Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00148/06.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RENDIMENTOS DE CATEGORIA B – RENDIMENTOS EMPRESARIAIS E PROFISSIONAIS VERSUS RENDIMENTOS DE CATEGORIA G – INCREMENTOS PATRIMONIAIS (MAIS-VALIAS), IRS
Sumário:I - Apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos do tipo empresariais e profissionais, de capitais ou prediais.

II - “O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.

III – No caso dos autos, o circunstancialismo de facto evidencia que a actuação dos Recorrentes, desde a aquisição até à alienação dos imóveis, revela uma prática intencional de actos de valorização dos mesmos, com reflexo no seu património, a qual não se mostra consentânea com os ganhos de natureza fortuita e inesperada. Tratou-se de uma actuação inserida no exercício de actividade de natureza comercial e económica, concretamente o exercício de actividades de mediação entre a oferta e a procura desde 1989, actividade de “Mediação Imobiliária” (não cessada fiscalmente), em que os “ganhos” alcançados resultaram de valorização intencional produzida nos bens imóveis, com o propósito preestabelecido de revenda, com reincidência, abrangida pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do Código de IRS, cujos rendimentos são enquadráveis, em sede de IRS, como “Rendimentos da Categoria B – Rendimentos Empresariais”. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A. e Outra
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., NIF (…), e M., NIF (…), ambos com domicílio na Rua (…), (…), interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 21/11/2019, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRS, relativo ao ano de 2001, no montante de €25.188,22.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I. “O presente recurso vem reagir contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve na ordem jurídica a liquidação adicional do IRS relativo ao ano de 2001, considerando que os ganhos resultantes da alienação dos prédios urbanos inscritos na matriz predial sob o n.º 1252 da freguesia de (...), concelho de (...) e da fracção "C" do prédio inscrito na matriz sob o n.º 2005 da freguesia de (...), , devem ser considerados como rendimentos "comerciais" e não como rendimentos de mais-valias como foram declarados pelos ora recorrentes.
II. Para aquela decisão o tribunal a quo considerou por um lado que o impugnante marido se encontrava colectado desde o ano de 1989 pela actividade de "Mediador Imobiliário" e por outro lado que em 1997 adquiriu para revenda duas "moradias de casa térreas" inscritas na matriz predial da freguesia de (...), concelho de (...) sob os números 427 e 529, tendo declarado, na escritura de compra, que a aquisição se destinava a revenda.
III. "revenda" que não ocorreu, tendo aquelas duas ''moradias térreas" sido submetidas a obras, dando origem a um único prédio de rés do chão, primeiro e segundo andar, submetido ao regime da propriedade horizontal, composto por 5 fracções autónomas destinadas a comércio e serviços.
IV. Os prédios inscritos sob os artigos números 427 e 529 foram transferidos da actividade empresarial para o património dos impugnantes em 1998, que realizaram, a expensas suas, as obras de (re)construção, dando depois origem ao prédio que veio a ser inscrito na matriz predial da freguesia de (...) sob o n.º 2005.
V. Integrado no seu património pessoal, os impugnantes deram o referido prédio de arrendamento, tendo outorgado em 23.04.1998 o contrato de arrendamento da fracção "C" pela renda anual de EUR 20.949,51.
VI. Que no âmbito daquele referido contrato de arrendamento, auferiram no ano de 2001, da fracção "C" rendas do montante de EUR 17.457,89 que declararam como rendimentos Prediais incluídos no Anexo F junto com a declaração modelo 3 apresentada com referência ao ano de 2001.
VII. Assim, os recorrentes declararam como rendimentos de mais valias os ganhos obtidos com a alienação dos prédios inscritos na matriz predial da freguesia de (...) sob o n.º 1252, adquirido em 1993, e da fracção "C" do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de (...), (...), que adquiriram em 1998 e como rendimentos prediais as rendas auferidas, no ano de 2001, entre outros, da Fracção "C".
VIII. Dos factos dados como provados resulta que as "moradias térreas", inscritas na matriz predial da freguesia de (...) sob os números 427 e 529, adquiridas para revenda, não foram revendidas.
IX. Essas "moradias térreas" foram submetidas a obras, dando lugar a um prédio de rés do chão, primeiro e segundo andar, submetido ao regime da propriedade horizontal, constituído por 5 fracções, uma das quais a Fracção "C", destinadas a comércio e serviços.
X. As Fracções constituídas foram afectadas à produção de rendimentos e não à "revenda".
XI. Os impugnantes transferiram, em 1997, para o seu património particular, os bens que em 1996 tinham sido adquiridos para a actividade empresarial de "mediação imobiliária"
XII. E fizeram-no ao abrigo do disposto no art.º 29 do CIRS, norma que estabelece a possibilidade e o regime de transferência de bens do património pessoal para o património empresarial e deste para aquele.
XIII. O facto tributário inerente a "transferência" do património empresarial para o património pessoal ocorreu em 1997 e não em 2001.
XIV. Assim a haver apuramento de ganhos comerciais seria no ano de 1997 e não no ano de 2001.
XV. Ora, por força da faculdade expressamente admitida no CIRS (art.º 29.º), os impugnantes mesmo decidindo adquirir as "moradias térreas" para revenda, não tinham de ficar "amarrados" a essa decisão.
XVI. Por outro lado, o facto de o impugnante marido estar colectado, em nome individual pela actividade de "Mediação imobiliária" tal não significa que fique refém dessa actividade e que para de libertar dela tenha de apresentar uma declaração de cessação de actividade.
XVII. A norma antes citada disciplina o modo de tributação dos ganhos originados com essas "transferências", o que significa que estas a verificar-se nada tem de "contra legem".
XVIII. Acresce que, a declaração, na escritura, de que os prédios adquiridos se destinavam a revenda, perdeu validade quando no lugar daqueles surgiu um novo prédio, que veio a ser inscrito na matriz predial sob o n.º 2005.
XIX. Os prédios adquiridos em 1997 e a fracção alienada em 2001 são realidades distintas.
XX. Os primeiros desapareceram e no lugar deles surgiu um novo prédio distinto daqueles, quer quanto a volumetria, a dimensão, a funcionalidade.
XXI. O ganho resultante da alienação da fracção "C" não poderia ser considerada como um rendimento "comercial" porque não foi adquirido para revenda.
XXII. Ainda que se defendesse que a (re)construção do prédio inscrito na matriz predial sob o n.º 2005 era em si mesmo um acto comercial, então estar-se-ia perante uma actividade de "construção de prédios" mas esta não foi a orientação da AT quando se decidiu pela prática do acto tributário controvertido, nem os impugnantes se encontravam colectados por essa actividade.
XXIII. Se as fracções do prédio reconstruído não são activos adquiridos para revenda e antes são activos utilizados para produzir rendimento, como fonte de rendimento operacional, então a sua classificação na actividade empresarial teria de ser, como um activo fixo corpóreo, como um activo fixo tangível ou como uma propriedade de rendimento.
XXIV. E sendo um activo desta natureza, ainda que fazendo parte da "empresa individual" então os ganhos resultantes da sua alienação, quando detidos por período superior a um ano, constituem ganhos de mais valias e não rendimentos comerciais.
XXV. Ou seja se se entendesse que os imóveis teriam necessariamente que permanecer na "actividade empresarial" verificada a alteração ao destino - passando a ser prédios de rendimento - os ganhos da sua alienação não poderiam ser considerados como ''vendas" mas sim como rendimentos de mais valias.
XXVI Entendimento que está de acordo com a posição defendida por Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 316, "Para que possamos ter mais valias tributáveis autonomamente em IRS, temos de ter ganhos resultantes de uma alienação que não está integrada numa actividade comercial ou empresarial, ou estando nela integrada resulte da alienação de um bem que pertence ao activo imobilizado da empresa"
XXVII. Por outro lado, admitindo, o que não se concede, que os ganhos pudessem ser considerados como "rendimentos empresariais" a "atracção" que, no dizer de José Xavier de Basto, estas actividades têm sobre os rendimentos com elas relacionados, tais como, prediais, capitais e outros, então os rendimentos prediais declarados pelos recorrentes no anexo F, porque relacionados com os imóveis alienados também deveriam ser considerados como rendimentos empresariais e sujeitos a tributação de acordo com o regime simplificado.
XXVIII. Por último importa referir que a decisão recorrida fez errada interpretação do art. 51.º do CIRS, quando o facto de ter havido actividade de valorização dos bens, retirou aos ganhos que deles provenham a característica de ganhos de mais valias porque estes são ganhos fortuitos, ganhos trazidos pelo vento, sem qualquer actividade de valorização.
XXIX. Concluindo, a decisão recorrida ao decidir como decidiu fez uma errada valoração dos factos e uma errada interpretação e aplicação da lei.
XXX. Acresce que, a decisão recorrida não teve em conta que a AT não fundamentou o acto, na sua vertente material.
XXXI. Por outro lado, a decisão recorrida não teve em conta que a AT sobre quem recaía o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogou efectuando a liquidação adicional do IRS não logrou provar que o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de (...) tivesse sido adquirido no e para o exercício da actividade empresarial de "Mediação Imobiliária" e que "as moradias terrenas" tendo sido adquiridas para revenda, não foram transferidas da actividade empresarial para o património pessoal dos impugnantes.
XXXII. A decisão recorrida não teve em conta que o acto tributário controvertido viola o princípio constitucional da Capacidade contributiva
XXXIII. Assim a manter-se na ordem jurídica, o acto tributário controvertido, atentaria directamente com os princípios invocados, violando o disposto nos art.°s 13.º, 104.º n.º 2 da CRP, 74.º, 75.º 75.º, 77.º, 88.º e 90.º da LGT.
XXXIV. Atento o exposto a douta sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito com violação das normas contidas no art. 1.º art.º 3.º, 4.º, 10.º, 29.º, 43.º e sgs. do CIRS, e art.º 104.º da CRP
TERMOS EM QUE CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE DECLARE A IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE
PORÉM, V.EXAS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado improcedente a impugnação judicial, confirmando a qualificação efectuada pela AT dos rendimentos auferidos pelos Impugnantes relativos à alienação de dois imóveis no exercício de 2001: são rendimentos da Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais e não rendimentos da Categoria G - Incrementos patrimoniais (mais-valias).

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado:
1. Em 28/12/1993, foi celebrado no Cartório Notarial do (...), documento escrito particular com a denominação de “COMPRA E VENDA”, mediante o qual os ora Impugnantes na qualidade de segundos outorgantes adquiriram à sociedade comercial anónima “R., SA”, (50%) do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1252, sito em (...), (...), pelo valor global de “vinte mil contos”, [cfr. doc. 3 junto à PI, fls. 22/24 do p.f.];
2. Em 12/09/2001, foi celebrado no Cartório Notarial de (...), documento escrito particular com a denominação de “COMPRA E VENDA”, mediante o qual os ora Impugnantes na qualidade de primeiros outorgantes venderam à sociedade comercial anónima “C., SA” representada pelo Impugnante marido de que é seu Administrador único, a sua quota de (50%) do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1252, sito em (...), (...), pelo valor global de €52.373,78 [cfr. doc. 2 junto à PI, fls. 19/21 do p.f.];
3. Em 25/11/1996, foi celebrado no Cartório Notarial de (...), documento escrito particular com a denominação de “COMPRA E VENDA E HIPOTECA”, mediante o qual os ora Impugnantes na qualidade de segundos outorgantes adquiriram a H. e mulher C., o prédio urbano composto por duas moradas de casas térreas, sobradadas e telhadas, anexos, quintal e jardim, situado ao Parque (...), freguesia de (...), do concelho de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 28488 do Livro-B- 73, e inscrito nos artigos 427 e 529 da respectiva matriz com o valor patrimonial de 90.9090$00 e 103.896$00 no total de 1.012.986$00, mais consta: «(…) Que esta é a primeira transmissão após de Outubro de mil novecentos e oitenta e quatro. Declarou o segundo outorgante que aceita o contrato e que o imóvel adquirido se destina a revenda.(…)» [cfr. doc. 5 junto à PI, fls. 27/31 do p.f.];
4. Em 27/01/1999, o edifício composto por rés do chão, primeiro e segundo andares destinado a comércio e escritórios edificado no prédio referido em 3. foi constituído no regime de propriedade horizontal mediante escritura pública para o efeito, tendo sido constituídas as fracções autónomas pelas letras “A” com a área de 181,73m2, “B” com a área de 97,06m2, a “C” com área de 656,5 m2, a “D” com área de 48,90m2 e a “E” com a área de 81,7m2 [cfr. doc. 6 junto à PI, fls. 32/35 do p.f.];
5. À fracção “C” referida em 4., foi atribuído o valor patrimonial de €215.480,70 [cfr. doc. 7 junto à PI, fls. 36/38 do p.f.];
6. Em 23/04/1998, os ora Impugnantes deram de arrendamento a A., a fracção “C” do prédio sito no Parque (...), da freguesia de (...), com área de 656,6m2, pelo prazo de 5 anos [cfr. doc. 8 junto à PI, fls. 39/43 do p.f.];
7. A renda anual fixada foi de Esc.4.200.000$00 (€20.949,51) actualizável por aplicação dos coeficientes de actualização fixados anualmente, [cfr. doc. 8 junto à PI, fls. 39/43 do p.f.];
8. Em 20/12/2001, foi celebrado no 1.º Cartório Notarial de (...), documento escrito particular com a denominação de “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA”, mediante o qual os ora Impugnantes na qualidade de primeiros outorgantes venderam a A. E MULHER M., intervindo na qualidade de únicos sócios e ele único gerente, em representação da sociedade comercial por quotas denominada IMOBILIÁRIA M., LDA, a fracção “C” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, omisso na matriz na data da escritura e inscrito, em 2002, na matriz predial urbana sob o artigo 2005, da freguesia de (...), pelo valor de €249.398,95 [cfr. doc. 4 junto à PI, fls. 25/26 do p.f.];
9. No exercício de 2001, os ora Impugnantes declararam ter auferido rendas provenientes do arrendamento da fracção “C” no montante de €17.457,89 (cfr. linha 4 do Quadro 4 do Anexo F à declaração Modelo 3 de IRS apresentada), [cfr. doc. 9 junto à PI, fls. 44 do p.f.];
10. Da referida declaração modelo 3, relativa ao ano de 2001, mais consta que os Impugnantes declararam no anexo G da referida declaração os seguintes factos:
a) Venda da quota parte (50%) que detinham no prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo 1252, sito em (...), (...), pelo valor de realização €52.373,78 (1/2) e Valor de aquisição €49.879,79;
b) Venda da fracção “C” inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2005-C da freguesia de (...), pelo valor de realização €249.398,95 e valor de aquisição €349.158,53. [cfr. fls. 42 do PA];
11. Com base na Ordem de serviço OI200503052, a Direcção de Finanças do Porto levou a cabo acção inspectiva interna, em sede de IRS, ao ano de 2001 dos Impugnantes que culminou com o Relatório Final de Correcções datado de 18/07/2005 e homologado por despacho de 22/07/2005, cujo teor aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)»; [cfr. fls. 40/46 do PA apenso aos autos];
12. Pelo ofício nº 2984/0507 de 20/07/2005 foram comunicadas aos Impugnantes as correcções resultantes da acção de inspecção supra (cfr. fls 37/39 do PA);
13. Em 19/08/2005 foi emitida a liquidação de IRS nº 2005 5003114023 que originou uma demonstração de acerto de contas com saldo a pagar de €25.188,22 (cfr. fls 49 do PA);
14. A presente impugnação foi apresentada em 12/01/2006 (cfr. fls 4 dos autos p.f.).
15. No prédio urbano referido em 3. os Impugnantes realizaram em 1997 diversas obras de reparação com vista à constituição da propriedade horizontal, criando fracções autónomas destinadas a comércio e serviços, obras no sentido da valorização do bem adquirido (admitido por confissão artigos 6.º e 7.º da PI);
16. O Impugnante marido está inscrito para a actividade de “Mediação Imobiliária”, CAE 68311, desde 11/12/1989 [cfr. fls. 50 do PA].
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III. 2 FACTOS NÃO PROVADOS
Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
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III. 3 MOTIVAÇÃO
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss. do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados.”

2. O Direito

Os Recorrentes não se conformam com a sentença recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial, reiterando, no essencial, a argumentação já aventada na petição inicial.
Vejamos o julgamento efectuado pelo tribunal recorrido:
“(...) Importa, antes do mais, darmos conta do quadro legal que necessariamente deverá ser convocado para a resolução da questão que aqui nos ocupa, relembrando que estamos a considerar factos ocorridos no ano de 2001.
Assim, à data dos factos, previa o artigo 1º, n.º 1 do CIRS que:
«1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;
Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais;
Categoria E - Rendimentos de capitais.
Categoria F - Rendimentos prediais;
Categoria G - Incrementos patrimoniais;
Categoria H - Pensões.(…)»
Por sua vez, o artigo 3º, nº1, alínea a) e nº 2, alínea c) do CIRS, dispunha que:
«1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
(…)
2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:
(…)
c) As mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa;(…)»
Ainda com interesse para o caso em análise, dá-se conta do disposto no artigo 4º, nº1, alíneas a) do CIRS, nos termos do qual:
«1 - Consideram-se actividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:
a) Compra e venda;
(…)»
Por último, chama-se à colação o artigo 10º, nº1, alínea a) do CIRS, segundo o qual:
«1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário»
Aquilo que aqui nos ocupa, já o dissemos, é aferir da correcta qualificação de determinados rendimentos auferidos pelos Impugnantes como rendimentos da categoria B/ Rendimentos empresariais e profissionais (como entende a AT) ou como rendimentos da categoria G/ Incrementos patrimoniais/ mais-valias (como defendem os Impugnantes e como assim o declararam na Modelo 3 do ano de 2001 anexo G).
E, a este propósito, uma nota é já possível realçar: apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos do tipo empresariais e profissionais, de capitais ou prediais. Como afirmava Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 316., “Para que possamos ter mais-valias tributáveis autonomamente em IRS, temos de ter ganhos que resultem de uma alienação que não está integrada numa actividade comercial ou empresarial ou que, estando nela integrada, resulta da alienação de um bem que pertence ao activo imobilizado da empresa”.
Do mesmo modo, e como é habitual dizer-se a propósito de rendimentos derivados de mais-valias, “teria que tal rendimento ter um carácter meramente ocasional ou fortuito, ou, no dizer dos ingleses, “de ganhos trazidos pelo vento” (cfr. acórdão do TCA SUL, de 11/11/08, processo nº 02228/08).
Isto dito, e revertendo tais considerandos ao caso concreto.
Como resulta da matéria de facto provada, concretamente no ponto 11. a AT, em acção de fiscalização, atribuiu aos rendimentos obtidos com a alienação de 50% do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo 1252, sito em (...), (...), bem como, à alienação do artigo inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2005, fracção C, da freguesia de (...) e qualificou-os como rendimentos da Categoria B, ou seja, como rendimentos empresariais e profissionais.
Esta conclusão é apoiada, tal como resulta do relatório de inspecção, no seguinte circunstancialismo, aqui esquematicamente enunciado:
- que o prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 1252, freguesia de (...), foi alienado em comum com o comproprietário J.;
- que o outro imóvel alienado está inscrito sob o artigo 2005-C, da freguesia de (...), está afecto ao comércio.
Assim considerou a AT que os prédios alienados encontravam-se localizados em freguesias distintas, como tal, não poderia o Impugnante ter domicílio e residência habitual em dois locais diferentes, ainda mais, com a condicionante de um deles se destinar à prática de comércio e o outro estar em situação de compropriedade.
Portanto, repete-se, com base nestas considerações a AT concluiu que o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, refere-se a exclusão da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. E, que in casu não havia uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor da realização, visto que, um e outro têm de desempenhar uma função idêntica: habitação própria e permanente do contribuinte ou respectivo agregado familiar. Pelo que, concluiu que o sujeito passivo alienou os imóveis no âmbito da actividade de compra e venda imobiliária.
Importa não perder de vista que in casu, caberá à AT provar a existência e quantificação dos factos tributários, isto é, demonstrar os pressupostos de facto da sua actuação (artigo 74º, nº1 da LGT).
Vejamos, então.
A expressão actos de comércio utilizada no artigo 2.º do Código Comercial tem um sentido muito amplo, correspondente ao conceito de facto jurídico mercantil lato sensu, no qual se englobam os factos jurídicos em sentido estrito ou factos naturais, os actos jurídicos ou factos humanos e, dentro destes, os negócios jurídicos - Cfr. neste sentido, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2.ª Edição, pág. 61. .
O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros (cfr. acórdão do STA de 02/02/2005, proc. nº 0371/04).
Nos presentes autos importa aquilatar se os Impugnantes se limitaram a uma mera fruição ou mero uso do direito de que eram titulares sobre os dois prédios (afectação dos prédio adquiridos em 1993 e 1996 ao património pessoal dos Impugnantes), que não se integrou numa actividade comercial, ainda que ocasional, por não deter a qualidade de comerciante, ou se ao invés desenvolveu uma actividade com vista a alcançar a alteração desses prédios, e daí retirar os consequentes proventos económicos, numa perspectiva de lucro futuro derivado de operações que, pela sua natureza, extravasava aquela singela fruição ou uso do direito.
Avancemos, então, relembrando os negócios, ocorrido em 12/09/2001 e 20/12/2001, que geraram os rendimentos que agora se pretendem tributar em sede de categoria B, e não em sede de mais-valias, a que se reportam os pontos 2. e 8. dos factos provados:
- «Em 12/09/2001, foi celebrado no Cartório Notarial de (...), documento escrito particular com a denominação de “COMPRA E VENDA”, mediante o qual os ora Impugnantes na qualidade de primeiros outorgantes venderam à sociedade comercial anónima “C., SA”, representada pelo Impugnante marido de que é seu Administrador único, a sua quota de (50%) do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1252, sito em (...), (...), pelo valor global de €52.373,78»;
- «Em 20/12/2001, foi celebrado no 1.º Cartório Notarial de (...), documento escrito particular com a denominação de “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA”, mediante o qual os ora Impugnantes na qualidade de primeiros outorgantes venderam a A. E MULHER M. intervindo na qualidade de únicos sócios e ele único gerente, em representação da sociedade comercial por quotas denominada IMOBILIÁRIA M., LDA, a fracção “C” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, omisso na matriz na data da escritura e inscrito, em 2002, na matriz predial urbana sob o artigo 2005, da freguesia de (...), pelo valor de €249.398,95»
Impõe-se, pois, que nos detenhamos sobre a factualidade assente para podermos concluir se os rendimentos obtidos com as vendas supramencionadas assumem uma natureza fortuita, caracterizadora dos ganhos de mais-valias ou se, antes, se inserem no desenvolvimento de uma actividade comercial, ainda que não habitual, levada a cabo com vista a dela retirar proventos económicos, numa perspectiva de lucro futuro.
Vejamos, então.
Não podemos descurar que se tratam de duas vendas realizadas no mesmo ano (2001), uma detida em regime de compropriedade e outra relativa a uma fracção destinada a comércio, que, por si só, afastam o carácter isolado e fortuito.
No que respeita à alienação do prédio urbano inscrito na matriz com o n.º 1252 da freguesia de (...), verifica-se que o mesmo foi adquirido pela sociedade C., SA, sociedade que se dedica à compra e venda de bens imobiliários e da qual o Impugnante marido é Administrador (cfr. ponto 2. do probatório).
Por outro lado, basta atentar para o teor do clausulado do contrato de compra e venda referido no ponto 3. do probatório, relativo à aquisição pelos Impugnantes do prédio urbano sito no Parque (...), freguesia de (...), que posteriormente veio a ser constituído em regime de propriedade horizontal, donde fazia parte integrante a fracção “C” cuja alienação se encontra em “crise” nos autos, para verificarmos que aquando da referida aquisição foi expressamente referido pelos Impugnantes que o imóvel adquirido se destinava a revenda.
Acresce, ainda, referir que os próprios Impugnantes admitem que realizaram em 1997 diversas obras de reparação com vista à constituição da propriedade horizontal, criando fracções autónomas destinadas a comércio e serviços, obras no sentido da valorização do bem adquirido (cfr. ponto 15. do probatório).
Logo, resulta à saciedade uma evidente intenção de introduzir alterações e transformações no estado inicial do prédio urbano que, inegavelmente, traduzem um intuito de praticar actos de valorização dos mesmos que só se compreendem numa lógica de obtenção de lucro e maximização do rendimento. Veja-se que as duas moradas, anexo, quintal e jardim, deram lugar à constituição de várias fracções autónomas, algumas destinadas ao comércio como é o caso da fracção “C” que ora nos ocupa.
Aliás, não se afigura decisivo o facto alegado pelos Impugnantes de que a fracção “C” foi dada de arrendamento em 23/04/1998, a A. (que também é sócio e único gerente da sociedade Imobiliária M.,LDA, que veio posteriormente a adquirir o imóvel), antes da sua venda. Porquanto, tal circunstância não é apta a retirar o carácter comercial da alienação, pois o arrendamento poderá resultar duma impossibilidade temporária da venda/da necessidade da sua rentabilização.
Pelo que, não se afigura verosímil a singela alegação dos Impugnantes que “por motivos de carácter pessoal os Impugnantes tiveram necessidade de vender em 2001, parte do seu património, tendo vendido a fracção “C” ao arrendatário”, quando a montante aquando da aquisição do prédio urbano que vieram a constituir em propriedade horizontal expressamente referiram que o mesmo se destinaria a revenda.
Acresce que a referida menção a revenda fez com que a referida aquisição ficasse isenta de SISA por força do disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CIMSISSD
Outrossim, resulta do probatório que o Impugnante marido está colectado, desde 11/12/1998, pela actividade de mediação imobiliária CAE 6811 (cfr. ponto 16. dos factos assentes), e na eventualidade de deixar de praticar actos relacionados com a actividade empresarial para a qual iniciou a actividade, sempre teria no prazo de 30 dias a contar da data da cessação, entregar a respectiva declaração de cessão de actividade (cfr. n.º 3 do artigo 112.º e alínea a) do n.º 1 do art.º 114.º ambos do CIRS), o que não se mostra provado.
Ora, todo este circunstancialismo fáctico, devidamente concatenado e apreciado à luz daquelas que são as regras da experiência, mostram que as duas alienações perpetradas pelos Impugnantes no ano de 2001, são o resultado de uma actuação de cariz comercial, direccionada à valorização patrimonial e ao lucro, o que retira aos ganhos assim obtidos o carácter fortuito ou ocasional que os mesmos teriam que ter para serem qualificados como rendimentos de mais-valias.
Com efeito, a actuação dos Impugnantes, desde a aquisição até à alienação do prédio urbano da freguesia de (...) ((...)) (constituição de propriedade horizontal, composta por fracções autónomas destinadas a comércio e escritórios) revela uma prática intencional de actos de valorização dos mesmos, com reflexo no seu património, a qual não se mostra consentânea com os ganhos de natureza fortuita e inesperada. Tal como fomos evidenciando, trata-se uma actuação inserida no exercício de actividade de natureza comercial e económica, concretamente de “Compra e Venda” de prédios urbanos, abrangida pelo disposto nas alíneas a) do nº 1 do art. 4º, conjugado com a alínea a) do nº 1 e a alínea c) do nº 2 do art. 3º do CIRS, cujos rendimentos são enquadráveis, em sede de IRS, como “Rendimentos da Categoria B – Rendimentos Empresariais”.
Neste sentido vide o Acórdão do TCA Sul de 03/12/2015, Proc. nº 07639/14, que assim se sumariou: “ 1) Do relatório de inspecção resulta que existe omissão de proveitos e errada integração dos rendimentos na categoria G, em vez da categoria B de IRS, que era a aplicável, na tese dos serviços da AF, pelo que mostram-se acessíveis a um destinatário normal, colocado na posição do impugnante, os motivos que estearam a decisão de correcção da matéria colectável em apreço.
2)Tendo em vista o preenchimento do conceito de acto isolado gerador de rendimentos da categoria B de IRS (artigo 3.º/1/a) e h), do CIRS), impõe-se concluir que o mesmo está presente na venda em exame, na medida em que o impugnante compra o terreno para construção, constrói, constitui a propriedade horizontal e vende uma fracção a terceiro, incorporando novas utilidades e obtendo, por esta via, lucros.”
Por conseguinte, somos de concluir que andou correctamente a AT quanto à qualificação dos rendimentos em questão nos autos como rendimentos da categoria “B” de IRS, com todas as consequências legais daí advindas, e não como rendimentos da categoria “G”, atendendo à natureza dos mesmos, carecendo de suporte legal e factual a argumentação expendida pelos Impugnantes.
Pelo exposto, terá de claudicar a presente impugnação.”

A principal crítica que é feita a esta sentença recorrida é não ter tido em conta que a AT não fundamentou o acto, na sua vertente material – cfr. conclusão XXX das alegações do recurso.
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correcção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da Lei Geral Tributária que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Ora, manifestamente, não está em causa o dever de fundamentação, na sua dimensão formal, tão-pouco tal vício foi invocado na petição inicial. Aí se afirma que os factos tributários em apreço não foram rigorosamente averiguados, qualificados e valorados pela AT ao decidir qualificá-los como subsumíveis na categoria B, referente a rendimentos empresariais, e que a fundamentação pela AT carreada para tal não bastava para, por si só, qualificar os ganhos obtidos com a alienação de bens imóveis – o facto de o impugnante marido estar inscrito para o exercício da actividade de “Mediação Imobiliária” (desde 11/12/1989).
Neste recurso, os Recorrentes são claros ao apontarem a falha na fundamentação do acto, mas na sua dimensão substancial. Sendo nesta perspectiva que se analisará.
Estabelece o artigo 75.º da LGT que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei.
Por outro lado, dispõe o artigo 74.º da LGT no seu n.º 1 que "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
O tribunal a quo reconhece que recai sobre a AT o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga - de tributar os ganhos provenientes da alienação dos imóveis inscritos sob o n.º 1252 da matriz predial da freguesia de (...), concelho de (...), e da fracção C do prédio inscrito sob o n.º 2005 da freguesia de (...), (...), como rendimentos "comerciais", e não como rendimentos subsumíveis à categoria G, "mais-valias", como foi declarado pelos impugnantes; concluindo que a AT bem andou ao levar a cabo a correcção que operou.
Os Recorrentes insistem que a decisão recorrida não teve em conta que a AT, sobre quem recaía o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogou efectuando a liquidação adicional do IRS, não logrou provar que o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de (...) tivesse sido adquirido no e para o exercício da actividade empresarial de "Mediação Imobiliária" e que "as moradias", tendo sido adquiridas para revenda, não foram transferidas da actividade empresarial para o património pessoal dos impugnantes – cfr. conclusão XXXI das alegações de recurso.
Como resulta da decisão da matéria de facto, a AT considerou que os rendimentos resultantes da alienação dos referidos imóveis decorrem do exercício de actividade comercial, dado que a compra e venda é uma actividade comercial e o sujeito passivo está inscrito precisamente pela actividade de “Mediação Imobiliária”.
Para ser comerciante, não basta ter capacidade comercial, é preciso fazer profissão do comércio, o que significa: praticar actos de comércio como profissão.
Recordamos que, nos termos do artigo 2.º do Código Comercial, serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados nesse Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.
Assim, não obstante esta amplitude do conceito de acto de comércio, perante a actividade de compra e venda (que não tem natureza exclusivamente civil), o facto de o Recorrente marido ser comerciante, fazendo profissão também da actividade de mediação imobiliária, e dos próprios actos não resultar que se estava perante vendas de natureza civil, eram legítimas a valoração e qualificação dos factos tributários pela AT como decorrentes de uma actividade comercial, apoiando-se na noção de acto de comércio de pendor subjectivo.
Julgamos, por isso, que a AT averiguou e ponderou todos os elementos que estavam ao seu alcance, cumprindo o seu ónus e qualificando os rendimentos como decorrentes de actividade comercial. Aliás, não existe notícia que os Recorrentes tenham declarado fiscalmente os ganhos provenientes da alegada transferência dos imóveis do património empresarial para o seu património pessoal, com referência ao ano de 1997, pelo que a AT não poderia atender e ponderar esse facto, por desconhecê-lo.
Vejamos mais. Resulta dos autos que o impugnante marido exercia uma actividade comercial, não significando nem tendo como consequência que todos os actos, negócios ou contratos, por si praticados ou celebrados, tenham esse carácter ou mereçam essa qualificação; qualquer comerciante pratica naturalmente uma série de actos, negócios ou contratos de natureza civil.
No entanto, não existe nenhum detalhe que permita afastar, nas vendas em concreto, que tenha agido como comerciante de compra e venda de imóveis, com o fito do lucro.
Por outro lado, por si só, não é relevante o impugnante marido não exercer a actividade de construção para venda; na verdade, independentemente de não se exercer a actividade comercial ou industrial (no sentido de com carácter habitual e profissional), o certo é que a prática de determinados actos é por lei equiparada a essas actividades. E foi nesta perspectiva que a sentença recorrida in fine também correctamente apreciou a situação concreta.
Assim, de acordo com o artigo 3.º, n.º 2 alínea h) do CIRS, consideram-se ainda rendimentos empresariais e profissionais: (...) os provenientes da prática de actos isolados decorrentes do exercício de qualquer actividade de natureza comercial (…).
Por seu turno, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais (…), resultem de: alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…).
Se bem o entendemos, o disposto no artigo 3.º, n.º 2, alínea h) assume carácter residual, pretendendo-se com tal estatuição obstar a que actos lucrativos isolados fiquem sem tributação. Posto é que tais actos assumam natureza comercial.
Neste enquadramento legal, somente podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a fileira de rendimentos do tipo comercial, industrial e/ou outros.
A legislação tributária não fornece, não densifica, um conceito de acto de natureza comercial ou industrial. Assim, “na falta de um(a) definição legal do conceito de actividade comercial ou industrial, para efeitos tributários, tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender como aplicável o conceito económico de comércio e indústria, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividades de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.
Olhando para os actos praticados, do ponto de vista objectivo (por oposição a acto comercial subjectivo, praticado por um comerciante), os elementos que se apuraram no caso em apreço permitem concluir que os Recorrentes adquiriram, pelo menos dois imóveis, com a intenção de os vender, o que configura um acto de comércio (aliás, a menção à revenda determinou a isenção do pagamento de SISA). Logo, na alteração e transformação destes prédios em propriedade horizontal, podemos observar uma relação com fito especulativo, encontrando-se demonstrado o intuito comercial associado à construção das fracções autónomas capaz de permitir qualificar como actividade comercial a alienação das mesmas.
É inquestionável que o artigo 2.º do Código Comercial define, na primeira parte, o que são actos objectivamente comerciais; concretamente, aqueles em que a sua comercialidade reside neles próprios e não está na pessoa que os pratica.
Ora, entre os actos especialmente regulados no código em apreço, figuram, explicitamente, as compras e vendas comerciais, podendo revestir esta natureza, entre outras, “as compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes, quando aquelas, para estas, houverem sido feitas” – cfr. artigo 463.º/4.º do Código Comercial.
Para se poder afirmar a existência de uma compra e venda comercial, nos termos deste último normativo, constitui exigência intransponível que a aquisição tenha sido feita com o objectivo, o propósito preestabelecido, de revenda, de alienação. O que in casu se verifica.
Na reconstrução destas duas moradias (que foram adquiridas para revenda), na sua constituição em propriedade horizontal e na criação de fracções autónomas destinadas a comércio e serviços colhemos, como decisiva, a existência do desempenho de actividades e actuações em que ressalta a adição e o incremento de valor, de mais e novas potencialidades. Verifica-se um objectivo inequívoco de obtenção de lucro e a busca de aumento patrimonial.
Neste contexto, acaba por não ser decisiva a alegação (pouco convincente) de que havia ocorrido transferência dos imóveis para o património pessoal, nem a alusão ao decurso de tempo que durou a posse dos bens vendidos e de que os mesmos foram fruídos pelos Recorrentes, designadamente, através do prévio arrendamento da fracção C, pois estas circunstâncias poderão resultar duma impossibilidade temporária da venda, da espera ou aguardar por um timing mais favorável ao negócio ou da necessidade da rentabilização dos bens.
Assim, mesmo abstraindo da qualidade de comerciante do Recorrente marido, que comunicou à AT exercer actividades de mediação entre a oferta e a procura desde 1989, inscrito na actividade de “Mediação Imobiliária” (não cessada fiscalmente), não vislumbramos como os rendimentos obtidos em 2001 possam considerar-se de carácter meramente ocasional ou fortuito, independentemente de qualquer esforço ou vontade dos Recorrentes, vulgo “ganhos trazidos pelo vento”, pois os “ganhos” alcançados resultaram de valorização intencional produzida nos bens em jogo, com o propósito preestabelecido de revenda, com reincidência, na medida em que, nesse mesmo ano de 2001, foram alienados dois imóveis.
A tributação dos rendimentos em cada uma das categorias é efectuada por via do princípio da tipicidade. Significa isto que, só serão objecto de imposto, os rendimentos expressamente previstos na lei tal como plasmado no n.º 2 e n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, revelando-se sempre necessária a qualificação e determinação do rendimento tributável. Considerando-se correcta e legal a qualificação efectuada pela AT, como rendimentos de categoria B – empresariais e profissionais, não haverá, consequentemente, qualquer violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, uma vez que esta alteração traz consequências diversas, designadamente a de se dever ou não atender ao valor de aquisição e de se considerarem ou não custos. O legislador fiscal consignou diversas categorias com regras próprias para a determinação do rendimento líquido, independentemente do enquadramento concreto do sujeito passivo marido no regime de tributação simplificado para efeitos de IRS.
Todo o processo de liquidação do imposto é pautado por imperativos constitucionais, designadamente no que respeita à capacidade contributiva (com a aplicação das regras próprias de cada categoria) e no que concerne à situação do agregado familiar (com a aplicação do quociente conjugal – artigo 69.º do Código de IRS – e em sede de deduções à colecta – artigos 78.º e seguintes do Código de IRS).
O artigo 10.º do Código de IRS, sistematicamente inserido nas normas de incidência real, traduz-se, afinal, numa norma de delimitação negativa de incidência, porquanto afasta da Categoria G os ganhos que, pese embora decorrentes dos factos enunciados no artigo, forem considerados rendimentos empresariais e profissionais (Categoria B), de capitais (Categoria E) ou prediais (Categoria F).
Tal opção denota uma prevalência destas categorias de rendimentos, detendo a Categoria G um cariz apenas residual.
Pois bem, se o ganho for obtido no âmbito de uma actividade geradora de rendimentos empresariais ou profissionais (definidas nos termos do artigo 3.º do Código de IRS), também ele não deixa de se subsumir no conceito de mais-valia, todavia este ganho será tributado em conformidade com as regras previstas para a Categoria B.
Estão nestas condições os ganhos obtidos com a transferência para o património particular do sujeito passivo de um bem imóvel afecto ao activo de uma empresa, e bem assim outros que se enquadrem nas operações previstas no artigo 10.º, n.º 1 do Código de IRS, quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais.
A Categoria B reclama para o seu âmbito vários tipos de rendimentos, designadamente rendimentos prediais, de capitais e mais-valias. Quer isto dizer que, sendo estes provenientes do exercício de actividades empresariais ou profissionais, serão tributados segundo as regras desta categoria. São exemplo disso, as transferências de bens (imóveis) afectos a uma actividade com destino ao património particular dos empresários, a venda a terceiro de imóvel que conste do activo da sua empresa ou outras que decorram das operações a que alude o artigo 10.º, n.º 1 do Código de IRS. A tributação da mais-valia, no âmbito da Categoria B, far-se-á atendendo às normas que o Código de IRS estabeleceu, com remissão para o Código de IRC, tendo, desde logo, como consequência prática, a tributação pela totalidade e não apenas em 50% como acontece se fosse considerada rendimento da Categoria G.
Os Recorrentes, na sua petição inicial, afirmam ter afectado ao seu património pessoal os imóveis em apreço (que em 2001 alienaram), sem concretizar qualquer momento temporal. Neste recurso, alegam que o facto tributário inerente à transferência do património empresarial para o património pessoal ocorreu em 1997 – cfr. conclusão XIII. Ora, se assim tivesse realmente ocorrido, a AT necessariamente teria tido conhecimento deste facto, pois deveria ter sido declarado, na declaração de rendimentos referente ao ano de 1997, esse rendimento em sede de IRS, na Categoria B, como vimos – cfr. artigo 3.º, n.º 2, alínea c) do Código de IRS.
Não há notícia nos autos que esses ganhos comerciais tenham sido declarados e tributados, não sendo, por esse motivo, credível que venham, só agora, os Recorrentes fazer-se valer dessa transferência anterior para o património pessoal, para, em 2001, conseguirem que a tributação dos proveitos obtidos com as alienações dos imóveis ocorra em sede de IRS com enquadramento na Categoria G.
Por tudo quanto ficou dito, improcedem na totalidade as conclusões das alegações do presente recurso, sendo de negar provimento ao mesmo e confirmar a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - Apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos do tipo empresariais e profissionais, de capitais ou prediais.
II - “O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.
III – No caso dos autos, o circunstancialismo de facto evidencia que a actuação dos Recorrentes, desde a aquisição até à alienação dos imóveis, revela uma prática intencional de actos de valorização dos mesmos, com reflexo no seu património, a qual não se mostra consentânea com os ganhos de natureza fortuita e inesperada. Tratou-se de uma actuação inserida no exercício de actividade de natureza comercial e económica, concretamente o exercício de actividades de mediação entre a oferta e a procura desde 1989, actividade de “Mediação Imobiliária” (não cessada fiscalmente), em que os “ganhos” alcançados resultaram de valorização intencional produzida nos bens imóveis, com o propósito preestabelecido de revenda, com reincidência, abrangida pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do Código de IRS, cujos rendimentos são enquadráveis, em sede de IRS, como “Rendimentos da Categoria B – Rendimentos Empresariais”.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 18 de Junho de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães