Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00087/14.9BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS; MÉTODOS INDICIÁRIOS; REGIME DO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO.
Sumário:I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

II. Da conjugação dos artigos 71.º, 81.º e 82.º do Código de Processo Tributário, compete à Administração Fiscal explicitar os motivos que a impedem de comprovar de forma directa e exacta a matéria tributável do sujeito passivo, na decisão de aplicação dos métodos indiciários, indicando quais os critérios que utilizou na determinação daquela matéria.
Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«S., Lda.», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano de 1995, pedindo que a decisão recorrida seja revogada.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. - A Autoridade Tributária não efetuou qualquer prova ou demonstração sobre a genuinidade das fotocópias e consequentemente, não tendo cumprido o respetivo dever de prova, o douto tribunal não podia concluir no sentido em que efetuou, Art.º 115° do CPPT.
2. - A douta sentença não explicou se os motivos indicados pela Autoridade Tributária eram ou não causa, de per si, ou conjuntamente, para a conclusão e se no final impossibilitava ou não o recurso aos métodos diretos, o que constitui erro de julgamento por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão, cf. Art.º 125° do CPPT, o que conduz à nulidade da sentença.
3. - Pois, primeiro, não indica, a omissão de contabilização de operações e valores relativos à atividade e nomeadamente vendas de produtos;
4. - Depois, quais as informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários, que faltava na contabilidade?
5. - Depois, que fichas de imputação deviam ter sido consideradas para efeitos do Art.º 19° do CIRC?
6. - O que faltou no controlo interno?
7. - Qual seria o saldo real, para aferir o saldo irreal de caixa e depósitos à ordem?
8. - Qual o interesse dos livros sem qualquer timbre ou numeração utilizados pelo contribuinte?
9. - Em que medida impossibilita a determinação direta e exata do rendimento?
10. - Ademais, a prova pericial é no sentido da reconstituição de forma direta e por montante exato dos rendimentos, cf. resposta ao Quesito 10.
11. - Pelo que existe erro de julgamento, pois a escrita comercial e fiscal deve manter a presunção de verdade, cf. Art.º 75° da LGT.
12. - A formalidade do Art.º 100° do CPA não foi cumprida, pois, a Autoridade Tributária devia ouvir a recorrente para esta poder solicitar, em tempo, a audição dos interessados, nomeadamente se os clientes comprovavam ou não, o alegado pela recorrente e se os documentos eram pessoais (íntimos) ou privados, antes de decidir se as correções são ou não para manter.
13. - Pelo que não pode a sentença dar como formalidade não essencial, um ato, que vem ao longo destes tempos a ser contestado, no pretexto, de que a atuação da Autoridade Tributária não merece à partida e no final censura, Art.º 100° do CPA.
14. - Sendo, ao contrário do decidido, uma formalidade essencial, e nesse sentido, a sua necessidade sai reforçada, pela produção da prova pericial, Art.º 100° do CPA.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada e com todas as consequências legais, para que assim se faça justiça.

A Recorrida não contra alegou.

Pela Mmª juiz foi proferido despacho de sustentação em relação à alegada nulidade de sentença.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto.
*
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se: (1) ocorre nulidade de sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito; (2) se existe erro de julgamento, por violação dos artigos 115.º e 128.º do CPPT; (3) se ocorre erro de julgamento em relação aos pressupostos de facto na aplicação dos métodos indiretos, erro na quantificação da matéria coletável e falta de fundamentação no recurso aos mesmos; (4) se foi violado o artigo 100.º do CPA.
*
Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
A) FACTOS PROVADOS:
1. A Impugnante exerce a atividade de fabricação de portas e janelas, elem. similares em metal. - Fls. 265 e sgs. dos autos.
2. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs 19.259 e 19.304 de 12.05.1997 e 28.05.1997, correu termos o exame à escrita da Impugnante, levada a cabo pela Direção Distrital de Finanças de Viseu, relativa aos exercícios dos anos de 1993, 1994 e 1995, com início no dia 13.05.1997 e fim no dia 25.07.1997. - Fls. 265 e sgs.
3. Da ação de inspeção realizada à Impugnante resultou o Relatório de exame à escrita, do qual consta com interesse para a decisão:
"(…) 2 - Análise das operações registadas e declaradas
Procedeu-se à análise da situação da empresa, relativamente aos exercícios de 1993, 1994 e 1995, com base nos registos contabilísticos e respectivos suportes, bem como em outros elementos e informações disponíveis.
A análise será efectuada por exercícios, contemplando, prioritariamente, as operações mais significativas da actividade da empresa, ou sejam as "compras" e "venda de produtos", bem como os fluxos financeiros.
2.1- Exercício de 1993,1994 e 1995
Foram detectadas várias insuficiências, nomeadamente, falta da discriminação ao nível da facturação, dos materiais efectivamente fornecidos.
a) Controlo interno
O contribuinte não possui qualquer sistema de controlo interno, formalmente instituído, que nos fosse dado observar.
2.1.1 - Tesouraria
a) CAIXA
Todo o movimento é efectuado através desta conta, inclusivamente, todos os pagamentos por cheque.
Os saldos evidenciados na contabilidade, constam do anexo na 1.
Ao longo dos exercícios fiscalizados, há depósitos cuja contabilização ocorreu em datas muito posteriores à do carimbo do banco. Se estes depósitos fossem contabilizados nas datas correctas, os saldos de caixa, não comportariam tais montantes, ficando com valores negativos, nos meses respectivos, conforme se pode verificar através do anexo na 2.
Este procedimento, evidencia que aos saldos contabilísticos do caixa, não correspondem à realidade.
b) Depósitos à Ordem
Os pagamentos, nomeadamente a fornecedores, são efectuados através desta conta.
Como se referiu no ponto anterior, há depósitos, contabilizados em datas muito posteriores, à real, inclusivamente em anos diferentes (…)
Com este procedimento, torna-se difícil e moroso fazer qualquer conferência dos fluxos financeiros.
c) Empréstimos
Os valores evidenciados no balanço, em 1995, referem-se essencialmente a saldos credores de D/O.
d) Suprimentos
Os valores contabilizados têm por base documentos internos (anexo na 7), não referindo os meios monetários utilizados, bem como a data exacta em que foram efectuados.
Não foi liquidado nem entregue o respectivo imposto do selo conforme artº 54º e 92º da Tabela Geral do Imposto do Selo.
(…)
2.1.3 - Existências
Foram solicitados e apresentados os inventários, cujos valores coincidem com os contabilizados.
No que respeita a produtos e trabalhos em curso, nas obras de carácter plurianual, o contribuinte não cumpre com o estipulado no artº 19º do CIRC, pelo que se desconhece como foram encontrados os valores contabilizados como existências finais de produtos e trabalhos em curso. Com tal procedimento, não se consegue verificar se aqueles valores estão correctos.
2.1.4 - Vendas e créditos de exploração
(…)
As vendas contabilizadas e declaradas, encontram-se tituladas por facturas ou vendas a dinheiro, timbradas e numeradas tipograficamente
No dia 27 de Maio p. p., encontravam-se, nas instalações do contribuinte, treze livros, sem qualquer numeração nem timbre, contendo cada um deles entre 95 a 100 folhas, cujas capas foram de imediato rubricadas e numeradas, tendo sido fotocopiadas as referidas capas, que se anexam com o nº 8 folha 1/4 livros 1, 2, 3 e 4,folha 2/4 livros 5, 6, 7 e 8,folha 3/4 livros 9, 10, 11 e 12 e folha 4/4 livro nº 13.
Dado tratar-se de um nº bastante elevado de folhas a analisar, foi efectuado recibo nos termos do artº 108º do CIRC e dado conhecimento ao contribuinte, na pessoa do seu sócio-gerente senhor A., que se recusou assinar, tendo-se oposto, fisicamente, à saída de tais documentos das suas instalações, alegando que se referiam a anos que não constavam na Ordem de Serviço apresentada.
Tentámos por todos os meios recolher o maior número de elementos, nomeadamente fotocópias dos referidos talões, tendo o contribuinte, desligado o fotocopiador, não autorizando a sua utilização, a partir de dada altura.
Estes livros, conforme se concluiu através da análise de algumas folhas, retiradas ao acaso, que conseguimos fotocopiar e que se anexam (anexo nº 9), destinavam-se a registar o valor total do serviço prestado. Das folhas que foram analisadas, conseguimos verificar, que o seu valor é superior ao da correspondente factura emitida. O valor da diferença encontrada, será explanada em ponto próprio.
No dia seguinte, quando regressámos, com a ordem de serviço 19.304, para os exercícios de 1993 e 1995, o sócio gerente não se encontrava presente. Verbalmente, foram solicitados à empregada de escritório, os livros que no dia anterior tinham sido por nós rubricados, tendo alegado desconhecer onde se encontravam, pois os mesmos estavam à guarda do senhor A.. Por tal motivo, procedeu-se à notificação da sociedade, para apresentação dos referidos livros, com dia e hora marcados, na pessoa da senhora M., na qualidade de empregada de escritório, que se recusou a assinar a referida notificação, alegando "não estar autorizada a assinar qualquer documento".
(…)
Expirado o prazo indicado na aludida notificação, os livros não nos foram apresentados, tendo o contribuinte declarado que "os mesmos tinham sido destruídos. Pois para além de conterem nota de acontecimentos diários relacionados com a empresa, continham também, anotações de foro pessoal e íntimo, do sócio gerente A., que poderiam pôr em causa a idoneidade moral do próprio"
(…).
Das folhas que conseguimos fotocopiar no curto espaço de tempo, em virtude do que já se referiu, foi solicitado ao contribuinte a identificação das facturas correspondentes. Desta comparação verificou-se que para além de existirem diferenças significativas entre o valor da factura indicada e o documento fotocopiado, o material fornecido, em alguns casos, também não confere, conforme anexo nº 12.
Há a salientar que as facturas nº 1404, passada em nome de A. no total de 300.000$00 e 1406 cujo cliente é M., no montante de 105.000$00, nada tem a ver com o "talão" emitido em nome de J..
O contribuinte alegou ter efectuado o apontamento em nome do "trolha" que fez a encomenda e ter emitido as facturas em nome do cliente final. No entanto o material referido não é coincidente.
Como se pode verificar através das datas inscritas nas capas dos mencionados "livros de expediente", verifica-se que este procedimento, tem carácter de habitualidade, pelo, que se presume extensivo ao período em análise.
A omissão verificada ascende a uma percentagem não inferior de 24,16% dos valores facturados.
V - CORRECÇÃO COM RECURSO A MÉTODOS INDICIARIOS
1 - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso à aplicação de métodos indiciários. (Art.s 51º, do CIRC e/ou 84º, do CIVA).
As situações e factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos indiciários e presunções encontram-se descritos ao longo deste relatório, pelo que neste ponto, serão referidos de forma mais sucinta.
a) Motivos que implicaram o recurso à aplicação de métodos indiciários
As situações e irregularidades detectadas, constituem indícios fundamentados de que a contabilidade, não reflecte correctamente, as operações efectuadas, e os resultados efectivamente obtidos, factos previstos na alínea d) nº 1 do art.º 51º do IRC.
b) Factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos indiciários
* - Omissão de contabilização de operações e valores relativos à actividade nomeadamente vendas de produtos;
* - A contabilidade não fornece informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários;
* - Inexistência de fichas de imputação dos custos às obras de carácter plurianual, conforme dispõe o artº 19º do CIRC.
* - Falta de controlo interno
* - Saldos irreais da caixa e depósitos à ordem
* - Livros sem qualquer timbre nem numeração, utilizados pelo contribuinte, que posteriormente ao início da visita foram destruídos
2 - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a Métodos Indiciários.
(Artº 52°, do CIRC)
a) Critérios
Para efeitos de cálculo das correcções a efectuar, iremos considerar omissão de venda de produtos de 24,16% dos valores declarados (…).". - Fls. 265 e sgs. dos autos.

4. A Impugnante apresentou reclamação nos termos do artigo 84.º do CPT no dia 14.11.1997.Fls. 52 e sgs. dos autos.
5. Na sequência de pedido de revisão da matéria coletável apresentado pela Impugnante, reuniu-se a Comissão de Revisão, na qual foi lavrada a ata nº 45, tendo sido proferida decisão pelo Presidente da Comissão no mesmo dia. - Fls. 58 e 59 dos autos.
6. Foi apresentado no dia 26.04.2006 o relatório pericial do qual consta, de entre o demais, o seguinte:
" (... ) Resposta ao Quesito nº 10
Face à enorme quantidade de documentos para analisar e por uma questão de economia processual, os peritos, por comum acordo, optaram por seleccionar aleatoriamente dois meses, para cada um dos exercícios económicos objecto de perícia.
Para o exercício económico de 1993, foram seleccionados os meses de Março e de Dezembro.
Procedimentos realizados:
- Levantamento de todos os recibos e vendas a dinheiro emitidos e contabilizados nos meses seleccionados, com base no extracto da conta corrente do Caixa;
- Levantamento de todos os depósitos efectuados, os quais também se encontram contabilizados na conta Caixa;
Análise dos elementos recolhidos:
Ao analisar-se os recibos emitidos pela impugnante, verifica-se que não é realizada qualquer referência ao número do cheque ou à forma de pagamento utilizada.
Assim, o único elemento que os peritos dispõem para estabelecer a correlação entre os recebimentos e os depósitos é o valor.
Com base nos elementos e tomando por base o critério do valor, foi possível estabelecer as seguintes correlações: (…) No mês de Março de 1993 "só foi possível estabelecer 15 correlações". No mês de Dezembro do ano de 1994 "só foi possível estabelecer 12 correlações".
Resposta ao Quesito nº 11.
Com base nos elementos constantes da escrita é possível efectuar reconstruir o arquivo dos documentos por ordem cronológica, de forma directa e objectiva e consequentemente, efectuar os testes que se entenderem por convenientes, tal como fez a própria administração tributária a folhas 70 a 73 do relatório de inspecção. A conferência das vendas a dinheiro e dos recibos com os depósitos não é possível pelos motivos expostos na resposta ao quesito anterior". - Fls. 88 e sgs. dos autos.
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1. No mobiliário e na secretária utilizada normalmente pelo sócio-gerente foram deixados todos os apontamentos pessoais e da vida familiar do sócio-gerente.
2. Em abuso da investigação a Sr.ª Inspetora Tributária violou um diário e escritos de conteúdo íntimo, com muitas anotações, na esfera da personalidade do autor.
3. As fotocópias juntas ao relatório de inspeção não foram retiradas dos originais.
4. O montante dos trabalhos realizados ao Sr. A. foi de 290.000$00, já com IV A incluído, valor, esse, que foi faturado.
5. Durante a execução do serviço verificou-se que existia material que não necessitava de ser substituído tendo de se efetuar os respetivos ajustamentos.
6. Relativamente ao Sr. V., nossa fatura n.º 1 567, de 96.01.25., o total de serviço executado pela empresa foi real de 80 000$00 (com IV A incluído).
7. Só foi efetuada pela Impugnante, parte da "obra" inicialmente solicitada e que a restante parte não foi executada pela Impugnante, logo não a podia faturar.
8. Relativamente ao Sr. L., nossas faturas n.º 1405 e 1729, o total do serviço executado, foi de 650000$00, com IV A incluído.
9. Era um cliente com vários trabalhos, tendo-lhe sido faturada a 1.a parte dos trabalhos em 10.03.95, 350000$00, e a 2." parte em 16.11.96.
10. Relativamente ao Sr. E., nossas faturas n.º 1470 e 1497, o total do serviço executado totalizou 650 000$00, com IV A incluído.
11. A Impugnante recorda-se de ter adjudicado a obra por um valor superior ao faturado, mas dos trabalhos estimados não chegou a realizar a retirada dos gradeamentos velhos e a preparação da estrutura da cobertura.
12. Relativamente ao Sr. J., era um trolha, que nos encomendava serviços, para faturarmos em nome do proprietário das obras.
13. As faturas n.º 1404, de 300 000$00 e 1406, de 105 000$00, tudo com IV A incluído, foram os trabalhos por nós executados, a pedido do Sr. J., com faturação e recibo respetivo.
14. Todos pretendem que lhe seja faturado por mais do que efetivamente pagaram com o objetivo de minimizarem a carga fiscal.
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados e não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados, resultou do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório, da posição assumida pelas partes e também do relatório pericial.
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum, (artigos 396.º do Código Civil e 607 n.° 5 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT).
Os depoimentos das testemunhas foram valorados nos termos que a seguir se expõem.
A testemunha R., Inspetora Tributária que realizou a inspeção à aqui Impugnante depôs prontamente ao que lhe foi perguntado, de uma forma isenta, clara, desinteressada e credível, demonstrando conhecimento direto sobre os factos em causa. Afirmou que o gerente não facultou os documentos de contabilidade e mandou a funcionária desligar a fotocopiadora, mas ainda conseguiu fotocopiar alguns documentos. Como não conseguiu ver a contabilidade da Impugnante pediu para esta entregar os livros, o que esta não o fez. Referiu que os livros nada tinham a ver com a vida privada do gerente da Impugnante porque conseguiu tirar cópias de algumas folhas e nos livros constavam registos de talões e anotações do trabalho realizado pela Impugnante. Disse que nunca lhe foram apresentados quaisquer orçamentos e fichas de obra para saber concretamente os materiais utilizados nas obras para confrontar com as faturas existentes.
Enunciou também que os valores recebidos e depositados não são iguais e que a Impugnante não tinha recibos de todos os pagamentos. Respondeu ainda que depois de pedir os livros que viu foi-lhe dito que os tinha destruído por conterem factos privados da sua vida. Conseguiu identificar algumas faturas, que fez a correspondência com os talões fotocopiados.
Esta testemunha foi crucial para perceber o que levou a AF a utilizar os métodos indiretos.
A testemunha A. chegou a ser cliente da Impugnante. Este depoimento não foi valorado por este Tribunal, pois a testemunha não se recordava muito bem acerca dos factos sobre os quais depôs.
A testemunha L. foi cliente da Impugnante. Depôs ao que lhe foi perguntado, mas com algumas reticências, pois os factos ocorreram há muito tempo. Referiu que só pediu à Impugnante orçamentos e que os trabalhos foram feitos em duas vezes, mas que não se recorda qual o tempo que mediou entre os trabalhos, nem do valor que pagou nem se houve recibo.
A testemunha M. é funcionária da Impugnante. Este depoimento não foi valorado por este Tribunal, pois constatou-se que a testemunha foi parcial. Não depôs de uma forma isenta e desinteressada. Lembrava-se de uns factos e não se lembrava de outros, como por exemplo, lembrava-se da Inspetora ter pedido para ver os livros para tirar fotocópias e que se sentiu coagida, mas já não se recorda porquê que a mesma parou de fotocopiar as páginas daqueles livros. Ora, não é natural que não se recorde. Outro aspeto foi o facto de referir num primeiro momento que os livros continham factos relativos à sociedade e mais à frente no seu depoimento começou a afirmar que já era do foro privado, mas ao mesmo tempo referia-se aos livros como sendo da contabilidade. Depois foi-lhe mostrado cópias dos livros com apontamentos que supostamente eram do Sr. A. para referir se era com base naqueles apontamentos que fazia os orçamentos, tendo a testemunha reconhecido alguns. Mas depois não conseguiu explicar como conhecia aquelas folhas sem saber o que estava dentro dos livros. Portanto, este depoimento não foi valorado pelo Tribunal para fazer prova dos factos sobre os quais depôs.
Por sua vez, os factos não provados resultaram de ausência de prova no sentido preconizado, não tendo a Impugnante logrado comprovar o indicado.
*
Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar compete saber se ocorre nulidade de sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Ou seja, importa saber se a sentença explicou ou não se os motivos indicados pela Administração Tributária eram ou não causa, de per si, ou conjuntamente, para a conclusão e se no final impossibilitava ou não o recurso aos métodos diretos, o que no seu entender, constitui erro de julgamento por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão, o que conduz à nulidade da sentença (art.º 125º do CPPT). (Conclusão 2.ª do recurso).
Nos termos do n.º 1 do art.º 125.º do CPPT, [correspondente ao atual art.º 615.º do CPC] constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. Por força do n.º 2 do art.º 123.º CPPT o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
No caso dos autos, estaremos diante de uma eventual falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Vejamos se tal ocorre.
Conforme se pode ver pelo que ficou descrito a partir da página 19 da sentença, a mesma esclarece a razão pela qual a Administração Fiscal logrou demonstrar os motivos pelos quais não se conseguia comprovar e quantificar de forma direta e exata a matéria tributável. Mais está referido o enquadramento dessa situação no disposto nos artigos 51.º, n.º 1, alínea d) e 52.º do CIRC.
Para além disso, a sentença também explica que o relatório pericial também não considerou ser possível quantificar direta e exatamente a matéria coletável, remetendo para a resposta dada pelos peritos ao quesito 10, segundo a qual a escrita comercial da impugnante não comporta os elementos necessários para poder efetuar a conferência dos recibos e das vendas a dinheiro com os montantes depositados. Assim, como remete para a resposta ao quesito 11, segundo a qual não era possível efetuar a conferência das vendas a dinheiro e dos recibos com os depósitos.
Conclui a sentença, ao contrário do alegado pela Impugnante, que a Administração Fiscal encontrava-se legitimimada a recorrer aos métodos indiciários, indicando o critério que foi utilizado; o qual, aliás, foi explicado em Tribunal pelo depoimento da Inspectora Tributária e referido na página 20 da sentença.
Analisando criticamente as provas, a sentença refere que a Impugnante não logrou rebater os argumentos expendidos pela Administração Fiscal para a aplicação dos métodos indiretos, bem como não conseguiu provar os factos que trouxe aos autos para tentar contrariar os argumentos aduzidos no relatório de exame à escrita. Assim, ao considerar que a Impugnante não rebateu os argumentos expendidos pela Administração Fiscal, o tribunal aceita o relatório de inspeção, no qual se mostra cabalmente explicada a análise efetuada à escrita da recorrente, conforme se pode ler pelo que fica transcrito na matéria de facto da sentença.
Assim, a Administração Fiscal detectou (i) omissões de contabilização de operações e valores relativos à actividade da Recorrente, nomeadamente na venda de produtos; (ii) apurou que a contabilidade não fornecia informações suficientes e credíveis no que tange à movimentação dos meios monetários, situação que foi confirmada, inclusive, pela perícia efectuada; (iii) inexistência de fichas de imputação de custos às obras de carácter plurianual; (iv) saldos irreais da caixa e depósitos a ordem e, por fim, livros sem qualquer timbre nem numeração, utilizados pelo contribuinte, que posteriormente ao início da visita desapareceram. Ora, nada disto a Impugnante logrou infirmar, pelo que se percebe, também por aqui, o recurso a métodos indiretos.
Veja-se, ainda, a sentença na parte da matéria de facto, designadamente no segmento da sua motivação (págs. 12 e 13), nos termos da qual, o Tribunal explica a valoração que dá (ou não) a cada um dos depoimentos prestados.
Por sua vez, a sentença explica qual o regime legal vigente à data dos factos, referindo que vigorava o Código de Processo Tributário (CPT) e os Códigos de IRS, IRC e IVA, nas redações anteriores ao Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro. Para além disso, a sentença também cita jurisprudência, sendo isso, também uma forma de explicar os fundamentos de direito.
Assim, apreciada a sentença, a mesma não incorre em falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que não padece da alegada nulidade.
*
Em segundo lugar, alega a recorrente que ocorre erro de julgamento por violação dos artigos 115.º CPPT, por não demonstração da genuidade das fotocópias extraídas de um livro do sócio-gerente.
Pretende a recorrente referir que a Administração Tributária não efectuou prova da genuidade das fotocópias, pelo que o tribunal não podia ter concluído no sentido que efetuou.
O artigo 115.º diz que são admitidos todos os meios de prova e que a genuidade de qualquer documento pode ser impugnada, fazendo-se o confronto com o original.
Quanto à questão da prova ou demonstração da genuinidade das fotocópias por parte da AT, a Recorrente diz que tinha colocado em crise a sua autenticidade nos pontos 5 e 6 da petição inicial, no entanto, confrontados aqueles artigos da petição inicial não é isso que deles resulta, pois nenhuma impugnação de genuinidade é ali formulada. Assim, no ponto 5 a Impugnante refere que tem os históricos dos documentos ao artigo 35.º do CIVA, bem suportados, até com dados superiores aos dos recibos oficiais dos profissionais da Categoria B do IRS; e no ponto 6 reporta-se à prova do afirmado em 5.
Para além disso, a sentença deu como não provado que se tratem de diários ou escritos de conteúdo íntimo, assim como não se tratavam de fotocópias retiradas dos originais.
Por sua vez, na motivação da prova testemunhal referindo-se ao assunto, diz que se tratavam de livros com aspetos relativos à sociedade, sendo que a testemunha arrolada pela Impugnante (sua funcionária), confirma que a Inspetora Tributária estava a tirar fotocópias de tais livros que eram da empresa, sendo com base neles que fazia os orçamentos.
Em todo o caso, sempre se diga que pretender o confronto das fotocópias com o original que está na posse da impugnante, mas que não é apresentado, resulta ser o próprio interessado a impedir a prova que pretende.
Em face do exposto, improcede o alegado a este título.
*
Em terceiro lugar, cumpre apreciar se ocorre erro de julgamento em relação aos pressupostos de facto na aplicação dos métodos indiretos, erro na quantificação da matéria coletável e falta de fundamentação no recurso aos mesmos.
Sucede que a sentença explicou cabalmente o recurso aos métodos indiretos, a devida quantificação da matéria tributável, assim como a existência de fundamentação para o efeito, tendo enquadrado a situação em termos gerais e em termos concretos à situação da impugnante, conforme se pode ver pelo que ficou decidido a págs. 14 a 27 da decisão recorrida.
Considerando que o imposto em apreço diz respeito ao ano de 1995, importa salientar quais os preceitos à data aplicável. Naquela data era aplicável o Código de Processo Tributário (CPT), que dispunha nos artigos 78.º, 81.º e 82.º, o seguinte:
Artigo 78.º (Valor probatório da escrita)
Quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
Artigo 81.º (Fundamentação da tributação por métodos indiciários ou presunções)
A decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
Artigo 82.º (Fundamentação dos actos tributários)
A fundamentação dos actos tributários conterá, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.
Era, ainda, aplicável o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, regendo sobre o tema o artigo 51.º, que dispunha da seguinte forma:
Artigo 51.º (Aplicação de métodos indiciários)
1 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d) Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 - A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
(…)
Artigo 52.º (Métodos indiciários)
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários será efectuada pelo director distrital de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue e basear-se-á em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, e, designadamente, em:
a) Margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros;
b) Taxas médias de rendibilidade do capital investido;
c) Coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas ou de outros custos directos;
d) Elementos e informações declarados à administração fiscal, incluindo os relativos a outros impostos, e, bem assim, os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte.

Da conjugação dos transcritos preceitos, retira-se que compete à Administração Fiscal explicitar os motivos que a impedem de comprovar de forma directa e exacta a matéria tributável do sujeito passivo, na decisão de aplicação dos métodos indiciários, indicando quais os critérios que utilizou na determinação daquela matéria.
Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Na situação em apreço nos autos, foi através da realização de uma inspeção que a Administração Fiscal analisou a contabilidade da recorrente, tendo verificado Operações Registadas e Declaradas dos exercicio de 1993, 1994 e 1995; a Tesouraria detectando as irregularidades que apontada no Relatório de Inspeção.
Tal situação levou a que a Administração Fiscal procedesse a correcções com recurso a métodos indiciários, tendo ainda explicitado os motivos pelos quais entendeu não ser possível comprovar de forma direta e exata a matéria tributável da Recorrente. Conforme se pode verificar pelo que ficou transcrito no ponto 3 da matéria de facto, o Relatório explica suficiente e cabalmente os motivos pelos quais não é possível proceder à avaliação direta da matéria coletável.
Assim, no ponto 2.1 do Relatório, refere-se que foram detetadas insuficiências, nomeadamente, a falta de discriminação ao nível da faturação dos materiais efetivamente fornecidos, assim como não existe um sistema de controlo interno, formalmente instituído. Refere, ainda, irregularidades da conta caixa, como depósitos cuja contabilização ocorreu em datas muito posteriores à do carimbo do banco e que se tais depósitos fossem contabilizados nas datas corretas, o saldo da caixa seria negativo, conforme explicitado no anexo n.º 2 ao Relatório, concluindo que os saldos contabilísticos do caixa não correspondem à realidade.
Mais refere o Relatório:
b) Depósitos à Ordem
Os pagamentos, nomeadamente a fornecedores, são efectuados através desta conta.
Como se referiu no ponto anterior, há depósitos, contabilizados em datas muito posteriores, à real,
inclusivamente em anos diferentes (…)
Com este procedimento, torna-se difícil e moroso fazer qualquer conferência dos fluxos financeiros.
c) Empréstimos
Os valores evidenciados no balanço, em 1995, referem-se essencialmente a saldos credores de D/O.
d) Suprimentos
Os valores contabilizados têm por base documentos internos (anexo na 7), não referindo os meios monetários utilizados, bem como a data exacta em que foram efectuados.
Não foi liquidado nem entregue o respectivo imposto do selo conforme artº 54º e 92º da Tabela Geral do Imposto do Selo.
( .. .)
2.1.3 - Existências
Foram solicitados e apresentados os inventários, cujos valores coincidem com os contabilizados.
No que respeita a produtos e trabalhos em curso, nas obras de carácter plurianual, o contribuinte não cumpre com o estipulado no artº 19º do CIRC, pelo que se desconhece como foram encontrados os valores contabilizados como existências finais de produtos e trabalhos em curso. Com tal procedimento, não se consegue verificar se aqueles valores estão correctos.
(…)
V - CORRECÇÃO COM RECURSO A MÉTODOS INDICIARIOS
1 - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso à aplicação de métodos indiciários. (Art.s 51°, do CIRC e/ou 84°, do CIVA).
As situações e factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos indiciários e presunções encontram-se descritos ao longo deste relatório, pelo que neste ponto, serão referidos de forma mais sucinta.
a) Motivos que implicaram o recurso à aplicação de métodos indiciários
As situações e irregularidades detectadas, constituem indícios fundamentados de que a contabilidade, não reflecte correctamente, as operações efectuadas, e os resultados efectivamente obtidos, factos previstos na alínea d) n° 1 do artº 51 ° do IRC.
b) Factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos indiciários
* - Omissão de contabilização de operações e valores relativos à actividade nomeadamente vendas de produtos;
* - A contabilidade não fornece informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários;
* - Inexistência de fichas de imputação dos custos às obras de carácter plurianual, conforme dispõe o art° 19° do CIRC.
* - Falta de controlo interno
* - Saldos irreais da caixa e depósitos à ordem
* - Livros sem qualquer timbre nem numeração, utilizados pelo contribuinte, que posteriormente ao início da visita foram destruídos. (…).
Tendo em conta todas estas situações referidas no Relatório de inspeção, conclui-se que a Administração Fiscal pode recorrer à aplicação dos métodos indiciários, na medida em que existem inexatidões na contabilidade, assim como indícios fundados de que a mesma não reflete a situação patrimonial da empresa e o resultado efetivamente obtido.
A recorrente entende ser possível a reconstituição de forma direta e por montante exato dos rendimentos, arrimando-se na resposta ao Quesito 10.
O Quesito 10 contém a seguinte pergunta: «10 – A escrita comercial da impugnante comporta os elementos necessários para se poder efetuar a conferência dos recibos e das vendas a dinheiro com os montantes depositados?».
Ora, analisada a resposta integral ao Quesito 10 (a fls. 88 a 90 do suporte físico do processo), a perícia não menciona o alegado pela recorrente. Antes refere que, devido à quantidade de documentos a analisar foram selecionados os meses de maio de outubro de 1995, tendo sido procedido ao levantamento de todos os recibos e vendas a dinheiro emitidos e contabilizados naqueles meses, assim como os depósitos efetuados. A perícia verificou que nos recibos emitidos não é realizada qualquer referência ao número de cheque ou à forma de pagamento utilizada. Efetuada a análise dos meses em referência, verificaram os Peritos que no mês de maio de 1995, não foi possível estabelecer sete correlações entre os documentos emitidos pela contabilidade e os depósitos efetuados; e no mês de outubro do mesmo ano, não foi possível estabelecer seis correlações. Só por esta amostra dá para ver que a contabilidade da impugnante carece de fiabilidade.
Por sua vez, em resposta ao Quesito n.º 11 [(que, porventura, seria antes este que a recorrente pretendia invocar) e que tem seguinte formulação: «11 – O facto de alguns documentos não estarem arquivados por ordem cronológica é motivo suficiente para impossibilitar a conferência?»], os Peritos começam por dizer que é possível reconstituir o arquivo dos documentos por ordem cronológica, de forma direta e objetiva e efetuar os testes que se entenderem convenientes, para concluir que não é possível realizar a conferência das vendas a dinheiro e dos recibos com os depósitos, pelos motivos invocados na resposta ao Quesito 10. Ora, o que os Peritos dizem é apenas que é possível reconstituir o arquivo dos documentos, mas como também já haviam referido no Quesito 10, existiam depósitos sem documentos. Assim, mesmo que efetuada a reconstituição dos documentos, ainda ficava por explicar os depósitos efetuados sem suporte documental. Até porque, conforme referiram os Peritos em resposta ao Quesito 10, efetuaram o levantamento de todos os recibos e vendas a dinheiro, assim como o levantamento de todos os depósitos efetuados, nos meses trabalhados.
Desta forma, e eventual reconstituição do arquivo por ordem cronológica seria insuficiente para poder realizar uma integral correspondência entre os valores depositados e os documentos existentes.
Verifica-se, assim, que não seria possível o recurso à avaliação direta.
Para além disso, existem outras irregularidades assinaladas no relatório de inspeção, como a contabilização de depósitos realizada em data muito posterior à do carimbo do banco, e, caso fosse efetuada a contabilização na data correta, o saldo de caixa seria negativo, assim como a inexistência de fichas de imputação de custos às obras de carácter plurianual, entre outras situações irregulares.
Resulta, ainda, que nestes autos foi realizada inquirição de testemunhas, que não lograram depor no sentido alegado pela impugnante, conforme fundamentação efetuada na sentença recorrida.
Em face do exposto, verifica-se estar legitimado e fundamentado o recuso à aplicação dos métodos indiciários.

Alega, ainda, a recorrente que existe erro na quantificação da matéria coletável.
A este respeito escreveu a sentença recorrida o seguinte:
«A Impugnante alegou, também, a errada quantificação da matéria tributável. Ora, como supra alegado, quem tem o ónus de provar a errada quantificação da matéria tributável, é a impugnante.
Neste sentido, veja-se parte do sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de
13.11.2002, processo 01015/02, disponível em www.dgsi.pt: "( ... ) III - Tendo a Administração tributado com recurso a métodos indiciários, cabe-lhe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação e ao contribuinte o da existência de erro na quantificação do facto tributário."
Não logrou a Impugnante fazer essa prova, nos termos das considerações já tecidas, não padecendo a quantificação da matéria tributável de qualquer vício, pois foram aplicados critérios
lógicos e objetivos, como se pode constatar do relatório do exame à escrita, (que consta do probatório no item 3.).
De facto, como foi dito atrás, a Inspetora Tributária explicou como apurou esta margem de omissão de vendas. Referiu que como só tinha fotocopiado os talões dos senhores V., L., E., J. e A., comparou-os com as devidas faturas e a diferença entre uns e outros dá os 24,16 %.
Aliás, reitera-se o que acima já foi referido, em que como vem sendo decidido de forma uniforme pela jurisprudência dos nossos tribunais, as insuficiências no método utilizado para apurar a matéria coletável presumida são sempre substanciais, no que toca ao erro na quantificação, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Neste sentido, o qual seguimos na íntegra, vide o Ac. do TCA Norte de 25.1.2007, P. 01888/04, 11 não basta ao contribuinte gerar fundada dúvida sobre a quantificação alcançada, já que face à natureza da quantificação com recurso a métodos indiciários não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, razão por que não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova positiva de que os elementos utilizados pela AT ou o método que ela utilizou são errados.
É que a possível incerteza da quantificação da matéria coletável mais não é do que a normal consequência do próprio método presuntivo ou indiciário de quantificação, que lhe é inerente uma vez que aquele método constitui a ultima ratio fiscal para apuramento de uma matéria coletável que, por culpa do contribuinte, não foi apurada através da forma normal, razão por que cabe àquele a quem o método é oposto (o contribuinte) o ónus de demonstrar que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Em suma, as dúvidas que subsistem no caso da quantificação do lucro tributável por métodos indiciários são as conaturais ao próprio método indireto de apuramento - onde o valor encontrado é sempre um valor provável, mais ou menos aproximado, mais ou menos rigoroso, e nunca um valor absolutamente certo (pois a certeza só se consegue através dos métodos diretos de determinação do lucro tributável) - pelo que, caso esteja fundamentado o critério utilizado nessa quantificação, é sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero dessa quantificação, não bastando que crie dúvida sobre ela [. . .]
Assim sendo, o contribuinte pode demonstrar, não perante a AT (em qualquer altura do procedimento), como perante o Tribunal (no processo judicial impugnatório), que houve erro ou manifesto exagero na quantificação operada, através de prova consistente e persuasiva, que convença sobre a existência de erros ou inegáveis excessos na matéria tributável quantificada, evidenciando a ilegalidade invalidante da liquidação impugnada.
Portanto, a Impugnante não demonstrou que houve um erro ou manifesto exagero na matéria coletável tributada.
Assim, verifica-se, consoante supra narrado, que a AF, cumpriu os requisitos legais da sua atuação - verificação dos pressupostos para a aplicação dos métodos indiciários - ao contrário da Impugnante, à qual cabia demonstrar a ilegalidade do ato, ou gerar a fundada dúvida quanto à quantificação do rendimento coletável e que não conseguiu.»
Não temos motivo para dissentir do assim decidido, pois que a recorrente logra demonstrar onde esteja o excesso de quantificação, o erro do método utilizado ou a aplicação de critério desadequado ou inadmissível.
Em face do exposto, improcede o alegado erro na quantificação da matéria coletável.
*
Em quarto lugar, compete saber se foi violado o artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, o direito de audição prévia.
Conforme dado por assente no ponto 2 da matéria de facto, a ação inspetiva em apreço realizou-se no ano de 1997, data em que ainda não estava em vigor a Lei Geral Tributária (a qual apenas foi aprovada pelo Decretos-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro e entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1999). Ora, no âmbito do procedimento tributário apenas com a LGT veio a ser consagrado no artigo 60.º o direito de audição prévia. Não obstante, sempre havia o entendimento de que o artigo 100.º do CPA se aplicava a toda e qualquer administração pública.
Assim, pode conceder-se que, mesmo sem uma regulamentação específica em relação ao direito tributário, sempre seria de aplicar o regime do artigo 100.º do CPA.
Sucede que essa formalidade pode não ser essencial, caso se demonstre que, mesmo sem o seu cumprimento, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. Veja-se sobre este entendimento os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11/05/2011, proferido no processo n.º 0833/10 e de 06/07/2011, tirado no processo n.º 05/11 (ambos em www.dgsi.pt).
Foi entendimento da sentença recorrida que a não observância da formalidade de audição prévia se degradou em mera formalidade não essencial, sem susceptibilidade de alterar a decisão proferida, tendo referido para o efeito: ”Como resulta de ampla jurisprudência de STA, “a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur” (Ac. STA de 14.05.2003, Processo 317/03). Assim, e como salientado no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 17.12.1997, “o direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir exerceu influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento à atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir nos termos da instrução”.
Mais referiu a sentença: Ora, estamos convictos que não é o que acontece no caso em apreço. Parece dar-se por seguro que o exercício do direito de audiência por parte da Impugnante não ia ter a mínima relevância na correção levada a cabo, pois que nada do que a contribuinte levasse à colação alteraria as correções indiciárias ao lucro tributável que foram feitas. Aliás, como aconteceu aquando a reclamação nos termos do artigo 84.º do CPT.
Pelo que, conforme exposto, a preterição desta formalidade essencial, (não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência), degradou-se em formalidade não essencial, improcedendo assim também este vício invocado pela Impugnante.
Alega, a recorrente que poderia ter solicitado a audição dos clientes e se estes comprovavam ou não se os documentos eram pessoais (íntimos) ou privados antes de decidir se as correções eram ou não para manter.
Ora, não se percebe como é que os clientes poderiam depor sobre matéria pessoal, íntima e privada do sócio-gerente, pois que tratando-se de clientes, com certeza o seu relacionamento era meramente comercial, ou seja, profissional, pelo que não faz sentido que possam ser ouvidos sobre matéria que a recorrente alega serem do foro privado e pessoal.
Aliás, foram ouvidos em juízo os clientes da impugnante, bem como uma sua funcionária, tendo o tribunal formado a convicção de que os documentos em apreço eram da empresa e não de carácter pessoal.
Desta forma, a preterição da audição prévia em nada alteraria o sentido da decisão final, pelo que a formalidade se degradou em não essencial.
Assim, improcede, igualmente, esta alegação de recurso.
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Em face de tudo que fica exposto, o recurso não merece provimento.
Refira-se, por fim, que neste mesmo sentido decidiram já dois Acórdãos proferidos por este Tribunal Central Administrativo Norte, em relação ao mesmo contribuinte e à mesma inspeção tributária, muito embora reportando-se a anos diferentes. Tratam-se dos Acórdãos de 20/02/2020, proferido no processo n.º 46/13.9BUPRT; e de 02/07/2020, tirado no processo n.º 43/08.6BUPRT.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 5 de novembro de 2020.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles