Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00653/17.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Barbara Tavares Teles
Descritores:RECLAMAÇÃO
DISPENSA DE GARANTIA
Sumário:1.Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60º da LGT.
2. A decisão reclamada contém não só todo o quadro fáctico, como o quadro normativo aplicável à situação, fazendo expressa menção aos artigos 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4, da LGT, pelo que é de concluir que é possível a um destinatário normal conhecer o percurso cognoscitivo e valorativo que esteve subjacente ao acto em causa, bem como apreender o quadro fáctico-jurídico que o determinou. Assim, o acto impugnado está suficientemente fundamentado.
3.A Reclamante não especifica, de modo concreto e factual, os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, bastando-se com afirmações conclusivas e, quanto a prova, limitou-se a juntar documento interno retirado no presente ano presumivelmente da sua contabilidade, atinente ao balancete geral, não do ano transacto, mas de há dois anos sem sequer fazer um esforço argumentativo e sustentado da factualidade que se pode retirar de tal documento.
4.Considerando que a Reclamante não alegou factos concretos sobre os rendimentos e despesas que tem, nem sobre os bens móveis ou imóveis que possui, não tendo assim feito a mínima alegação e prova da sua concreta situação económica, nem apresentou ou requereu a produção de qualquer prova, conclui-se pela legalidade da decisão reclamada. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:O..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I.RELATÓRIO
O..., LDA., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Barga que julgou improcedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal por si interposta contra o despacho da Chefe de serviço de finanças de Oliveira do Hospital proferido em 26.10.2017 que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia ali formulado no processo executivo 0809201701026321 instaurado para cobrança de dívidas de IRC do ano de 2014, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional.
A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“F) DAS CONCLUSÕES
1. O presente recurso vem interposto de decisão que julgou improcedente a reclamação apresentada de despacho proferido por órgão de execução fiscal e, em consequência, não isentou a recorrente de prestar garantia.
2. Desde logo, importa dizer que o despacho reclamado foi proferido sem que tenha sido cumprido o dever de audição do sujeito passivo relativo ao acto praticado.
3. De modo que, a Administração Tributária desrespeitou os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, uma vez que, está por demais consagrada a obrigatoriedade da audição prévia do interessado.
4. Sobre tal questão, a douta sentença recorrida pronunciou-se, limitando-se remeter para a jurisprudência firmada pelo STA nos termos do Acórdão n.° 5/2012, de 26.09.2012, que, salvo o devido respeito, não consubstancia nenhum Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.
5. Trata-se, sim, de um Acórdão proferido nos termos do art. 148° do CPTA, e não nos termos do art. 152° do CPTA
6. Não foi tido em conta que a recorrente foi impedida de suscitar quaisquer novos elementos no direito de audição, designadamente juntando a prova que a AT entende que o requerimento carece.
7. É de realçar que, a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos artigos 52.° da LGT e 169.° do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa dessa prestação, nos casos previstos na lei, são de qualificar como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, de acordo com o disposto no art. 148° do CPA.
8. Assim, a par do desrespeito da igualdade das partes, cuja ratio entronca nos artigos 11°, 20.°, 267.° n.° 5 e 268°, todos da CRP, é clara e inequívoca a violação dos artigos 100° c 148° do CPA, dos artigos 54.°, 55,°, 60.°; n.° 5, e 98.° da LGT e do artigo 44° do CPPT, que expõem, clara e suficientemente, tal obrigação.
9. Deste modo, a douta sentença é nula, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
10. Por outro lado, a douta sentença recorrida entendeu que o douto despacho reclamado não padecia de falta de fundamentação.
11. Ora, o mesmo inicia com “No dia 18 de outubro de 2017, deu entrada neste Serviço de Finanças as reclamações graciosas contra liquidação de IRS do ano de 2014...”
12. Importa salientar que a reclamante, ora recorrente, desconhece a existência de qualquer liquidação de IRS.
13. Como o próprio nome o indica, trata-se de um imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, ora a recorrente é uma pessoa colectiva.
14. De modo que, desde logo, a fundamentação apresentada peca pela facto da reclamante não ser sujeito passivo de IRS.
15. Ainda, o despacho de indeferimento de dispensa de prestação de garantia não passa de um despacho-modelo copiado de muitos outros processos, salvo o devido respeito, elaborado em termos gerais e abstratos de forma a abranger um leque de casos, sem atender especificamente às circunstâncias de cada caso, designadamente às do caso sub judice.
16. De modo que, inexiste qualquer fundamento que sustente o despacho reclamado,
17. Num Estado de Direito como é o nosso, a fundamentação é um elemento estrutural do acto administrativo que, sem ela não é válido, juridicamente.
18. Logo, tem de consistir numa declaração formal expressa, explícita e contextual que traduza a representação externa de um procedimento anterior volitivo e intelectivo da responsabilidade do órgão competente para a decisão e reflicta a sua história racional.
19. Assim, a douta decisão recorrida ao entender que o vício invocado não se verificava, violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 74.°, n.° 1, 75° e 77° n.°s 1 e 2, todos da LGT, e ao previsto nos artigos 151°, n.° 1 e 153.°, n.°s 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo consequentemente nula, nulidade essa que expressamente se invoca.
20. A douta sentença não teve em conta que, em sede de fundamentação dos actos tributários, a lei impõe, quer a chamada fundamentação substancial (pressupostos reais e motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legitima de fundo), quer a fundamentação formal do acto administrativo, pelo que a mesma é, salvo o devido respeito, nula por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigo 125° do CPPT.
21. Em virtude de padecer de escassos recursos económicos, não dispondo de meios económicos para prestar a garantia exigida, a recorrente requereu a dispensa de prestação de garantia.
22. Invocando, a recorrente que os factos que justificam e provam a manifesta falta de meios económicos estão na posse da AT - porquanto tratam-se de elementos contabilísticos,
23. Porquanto, a recorrente está obrigada a enviar periodicamente declarações de IRC.
24. É por demais evidente de tais elementos na posse da AT, que a recorrente não tem ativos suficientes para prestar a garantia bancária, nem tampouco tem acesso a crédito bancário.
25. Os elementos que provam a manifesta insuficiência de meios são do conhecimento oficioso da AT.
26. De qualquer modo, ainda assim, foi junto o balancete do imobilizado.
27. O certo é que, tendo sido alegada a insuficiência económica, tendo sido junto em elemento contabilístico e invocados os demais elementos existentes na posse da AT, tinha a AT, salvo o devido respeito, a obrigação de proceder à investigação oficiosa, solicitando-lhe, eventualmente, os esclarecimentos que entendesse pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório e da investigação e do dever de colaboração e de cooperação recíproca, e carrear para os autos os elementos concretos de prova que a recorrente afirmou estarem na sua posse.
28. Em face do exposto, dúvidas não há que a douta sentença recorrida violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 170.° do CPPT e 52.°, n.° 4 da LGT, e aos princípios do inquisitório e da investigação e do dever de colaboração e de cooperação recíproca que impende sobre a AT.
29. Assim, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, o que se invoca expressamente para todos os efeitos legais.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue a reclamação apresentada procedente por provada. A SEMPRE E ACOSTUMADA JUSTIÇA! “
*
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
Neste Tribunal Central Administrativo, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 127 a 134 dos autos)
*
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pela Recorrente consistem em apreciar se a sentença a quo errou por não ter concluído pela violação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT, por concluir que a decisão de que se reclama se mostra fundamentada e por considerar que não foi feita prova dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
Com interesse para a decisão da reclamação, consideram-se documentalmente provados, os seguintes factos:
1. No ano de 2017 o Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital instaurou contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º 0809201701026321 por dívidas de IRC do ano de 2014, no valor de €8.068,31; [Cfr. requerimento de dispensa de garantia formulado pela Reclamante, conjugado com a decisão do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital de 26.10.2017 e autuação da presente reclamação pelo mesmo SF, a fls. 25-26, 34-35 e 4 dos autos, respectivamente.]
2. Em 18.10.2017 deu entrada no Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital reclamação graciosa do acto de liquidação de IRC subjacente às dívidas referidas no ponto anterior; [Cfr. se retira da decisão do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital de 26.10.2017, a fls. 34-35. Pese embora se refira aí que a reclamação se refere a IRS, também se refere que o tributo está em execução coerciva no aludido PEF, o qual se refere a IRC, pelo é evidente o lapso de escrita, retirado do próprio contexto em que é realizado.]
3. Em 19.10.2017 a ora Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital requerimento de suspensão do processo executivo com dispensa de garantia, sem junção de qualquer documento ou pedido de produção de prova, e no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:
«1.º A requerente apresentou Reclamação Graciosa tendo requerido a suspensão da presente execução, intentada para cobrança da quantia de €8.068,31 a título de IRC do exercício de 2014 nos termos do art. 169º n.º 1 do CPPT.
(…)
3.º Sucede que, a requerente padece de escassos recursos económicos
4º Na verdade, a requerente não consegue fazer face às elevadas despesas que enfrenta,
5º Que são inúmeras,
6º Contando que os créditos também constituem despesas.
7º A verdade é que, a requerente tem de fazer face a diversas despesas,
8º Considerando a sua situação económico-financeira, a requerente não dispõe de meios económicos para prestar a garantia exigida por lei.
9º Não obstante estar a canalizar todos os esforços económicos para cumprir pontualmente as suas obrigações.
10º A requerente não dispõe de meios económicos para prestar a referida garantia.
11º Pelo que, vê-se totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei para suspender os presentes autos.
12º E, mesmo que, por remota hipótese, que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, pudesse prestar tal garantia, sempre isso implicaria um prejuízo irreparável à mesma.
13º De facto, no caso presente, verifica-se uma situação de manifesta falta de meios de garantia.
14º Pois, a prestação de tal garantia geraria uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixaria de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das suas necessidades básicas.»; [Cfr. requerimento a fls.25-26 dos autos, sendo a data da entrada do requerimento referida pelo SF de Oliveira do Hospital na informação de fls. 38 dos autos.]
4. Sobre tal requerimento foi elaborado projecto de decisão de indeferimento pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital em 19.10.2017 e remetidos ambos para a Direcção de Finanças de Coimbra, para apreciação, tendo sido proferido pela substituta legal do Director de Finanças de Coimbra, em 24.10.2017, despacho de concordância sobre informação elaborada pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra no sentido do indeferimento do pedido em causa; [Cfr. projecto de decisão, comunicação de remessa e despacho/informação, a fls. 27-30 dos autos.]
5. Em 26.10.2017 a Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital apôs despacho de concordância sobre informação elaborada por aquele Serviço na mesma data, e com o seguinte teor:
«No dia 18 de outubro de 2017, deu entrada neste Serviço de Finanças as reclamações graciosas contra liquidação de IRS do ano de 2014, que se encontra em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 0809201701026321 (…)
Deu entrada neste Serviço um requerimento solicitando-se a dispensa de prestação de garantia nos termos do art.º 170.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do n.º 4 do art.º 52º da Lei geral Tributária (LGT).
Nos termos do n.º 6 do artigo 199.º do CPPT, a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido e cutas na totalidade, acrescida de 25% da soma dos valores atrás descritos, que no presente caso totalizam € 10.527,13 (dez mil quinhentos e vinte e sete euros e treze cêntimos). (…)
A - PRESSUPOSTOS DE CUJA VERIFICAÇÃO DEPENDE A DISPENSA DE GARANTIA
1 – A prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado; ou
2 – A prestação da garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescidos;
3 – Face à nova redacção dada ao n.º 4 do art. 52.º da LGT, dada pelo art.º 225.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, salvo melhor interpretação que se baseie no pressuposto 1. quer o pressuposto 2. será sempre de deferir caso o interessado o requeira e desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Nestes termos, os pressupostos referidos em 1. e 2. são alternativos, ou seja, basta que se verifique um ou outro, enquanto que o pressuposto referido em 3. é sempre de verificação necessária.
O ónus da prova da prova da verificação dos fatos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art.º 74.º, n.º 1 da LGT, art.º 342.º do Código Civil), neste caso sobre o contribuinte executado.
B – VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Na sequência da análise ao pedido, verifica-se que não se mostra suficientemente fundamentada uma sequer que seja das duas condições essenciais que alicerçam o pedido de dispensa e já anteriormente referidas e cujos fundamentos e provas são ónus do requerente:
1 – A que a prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado, ou
2 – A prestação de garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido,
A AT desconhece a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, facto também ele condicional da dispensa da prestação de garantia.
Pelo exposto, tendo em conta as omissões de fundamentação da petição e da falta de junção de quaisquer meios de prova por parte da requerente, e por todo o exposto, deve o pedido de dispensa de prestação de garantia ser INDEFERIDO.»; [Cfr. despacho/informação a fls. 34-35 dos autos.]
6. Em 26.10.2017 foi enviada notificação da decisão referida no ponto anterior, por correio postal registado, junto da pessoa do mandatário da ora Reclamante; [Cfr. ofício n.º 2074 e print do sítio dos CTT referente à pesquisa de objectos registados, a fls. 36-36 dos autos.]
7. Em 09.11.2017 foi enviada para o Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, por correio postal registado, a p.i. de reclamação que deu origem aos presentes autos;
[Cfr. etiqueta autocolante de registo, a fls. 5 dos autos.]
Mais se provou que:
8. Em 20.03.2017 o Balancete Geral da ora Reclamante referente ao ano de 2015, à data de 31.12.2015 (acumulado até fim), possuía o seguinte teor:
- imagens omissas -
[Cfr. visado documento interno, a fls. 18 a 22 dos autos.]
*
Não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão da reclamação.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos presentes autos, em que a Reclamação decidenda foi deduzida, e dos documentos apresentados pela ora Reclamante, não impugnados, tudo conforme o que se deixou plasmado a propósito de cada um dos factos assentes. “
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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questão que nos vem colocada.
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II.2. Do Direito
Conforme resulta dos autos, constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo TAF de Braga que manteve na ordem jurídica o despacho reclamado que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia efectuado pela aqui Recorrente.
Tendo a sentença a quo julgado improcedentes a totalidade dos argumentos invocados na PI, veio nesta sede recursiva a Recorrente invocar que esta errou no julgamento de facto e de direito ao considerar que não foram violados os direitos de audição prévia e de fundamentação do despacho reclamado e, além do mais, que andou bem a Chefe do serviço de finanças quando considerou não estarem preenchidos os pressupostos para a dispensa da garantia. Para tanto a Recorrente utiliza os fundamentos constantes das alegações e condensados nas conclusões de recurso supra transcritas.

Posto isto, vejamos, começando pela preterição de formalidades essenciais, nomeadamente a falta de audição prévia antes de ser proferido o despacho reclamado.
A Recorrente mantém aqui o entendimento que já havia defendido em 1ª instância, ou seja, que previamente ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado a Administração Tributária (AT) estava obrigada a assegurar o exercício do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60º da LGT.

A sentença recorrida rejeitou este entendimento, estribando-se, para tanto, em jurisprudência do STA que invocou.

A questão jurídica que é colocada no presente recurso foi já apreciada em julgamento ampliado, pelo STA, efectuado ao abrigo do artigo 148º do CPTA, conforme consta do acórdão nº 5/2012, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 244, de 22/10/2012 (a que corresponde, na Secção Tributária do STA, o processo n.º 708/12), nele se tendo decidido que “independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (artigo 60.º da LGT) […]».
Ora, como se retira das declarações de voto apostas no referido Acórdão e se confirma pela leitura de outros acórdãos do STA (como são disso exemplo, os acórdãos de 23 de Fevereiro de 2012 (proc. n.º 59/12), de 12 de Abril de 2012 (proc. n.º 247/12), de 9 de Maio de 2012 (proc. n.º 446/12), 23 de Maio de 2012 (proc. n.º 489/12), de 7 de Março, 11 de Julho e de 8 de Agosto de 2012 (proc. n.º 185/12, 665/12 e 803/12, respectivamente) e de 12 de Setembro de 2012 (proc. n.º 864/12).), a divergência verificada entre os Senhores Conselheiros é relativa unicamente ao discurso argumentativo que fundamenta a inaplicabilidade da norma contida no artigoº 60º da LGT, pois que a orientação por todos assumida é unânime no sentido dessa inaplicabilidade.
Vale a pena, pois, até por ser aqui inteiramente aplicável, ter presente o que, em parte, ficou dito no citado acórdão proferido no processo nº 708/12, de 26/09/12, cuja fundamentação merece a nossa inteira concordância. Aí se deixou consignado, além do mais, que:
“Da aplicação do direito de audiência no procedimento de dispensa de prestação de garantia.
3.1. O art. 60° da LGT dispõe, sob a epígrafe «Princípio da participação»:
«1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) ...
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; (...).»
3.2. A questão da aplicabilidade deste preceito face a pedido de dispensa de prestação de garantia não tem tido uma resposta uniforme da jurisprudência, como dá nota a decisão recorrida.
É que, embora se aceite, sem discrepância, a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à AT para a prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal (sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer actos praticados pela mesma AT (…) já, no que tange à natureza do acto aqui em questão (indeferimento do pedido de isenção de garantia - arts. 170º do CPPT e 52º nº 4 da LGT), não tem havido unanimidade (Esta divergência jurisprudencial não será alheia à particular natureza do processo de execução fiscal. Veja-se que, por exemplo, Casalta Nabais aponta que «muito embora a LGT, no seu art. 103°, disponha que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, o certo é que estamos perante um processo que é judicial só em certos casos e, mesmo nesses casos, apenas em parte, já que um tal processo só será judicial se e na medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados actos de natureza judicial.» (cfr. Direito Fiscal, 5ª ed., Almedina, 2009, p. 341).) de posições: sustenta-se, por um lado, que estamos perante a prática de um acto predominantemente processual e relativamente ao qual, por isso, não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a regra constante do art. 60º da LGT (cf. o ac. de 7/3/2012, rec. 185/12) e, em contrário, argumenta-se, por outro lado, que esse acto se configura como acto administrativo praticado por órgãos da AT no âmbito do processo de execução fiscal (como sucederá, por exemplo, também com as decisões de suspender um processo de execução fiscal (art. 169º) e/ou de apreciar pedidos de pagamento em prestações (art. 196º) ou dação em pagamento (art. 201º, todos do CPPT). De acordo com este último entendimento, tais actos poderão ser definidos como actos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projectam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. art. 120º do CPA, e na jurisprudência, os acs. deste STA, de 14/12/2011, rec. nº 1072/11, de 2/2/2011, rec. nº 8/11).
E, a nosso ver, é de aceitar esta posição, pois que, confrontada a natureza dos actos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulação habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação, é inquestionável que tais actos haverão de ser qualificados como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite. (Neste sentido parece apontar, igualmente, Casalta Nabais, quando refere que, nos termos do art. 151° do CPPT, cabe aos Tribunais Tributários «decidir os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação dos créditos, a anulação da venda e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da administração tributária em sede da execução fiscal» (ob. cit. p. 253, bem como pp. 340/341).
Também a justificar a natureza administrativa (acto administrativo em matéria tributária), alguma doutrina (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de escrita, p. 429, anotação 11 ao art. 52º) pondera que “O texto do nº 4 do art. 52º da LGT, na parte em que se refere que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia…», utiliza a fórmula habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação. Por outro lado, é claro por aquele texto que se trata de um poder que é atribuído à administração tributária, enquanto tal, pelo que não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a actividade deste de resumir-se à verificação de ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação dos valores que se integram nessa margem”. )
3.3. Todavia e não obstante esta conclusão, a mais recente jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do STA tem também vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar, neste caso, ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento – nº 4 do art. 170º do CPPT (cfr. os citados acs. de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12). (O ora relator subscreveu, aliás, o acórdão de 23/5/2012, no recurso nº 489/12, apondo declaração de voto no sentido de revisão da primitiva posição sufragada no anterior acórdão de 14/12/11, rec. nº 1072/11 (que é referenciado pelo recorrente para apoiar a sua alegação – cfr. Conclusões XXI a XXIX) quanto à aplicação do regime do art. 103º do CPA, ou seja, no sentido de que, face à urgência objectiva de prolação da respectiva decisão, revelada pelo art. 170º do CPPT, deve apelar-se ao regime contido no CPA, cujo art. 103º, nº 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no art. 2º, al. c), da LGT. )
E, na verdade, a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no art. 170º do CPPT é de configurar como circunstância que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 103º do CPA (aplicável por força da al. c) do art. 2º da LGT), sendo que tal situação de urgência (determinante da não audiência dos interessados) ocorre quando haja de se prosseguir determinada finalidade pública em que o factor tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais.
Ora, sendo certo «que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correcta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objectivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de carácter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103º, nº 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário» (citado ac. de 23/2/2012, rec. nº 59/12).
A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários à formação da decisão pela AT. Ou seja, é de concluir que o legislador, tendo em conta a forma como regula os elementos que devem constar do requerimento e o prazo exíguo para a resposta da AT, não quis deliberadamente assegurar o direito de audiência.
Neste sentido, Diogo Leite de Campos, et all., anotam que o prazo de decisão extremamente curto previsto no nº 4 do art. 170º do CPPT impõe a conclusão que não é legalmente assegurado o direito de audiência prévia nos casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia: “A inviabilidade prática de assegurar o direito de audição do requerente da prestação de garantia nos termos previstos na LGT reconduz-se a que se esteja perante mais um caso em que, implicitamente, se estabelece que não há direito de audição, caso este que, aliás, até se enquadra sem esforço apreciável na alínea a) do nº 1 do art. 103º do CPA, em que se afasta o direito de audição prévia «quando a decisão seja urgente»: no caso em apreço, o facto de se estabelecer um prazo imperativo de 10 dias para decisão, é uma manifestação explícita de que, na perspectiva legislativa, se está perante uma situação em que se impõe uma decisão urgente, pelo menos suficientemente urgente para justificar o afastamento da audição prévia, como resulta da inviabilidade de o assegurar nos termos previstos na lei”. (Loc. cit., pp. 429/430, anotação 12 ao art. 52º, pp. 429/430 e anotação 12 ao art. 60º, pp. 512/513.)
Em suma, no caso vertente, a exclusão de audiência do requerente no âmbito do procedimento aqui em causa, encontra fundamentos objectivos de justificação na própria urgência da prolação da decisão, atendendo, desde logo, à natureza e características da execução (celeridade e simplicidade, que interessam, normalmente, ao credor que promove a execução), sendo que a premência do credor ganha aqui especial acuidade com a circunstância de o requerimento de isenção de prestação da garantia poder redundar em efeito suspensivo sobre a execução, aumentando o risco de poderem ser dissipados bens que o credor pretende executar.
E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão [incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia» ( Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 4 a) ao art. 170º, p. 232). No mesmo sentido cfr. o citado ac. desta Secção do STA, de 23/2/2012, proc. nº 59/2012. )] ele mesmo contribui para a definição do objecto do procedimento, atenuando a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça, o que também acentua o sentido da diminuição da relevância deste direito nestes casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia.
3.4. Por outro lado e de todo o modo, a entender-se que estamos perante mero acto predominantemente processual, também não haverá lugar a direito de audiência prévia, já que à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do art. 60º da LGT (cfr. o citado ac. de 7/3/2012, rec. nº 185/12).
3.5. Em suma, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (art. 60º da LGT) falecendo, pois, a argumentação do recorrente e sendo de confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida, na parte em que assim decidiu”.

Ora, o douto acórdão acabado de transcrever responde na íntegra aos argumentos avançados pela Recorrente nesta sede, razão pela qual o mesmo se mostra aqui inteiramente aplicável e, assim sendo, determinante da improcedência das conclusões 2 a 8 da alegação de recurso. Ainda assim, acrescenta-se que in casu, o requerimento que deu origem ao pedido de dispensa de garantia apresenta-se com o teor que está transcrito no 4 dos factos provados e “sem junção de qualquer documento ou pedido de produção de prova”, razão pela qual mal se entende a referência, na conclusão 6 ao facto de “Não foi tido em conta que a recorrente foi impedida de suscitar quaisquer novos elementos no direito de audição, designadamente juntando a prova que a AT entende que o requerimento carece.”
Por outro lado, importa não esquecer, para manter o discurso aderente à realidade resultante dos elementos juntos aos autos, que o indeferimento objecto de reclamação tem na sua base o entendimento da AT segundo qual, em face do teor do requerimento, não foram alegados e, consequentemente, provados factos demonstrativos da verificação dos pressupostos da isenção. Daí que, não se alcance a pertinência da alusão a supostos novos elementos ou, também, à junção de elementos que a AT reputava necessários.
Este foi também o entendimento do TCAS no Acórdão de 29/06/2016, proferido no processo nº 09593/16 no qual a relator assinou como 1ª adjunta.
Ora, sem necessidade de mais, e repetindo o que se concluiu anteriormente, há que julgar improcedente este primeiro vector do recurso que vínhamos analisando, atinente à preterição do direito de audição.
*
Avancemos para a questão da falta de fundamentação do despacho reclamado, também invocada pela Recorrente.
Sobre este assunto a sentença a quo concluiu da seguinte forma:
“Pelo que é de concluir que é possível a um destinatário normal conhecer o percurso cognoscitivo e valorativo que esteve subjacente ao acto em causa, bem como apreender o quadro fáctico-jurídico que o determinou, pelo que o acto impugnado está suficientemente fundamentado, improcedendo, em consequência, a invocada falta de fundamentação.
Mais dizendo que:
Por outro lado, a referência à liquidação reclamada como sendo de IRS e não de IRC decorre de lapso de escrita manifesto, considerando que é referido que o tributo em causa está em execução coerciva no PEF em que a presente Reclamação foi deduzida, o qual se refere a IRC, e que foi apresentada reclamação graciosa do respectivo acto de liquidação (cfr. facto provado sob o ponto 5.). Sendo certo que a própria Reclamante, no seu requerimento de dispensa de garantia, fez expressa referência à circunstância de ter apresentado a visada reclamação graciosa e de requerer a suspensão do visado processo executivo intentado para cobrança de IRC do ano de 2014 (cfr. facto provado sob o ponto 3.).
Pelo que é evidente que o visado lapso na identificação do tributo em execução não consubstancia qualquer vício de fundamentação da decisão reclamada, pois não afecta quer a função exógena – dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação –, quer a função endógena do dever de fundamentação consistente na própria ponderação do decisor, sendo absolutamente perceptível tratar-se de um erro de escrita, não procedendo igualmente a Reclamação neste conspecto. “

Ora, não sofre dúvida que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (art. 268º) - vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss., tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e no art. 77º nºs. 1 e 2 da LGT.
E dado que este dever legal de fundamentação tem, “a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta” (ac. deste STA, de 2/2/06, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).
Em suma, as características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas das exigíveis para a chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Sempre com base no que foi dito, analisemos em concreto o despacho aqui em causa, constante do ponto 5 da matéria assente:
«No dia 18 de outubro de 2017, deu entrada neste Serviço de Finanças as reclamações graciosas contra liquidação de IRS do ano de 2014, que se encontra em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 0809201701026321 (…)
Deu entrada neste Serviço um requerimento solicitando-se a dispensa de prestação de garantia nos termos do art.º 170.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do n.º 4 do art.º 52º da Lei geral Tributária (LGT).
Nos termos do n.º 6 do artigo 199.º do CPPT, a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma dos valores atrás descritos, que no presente caso totalizam € 10.527,13 (dez mil quinhentos e vinte e sete euros e treze cêntimos). (…)
A - PRESSUPOSTOS DE CUJA VERIFICAÇÃO DEPENDE A DISPENSA DE GARANTIA
1 – A prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado; ou
2 – A prestação da garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescidos;
3 – Face à nova redacção dada ao n.º 4 do art. 52.º da LGT, dada pelo art.º 225.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, salvo melhor interpretação que se baseie no pressuposto 1. quer o pressuposto 2. será sempre de deferir caso o interessado o requeira e desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Nestes termos, os pressupostos referidos em 1. e 2. são alternativos, ou seja, basta que se verifique um ou outro, enquanto que o pressuposto referido em 3. é sempre de verificação necessária.
O ónus da prova da prova da verificação dos fatos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art.º 74.º, n.º 1 da LGT, art.º 342.º do Código Civil), neste caso sobre o contribuinte executado.
B – VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Na sequência da análise ao pedido, verifica-se que não se mostra suficientemente fundamentada uma sequer que seja das duas condições essenciais que alicerçam o pedido de dispensa e já anteriormente referidas e cujos fundamentos e provas são ónus do requerente:
1 – A que a prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado, ou
2 – A prestação de garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido,
A AT desconhece a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, facto também ele condicional da dispensa da prestação de garantia.
Pelo exposto, tendo em conta as omissões de fundamentação da petição e da falta de junção de quaisquer meios de prova por parte da requerente, e por todo o exposto, deve o pedido de dispensa de prestação de garantia ser INDEFERIDO.»;

Ora, a nosso ver, face ao requerimento de pedido de prestação de garantia formulado verifica-se que do teor da decisão ora reclamada são perfeitamente apreensíveis as razões que sustentam a decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia:
Na decisão reclamada considerou-se que a ora Reclamante não havia alegado e fundamentado suficientemente, nem a existência de prejuízo irreparável, nem a manifesta falta de meios económicos para a prestação da garantia, mais tendo aduzido «a falta de junção de qualquer meio de prova» que comprovasse os pressupostos da dispensa de prestação de garantia, mais fazendo referência aos concretos normativos legais aplicáveis.
Ou seja, a decisão reclamada contém não só todo o quadro fáctico, como o quadro normativo aplicável à situação, fazendo expressa menção aos artigos 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4, da LGT, preceitos que, de resto, são também invocados no requerimento apresentado a propósito dos pressupostos necessários para concessão da dispensa de garantia, assim como também faz referência expressa, e diga-se com propriedade, aos artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do Código Civil a respeito do ónus probatório que impende sobre a Executada, ora Reclamante, na situação em apreço (facto provado sob o ponto 5.).
Pelo que é de concluir que é possível a um destinatário normal conhecer o percurso cognoscitivo e valorativo que esteve subjacente ao acto em causa, bem como apreender o quadro fáctico-jurídico que o determinou, pelo que o acto impugnado está suficientemente fundamentado, improcedendo, em consequência, a invocada falta de fundamentação.
Também não colhe o argumento de que o lapso na identificação do imposto (IRS em vez de IRC) como sendo falta de fundamentação pois, tal como vem dito, e bem, na sentença recorrida não afecta quer a função exógena – dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação –, quer a função endógena do dever de fundamentação consistente na própria ponderação do decisor, sendo absolutamente perceptível tratar-se de um erro de escrita, não procedendo igualmente a Reclamação neste conspecto.”
*
Finalmente importa analisar o invocado erro de julgamento quanto aos pressupostos para a dispensa de garantia, tendo em conta que a Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada na decisão a quo. A este propósito invoca a Recorrente que a decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia fez uma errada interpretação dos factos e do direito, quando decidiu pela ilegalidade do acto reclamado violando o disposto nos artigos 52º nº 4 da LGT e 170º nº 3 do CPPT.
Vejamos, analisando antes de mais a normas aqui em causa.
Nos termos do disposto no artigo 52º nº 4 da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro,
“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.“
Por seu turno estabelece o artigo 170º nº 3 do CPPT que:
o pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”
Sobre o regime da dispensa de garantia pronunciou-se a jurisprudência mais recente nos seguintes termos:
O Tribunal Central Administrativo Sul, no processo 07795/14, acórdão de 10/07/2014:
“A isenção/dispensa da prestação de garantia em sede do processo de execução fiscal, tem lugar a requerimento do executado, desde que a sua prestação lhe possa causar prejuízo irreparável ou perante a manifesta falta de meios económicos para a prestar, desde que, em ambos os cais, a insuficiência ou a manifesta falta de meios não seja da responsabilidade do executado.”
O Tribunal Central Administrativo Norte, no processo 77/14 de 27/06/2014:
“ (…) a prestação de garantia, com vista à suspensão do processo de execução fiscal, não se esgota na eventual penhora dos bens do activo imobilizado, sendo que existem várias garantias possíveis e legalmente admissíveis, que não implicam necessariamente uma paralisação da actividade da reclamante, além de que a reclamante alega laconicamente que não tem meios financeiros, nem económicos para prestar garantia, no entanto, não concretiza em que medida a prestação de garantia lhe causa um prejuízo irreparável. Ora, impunha-se, pois que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da divida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez.”

O STA (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 17/10/12, Processo nº 414/12:
“(…)… é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. (…)”

É esta, também, a posição seguida na doutrina, nomeadamente por Jorge Lopes de Sousa, Diogo Leite Campos e Benjamim Rodrigues, in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, págs. 427 e 428.

Posto isto, e nunca esquecendo o que Jurisprudência citada definiu relativamente ao regime da dispensa de garantia, mais concretamente relativa à prova da insuficiência ou a manifesta falta de meios, importa apreciar e decidir. Vejamos.
No caso dos autos, a Reclamante fundou o seu pedido de dispensa da prestação de garantia, por: “Sucede que, a requerente padece de escassos recursos económicos , 4º Na verdade, a requerente não consegue fazer face às elevadas despesas que enfrenta, 5º Que são inúmeras, 6º Contando que os créditos também constituem despesas. 7º A verdade é que, a requerente tem de fazer face a diversas despesas, 8º Considerando a sua situação económico-financeira, a requerente não dispõe de meios económicos para prestar a garantia exigida por lei. 9º Não obstante estar a canalizar todos os esforços económicos para cumprir pontualmente as suas obrigações. 10º A requerente não dispõe de meios económicos para prestar a referida garantia. 11º Pelo que, vê-se totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei para suspender os presentes autos. 12º E, mesmo que, por remota hipótese, que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, pudesse prestar tal garantia, sempre isso implicaria um prejuízo irreparável à mesma. 13º De facto, no caso presente, verifica-se uma situação de manifesta falta de meios de garantia. 14º Pois, a prestação de tal garantia geraria uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixaria de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das suas necessidades básicas.”
No entanto, esta alegação não permite concluir no sentido pretendido pela Recorrente, nem permite o exercício de subsunção da situação fáctica aos pressupostos legais já enunciados anteriormente no artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária para a concessão da dispensa de prestação de garantia, considerando que o pedido deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (cf. decorre do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT).
Com efeito, se a Recorrente pretende a isenção de prestação da garantia, alegando tal direito, é sobre ela, que recai a obrigação de provar que se mostram preenchidas todas as condições de que depende tal isenção, pois que daquilo que se trata é de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Como é evidente, a Recorrente não indica que meios económicos possui e qual a sua situação patrimonial, bastando com a arguição de que tem escassos recursos económicos. Depois, alega possuir inúmeras despesas, mas não indica quais, e que valores importam, nem a existência de um qualquer défice entre os débitos e os créditos. Por outro lado, colocando a hipótese de prestar a garantia, limita-se, de modo conclusivo, a referir que tal prestação levaria a uma situação em que deixaria de ter os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas, mais uma vez sem especificar a razão por que tal aconteceria, atendendo aos vários modos de prestar garantia que, como é evidente, não implicam o dispêndio do valor monetário correspondente ao valor da garantia a prestar (como é o caso das hipoteca, por exemplo).
Sendo certo que, no que diz respeito ao prejuízo irreparável, «o interessado deverá indicar em que é que ele se concretiza e indicar as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se não for dispensado da prestação da garantia» o que não realizou manifestamente.
Finalmente, não juntou um qualquer documento ou sugeriu qualquer meio de prova em ordem a demonstrar a factualidade concreta da qual se pudesse concluir pela manifesta falta de meios económicos ou o prejuízo irreparável.
E o mesmo sucede na PI da presente Reclamação, em que a Reclamante volta a não especificar, de modo concreto e factual, os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, bastando-se com afirmações conclusivas e, quanto a prova, limitou-se a juntar documento interno retirado no presente ano presumivelmente da sua contabilidade, atinente ao balancete geral, não do ano transacto, mas de há dois anos (cfr. facto provados sob o ponto 8.), sem sequer fazer um esforço argumentativo e sustentado da factualidade que se pode retirar de tal documento. Aliás, nada diz quanto à factualidade que porventura se pode extrair da análise de tal documento interno, permanecendo numa situação de non liquet.
Ora, considerando que a Reclamante não alegou factos concretos sobre os rendimentos e despesas que tem, nem sobre os bens móveis ou imóveis que possui, não tendo assim feito a mínima alegação e prova da sua concreta situação económica, nem apresentou ou requereu a produção de qualquer prova, sempre nos leva a concluir pela legalidade da decisão reclamada.
*
III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 22 de Março 2018.
Ass. Barbara Tavares Teles

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova