Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00645/22.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/11/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PRESCRIÇÃO. SUB-ROGAÇÃO. SUSPENSÃO. COVID19.
Sumário:I) – É jurisprudência hoje pacífica que às situações de sub-rogação legal é aplicável, analogicamente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CC.
Recorrente:A... SA – Sucursal em Portugal
Recorrido 1:Auto-Estradas.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

A... SA – Sucursal em Portugal (Av.ª ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, nos presentes autos que move contra Auto-Estradas... (Av.ª...) e Z... Rua ...), e em que o tribunal “a quo” julgou “procedente a exceção perentória de prescrição do direito da Autora e, em consequência, absolvo os Réus do pedido”.

Conclui:
I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pelas Rés, nas suas doutas contestações.
II- Com o devido respeito, o tribunal a quo não apreciou corretamente as questões objeto de decisão.
III- Primeiro, a douta sentença padece de erro quando dá como provado o ponto 6 do elenco de factos provados: A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018.
IV- Segundo e principalmente, discorda-se da posição do tribunal a quo quanto à não aplicabilidade do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do número 3 do artigo 498.º do Código Civil.
V- Por último, a douta decisão incorre em omissão de pronúncia ao nem sequer se pronunciar sobre a suscitada suspensão generalizada dos prazos legais, por força da legislação extraordinária de resposta à pandemia da Covid-19.
VI- Foi incorretamente julgado pelo tribunal a quo o seguinte ponto dos factos provados:
- 6. A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018.
- Facto não controvertido.
VII- O que ocorreu em 01.11.2018, como decorre do documento 18 junto à PI e como se alegou, não foi o pagamento da reparação dos danos do veículo ..., mas sim o ressarcimento de parte dos danos sofridos pelo lesado AA, passageiro do veículo ....
VIII- Tal pagamento foi feito pela Recorrente no âmbito da ação que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo, Juiz ..., sob o n.º de processo 2313/17...., em que o lesado AA pedia a condenação da AIG ao pagamento da quantia de € 25 000,00, para compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por força do acidente em questão.
IX- Tendo a Recorrente já feito outros pagamentos para compensação do dano corporal, para reembolso de despesas médicas e medicamentosas e de deslocações para os tratamentos e consultas, conforme decorre dos documentos 15 e 16 juntos à PI, o que ocorreu em 01/11/2018 e que seria digno de nota e de fixação na matéria de facto provada, é que a Recorrente efetuou o último pagamento no âmbito da regularização do sinistro em questão.
X- Assim, deve o ponto 6 dos factos provados ser alterado para conter o seguinte:
6. No dia 01.11.2018, a Autora procedeu ao último pagamento no âmbito da regularização do sinistro ocorrido no dia 26.08.2015.
XI- Consta dos autos, em concreto do relatório de averiguação junto como Documento 5 e do conjunto de documentos 6 a 9, que o acidente relatado vitimou quatro pessoas, condutores e passageiros dos veículos de matrícula ..-PI-.. e ..-QF-..: BB, AA, CC e DD, todos eles sofrendo danos corporais e todos eles tendo sido assistidos pelos meios de socorro.
XII- O evento e os ferimentos sofridos pelos passageiros e condutores dos veículos decorrem da atuação negligente da Ré AENL e dos seus funcionários, na medida em que, ao permitirem a entrada de três cães na via, não zelaram pela segurança dos utentes e descuraram os seus deveres de vigilância, atuação passível de configurar um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 do C. Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
XIII- Nos termos do disposto no número 3 do artigo 498.º do Código Civil, “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”
XIV- É de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime de ofensas à integridade física, conforme a al. c) n.º 1 do artigo 118.º e n.º 1 do 148.º do Código Penal, pel oque ao caso deverá ser aplicado tal prazo de prescrição de cinco anos.
XV- Assim decidiram, entre outros, o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 03/03/2010, proc. 2119/07.8TBLLE.E1, e o Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo no Acórdão de 03/11/2009, Proc. 2665/07.3TBPRD.S1.
XVI- A aqui Recorrente procedeu ao pagamento de parte dos danos ao lesado AA, em concreto efetuando o último pagamento respeitante à regularização do sinistro em questão em 01/11/2018, pelo que, tratando-se de um direito de sub-rogação, deverá entender-se que o momento relevante para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição de cinco anos coincide com a data do último pagamento, tal como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão n.º 2/2018, de 7 de dezembro.
XVII- Terminando o prazo apenas em 01/11/2023, o mesmo foi validamente interrompido com a citação das Rés, em 31/03/2022.
XVIII- A douta sentença viola, nesta parte, os números 2 e 3 do artigo 498.º do Código Civil e a alínea c) do número 1 do artigo 118.º do Código Penal, devendo ser alterada por outra que julgue não provada a exceção de prescrição suscitada pelas Rés AENL e Z... e, consequentemente, considere não prescrito o direito da aqui Recorrente.
XIX- Acresce que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia, ao não se pronunciar sobre a suscitada aplicabilidade do regime excecional de suspensão dos prazos, previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril.
XX- Nos termos do artigo 7.º da referida Lei, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológicasendo que tal situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
XXI- Acresce, o número 4 do artigo não deixava dúvidas quanto à imperatividade do regime: o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”, pelo que a Autora beneficiava de 158 dias adicionais para o exercício dos seus direitos, tempo que durou a suspensão generalizada dos prazos.
XXII- Tendo sido as Rés citadas no dia 31 de março, mesmo não se aplicando o prazo de cinco anos, nem assim o direito da Recorrente estava esgotado, o que apenas aconteceria 08 de abril de 2022.
XXIII- Nos termos do disposto no número 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, prevendo o artigo 615.º do Código de Processo Civil que será nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
XXIV- Ao não se pronunciar sobre a aplicabilidade do regime excecional da Lei n.º 1-A/2020, a decisão está ferida de nulidade, violando nesta parte o disposto no número 2 do artigo 608.º e na alínea d) do número 1 do artigo 615.º, ambos do Código de Processo Civil, e ainda o disposto nos números 1, 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, devendo sentença ser revogada e substituída por outra que julgue aplicável o regime excecional, considere não provada a exceção de prescrição suscitada pelas Rés AENL e Z... e, consequentemente, considere não prescrito o direito da aqui Recorrente.
Com contra-alegações da ré AENL, em que conclui:
1. A pretensão da Recorrente não tem fundamento.
2. Ao contrário do alegado, andou bem o Tribunal “a quo” quando julgou verificada a excepção da prescrição do direito reclamado pela Recorrente e absolveu a Recorrida do pedido.
3. Dispõe o artigo 498º n.º 1 e 3 do Código Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, salvo se o facto ilícito constituir crime para o qual o a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, pois que então é este último o aplicável.
4. O prazo de prescrição quinquenal é aplicável quando, constituindo o facto ilícito danoso um crime, o respectivo prazo de prescrição do procedimento criminal seja também de 5 anos.
5. Nos presentes autos, porém, estamos perante a invocação de um direito sub-rogado na Autora.
6. Neste caso, e dado que a obrigação já foi cumprida no confronto do lesado, não vale nem pode valer o argumento de que desde que o facto ilícito pode ser discutido em sede penal deve também poder ser apreciado no âmbito da actuação da respectiva responsabilidade civil.
7. Nenhuma razão existe, pois, para se lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe justamente que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo, como vem sendo pacificamente decidido pela jurisprudência.
8. Em suma, temos de concluir que o prazo de prescrição aplicável in casu é de três anos.
9. Resulta, assim, claro que o recurso da Autora, no que respeita ao prazo de prescrição aplicável de 5 anos, terá de forçosamente improceder.
10. Não pode colher igualmente a alegada tempestividade da ação, quer porque o objeto do presente processo não se identifica com nenhum dos referidos nas várias alíneas do art.º 6.º-A, n.º 6, da Lei n.º 1-A/2020, quer porque o regime de suspensão dos prazos de prescrição só se aplicava em relação aos prazos de prescrição que, à data de 9 de março de 2020, se encontrassem nos últimos três meses – vide M. Teixeira de Sousa / J. H. Delgado de Carvalho, em: “As medidas excecionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)”, p. 6, disponível em https://drive.google.com/file/d/18uig2uGf7BCZEMC2zcHBM8EhJCZYow0V/view.
11. Sem prejuízo do entendimento de que a prescrição do direito da autora já se havia verificado à data da citação da Ré para a presente demanda;
12. Sempre se dirá que, pelo menos, grande parte do valor peticionado já havia prescrito.
13. Mesmo que se entendesse assistir razão à Autora, apenas não estaria prescrito o direito da Autora relativamente ao palor de 13.000 Euros (treze mil euros) que esta pagou em 01.11.2018.
14. O início da contagem do prazo prescricional, no caso presente, deve iniciar-se desde o dia do 1º pagamento.
15. Apesar de algumas decisões jurisprudenciais entenderem que o prazo prescricional só começa a contar desde a data do último pagamento, tal interpretação não é certa pois depende da ponderação dos princípios legais que a norma visa proteger e os elementos do caso concreto.
16. A lei, nomeadamente recorrendo ao disposto no art°. 9º do Código Civil, não consente o entendimento de que, havendo pagamentos parciais ao(s) lesado(s) que se prolonguem no tempo, o prazo prescricional para pedir o reembolso ao obrigado de regresso só se inicie, quanto a todos eles, a partir da data em que ocorre o último pagamento.
17. Se assim fosse, estaria, na prática, aberto o campo para um alargamento injustificado do prazo normal da prescrição.
18. No caso dos autos em que o acidente ocorreu em 26/08/2015.
19. A Recorrente iniciou os pagamentos a 01/12/2015, e terminou em 01/11/2018, ou seja, decorreram quase três anos entre o primeiro pagamento efectuado e o último.
20. Caso se contasse o início do prazo prescricional da Recorrente apenas do último pagamento, esta beneficiaria do prazo total de 6 anos para exercer o direito que a lei prevê que seja exercido em 3, o que, no caso concreto coloca em causa de forma grave e séria a certeza e segurança jurídica.
21. A partir do momento em que paga determinadas quantias ao lesado está habilitado a pedir o respectivo reembolso ao obrigado de regresso, sem que isso obste a que venha, depois, a exercer esse direito relativamente a outras quantias que posteriormente pague ao lesado.
22. A expressão “a contar do cumprimento”, referida no nº 2 do art.º 498º, CC, não tem como pressuposto o integral cumprimento da obrigação que dá origem ao direito de regresso, reportando-se tal “cumprimento” àquilo que o titular do direito de regresso for satisfazendo.
23. Nada obsta a que, não pretendendo exigir logo as quantias que já haja pago ao lesado, o titular do direito de regresso pratique os actos necessários à conservação desse seu direito de regresso, designadamente, promovendo a notificação judicial avulsa do obrigado ao regresso (art.º 323º do CC).
24. A não ser assim, gera-se injustificada incerteza da definição de direitos e obrigações, não se podendo olvidar que a prescrição se funda, precisamente, na inércia do titular do direito durante certo lapso de tempo.
25. O prazo de prescrição pode ser interrompido no confronto de qualquer dos seus beneficiários por via da notificação judicial avulsa a veicular a exigência da prestação envolvida pelo direito de crédito de regresso (artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil).
26. Considerando os pagamentos a título de danos patrimoniais alegados pela Recorrente e as datas que os mesmos ocorreram versus o último pagamento alegado, a título de danos não patrimoniais, resulta claro estarmos perante uma situação em que a Recorrente não deverá beneficiar do alargamento injustificado do prazo prescricional.
27. Relativamente aos pagamentos efectuados até 14/08/2018 (inclusive), no montante global de € 18.856,83 (dezoito mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e três cêntimos), decorreu o prazo prescricional de três anos do n.º 2 do artigo 498.º do CC, mesmo que fosse acrescido das alegadas suspensões que a Recorrente alega, pelo que, na procedência da arguida excepção, deverá a Ré ser absolvido dessa parte no pedido.
28. Andou bem o Tribunal “a quo” ao ter decidido como decidiu, não existindo qualquer violação ou erro na apreciação da matéria de facto quanto ao facto essencial para a boa decisão da causa ou incorrecta aplicação do direito.
29. Por tudo o exposto, deverá manter-se integralmente a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ou, caso assim se não entenda – o que não se concebe – deverá manter-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, pelo menos relativamente ao pedido de pagamento da Recorrente das quantias que somam € 18.856,83 (dezoito mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e três cêntimos).
A ré Z... contra-alegou também, concluindo:

1. Não assiste razão à A. no Recurso por si interposto.
I – Da impugnação da matéria de Facto
2. E irrelevante para a decisão a proferir em sede do presente Recurso apurar a que e que se reporta o pagamento alegadamente realizado a 01/11/2018,
3. na medida em que o cerne do Recurso, ora em crise, resume-se a questão da prescrição do direito da A., que, como ao diante melhor se demonstrara, já tinha ocorrido a data da citação da Ré Z... (realizada a 31/03/2022), mesmo que a ora Recorrente tenha efectuado o seu ultimo pagamento a terceiros a 01/11/2018.
II – Da prescrição do direito da Autora
4. A A. arroga-se titular de um direito alicerçado numa sub-rogação relativa aos pagamentos que diz ter efectuado a terceiros por forca de um sinistro ocorrido a 26/08/2015.
5. O prazo prescricional para efeitos de sub-rogação e de três anos a contar da data dos cumprimentos dos pagamentos efectuados por quem invoca tal direito (Art. 498o no 2 do Código Civil).
6. A titulo exemplificativo, veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 16/06/2015 no Processo no 21090/13.7T2SNT-A.L1-7 [disponível para consulta em www.dgsi.pt].
7. Ora, a Ré Z... foi citada no presente processo a 31/03/2022, conforme comprovativo da citação junto aos autos a fls….
8. A acreditar no teor dos documentos que a A. junta a sua P.I., a data da citação da Ré Z... (31/03/2022) já tinham decorrido bem mais do que três anos sobre todos os pagamentos por aquela efectuados a terceiros por força do já mencionado sinistro de 26/08/2015.
