidencia incorrer em erro grosseiro ou aplicação de critério manifestamente inadequado a recusa de autorização excepcional de residência a um estrangeiro que invoca, como fundamento do pedido, estar a trabalhar como pedreiro na construção civil, auferindo uma remuneração mensal certa, assim contribuindo para o desenvolvimento do país, e ter a sua vida estabilizada em Portugal, factos que não vão além do âmbito estritamente pessoal e que traduzem uma situação de normalidade e não de excepcionalidade, não sendo, como tal, subsumível aos conceitos de "reconhecido interesse nacional" e de "razões humanitárias".

De acrescentar que, nos termos do artigo 123º apenas podem ser concedidas as autorizações referidas quando esteja em causa:

a) razões de interesse nacional;

b) razões humanitárias;

C) razões de interesse público decorrentes do exercício de uma actividade relevante no domínio científico, cultural desportivo, económico ou social.

As razões invocadas pelo recorrente no seu requerimento, pretendendo jogar futebol, quando esteve em Portugal, segundo refere, um mês à experiência num Club de Futebol de Torres Vedras, e pretendendo ajudar a família, são questões estritamente pessoais não se reconhecendo nas mesmas qualquer carácter de excepcionalidade.

O recorrente, nas suas conclusões, vem ainda sustentar que o entendimento do Tribunal a quo viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio do Estado de direito democrático e os princípios gerais inerentes à função jurisdicional.

O princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende, como se refere no art.º 2º do CPTA, o direito de obter, em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo…”. Ora, não há dúvidas que o recorrente teve a sua pretensão apreciada em prazo razoável (o presente processo deu entrada em Tribunal na 1ª instância em 18 de Novembro de 2015), pelo que não pode sustentar que houve violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva ou de quaisquer outros princípios inerentes à função jurisdicional. O princípio da tutela jurisdicional efectiva não se materializa com uma decisão favorável, como parece referir. O princípio materializa-se pela apreciação da sua pretensão, com todas as garantias processuais, o que foi realizado.

De todo o exposto se conclui que não podem proceder as conclusões do recorrente, pelo que deve ser mantida a decisão recorrida.

3 – DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Sem custas
Notifique.

Porto, 4 de Março de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luis Miguéis Garcia
Ass.: Esperança Mealha