9. Senão, vejamos a data ínsita nos referidos documentos juntos a P.I., como sendo a dos supostos pagamentos:
a. Doc. 6 da P.I. – 12/10/2017
b. Doc. 8 da P.I. – 14/08/2018
c. Doc. 9 da P.I. – 03/04/2018
d. Doc. 12 da P.I. – 18/05/2016 e 07/04/2016
e. Doc. 14 da P.I. – 17/05/2016
f. Doc. 15 da P.I. – 08/12/2015, 14/01/2016 e 18/03/2016
g. Doc. 16 da P.I. – 01/12/2015, 13/01/2016 e 18/03/2016
h. Doc. 18 da P.I. – 01/11/2018.
10. Alega, porem, a A., que ao presente caso aplica-se um prazo prescricional de cinco anos.
11. Contudo, tal argumento não colhe.
12. Em primeiro lugar, a A. não alegou na sua P.I. aplicar-se um prazo prescricional de cinco anos.
13. Para prevalecer-se de tal prazo tornava-se imperativo que na P.I. tivesse alegado e provar a existência de um facto ilícito, de um grau de culpa e de um dano do qual resultasse a demonstração de todos os elementos que integram um tipo legal de crime, crime esse que tinha que ser invocado, e que teria que se encontrar sujeito a um prazo de prescrição de cinco anos.
14. Siga-se, nesse sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 06/10/2005, proferido no Processo no 05B2397 [disponível para consulta em www.dgsi.pt]:
“para poder beneficiar do prazo mais longo de prescrição, nos termos do disposto no n°3 do artigo 498° do Código Civil, deve o autor provar que o facto ilícito em questão constitui efectivamente crime, não bastando a mera eventualidade de o ser” [sublinhado nosso].
15. Ou seja, não bastava que, em abstracto, se estivesse perante factos que, em tese, pudessem configurar um crime, sendo imperativo que, em concreto, tais factos constituíssem um crime.
No presente caso, a A. não imputa a qualquer das Rés a pratica de ilícitos criminais, nem a P.I. vem articulada como se de uma Acusação em Processo Penal se tratasse.
17. Em segundo lugar, o suposto direito da A. sobre as Rés não nasce no facto correspondente ao sinistro ocorrido a 26/08/2015, mas sim num outro momento, posterior, o qual se caracteriza pelos pagamentos efectuados a terceiros por forca daquele acidente, posto que e nestes pagamentos que nasce a sub-rogação.
18. Porem, em relação a esse segundo momento (o dos pagamentos), que e aquele que efectivamente releva para efeitos da prescrição em apreço, não só a A. não alega a existência de qualquer ilícito criminal, como também não se vislumbra onde ele pudesse existir.
19. Nesse mesmo sentido decidiu, entre outros, o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido em 12/04/2011 no Processo no 1372/10.4T2AVR.C1 [disponível para consulta em www.dgsi.pt].
20. Assim, uma vez que vigora o prazo prescricional de três anos a contar dos pagamentos efectuados pela A., quando a Ré Z... foi citada nos presentes autos a 31/03/2022, já estava prescrito o direito emergente da invocada sub-rogação.
21. Em terceiro lugar, mesmo que vigorasse o prazo prescricional de cinco anos – o que não se concede –, quando a Ré Z... foi citada já a maioria das quantias reclamadas se encontrava prescrita.
22. Na verdade, uma vez que os montantes liquidados não tem todos a mesma natureza, pois correspondem a diferentes danos, ter-se-ia que atender a data de cada um dos pagamentos efectuados pela A..
23. Veja-se, nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/07/2018, proferido no Processo no 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 [disponível para consulta em www.dgsi.pt].
24. Assim, ainda que prevalecesse o prazo de prescrição de cinco anos, estão prescritas as quantias a que se reportam os Docs. 6, 12, 14, 15 e 16 da P.I., por a data da citação da Ré já se ter esgotado aquele prazo.
III – Da omissão de pronúncia e da suspensão dos prazos de prescrição
25. Para que a A. beneficiasse da suspensão dos prazos de prescrição, o objecto da presente demanda teria que corresponder a um dos processos elencados nas diversas alíneas do Art. 6º-A no 6 da Lei 1-A/2020 de 19 de Marco.
26. Porem, escalpelizando o mencionado Art., concluiu-se que tal não se verifica,
27. pelo que, também por aqui, se constata que se encontra prescrito o direito da A..
28. Todavia, e por mera cautela para a hipótese de assim se não entender, fácil esta de ver que mesmo que assim não fosse, nem todas as verbas reclamadas pela A. ser-lhe-iam devidas pela Re Z...,
29. uma vez que, por não terem todas a mesma natureza – dado que correspondem a diferentes danos e estamos perante pagamentos normativamente diferenciados –, apenas o valor respeitante ao Doc. 18 junto a P.I. poderia, hipoteticamente, não estar prescrito.
*
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
*
Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
Os factos, que o tribunal “a quo” fixou, conquanto “de modo a enfrentar a exceção suscitada importa dar por assente alguma factualidade”:
1. A Autora celebrou com a empresa E..., S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice ...01.
– Cfr. documentos 1 e 2 juntos com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Facto não controvertido.
2. A apólice referida em 1. dá cobertura a todos os veículos da frota automóvel da E..., incluindo os veículos de serviço da empresa.
– Cfr. documentos 1 e 2 juntos com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Facto não controvertido.
3. Em 26.08.2015 ocorreu um acidente de viação na A...7 ao quilómetro 15,4, na freguesia ..., concelho ....
– Cfr. documentos 3 e 4 juntos com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Facto não controvertido.
4. No acidente referido em 3. foi interveniente um veículo que é propriedade da E..., com a matrícula ..-PI-...
– Facto não controvertido.
5. O veículo referido em 4. sofreu danos por causa do acidente referido em 3.
– Facto não controvertido.
6. A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018.
- Facto não controvertido.
7. A presente ação foi apresentada em 27.03.2022, via SITAF.
- Cfr. p. 01 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
A apelação:
Sobre a arvorada nulidade.
Com toda a evidência não ocorre.
Na decisão recorrida enfrentou-se a questão que se encontrava colocada no litígio: saber se o direito, servido da causa alegada pela Autora, se encontra, ou não, atingido pela prescrição.
Se a recorrente aponta, como o faz, que a resposta dada (é) falha por não ter tido em conta motivo de suspensão do prazo… de prescrição… o que denuncia é um erro de julgamento sobre a questão; a dirimida na pronúncia dada.
Sobre os factos.
Julgou o tribunal “a quo”:
«6. A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018.
- Facto não controvertido.».
A recorrente entende que “deve o ponto 6 dos factos provados ser alterado para conter o seguinte: 6. No dia 01.11.2018, a Autora procedeu ao último pagamento no âmbito da regularização do sinistro ocorrido no dia 26.08.2015.”.
Tem alguma razão, mas também sem chegar a todo o efeito pretendido.
Justifica apenas o expurgo.
Vendo o que foi alegado na p. i.:
35º.
Em concreto e conforme decorre do conjunto dos Documentos 6 a 9, que aqui se juntam, a Autora pagou, até à presente data, à Unidade Local de Saúde do ... (...) um total de € 1 167,64 (mil cento e sessenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), assim discriminados:
€ 90,41 (noventa euros e quarenta e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...43, referente a episódio de urgência da lesada DD (Documentos 6 e 6-A);
€ 120,91 (cento e vinte euros e noventa e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...44, referente a episódio de urgência do lesada CC (Documentos 7 e 7-A)
• € 91,91 (noventa e um euros e noventa e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...45, referente a episódio de urgência do lesado BB (Documentos 8 e 8-A);
• € 369,00 (trezentos e sessenta e nove euros), respeitantes à fatura n.º ...97, referente a diversos tratamentos prestados ao lesado AA (Documentos 9 e 9-A);
• € 266,41 (duzentos e sessenta e seis euros e quarenta e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...46, referente a episódio de urgência e diversos tratamentos prestados ao lesado AA (Documentos 9 e 9-B);
• € 229,00 (duzentos e vinte e nove euros), respeitantes à fatura n.º ...85, referente a diversos tratamentos prestados ao lesado AA (Documentos 9 e 9-C);
36º.
De igual modo, até à data, a Autora pagou à P..., Lda., por tratamentos de fisioterapia prestados ao lesado AA, a quantia total de € 1 155,00 (mil, cento e cinquenta e cinco euros), conforme Documentos 10, 11 e 12 que aqui se juntam.
37º.
A Autora procedeu ainda ao pagamento à O..., S.A., seguradora do veículo ... que assumira a reparação desse veículo, do montante de € 14 129,84 (catorze mil, cento e vinte e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) a esse título, conforme Documentos 13 e 14 que aqui se juntam.
38º.
Para reembolso de despesas médicas e medicamentosas, bem como de deslocações efetuadas para consultas e tratamentos a que foi submetido AA e para compensação da incapacidade temporária absoluta, a Autora pagou a este lesado as seguintes quantias, conforme Documentos 15 e 16 que aqui se juntam:
€ 844,04 (oitocentos e quarenta e quatro euros e quatro cêntimos);
• € 1 155,97 (mil, cento e cinquenta e cinco euros e noventa e sete cêntimos);
• € 404,35 (quatrocentos e quatro euros e trinta e cinco cêntimos)
39º.
Acresce que o lesado AA, no âmbito de ação declarativa que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo, Juiz ..., sob o n.º de processo 2313/17...., pedia a condenação da AIG ao pagamento da quantia de € 25 000,00, acrescida da indemnização ilíquida que viesse a ser fixada em decisão ulterior ou a ser liquidada em execução de sentença, para compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por força do acidente em questão.
40º.
Tal ação judicial chegou ao fim com uma transação celebrada entre a aqui Autora e o lesado AA, conforme cópia de acordo e sentença que se junta como Documento 17.
41º.
Assim, além das quantias assumidas e pagas até então, a aqui Autora foi condenada, e assim pagou em 01/11/2018, na quantia adicional de € 13 000,00 (treze mil euros), conforme Documento 18, que se junta, e o já citado Documento 17.
42º.
No total, os prejuízos incorridos até à data e pagos pela Autora ascendem a € 31 856,83 (trinta um mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e três cêntimos).
Vendo do que foi contestação da ré AENL:
11.
A Ré ignora as circunstâncias em que ocorreu o alegado acidente descrito na Petição Inicial, bem como as
consequências que decorreram do mesmo.
12.
Não sendo tais circunstâncias pessoais ou de que deva ter conhecimento, deverão considerar-se válida e
eficazmente impugnadas, na sua integralidade.
13.
Impugna-se, assim, o alegado nos artigos 3.º e 4º, 8.º a 11º, 15º a 23.º, 25.º a 48.º da Petição Inicial, quer
por desconhecimento e por constituírem factos que a Ré não tem obrigação de conhecer, quer no sentido e alcance que a Autora deles pretende extrair, quer por serem conclusivos e conterem essencialmente matéria de direito.

Assoma que o tribunal “a quo” errou no julgamento ao ter como assente - por o ter como facto não controvertido - que «A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018»; dum passo, não corresponde sequer aos termos do que foi o alegado; doutro, o que foi alegado encontra específica impugnação de uma (o bastante) das contestantes.
Mas, concomitantemente, dada a impugnação, também não pode (mesmo que de hipótese pudesse ultrapassar-se a síntese conclusiva proposta) ter-se como assente, e menos ainda provado - no estádio de desenvolvimento dos autos -, que “No dia 01.11.2018, a Autora procedeu ao último pagamento no âmbito da regularização do sinistro ocorrido no dia 26.08.2015”.
Sobre o direito.
Na decisão recorrida julgou-se “procedente a exceção perentória de prescrição do direito da Autora e, em consequência, absolvo os Réus do pedido”.
Aproveitando síntese feita no relatório “Para fundamentar a sua pretensão, sustenta, brevitatis causae, que celebrou com a empresa E..., S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice ...01 que dá cobertura a todos os veículos da frota automóvel da E..., incluindo os veículos de serviço da empresa; em 26 de agosto de 2015 ocorreu um acidente de viação da A...7, ao quilómetro 15,4, na freguesia ..., concelho ... em que foi interveniente um veículo propriedade da E..., matrícula ..-PI-..; o condutor do veículo ... foi surpreendido com uma travagem súbita de um veículo que ia à sua frente, não conseguindo evitar a sua colisão; a colisão dos dois veículos deu-se devido à entrada dos animais na autoestrada e ao seu atravessamento na via; a Autora efetuou o pagamento dos danos do veículo, tendo ficado legal e contratualmente sub-rogada em todos os direitos da sua segurada contra os responsáveis pela produção do sinistro.”.
No julgamento da excepção, o tribunal “a quo” equacionou:
«(…)
Importa, por isso, ter presente que o artigo 498.º do Código Civil, na parte que aqui releva, preceitua que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
Por seu turno, os n.ºs 2 e 3 do citado normativo 498.º do Código Civil, preceituam que «[P]rescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis» e «[S]e o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.»
(…)
Aqui chegados, e atento à relação material controvertida no que à prescrição diz respeito, o pomo da discórdia centra-se no prazo da prescrição, ou seja, se pode ser aplicado ao caso (sub-rogação) a prescrição sujeita ao prazo de 5 anos por causa do facto ilícito constituir crime.
Dito de outra forma, importa saber se o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil se aplica à hipótese prevista no n.º 2, que se reporta à existência de direito de regresso, ou à sub-rogação legal nos termos do n.º 4 do artigo 17.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, ou apenas se aplica à situação prevista no seu n.º 1.
Ora, parece-nos que não se aplica.
(…)»
Contou com apoio de jurisprudência, citando exemplo de que se serviu, e finalizando:
«(…)
Como se disse, estamos perante uma situação de sub-rogação, e nesses casos atendemos à data do pagamento dos danos para o termo inicial do decurso do prazo de prescrição.
Decorre do ponto 6. do probatório que a Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos da viatura em 01.11.2018 e que apresentou a presente ação em 27.03.2022 (facto provado. 7.).
Ora, contados 3 anos a partir de 01.11.2018, tinha a Autora até ao dia 01.11.2021 para a presentar a presente ação.
Considerando que a presente petição inicial deu entrada neste Tribunal em 27.03.2022, bom de ver está que o prazo de três anos para fazer valer o seu alegado direito indemnizatório há muito que se encontra transcorrido.
Assim sendo, atento aos fundamentos expostos ante, procede a defesa excetiva invocada pelos Réus, mostrando-se prescrito o crédito indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, cuja compensação possa ser obtida através do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aqui aplicável, importando a absolvição dos Réus do pedido (cfr. artigo 89.º, n.º 3, do CPTA).
(…)»
A primeira reflexão desperta pelo que logo foi o pedido.
É logo bom de ver que a excepção não pode proceder a modos de afectar integral pretensão; pelo menos com relação a uma parte a acção não pode findar pela excepção de prescrição.
O pedido nela formulado foi: «Deve a presente ação ser julgada procedente por provada, devendo as Rés ser solidariamente condenadas ao pagamento da quantia de € 31 856,83 (trinta e um mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e três cêntimos) à Autora, acrescido de juros vincendos calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como ao pagamento das quantias que vierem a ser posteriormente reclamadas à Autora por conta do sinistro, a liquidar em execução de sentença, e bem assim, condenadas no pagamento das custas de processo.».
Mesmo seguindo na linha de raciocínio empregue na decisão recorrida – marcando termo de prazo da excepção contado do pagamento alegado – encontra-se desprovido de registo histórico o que só sobrevém de futuro quanto ao “pagamento das quantias que vierem a ser posteriormente reclamadas à Autora por conta do sinistro”.
Ausente até agora facto jurídico - pagamento - que possa suportar, não se abre, nem decorre, prazo para a extinção do direito.
Evidenciando que esta constatação proporciona até devir doutra questão, de extrema simplicidade a uma resposta, não é, contudo, aqui e agora oportunidade.
Dentro das balizas do recurso.
Prosseguindo, vendo do que é susceptível desencadear a extinção da obrigação.
Vimos já que em termos factuais a data de 01.11.2018 como data do último pagamento conhecido não pode ser tida como verdade factual adquirida.
Mas pode alcançar-se solução logo apoiada no direito, tão só pela alegação de causa (exercício que até a Ré Z..., faz “a dar-se de barato” - art.º 4º da contestação); se a solução de direito dispensa dilucidar a controvérsia dos factos, é ela, sem cultivo da inutilidade, que dita.
Então, vejamos.
Em primeira proposição: efectivamente, o prazo a atender é de três anos.
«É jurisprudência hoje pacífica, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que às situações de sub-rogação legal é aplicável, analogicamente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CC, a contar do pagamento efetuado pelo sub-rogado ao credor originário.» - Ac. do STJ, de 11-02-2021, proc. n.º 2315/18.2T8FAR.E1.S1.
Também mais alta instância da jurisdição administrativa fixou já em Ac. do Pleno, de 27-09-2018, proc. n.º 0979/16.0BESNT-A 01493/17:
I – O prazo de prescrição do direito da sub-rogada companhia de seguros que, por força do contrato de seguro, pagou os prejuízos sofridos pelo lesado, em consequência de acidente de viação, só começa a correr depois do pagamento dos mesmos, visto que só depois deste pagamento o seu direito pode ser exercido, nos termos do art. 498º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
II – A esta solução se chega tanto por aplicação directa dos arts. 306º, nº 1 e 498º, nº 1 do Código Civil, como pela aplicação por analogia do nº 2 do art. 498º do mesmo diploma.
Linha também seguida neste TCAN (cfr, p. ex., Ac. de 15-03-2019, proc. n.º 3592/15.6BEBR).
No ponto, a solução é hoje segura e pacífica; mesmo que as partes, claro, façam defesa do seu interesse, mostram-se conhecedoras das controvérsias e soluções; não carece de maiores desenvolvimentos.
Estabelecido o alicerçe, vejamos o travejamento do concreto cômputo.
Como se refere no Ac. do STJ de 3/7/2018, proc. n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1, “No caso de fracionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, por regra, ao último pagamento efetuado, sendo, porém, de admitir que essa regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização que corresponda a danos normativamente diferenciados". Esta autonomização de núcleos da indemnização, para este efeito de contagem do prazo de prescrição, será admissível apenas em relação a danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos”.
No nosso caso poderemos distinguir:
(i) por um lado, admitindo suprir deficit de alegação por técnica remissiva para o teor documental, tomando em consideração as datas de pagamento aí assinaladas:
€ 90,41 (noventa euros e quarenta e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...43, referente a episódio de urgência da lesada DD (Documentos 6 e 6-A); [Outubro de 2017]
€ 120,91 (cento e vinte euros e noventa e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...44, referente a episódio de urgência do lesada CC (Documentos 7 e 7-A) [Janeiro de 2018]
€ 91,91 (noventa e um euros e noventa e um cêntimos), respeitantes à fatura n.º ...45, referente a episódio de urgência do lesado BB (Documentos 8 e 8-A); [Agosto de 2018]
(ii) por outro, igualmente:
A Autora procedeu ainda ao pagamento à O..., S.A., seguradora do veículo ... que assumira a reparação desse veículo, do montante de € 14 129,84 (catorze mil, cento e vinte e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) a esse título, conforme Documentos 13 e 14 que aqui se juntam. [Maio de 2016]
(iii) e, por último:
- tudo o mais alegado a respeito do lesado AA, tomando em consideração último pagamento a 01.11.2018.
A Lei n.º 1-A/2020 de 19/03, estabeleceu um conjunto de medidas de carácter urgente, nomeadamente e no que respeita à suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, previu o artigo 7º n.º 3 que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.; e no n.º 4 que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”.
Este artigo foi revogado pela Lei 16/2020 de 29 de maio, sendo que a suspensão dos prazos operou entre 09 de Março e 03 de Junho de 2020.
Retomado a sua contagem no dia 3/6/2020, por força do disposto no art.º 6.º da Lei nº 16/20, de 29/5, os prazos de prescrição e caducidade que deixaram de estar suspensos por força das alterações pela mesma introduzidas foram alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Devido ao agravamento da situação epidemiológica, os prazos de prescrição e caducidade vieram a ser, uma vez mais, suspensos através da Lei n.º 4-B/2021 de 01/02, prevendo o seu artigo 6º-B, n.º 3, que São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos”; os prazos ficaram suspensos de 01 de fevereiro a 05 de abril de 2021; ficou revogada a norma de suspensão pela Lei n.º 13-B/2021 de 5/04, que, porém, no seu art.º 5.º previu “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
Regime de ordem pública, não posterga que antes não tenha tido atenção.
Por estes regimes excepcionais, a prescrição ficou quiescente ou adormecida.
Apenas um parenteses para assinalar que - afastando o que a dado passo vem nas contra-alegações - do que agora cuidamos nada se confunde com outras medidas tomadas no âmbito da pandemia relativas a actos e prazos processuais.
Uma outra observação para evidenciar que não poderá ter-se como exacto o fio de lógica presente no juízo do tribunal “a quo” ao ver que “tinha a Autora até ao dia 01.11.2021 para a presentar a presente ação.
Considerando que a presente petição inicial deu entrada neste Tribunal em 27.03.2022, bom de ver está que o prazo de três anos para fazer valer o seu alegado direito indemnizatório há muito que se encontra transcorrido.”.
Não é a instauração da acção que serve ao cômputo, possa por facilidade por ela ver-se da aproximação ou distância ao facto interruptivo da citação, nos termos regulados no art.º 323º do CC.
Retomando, e sob luz do já enunciado.
Logo salta à vista que decorre todo o cômputo de prescrição no que respeita ao pagamento pela reparação do veículo, atingido termo final de contagem a salvo da causa de suspensão de prescrição que agora está em foco.
Com relação aos pagamentos respeitantes aos lesados DD, CC e BB, apesar de permeio advir causa de suspensão, também todo o cômputo de prescrição decorreu.
Já a respeito do lesado AA, tomando em consideração último pagamento a 01.11.2018, como deve ser considerado (cfr. Acs. do STJ: de 4.11.2020, proc. n.º 2564/08...., de 5.5.2020, proc. nº 1414/18...., de 23.1.2020, proc. nº 5486.17...., de 2.4.2019, proc. n.º 2142/16...., de 3.7.2018, proc. n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1, de 5.6.2018, proc. n.º 4095/07...., e de 18.1.2018, proc. n.º 1195/08....), a conclusão é inversa.
Alcança-se que, mesmo que de permeio na contagem se depare suspensão, a interrupção da prescrição sempre ocorreria; mesmo sem convocar as particulares datas de citação, sempre a benefício do disposto art.º 323.º, nº 2, do CC; efeito interruptivo que se verifica em cinco dias (contados a partir da propositura da acção - 27.03.2022), ficcionando-se, então, para tal efeito, que a citação ficou nesse momento efectuada, verificando-se, por via disso, também uma interrupção duradoura da prescrição, como estabelecido no art.º 327.º, nº 1 do CC; dissipando qualquer dúvida, e até prevalecendo, no detalhe do caso constata-se que a citação de ambas as rés ocorreu dia 31/03/2022 (fls. 122/3 SITAF).
Portanto, neste último ponto, sem se atingir a prescrição.
Também a este propósito se impõe reconhecer o erro de julgamento na pronúncia do tribunal “a quo”.
A acção prossegue na medida e na serventia necessária ao que fica em aberto.
*
Acordam, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando parcialmente a decisão recorrida na medida do que supra fica exposto.
Custas: pela recorrente/recorridas, na proporção do vencimento/decaimento.
Porto, 11 de Novembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa