Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00102/13.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2013
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;AUDIÇÃO PRÉVIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DE BENS
CULPA
Sumário:i) São pressupostos da dispensa da garantia a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis, que essa inexistência ou insuficiência de bens não seja da responsabilidade do executado e que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou seja manifesta a sua falta de meios económicos para a prestar (art. 52.º, n.º 4, da LGT);
ii) É sobre quem requer a dispensa da prestação da garantia que recai o ónus de invocar e provar os factos que integram os pressupostos respectivos, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que aquele pretende ver reconhecido (art. 74.º, n.º 1, da LGT, art. 342.º do C. Civil e art. 170.º, n.º 3, do CPPT);
iii) A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova do facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo;
iv) Não demonstra que a insuficiência ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado, a sociedade que não aduz factualidade justificativa do depauperamento sucessivo da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Instituto da Vinha e do Vinho, IP
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C..., Lda., com sede na Avenida…, Tondela, Lageosa do Dão, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a reclamação por si interposta do despacho do Chefe de Finanças de Tondela de indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal n.º 2704200801018426, da mesma veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

A. Em causa nos autos está uma reclamação judicial apresentada pela C... contra o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado nos autos de execução fiscal n.º 2704200801018426.

Da preterição de audição prévia:

B. Ao apreciar a questão relativa à ilegalidade da decisão de indeferimento por preterição da audição prévia da C..., a sentença aqui posta em crise acolhe o entendimento pugnado no Acórdão do STA de 26.09.2012, proferido no processo n.º 0708/12, que acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa – cf., em particular, página 25 da sentença aqui posta em crise.

C. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.º do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da C..., a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

D. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

E. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

F. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal – como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia – seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final – cf. artigo 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT -, sendo que os n.os 2 e 3 do mesmo artigo 60.º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

H. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia – no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento, que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão do STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

J. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 27 da sentença recorrida.

K. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cf. artigo 170.º, n.º 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.

M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

N. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá – e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental – em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45.º do CPPT.

O. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

P. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP e no artigo 45.º do CPPT.

Q. No caso concreto dos autos, a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia é manifesta:

• Por um lado, o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi o facto de não resultar provado «o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens». Ora, em sede de audição prévia, poderia a C... ter efectuado a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários;

• Por outro lado, ainda no caso concreto, o argumento que se funda no curto prazo de 10 dias do procedimento para afastar a necessidade ou possibilidade legal de audição prévia a esse indeferimento, é particularmente inexpressivo, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado pela C... em 30 de Maio de 2012 (cf. ponto n.º 4 da matéria de facto dada como provada) e veio a ser decidido, apenas, por despacho de 13 de Agosto de 2012, decorridos mais de 2 meses sobre a respectiva apresentação (cf. ponto n.º 6 dos factos provados).

R. Se a lei prevê um prazo que, na prática, é meramente ordenador ou disciplinador, e que, no caso dos autos (que é o que aqui nos interessa) foi incumprido, não se aceita que se retire a conclusão de que, in casu, a atribuição do carácter urgente que possibilita, na teoria acolhida na sentença recorrida, a dispensa da audição prévia com uma aplicação subsidiária do CPA encontre, sequer, justificação material.

S. Não se aceitando embora (conforme supra se fez notar) que o prazo estipulado na lei para a apreciação do pedido de dispensa justifique o afastamento do direito de audição prévia do contribuinte, não poderia, de qualquer modo, em face dos elementos de facto dos autos, ter sido decidido que não haveria lugar à audição prévia da C... devido à urgência do procedimento, uma vez que o procedimento em causa demorou a ser decidido bem mais do que o tempo legalmente previsto para o efeito.

T. Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da C..., ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

Da falta de fundamentação do despacho reclamado:

U. A decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferida pelo órgão de execução fiscal atém-se por uma consideração genérica sobre os requisitos que necessitam de ser provados para o deferimento de um qualquer pedido de dispensa de prestação de garantia, afirmando, sem mais e sem qualquer fundamentação, que os documentos juntos demonstram que a insuficiência de bens resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.

V. Não se encontra feita, sequer, qualquer apreciação crítica do teor dos documentos que ajude a compreender o iter cognoscitivo do decisor até à - ininteligível - conclusão que dos mesmos documentos resulta a culpa da empresa na insuficiência de bens (que elementos constantes dos documentos levaram a essa conclusão? Que factos retirou o Serviço de Finanças desses documentos para concluir que «a insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração»?).

W. Um destinatário normal, perante o teor do acto de indeferimento em apreço e das suas circunstâncias, não fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu nesse sentido e não noutro, de forma a poder conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.

X. O conteúdo da decisão atém-se, pois, manifestamente, por uma consideração genérica, vaga e não aplicada ao caso concreto, em relação ao pedido formulado e respectiva prova, que, por isso, em nada fundamenta a decisão de indeferimento e que não poderá senão equivaler a uma falta de fundamentação.

Y. Ao considerar que a decisão em apreço cumpria os imperativos de fundamentação, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 269º CRP, nos artigos 36.º e 37.º do CPPT, no artigo 77.º da LGT e mesmo nos artigos 124.º e 125.º CPA, devendo a sentença proferida ser revogada em conformidade.

Da impugnação da matéria de facto:

Z. O Tribunal a quo, na fixação dos factos dados como provados ou não provados, não elencou factualidade alegada que é relevante para a decisão da causa, na exacta medida em que se reporta directamente ao pressuposto da falta de responsabilidade na insuficiência de bens de que depende o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, sendo certo que semelhante factualidade resultou provada dos elementos dos autos.

AA. Em concreto, em face da matéria alegada e da prova produzida, impunha-se dar como assente, igualmente, que seguindo a tendência que tem vindo a verificar nos últimos anos, a C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo das suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros (cf. artigo 53 do pedido de dispensa de prestação de garantia), facto que resultou provado, desde logo, pela demonstração de resultados por naturezas constante da IES apresentada (cf. doc. 4), em que se constata que as vendas, que em 2009 ascenderem a €35.793.825,86, diminuíram em mais de dez milhões de euros, para o montante de €24.886.494,97 no exercício de 2010 e, igualmente, pelo depoimento da testemunha F...(cf., em especial, minutos 00:12:22 da gravação da sessão de inquirição de testemunhas).

BB. Ao elenco da matéria assente em primeira instância, deverá ser aditado, ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, um facto relativo à diminuição das vendas da C..., nos seguintes termos propostos: “34. Seguindo a tendência que tem vindo a verificar nos últimos anos, a C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo das suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros”.

Da alegada falta de prova do requisito da não responsabilidade na insuficiência de bens

CC. A C..., conforme vem reconhecido pelo Serviço de Finanças de Tondela, não possui meios económicos para a prestação de garantia, por insuficiência de bens.

DD. Todavia, no que se refere ao outro requisito cumulativo para o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, o Tribunal a quo, acompanhando o Serviço de Finanças de Tondela, acaba por considerar como não verificada nos autos a comprovação da irresponsabilidade da Reclamante na insuficiência de bens.

EE. Estamos perante a prova de um facto negativo o que, como é sabido, se traduz numa dificuldade acrescida de prova, que deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade (decorrente do princípio do Estado de Direito do art.º 2.º da CRP e patente no artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental), uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito - cf. Ac. Pleno CT do STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08, disponível em www.dgsi.pt, reiterado no Ac. do Pleno CT do STA, de 05.07.2012, proferido no processo 0286/12.

FF. A C... procurou demonstrar este facto negativo através da enunciação de factos positivos, como as razões pelas quais ocorre a insuficiência de bens penhoráveis que foi considerada verificada pelo próprio Serviço de Finanças, arrolando testemunhas para complementar essa prova da falta de responsabilidade pela insuficiência de bens; e, inclusivamente, juntando documentos através dos quais é possível comprovar essa sua irresponsabilidade.

GG. A Jurisprudência tem entendido «dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não SE fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado» - cf. Ac. Pleno CT do STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08.

HH. Uma das circunstâncias em que se revela a insuficiência de bens da C... para prestar garantia vem a ser, desde logo, a inexistência de bens imóveis no seu património.

(a este propósito, foi largamente explicado e provado nos autos que as alienações dos imóveis que eram propriedade da empresa, que tiveram lugar em 2005 e 2006, ocorreram no âmbito de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que a C... se insere, não lhe sendo emprestado qualquer juízo de censurabilidade – cf. ponto 14 dos factos provados e respectiva fundamentação. Sendo certo que a alienação dos referidos bens foi realizada a preços de mercado, cujo montante foi devidamente recebido pela C... (cf. pontos 10 e 13 dos factos provados), pelo que, do ponto de vista comercial e de gestão de negócio, esta alienação, efectuada já nos distantes anos de 2005 e 2006, mostrou-se vantajosa e plenamente justificada (concentração da C... no seu core business: o comércio por grosso de vinho), integrando uma legítima opção de gestão por parte da direcção do grupo, baseada em circunstâncias concretamente identificadas nos autos (cf. fundamentação do julgamento efectuado quanto ao ponto 14 dos factos provados e, bem assim, estudo efectuado no ano de 2002 pela consultora Ernst&Young, junto como documento n.º 27 com o pedido de dispensa de prestação de garantia), como, ademais, concluiu o Tribunal a quo, ao considerar que a diminuição dos activos fixos tangíveis da C... não resultou de uma actuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores – cf. página 34 da sentença aqui posta em crise).

II. Outra das circunstâncias que justifica essa insuficiência de bens vem a ser a falta de receitas e liquidez com que a C... se vem deparando.

(a este propósito, são expressivos os prejuízos que a sociedade tem vindo a acumular desde o exercício de 2010, ou o já pouco significativo resultado de €5.531,99 obtido no exercício de 2009 (cf. balanços reproduzidos nos pontos 28 e 29 dos factos provados); são ainda ilustrativos da falta de culpa da C... na referida falta de liquidez ou receitas, os montantes que se encontram em dívida por parte de múltiplos clientes (cf. valores constantes dos balanços reproduzidos nos pontos 28 e 29 dos factos provados), muitos deles incobráveis em virtude da insolvência desses clientes (cf. ponto 30 dos factos provados, por exemplo).

JJ. Uma outra circunstância que particularmente justifica o depauperamento da situação económico-financeira global da C... vem a ser a diminuição de vendas que a empresa tem vindo a registar nos últimos anos, visível, por exemplo, no acentuadíssimo decréscimo das vendas da C... ocorrida no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros (perceptível pela análise da demonstração de resultados por naturezas constante da IES junta como documento n.º 4 com o pedido de dispensa de prestação de garantia, em que se constata que as vendas, que em 2009 ascenderem a €35.793.825,86, diminuíram em mais de dez milhões de euros, para o montante de €24.886.494,97 no exercício de 2010, por exemplo).

KK. Por outro lado, o facto de os bens da C... (o seu equipamento obsoleto e os seus stocks de vinhos) já se encontrarem dados em penhor (conforme melhor decorre do ponto 21 dos factos provados), igualmente explica a insuficiência de bens para prestar garantia com que a C... se depara.

LL. Uma outra circunstância que justifica o depauperamento da situação económico-financeira da C... prende-se com a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições - cf. ponto 16 dos factos provados.

MM. Outro facto alegado e provado pela C... que igualmente concorre para que se verifique a insuficiência de bens para prestação de garantia vem a ser a manutenção de garantias (por via da apresentação de garantias bancárias ou da compensação de créditos fiscais) noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44 – cf. ponto 25 dos factos provados.

NN. As vendas que a C... realiza - que vêm a consubstanciar os respectivos proveitos -, têm de ser contrabalançadas com os gastos necessários à geração de tais proveitos (e é precisamente do balanceamento desses rendimentos e gastos que surge o resultado do exercício – que, no caso da C..., ascendeu, em particular no exercício de 2010, a um resultado negativo superior a um milhão e duzentos mil euros (cf. balanço reproduzido no ponto 28 dos factos provados).

OO. Da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo resultaram claras as causas da insuficiência de bens apontada pelo Serviço de Finanças de Tondela (a inexistência de bens imóveis, a falta de receitas e liquidez, a diminuição de vendas, a manutenção de garantias noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44, o penhor constituído sobre os seus bens ou a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições), causas estas que, manifestamente, não são imputáveis à C..., porquanto decorrem das contingências do mercado e do actual contexto económico.

PP. Essas causas da insuficiência de bens tanto não são imputáveis à C... que o próprio IVV (ou a AT) não lograram fazer - como lhes competiria - qualquer prova positiva da concorrência da actuação da C... para a verificação daquela insuficiência de bens.

QQ. Acolhendo o entendimento da melhor e uniformizada Jurisprudência (cf. o já referido acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 327/08 e disponível em www.dgsi.pt), deve considerar-se provada nos presentes autos a falta de culpa da C... na insuficiência de bens para prestar garantia, o que ora se requer a este Venerando Tribunal, com a consequente revogação da sentença proferida nos autos que assim não decidiu.

Sem prescindir,

RR. O Tribunal a quo julgou provados todo um conjunto de factos que demonstram e explicam – à saciedade - a causa da insuficiência de bens (cf., em particular, pontos 16, 21, 25 ou 30 da matéria assente) e a falta de culpa da C... nessa insuficiência de bens para prestação de garantia (cf., em especial, pontos 14 e 33 dos factos provados, por exemplo), razão pela qual não poderia o Tribunal a quo concluir, a final, que não tenha ficado demonstrado que «a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante».

SS. Verifica-se, em acréscimo, uma ostensiva contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, o que, nos termos do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, e artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, fere de nulidade a sentença proferida, o que aqui expressamente – e sem prescindir - se vem arguir, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, com todas as consequências legais.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.



O Recorrido – o Instituto da Vinha e do Vinho I.P. – apresentou contra-alegações, as quais concluiu assim:

a) A Recorrente insiste que foi ilegalmente preterido o direito de audição prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação previsto no artigo 60.º da LGT.

b) O acto de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, não obstante praticado por um órgão administrativo, consubstancia um verdadeiro acto processual ou judicial e não um acto meramente procedimental ou administrativo – cfr. Acórdão do STA de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0185/12, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro.

c) Tendo natureza judicial, aos actos praticados no âmbito dos processos de execução fiscal não são de aplicar as regras do procedimento tributário, designadamente a prevista no artigo 60.º da LGT, cuja violação é alegada nos presentes Autos pela Recorrente.

d) Ainda que se defenda uma posição segundo a qual a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro acto administrativo em matéria a tese da Recorrente não pode proceder.

e) O princípio da participação dos interessados no procedimento administrativo, de que é manifestação o artigo 60.º da LGT, comporta necessariamente excepções que se encontram previstas na Lei.

f) O processo de execução fiscal, se não processualmente urgente, deve pelo menos ser considerado como materialmente urgente na medida em que o artigo 177.º, do CPPT estipula que este deve extinguir-se no prazo de um ano contado da sua instauração «salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» (cit.).

g) A urgência do processo de execução fiscal, está ainda patente nos curtos prazos definidos no artigo 170.º, do CPPT e especificamente no n.º 4 daquele preceito onde é imposto um prazo de 10 dias para que seja proferida decisão relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia.

h) O artigo 103.º, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c) da LGT, prevê que, estando em causa a tomada de uma decisão urgente, a audição prévia do administrado seja afastada, pelo que a preterição da audição prévia no caso concreto, não consubstancia qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à anulação da decisão recorrida – cfr. Acórdão deste venerando Tribunal de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto.

i) «Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA, o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, no seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.º 3, do artigo 60.º da LGT, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um acto final lesivo, seja ele ou não um acto de liquidação» – cfr. Acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto (cit.).

j) No mesmo sentido do Acórdão citado, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 625/12, 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 446/12, de 23 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 489/12 e de 26 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 708/12.

k) Perante os parcos factos colocados à consideração do órgão de execução fiscal – que incluíram somente uma série de considerações genéricas sobre a situação financeira da Recorrente, sem qualquer suporte probatório associado, este limitou-se a aplicar o Direito em vigor…

l) Mesmo que pudesse considerar-se ter havido preterição indevida da audição do contribuinte – o que apenas por dever de patrocínio de concebe, e sem conceder – o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia sempre poderia ser aproveitado.

m) «Um acto tributário inválido por preterição de audição prévia pode ser aproveitado pelo juiz se houve a convicção de que, anulado o acto, virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico» – cfr. Acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 0896/11, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro (cit.).

n) Como resulta provado nos Autos, a Recorrente é executada em inúmeros processos, todos pendentes no serviço de finanças de Tondela, tendo a Recorrente apresentado, massiva e recorrentemente pedidos de dispensa de prestação de garantia.

o) Em todos esses casos – mesmo naqueles em que o chefe de finanças entendeu ouvir a Recorrente de tomar a decisão final, note-se – os pedidos de dispensa foram instruídos com a mesma prova e indeferidos com base na não demonstração dos pressupostos de que depende essa mesma dispensa, tendo a validade material dos actos de indeferimento sido confirmada pelo TAF de Viseu em primeira instância e pelo TCA Norte em segunda instância.

p) A título de exemplo entre muitos outros possíveis – a Recorrente é executada em dezenas de processos com o mesmo objecto, apresentando pedidos , vejam-se os processos de reclamação judicial n.os 534/10.9BEVIS, 157/11.5BEVIS, 405/10.9BEVIS e 502/10.0BEVIS, no âmbito dos quais o TAF de Viseu e o TCA Norte, confirmaram a validade material dos actos de indeferimento dos pedidos de dispensa de prestação de garantia apresentados pela ora Recorrente junto do Serviço de Finanças de Tondela.

q) Atendendo ao volume de processos de natureza semelhante e instruídos de igual forma pela Recorrente que conheceram desfecho idêntico junto do órgão de execução fiscal, do TAF de Viseu e do TCA Norte, com toda a probabilidade, o chefe de finanças de Tondela, confrontado com a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição de audição prévia à decisão subjacente aos presentes Autos, proferiria despacho com idêntico conteúdo após essa mesma audição.

r) À luz dos factos, o acto de indeferimento reclamado deve ser aproveitado ainda que venha a considerar-se ter havido preterição indevida do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT.

s) O indeferimento notificado à Recorrente contém fundamentação clara, expressa e suficiente, que lhe permite apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo órgão de execução para chegar à decisão tomada.

t) A Recorrente não logra provar, como lhe cabia, que a insuficiência ou a manifesta falta de bens, entendida jurisprudencial e doutrinalmente em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores não é da sua da responsabilidade. A este propósito, a Recorrente limita-se a afirmar – sem contudo demonstrar – que não dissipou os seus bens.

u) Todas as testemunhas arroladas pela Recorrente depuseram no sentido de que a Recorrente alienou, em 2005 e 2006 todo o património imobiliário de que dispunha a uma empresa do grupo de sociedades a que pertence.

v) A primeira testemunha arrolada pela Recorrente afirmou inclusivamente que a transferência do imobilizado foi subsequente à decisão de deixar de pagar as taxas de promoção ao IVV.

w) A prova produzida evidencia uma redução intencional do património da Recorrente, apta a reduzir as garantias dos credores.

x) Como é pacífico na jurisprudência, «a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, sendo sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recais o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido» – cfr. Acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 03621/09 (cit.).

y) Decorre, sem margem para dúvidas, que a Recorrente não provou qualquer dos pressupostos de que depende o deferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia, pelo que despacho reclamado não merece qualquer censura, devendo ser mantido.

Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita ao indeferimento da pretensão da Recorrente em ver dispensada a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal em que é executada, com as devidas consequências legais.



Pelo despacho de fls. 1006-1007, o Mmo. Juiz do TAF de Viseu conheceu da suscitada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, julgando que a mesma não se verificava.


Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

i) Se a sentença é nula por contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos;

ii) Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto;

iii) Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter concluído pela violação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT;

iv) Se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter decidido que no caso concreto a decisão de que se reclamava se encontrava devidamente fundamentada;

v) Se o Tribunal recorrido errou o julgamento de direito ao considerar que a reclamante, ora Recorrente, não fez prova dos pressupostos de que depende a dispensa da prestação da garantia.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. Em 11.02.2009, a Reclamante instaurou processos de impugnação judicial versando as liquidações da taxa de promoção devida ao IVV relativa aos meses de Janeiro a Março de 2008, que correm termos neste Tribunal sob os números 394/09.2BEVIS, 411/09.6BEVIS e 366/09.7BEVIS – factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções.

2. Contra a Reclamante, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Tondela o processo de execução fiscal n.º 2704200801018426, com vista à cobrança coerciva de dívidas relativas à falta de pagamento da taxa de promoção dos meses de Janeiro a Março de 2008 devida ao IVV, no valor de € 169.986,05 – cfr. informação de fls. 445/446 dos autos.

3. A Reclamante deduziu oposição à execução fiscal que corre termos neste Tribunal, sob o nº 1653/08.7BEVIS – factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções.

4. Em 30.05.2012 a Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Tondela pedido de dispensa de prestação de garantia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese:

a. É manifesta a insuficiência de bens penhoráveis da C..., porquanto:

· O activo fixo tangível que consta do balanço compreende o conjunto de bens que foi dado em penhor à sociedade C.. L..., como contrapartida do financiamento que esta teve de contrair junto de entidades bancárias (que ascendeu a mais de vinte milhões de euros) para acudir às responsabilidades e dívidas da Reclamante;

· Relativamente aos créditos sobre clientes, muitos deles têm vindo a revelar-se incobráveis e os poucos que a Reclamante consegue realizar são necessários para obter fundo de maneio para a sua atividade corrente, pelo que na hipóteses de se ver privada deles ficaria impossibilitada de honrar os seus compromissos e, consequentemente, a sua actividade comercial ficaria paralisada;

· A Reclamante não é proprietária de qualquer bem imóvel, sendo simples superficiária do imóvel inscrito na matriz sob o artigo …, pertencente à Administração do Porto de Aveiro, S.A.;

· A Reclamante revela um forte desequilíbrio no que respeita a valores de curto prazo, tendo um valor de créditos a receber no curto prazo de €22.589.549,10, a que se soma um montante de caixa e depósitos bancários de €2.398,18, num total de €22.591.947,28, para fazer face a um passivo exigível de curto prazo de €41.677.426,65.

· Acresce que, no ano de 2010, a C... obteve um resultado líquido de exercício negativo de -€1.204.801,47, a que se vem acumular o resultado líquido do exercício de 2011, estimado em mais de dois milhões de euros (-2.762.557,74).

· A C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo nas suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros;

· Em face desta situação económico-financeira delicada, a capacidade da Reclamante obter uma garantia bancária ou um financiamento junto da banca é inexistente, como comprovam os pedidos que apresentou junto de duas instituições bancárias para obter a necessária garantia bancária para suspender os presentes autos e que foram indeferidos;

· A somar à débil situação económico-financeira da empresa, a incapacidade da C... para obter mais garantias bancárias deve-se ainda ao facto de manter prestadas garantias, noutros autos de execução fiscal, que ascendem ao total de 4.056.467,44.

b. Não tem responsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens para a prestação de garantia, pois:

· A insuficiência de meios económicos não resultou de dissipação de património, mas tão só do facto de a respectiva situação patrimonial se mostrar insuficiente para fazer face à garantia a prestar nos presentes autos e de os diferentes bens do activo da C... e os seus stocks de vinhos se encontrarem oferecidos como garantia do financiamento realizado pela L... para ocorrer às responsabilidades vencidas da Reclamante;

· no âmbito da estruturação do grupo em se insere, em 2005 e 2006, a C... alienou os imóveis de que era proprietária, pretendendo-se então centralizar os imóveis nas empresas do ramo imobiliário do grupo e dedicar-se a Reclamante ao seu core business de comércio por grosso de vinho, em face de um estudo de 2002 da consultora Ernst&Young; esta estruturação já vinha sendo pensada desde 1999 motivada pela morte de uma das filhas do sócio-gerente; a alienação consubstanciou uma maneira de a Reclamante se financiar, pois os imóveis foram vendidos a preço de mercado e esse montante foi efetivamente recebido; desde então, não se alienou outro património; atentas estas circunstâncias, a alienação do património imobiliário mostrou-se vantajosa e plenamente justificada, integrando uma legítima opção de gestão por parte da direcção do grupo, pelo que não lhe poderá ser emprestado um qualquer intuito ou conotação com actos de dissipação de bens.

c. ainda que se viesse a ponderar constituir garantia sobre os créditos que a C... detém sobre clientes ou que, por hipótese, algum Banco lhe viesse a conceder uma garantia bancária, tal causaria à Reclamante um prejuízo irreparável, porquanto:
· Os poucos créditos que consegue realizar são indispensavelmente necessários para obter fundo de maneio para a sua actividade corrente, pelo que se viesse a ser privada deles ficaria impossibilitada de honrar os seus compromissos e, consequentemente, a sua actividade comercial ficaria paralisada, o que conduziria à sua insolvência;
· Caso algum Banco viesse a conceder uma garantia à C... pelo montante da presente execução, tal facto viria a enfraquecer ainda mais a sua posição junto da Banca, com risco de paralisação da sua actividade, o que a arrastaria igualmente para uma situação de insolvência.

- cfr. doc. de fls. 2 e ss. dos autos.

5. Em anexo ao requerimento referido no ponto anterior juntou 30 documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

- cfr. doc. de fls. 23 a 443 dos autos.

6. Em 13.08.2012, o Chefe do Serviço de Finanças de Tondela proferiu o seguinte despacho:

(…)

- cfr. doc. de fls. 454/455 dos autos.

7. Em 21.09.2012 o mandatário da Reclamante foi notificado do despacho referido no ponto anterior – cfr. docs. de fls. 456, frt./vs. dos autos.

8. Em 01.10.2012 a Reclamante remeteu, por via postal registada, a presente reclamação para o Serviço de Finanças de Tondela – cfr. fls. 782 dos autos.

Mais se provou que:

9. Por escritura pública de compra e venda realizada em 11.8.2005 a Reclamante declarou vender à U... – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de € 900.000,00 o prédio misto, composto por casa térrea e parte de andar, onde se encontra instalada uma fábrica de saboaria, cortes de gado, terreno lavradio junto, com videiras, árvores de fruto, poço e mais pertenças, sito nos …, freguesia de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob os artigos … (urbano), … e … (rústico), com o valor patrimonial de € 8.174,85. – cfr. doc. de fls. 277 e ss. dos autos.

10. Na mesma data, entre a Reclamante e a U... – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., foi celebrado um acordo escrito denominado de «Acordo de Compensação de Créditos», no qual a primeira declarou ser «titular de um crédito no montante de 900.000,000 €» sobre a segunda «resultante de empréstimo de acionista de igual valor que detém sobre a mesma» e a segunda declarou «ser credora da representada dos primeiros outorgantes por igual valor de 900.000,000 € (novecentos mil euros) da venda que lhe fez hoje do prédio misto (…)», acordando «compensar entre si os créditos resultantes do empréstimo acionista e da compra e venda do prédio aludidos nas cláusulas anteriores, dando mútua quitação.». – cfr. docs. de fls. 441 e ss. dos autos.

11. Por escritura pública realizada em 28.12.2005 a Reclamante declarou vender à J... – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de € 1.915.000,00 os seguintes imóveis: prédio rústico correspondente ao artigo matricial …, sito na freguesia de Lageosa do Dão, Tondela, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de € 1.128,90, pelo valor de € 360.000,00; prédio urbano, composto de três casas para armazém e atividade industrial e logradouro, correspondente aos artigos matriciais 1554, 1555 e 1556, sito na freguesia de Olhaívo, Alenquer, com o valor patrimonial global para efeitos de IMT de € 271.074,70, pelo valor de € 1.499.000,00; prédio rústico correspondente ao artigo matricial …secção …, sito na freguesia de Aldeia Gavinha, Alenquer, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de € 379,99, pelo valor de € 56.000,00. – cfr. doc. de fls. 266 e ss. dos autos.

12. Por escritura pública de doação e compra e venda realizada em 14.3.2006, A...e M… declararam doar à Reclamante a parcela de terreno com 24,90 m2, do prédio rústico omisso mas atualmente inscrito na matriz urbana sob o artigo …, atribuindo-lhe o valor de € 249,00; a Reclamante declarou vender à J... – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de € 860.000,00, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 144.000,00, após a anexação da parcela a ser constituído por edifício de cave, rés do chão, primeiro andar e logradouro destinado a escritórios e laboratórios, com a superfície coberta de 531 m2 e a descoberta a 1089,40 m2. – cfr. doc. de fls. 271 e ss. dos autos.

13. Em 31.7.2006 a J... – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. procedeu à transferência, de uma conta de que é titular numa instituição bancária, das quantias de € 860.000,000 e € 1.915.000,00, para uma conta titulada pela Reclamante. – cfr. docs. de fls. 438/440 dos autos.

14. As alienações referidas em 9., 11. e 12. supra ocorreram no âmbito de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que a Reclamante se insere.

[A prova deste facto resultou da conjugação do documento de fls. 280 e ss. dos autos, com o depoimento da testemunha J....

Com efeito, o documento a fls. 280 e ss. dos autos constitui um estudo elaborado pela Ernst & Young, datado de julho de 2002, no qual é analisado o grupo empresarial em que a Reclamante se insere, as tendências de organização empresarial dos mercados em que a Reclamante e as demais empresas do seu grupo atuam e se apontam soluções de reestruturação do grupo com base em critérios económicos e financeiros e fiscais. Entre estas soluções encontra-se a fusão de sociedades do grupo dedicadas ao ramo imobiliário, com a agregação nas empresas imobiliárias dos terrenos e imóveis do Grupo disponíveis para venda e da gestão dos arrendamentos dos imóveis próprios e prestações de serviços conexas.

Também a testemunha J... contribuiu para formar a convicção do Tribunal nesta matéria. Enquanto assessor jurídico da Reclamante participou no processo de reestruturação levado a cabo, assistindo-lhe, por isso, razão de ciência. O seu depoimento mostrou-se concretizado, tendo dado conta das circunstâncias concretas que motivaram a necessidade de um novo sistema organizacional do Grupo, designadamente em face das dificuldades sentidas aquando do falecimento da filha do sócio A....

Depôs de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações. Notou que uma das indicações desse estudo foi a concentração nas empresas do ramo imobiliário do património imobiliário do grupo, resultando daí a transmissão, entre o mais, das instalações em que a Reclamante laborava e do seu restante património imobiliário.]


15. Em 29.2.2008 A...e esposa constituíram hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. sobre os imóveis m.i. a fls. 224 e ss. dos autos para garantia do capital máximo de € 3.750.000,00, juros, sobretaxa e despesas, emergentes do contrato de prestação de garantia bancária, a favor do Serviço de Finanças de Tondela, até ao valor de € 3.131.919,55 e € 93.574,82, celebrado entre esta instituição bancária e a Reclamante. – cfr. doc. de fls. 221 e ss. dos autos.

16. Em finais de 2010, a Reclamante e as empresas do seu grupo começaram a ser pressionadas pela Banca para garantirem os créditos da Reclamante nas instituições financeiras, sob pena de execução dos fiadores e avalistas.

[A prova deste facto resultou da conjugação dos documentos de fls. 115 a 120 dos autos, com o depoimento da testemunha J....

Pelas razões já expostas o depoimento da testemunha J..., na sua qualidade de assessor jurídico do grupo da Reclamante, mereceu a convicção do Tribunal, revelando razão de ciência e um discurso incisivo, contextualizado e sem hesitações. Revelou que, na sequência do conhecimento das execuções fiscais em curso contra a Reclamante, os Bancos iniciaram diligências com vista a garantir do ponto de vista real os seus créditos, pressionando a Reclamante, os seus acionistas e ainda o Sr. A... na qualidade de fiadores e avalistas para prestarem garantias reais.

Também dos documentos citados se verifica que foram lançados a descoberto na conta da Reclamante alguns empréstimos dos Bancos, que conduziram a que o acionista maioritário se viesse a responsabilizar por algumas dívidas da Reclamante.]

17. Em reunião da assembleia geral da C.. L... – Serviços de Gestão e Controlo, S.A. (doravante C.. L...) de 25.1.2011 foi deliberado por unanimidade aprovar a proposta de obtenção de financiamento junto do Banco Comercial Português, S.A. no valor de € 9.650.000,00 destinado a amortizar o valor do papel comercial e empréstimos lançados a descoberto na conta de depósitos à ordem da Reclamante e afetação de um depósito à ordem no valor de 7.000.000,00 USD de que a C.. L... é titular naquele Banco para garantia do montante de € 4.800.000,00 de que a Reclamante é devedora àquele Banco, acrescido ao financiamento de € 6.500.000,00 que a C.. L... obteve junto da CC-CCCAM para garantir as responsabilidades da Reclamante junto daquela entidade, para o qual a C.. L... “terá de recorrer à constituição de hipotecas por parte das suas participadas U..., S.A., O... S.A. e A…, S.A. sobre imóveis propriedade destas” e, em contrapartida da qual, a Reclamante “obrigou-se e terá de obrigar-se perante a sociedade a reembolsá-la de tudo quanto esta desembolse em capital, juros, remuneratórios ou moratórios, comissões e despesas e, para garantia do cumprimento de tais obrigações, a constituir a seu favor e das suas mencionadas participadas, U..., S.A., O... S.A. e A..., S.A., penhor mercantil sobre o seu património mobiliário, nomeadamente equipamentos e existências de vinhos”. – cfr. doc. de fls. 110 e ss. dos autos.

18. Em 10.2.2011 a C.. L... – Serviços de Gestão e Controlo, S.A. (doravante C.. L...) constituiu a favor do Banco Comercial Português, S.A. (doravante BCP) penhor sobre o depósito a prazo de que é titular naquele Banco, no valor de 7.000.000,00 USD, para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas pela C.. L... perante o Banco até ao limite de € 5.280.000,00. – cfr. doc. de fls. 121/122 dos autos.
19. Na mesma data a C.. L... e o BCP celebraram contrato de empréstimo pelo qual aquele Banco concedeu à C.. L... um financiamento no montante de € 9.200.000,00 destinado a liquidar as responsabilidades enquanto avalista da Reclamante. – cfr. doc. de fls. 180 e ss. dos autos.

20. Para garantia do contrato referido no ponto anterior a C.. L... subscreveu uma livrança em branco avalizada por A… e A… e esposa e U..., S.A. constituíram a favor do BCP hipoteca sobre os imóveis m.i. a fls. 161 e ss. dos autos. – cfr. docs. de fls. 160 e ss. dos autos.

21. Em 15.2.2011 a Reclamante constituiu a favor de C.. L... – Serviços de Gestão e Controlo, S.A., O…– Empreendimentos Imobiliários, S.A., U... – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. e A…– Empreendimentos Imobiliários, S.A., penhor mercantil sobre os bens m.i. a fls. 96 e ss. dos autos, a saber, stocks de vinho e equipamentos, com os valores totais, respetivamente, de € 23.256.049,36 e € 931.725,10, estabelecendo-se, entre o mais, o seguinte:


[…]”
- cfr. docs. de fls. 90 e ss. dos autos.

22. Em 16.3.2010 a C.. L... celebrou contrato de abertura de crédito – mútuo com hipoteca com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Terras de Viriato, CRL, pelo qual esta instituição bancária lhe concedeu um crédito até à quantia de € 1.500.000,00, no âmbito e para garantia do qual a A... – Empreendimentos Imobiliários, S.A. constituiu uma hipoteca sobre o imóvel m.i. a fls. 196 dos autos. – cfr. docs. de fls. 193 e ss. dos autos.

23. Em 16.9.2010 a C.. L... celebrou contrato de abertura de crédito com aval e hipoteca autónoma com a Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, pelo qual esta instituição bancária lhe concedeu um crédito até à quantia de € 2.400.000,00, titulado por uma livrança em branco subscrita pela C.. L... e avalizada por A…, no âmbito e para garantia do qual a O…– Empreendimentos Imobiliários, S.A. constituiu uma hipoteca sobre o imóvel m.i. a fls. 202 dos autos. – cfr. docs. de fls. 200 e ss. dos autos.

24. Em 19.1.2011 a A. tinha pendentes vários processos de execução fiscal, nos quais é cobrado coercivamente o valor total de € 35.073.038,61, correspondente a € 29.517.726,21 a quantia exequenda, € 5.251.654,61 a juros de mora e € 303.657,038 de custas. – cfr. docs. de fls. 248 e ss. dos autos.

25. No âmbito desses processos de execução fiscal a Reclamante prestou as seguintes garantias: garantia bancária no valor de € 93.574,82 (execução fiscal n.º 2704200701014617); garantia bancária no valor de € 3.131.919,55 (execução fiscal n.º 2704200701014625); outras garantias no valor de € 152.878,29 (execução fiscal n.º 2704200401002570), € 670.000,00 (execução fiscal n.º 2704200501017586) e € 2.094,78 (execução fiscal n.º 2704200801001949). – cfr. docs. de fls. 248 e ss. dos autos.

26. Em 11.4.2011 a Reclamante reforçou a garantia prestada no âmbito de contrato de abertura de crédito em conta corrente e entrega para cobrança de cheques pré-datados, celebrado em 1.12.2007, com a Caixa Geral de Depósitos no valor reforçado de € 12.000.000,00, mediante penhor de crédito no valor de € 3.250.000,00 sobre conta de depósito a prazo naquele Banco da C.. L.... – cfr. doc. de fls. 228 e ss. dos autos.

27. Em 13.4.2011 a C.. L... celebrou contrato de abertura de crédito – mútuo com hipoteca com a Caixa Geral de Depósitos, pelo qual esta instituição bancária lhe concedeu empréstimo até ao montante de € 3.250.000,00, pelo prazo de 6 meses, no âmbito do qual a J...– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. constituiu uma hipoteca sobre os imóveis m.i. a fls. 126 e ss. dos autos, com o valor de € 3.650.000,00 para garantia do capital mutuado, juros e despesas, e titulado por uma livrança em branco subscrita pela C.. L... e avalizada por A…. – cfr. docs. de fls. 124 e ss. dos autos.

28. Do balanço constante da Declaração de Informação Empresarial Simplificada relativa ao exercício de 2010 consta o seguinte:


Cfr. doc. fls. 33 dos autos.
29. Do balanço provisório em 31.12.2011 consta o seguinte:
(…)
Cfr. doc. fls. 89 dos autos.
30. Em datas que não foi possível apurar, a C... reclamou créditos de clientes, nos respectivos processos de insolvência, que ascendem a mais de cinco milhões de euros – cfr. doc. fls. 232 e ss. dos autos.

31. Através de ofício datado de 17.04.2012, a Caixa de Crédito Agrícola comunicou à aqui Reclamante que o pedido de garantia bancária no montante de €104.740,98, referente ao PEF 2704200901009974 foi recusado – cfr. doc. fls. 246 dos autos.

32. Através de ofício datado de 18.04.2012, o Banco Millenium BCP comunicou à aqui Reclamante que o pedido de garantia bancária no montante de €104.740,98, respeitante ao PEF 2704200901009974 não colheu aprovação – cfr. doc. fls. 246 dos autos.

33. Desde a reestruturação do grupo, ocorrida em 2005 e 2006, não se tem verificado qualquer venda de património da C....

[Facto relatado de forma coincidente por todas as testemunhas inquiridas, as quais referiram que o valor dos activos fixos tangíveis da Reclamante tem vindo a diminuir apenas por força das amortizações dos bens.]
Factos não provados

Dos factos alegados e com interesse para a decisão, não se provaram os que não constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:

1. A Reclamante não tem conseguido cobrar grande parte dos seus créditos sobre clientes.
2. Os montantes que a Reclamante logra cobrar aos seus clientes permitem-lhe apenas, e com dificuldade, fazer face à sua atividade diária.
[Quanto a estes factos a Reclamante não fez prova. Note-se que pese embora sejam notórias as dificuldades atualmente sentidas por todas as empresas, a verdade é que se exigia que a Reclamante demonstrasse, designadamente por via documental, quais os maiores devedores, montantes em dívida e respetiva data da mora e, bem assim, que diligências tem tomado para cobrar os seus créditos e que viu frustradas. Importava, ainda, que se estabelecesse, designadamente mediante confrontação entre os montantes que recebe dos clientes e os custos que suporta na sua atividade e no seu dia a dia, a escassez de liquidez disponível para fazer face às necessidades de laboração. Não foi possível ao Tribunal concluir pela prova da factualidade alegada pela Reclamante em resultado da insuficiência dos documentos contabilísticos disponíveis e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas que referiram, de forma vaga e genérica, a existência de problemas a nível dos recebimentos de clientes, mas apenas no tocante ao mercado interno.]


O tribunal a quo alicerçou a motivação da matéria de facto nos seguintes termos:

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.



II.2. De direito

A Recorrente, não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou integralmente improcedente a reclamação que havia interposto do despacho do Chefe de Finanças de Tondela de indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia em ordem a suspender o processo de execução fiscal n.º 2704200801018426 no qual é executada, suscitando a sua nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, bem como imputando-lhe erros de julgamento de facto e de direito determinantes da sua revogação.

Vejamos então cada um dos fundamentos de recurso concatenando-os com a ordem das questões a decidir por nós enunciadas.

II.2.1. Da nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos

A Recorrente suscita a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. c) do CPC à sentença recorrida com fundamento, tal como alega, na circunstância de o Tribunal a quo ter julgado provados um conjunto de factos que demonstram e explicam cabalmente a causa da insuficiência de bens e a falta de culpa da C... nessa insuficiência de bens para prestação de garantia – o que alega retirar-se em particular, respectivamente, dos pontos 16, 21, 25 ou 30 da matéria assente e, em especial, dos pontos 14 e 33 dos factos provados –, razão pela qual não poderia concluir-se, a final, que não tenha ficado demonstrado que “a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante”.

A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC) verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto, tratando-se de vício real no raciocínio do julgador que afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas de facto e de direito e a respectiva conclusão.

Porém, esta nulidade não abrange o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo.

É precisamente numa alegada desconformidade entre a prova de um conjunto de factos que foram dados como provados e que demonstram que a diminuição do valor dos activos fixos tangíveis não resultou de uma actuação que visava a diminuição das garantias dos credores e a decisão alcançada quanto a não ter sido demonstrado que a alegada insuficiência de bens não era da responsabilidade da ora Recorrente que se funda a alegação da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Ora, tal como referido pelo Mmo. Juiz a quo no despacho de sustentação que proferiu, a razão que justificou a sentença recorrida foi a consideração de que não foram alegados nem demonstrados os motivos que conduziram ao depauperamento da situação patrimonial revelada pelos elevados resultados líquidos operacionais negativos (fls. 34 da sentença), nomeadamente não se tendo provado que os créditos sobre clientes não tenham sido cobrados (fls. 34-35 da sentença).

E, com efeito, escreveu-se neste capítulo na sentença recorrida o seguinte:

Como resulta do probatório, designadamente, do balanço de 2010 e do balanço provisório em 31.12.2011, a Reclamante dispunha a 31.12.2010 de um ativo no valor de € 73.178.259,14, face a um passivo de € 68.410.038,50, tendo sido o seu resultado liquido do período de - € 1.204.801,47. Apresenta, ainda, um rácio de autonomia financeira (capital próprio/ativo líquido) de 8%, e um rácio de solvabilidade total (fundos próprios/fundos alheios) abaixo dos 50%. Situação esta que se agravou em 2011, com o decréscimo do ativo para € 64.170.837,51 e o passivo a encontrar-se nos € 62.172.799,01, e um resultado líquido do exercício de - € 2.762.557,74 (valores provisórios).

As razões apontadas pela Reclamante para justificar a situação patrimonial e financeira em que se encontra foram as seguintes:

- Os diferentes bens do activo e os seus stocks de vinhos já se encontram oferecidos como garantia do financiamento realizado pela L... para ocorrer às responsabilidades vencidas da C...;

- A alienação de bens imóveis de que era proprietária, em 2005 e 2006, ocorreu no âmbito da reestruturação do grupo de sociedades em que actualmente se insere;

- Desde então, não se tem verificado qualquer venda de património da C....

Esta factualidade – que resultou provada – demonstra que a diminuição do valor dos seus activos fixos tangíveis (imóveis, maquinaria, equipamento de escritório, etc.) não resultou de uma actuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores.

Todavia, não foram alegados, nem demonstrados os motivos que conduziram ao depauperamento da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos que vem apresentando, da ordem dos milhões de euros.

É certo que na PI, em sede de alegação (a título subsidiário) de prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia, a Reclamante esboça uma possível razão para a situação de fragilidade financeira em que se encontra: a existência de créditos que, por força do incumprimento generalizado por parte de muitos clientes e das sucessivas insolvências de clientes seus com que a C... se depara, se vêm revelando incobráveis.

Ora, pese embora as dificuldades de cobrança e sucessivas insolvências verificadas no território nacional e a necessidade com que a C... se tem deparado de reclamar os seus créditos em processos de insolvência de alguns clientes seus (cujo resultado, aliás, se desconhece), o certo é que não resultou provado que a Reclamante não tem conseguido cobrar grande parte dos seus créditos sobre clientes -cfr. factos não provados e respectiva motivação.

Refira-se que em sede de audiência contraditória, a testemunha J... avançou com outras razões para a degradação da situação económica e financeira da empresa: problemas relacionados com a restituição de subsídios à exportação de vinho para Angola em 2000 e apreensões de vinho alegadamente ocorridas em 2001 e 2006, respectivamente pelo IVV e ASAE. Todavia, para além de tal factualidade não ter sido alegada pela Reclamante, não foi produzida qualquer prova documental, que no caso se impunha, uma vez que não se vislumbram dificuldades de maior na sua obtenção.

Em suma, ficaram por demonstrar as razões que estão subjacentes à situação económica e financeira e aos resultados operacionais negativos que a Reclamante vem apresentando, bem como eventuais medidas de gestão que poderiam ter sido desenvolvidas no sentido de obter a inversão dessa situação, pelo que não pode o Tribunal concluir que a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante.

Ou seja, como resulta à evidência do que se acaba de transcrever, o que vem afinal questionado pela Recorrente é afinal o relevo que tais factos terão ao nível do preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia (art.s 52.º, n.º 4, da LGT, 170.º, n.º 3, e 199.º, n.º 3, do CPPT e respectiva de decisão. Factualidade aquela que o Tribunal a quo, embora considerando-a, julgou conferir-lhe relevância distinta da pretendida pelo Recorrente. E assim sendo movemo-nos no erro de julgamento de direito.

Razão pela qual não pode proceder a alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.




II.2.2. Do alegado erro de julgamento de facto

A Recorrente discorda do julgamento de facto, alegando que o Tribunal a quo não deu como provados factos alegados e que resultavam provados dos elementos dos autos – em concreto, o alegado no art. 53.º, ou seja, que a ora Recorrente sofreu um acentuadíssimo decréscimo das suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros. Em conformidade pede o aditamento do facto que descreve na conclusão BB), que ateste a diminuição de vendas alegada.

A alteração da decisão da matéria de facto por este Tribunal pressupõe que, para além da indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada capazes de impor decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art. 685º-B, nº 1, e 712º, nº 1, alíneas a) e b), ambos do CPC).

No caso, tal ónus foi cabalmente cumprido pela Recorrente, tendo esta indicado a concreta factualidade cujo não apuramento se lhe afigurava incorrecta e os meios probatórios constantes do processo que, em seu entender, imporiam decisão de facto diversa da recorrida, identificando para tanto o pertinente documento (o doc. n.º 4) e referindo as concretas passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas em que, no seu entendimento, se funda o erro do Tribunal a quo na apreciação da prova (cfr. conclusão AA.).

Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se, face à factualidade dada por assente e aqui impugnada e do seu confronto com o documento e o depoimento invocado, deve (ou não) ser dada razão à Recorrente.

É sabido que cabe ao Tribunal discriminar a matéria de facto provada da não provada, seleccionando a matéria relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 511.º, n.º 1 e 659.º, n.º 2 do CPC. Pelo que, estando em discussão matéria reportada ao pressuposto da falta de responsabilidade na insuficiência de bens de que depende o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, importava levar ao probatório a pertinente factualidade, designadamente aquela susceptível de espelhar o histórico do volume de vendas, tal como a Recorrente sustenta.

No entanto, o aditamento pretendido pela Recorrente não se mostra possível de efectuar na redacção proposta. Com efeito, consignar-se no probatório que “seguindo a tendência que tem vindo a verificar nos últimos anos, a C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo das suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros”, nada mais é que do extrair um juízo conclusivo de uma determinada factualidade pré-adquirida.

Na verdade, o aparente facto comporta não um juízo de natureza cognoscitiva, formulado sobre a ocorrência ou não de determinado acontecimento histórico – no ano de 2010 vendeu “x”, no montante total de “y” –, mas antes um juízo de natureza valorativa e que encerra já um determinado sentido comparativo com um efeito jurídico pressuposto – o prejuízo ou a quebra de receitas. Constitui, por isso, uma conclusão sobre factos, e não um facto em si mesmo.

Acresce que, em boa verdade, o Tribunal a quo deu por reproduzidos o teor de 30 documentos (cfr. ponto 5. do probatório), no qual se inclui o mencionado “doc. 4”, donde consta a Declaração de Informação Empresarial Simplificada relativa ao exercício de 2010 e que tem menção ao montante das vendas efectuadas nos campos “N” e “N-1” (cfr. fls. 32), o qual foi igualmente levado ao probatório no seu ponto 28. Ou seja, os montantes de EUR 24.886.494,97 (2010) e de EUR 35.793.825,86 (2009) relativos às vendas e serviços prestados constam já, afinal, do probatório (ainda que a técnica utilizada possa ser sujeita a reparo).

Razões pelas quais, improcede o recurso nesta parte.




II.2.3. Da violação do direito de audição prévia

Neste ponto cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de erro julgamento ao concluir pela não violação do direito de audição prévia previsto nos artigos 267.º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

Como resulta dos autos, o órgão de execução fiscal – o Chefe do Serviço de Finanças de Tondela – indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela ora Recorrente, sem que lhe tivesse dado previamente conhecimento do projecto de decisão e, consequentemente, sem que lhe tivesse sido concedida a possibilidade de se pronunciar sobre o teor da decisão a proferir.

A sentença recorrida veio a apreciar este fundamento da reclamação por adesão ao discurso fundamentador constante do Acórdão do STA de 26.09.2012, no proc. n.º 0708/12, no qual se concluiu, ao que aqui importa, que independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto de indeferimento do pedido de isenção de garantia – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual –, não há lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT.

E o assim decidido é de manter.

Sobre esta mesma questão tem-se pronunciado reiteradamente o TCAN, designadamente nos acórdãos de 8.11.2012, proc. n.º 266/12.3BEVIS, de 27.09.2012, proc. n.º 157/11.5BEVIS, de 23.11.2012, proc. n.º 276/11.8BEVIS, de 15.02.2013, proc. n.º 270/12.1BEVIS e de 30.04.2013, proc. n.º 185/11.0BEVIS – em que, aliás é a mesma a Recorrente –, nos quais concluiu que a não realização da formalidade legal da audiência prévia não era geradora de vício invalidante da decisão do órgão da execução fiscal.

E o acórdão do STA de 26.09.2012 (o citado na sentença recorrida), no processo n.º 708/12, publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 204, de 22 de Outubro, proferido em julgamento ampliado, ao abrigo do disposto no artigo 148.º do CPPT, com a intervenção de todos os juízes da secção tributária, apreciou efectivamente a questão que agora se nos coloca em termos que se subscreve e, assim, se transcreve:

“(…)

A questão da aplicabilidade deste preceito – leia-se, do artigo 60º da LGT - face a pedido de dispensa de prestação de garantia não tem tido uma resposta uniforme da jurisprudência, como dá nota a decisão recorrida.

É que, embora se aceite, sem discrepância, a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à AT para a prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal (sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer actos praticados pela mesma AT [cfr. os acs. desta Secção do STA, de 23/5/2012, rec. 489/12, de 9/5/2012, rec. 446/12, de 23/2/2012, rec. 59/12, de 7/2/2011, rec. 1054/11, de 2/2/2011, rec. 8/11, bem como, os acs. do Tribunal Constitucional, nº 80/2003, de 12/2/2003 (in DR nº 68, II Série, de 21/3/2003, pp. 4526 e ss.) nº 152/2002, de 17/4/2002 (in DR nº 125, II Série, de 31/5/2002, pp. 10338 e ss.) e nº 263/02, de 18/6/2002 (in DR nº 262, II Série, de 13/11/2002, pp. 18786 e ss.) e os acs. do STA, de 20/2/2008, rec. nº 999/07, de 16/6/2004, rec. nº 367/04, de 2/5/2001, rec. nº 25027 e de 19/2/92, recs. nºs. 13763 e 13830], já, no que tange à natureza do acto aqui em questão (indeferimento do pedido de isenção de garantia - arts. 170º do CPPT e 52º nº 4 da LGT), não tem havido unanimidade (Esta divergência jurisprudencial não será alheia à particular natureza do processo de execução fiscal. Veja-se que, por exemplo, Casalta Nabais aponta que «muito embora a LGT, no seu art. 103°, disponha que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, o certo é que estamos perante um processo que é judicial só em certos casos e, mesmo nesses casos, apenas em parte, já que um tal processo só será judicial se e na medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados actos de natureza judicial.» (cfr. Direito Fiscal, 5ª ed., Almedina, 2009, p. 341).) de posições: sustenta-se, por um lado, que estamos perante a prática de um acto predominantemente processual e relativamente ao qual, por isso, não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a regra constante do art. 60º da LGT (cf. o ac. de 7/3/2012, rec. 185/12) e, em contrário, argumenta-se, por outro lado, que esse acto se configura como acto administrativo praticado por órgãos da AT no âmbito do processo de execução fiscal (como sucederá, por exemplo, também com as decisões de suspender um processo de execução fiscal (art. 169º) e/ou de apreciar pedidos de pagamento em prestações (art. 196º) ou dação em pagamento (art. 201º, todos do CPPT). De acordo com este último entendimento, tais actos poderão ser definidos como actos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projectam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. art. 120º do CPA, e na jurisprudência, os acs. deste STA, de 14/12/2011, rec. nº 1072/11, de 2/2/2011, rec. nº 8/11).

E, a nosso ver, é de aceitar esta posição, pois que, confrontada a natureza dos actos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulação habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação, é inquestionável que tais actos haverão de ser qualificados como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite. (Neste sentido parece apontar, igualmente, Casalta Nabais, quando refere que, nos termos do art. 151° do CPPT, cabe aos Tribunais Tributários «decidir os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação dos créditos, a anulação da venda e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da administração tributária em sede da execução fiscal» (ob. cit. p. 253, bem como pp. 340/341).

Também a justificar a natureza administrativa (acto administrativo em matéria tributária), alguma doutrina (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de escrita, p. 429, anotação 11 ao art. 52º) pondera que “O texto do nº 4 do art. 52º da LGT, na parte em que se refere que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia…», utiliza a fórmula habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação. Por outro lado, é claro por aquele texto que se trata de um poder que é atribuído à administração tributária, enquanto tal, pelo que não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a actividade deste de resumir-se à verificação de ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação dos valores que se integram nessa margem”. )

3.3. Todavia e não obstante esta conclusão, a mais recente jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do STA tem também vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar, neste caso, ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento – nº 4 do art. 170º do CPPT (cfr. os citados acs. de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12). (O ora relator subscreveu, aliás, o acórdão de 23/5/2012, no recurso nº 489/12, apondo declaração de voto no sentido de revisão da primitiva posição sufragada no anterior acórdão de 14/12/11, rec. nº 1072/11 (que é referenciado pelo recorrente para apoiar a sua alegação – cfr. Conclusões XXI a XXIX) quanto à aplicação do regime do art. 103º do CPA, ou seja, no sentido de que, face à urgência objectiva de prolação da respectiva decisão, revelada pelo art. 170º do CPPT, deve apelar-se ao regime contido no CPA, cujo art. 103º, nº 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no art. 2º, al. c), da LGT. ).

E, na verdade, a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no art. 170º do CPPT é de configurar como circunstância que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 103º do CPA (aplicável por força da al. c) do art. 2º da LGT), sendo que tal situação de urgência (determinante da não audiência dos interessados) ocorre quando haja de se prosseguir determinada finalidade pública em que o factor tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais.

Ora, sendo certo «que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correcta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objectivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de carácter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103º, nº 1, alínea a), do CPA.

No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário» (citado ac. de 23/2/2012, rec. nº 59/12).

A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários à formação da decisão pela AT. Ou seja, é de concluir que o legislador, tendo em conta a forma como regula os elementos que devem constar do requerimento e o prazo exíguo para a resposta da AT, não quis deliberadamente assegurar o direito de audiência.

Neste sentido, Diogo Leite de Campos, et all., anotam que o prazo de decisão extremamente curto previsto no nº 4 do art. 170º do CPPT impõe a conclusão que não é legalmente assegurado o direito de audiência prévia nos casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia: “A inviabilidade prática de assegurar o direito de audição do requerente da prestação de garantia nos termos previstos na LGT reconduz-se a que se esteja perante mais um caso em que, implicitamente, se estabelece que não há direito de audição, caso este que, aliás, até se enquadra sem esforço apreciável na alínea a) do nº 1 do art. 103º do CPA, em que se afasta o direito de audição prévia «quando a decisão seja urgente»: no caso em apreço, o facto de se estabelecer um prazo imperativo de 10 dias para decisão, é uma manifestação explícita de que, na perspectiva legislativa, se está perante uma situação em que se impõe uma decisão urgente, pelo menos suficientemente urgente para justificar o afastamento da audição prévia, como resulta da inviabilidade de o assegurar nos termos previstos na lei”. (Loc. cit., pp. 429/430, anotação 12 ao art. 52º, pp. 429/430 e anotação 12 ao art. 60º, pp. 512/513.)

Em suma, no caso vertente, a exclusão de audiência do requerente no âmbito do procedimento aqui em causa, encontra fundamentos objectivos de justificação na própria urgência da prolação da decisão, atendendo, desde logo, à natureza e características da execução (celeridade e simplicidade, que interessam, normalmente, ao credor que promove a execução), sendo que a premência do credor ganha aqui especial acuidade com a circunstância de o requerimento de isenção de prestação da garantia poder redundar em efeito suspensivo sobre a execução, aumentando o risco de poderem ser dissipados bens que o credor pretende executar.

E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão [incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 4 a) ao art. 170º, p. 232).

No mesmo sentido cfr. o citado ac. desta Secção do STA, de 23/2/2012, proc. nº 59/2012. )] ele mesmo contribui para a definição do objecto do procedimento, atenuando a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça, o que também acentua o sentido da diminuição da relevância deste direito nestes casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia.

3.4. Por outro lado e de todo o modo, a entender-se que estamos perante mero acto predominantemente processual, também não haverá lugar a direito de audiência prévia, já que à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do art. 60º da LGT (cfr. o citado ac. de 7/3/2012, rec. nº 185/12).

3.5. Em suma, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (art. 60º da LGT) (…)”. [sublinhado nosso]

Acompanhando-se, como se referiu, a doutrina que emana do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a qual dá resposta aliás às questões colocadas nesta sede pela Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso, nada mais importando, por desnecessário, referir em benefício da tese perfilhada, conclui-se que não foi preterida a formalidade legal da audiência prévia, não merecendo censura nesta parte a sentença recorrida.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso nesta parte.



II.2.4. Da alegada falta de fundamentação do despacho reclamado

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que o despacho reclamado cumpria os imperativos de fundamentação. Sustenta que naquele não foi feita qualquer apreciação crítica do teor dos documentos que ajude a compreender o iter cognoscitivo do decisor e que um destinatário normal, perante o teor do acto de indeferimento em apreço e das suas circunstâncias, não fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu nesse sentido e não noutro, de forma a poder conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.

Neste ponto afirmou-se na sentença recorrida o seguinte:

É sabido que o ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal deve ser fundamentado (Ac. do STA de 19.9.2012, P. 0559/12), conclusão a que se chega quer se entenda que este ato tem a “natureza de ato administrativo praticado em matéria tributária, quer se entenda que, porque praticado no âmbito de uma execução fiscal, tem natureza de ato processual, sendo-lhe aplicável as normas do Código de Processo Civil (CPC) – embora num e noutro caso com fundamentos legais diversos (o disposto no artigo 77.º da LGT, caso se lhes reconheça natureza de ato administrativo em matéria tributária; o disposto no artigo 158.º do CPC, caso se lhe reconheça a natureza de ato processual)”.

De todo o modo, diremos que, acompanhando a corrente que qualifica este ato como de natureza administrativa, o direito à fundamentação do ato tributário ou em matéria tributária constitui hoje uma garantia específica dos contribuintes, devendo aquela obedecer aos requisitos expressos no art.º 125 do CPA.

Também o art. 77.º da LGT consagra o dever de fundamentação relativamente a todas as decisões dos procedimentos tributários e no seu n.º 2 estipula: «A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

A fundamentação há-de ser expressa, clara, suficiente e congruente, sendo equivalente à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça concretamente a motivação do ato, sendo que a violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação.

Como se disse no Ac. do STA de 2.2.2006, P. 1114/05, “este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta”.

E adiantou-se no Ac. do STA de 3.11.2010, P. 0784/10, que “a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

Utilizando a linguagem da jurisprudência, o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, para o que há de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correção formal do ato, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).”

Ora, aplicados estes conceitos à situação dos autos, analisado o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela de 13.08.2012 constante do probatório, verifica-se que, após indicar os fundamentos invocados na petição e as provas apresentadas pela Reclamante, o órgão de execução fiscal fez o enquadramento jurídico da questão suscitada, chamando à colação o disposto no nº 4 do artigo 52º e elencou cada um dos pressupostos necessários à obtenção da dispensa de prestação de garantia, aí se consignando que “os documentos apresentados, traduzindo a situação contabilística e financeira da executada, fazem prova da ausência/insuficiência do património da mesma, mas demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.”

Conclui, então, o Serviço de Finanças que “dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de dispensa, não resulta a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto esse que tem necessariamente que ser demonstrado (…).”

Ora, independentemente do (des)acerto quanto à decisão tomada pelo órgão de execução fiscal, é perfeitamente clara quer a interpretação feita pelo Serviço de Finanças do requisito da ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens de que depende a isenção da prestação de garantia, quer a sua posição quanto ao respectivo ónus da prova, bem como a consequência que, no caso concreto e em face da prova produzida, retira destas premissas: a falta de demonstração, pela Reclamante, do referido pressuposto.

Em suma, resulta, em nosso entender, suficientemente explicado e compreensível o despacho do chefe de Finanças ora reclamado, os fundamentos, de facto e direito pelos quais o pedido de dispensa de prestação da garantia formulado pela Reclamante foi indeferido, não sendo de acolher a posição da Reclamante de que não ficou capaz de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do acto.

Em face do exposto, o acto reclamado mostra-se suficientemente fundamentado, improcedendo, pois, nesta parte, a presente reclamação.

Pode já adiantar-se que se acompanha a posição do Tribunal a quo.

Com efeito, como se afirmou no recente acórdão deste TCAN de 26.09.2013, proc. n.º 97/13.BEVIS (por nós relatado), o dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática.

Ora, em face dos considerandos transcritos supra e tendo presente o teor do acto reclamado (o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela de 13.08.2012 constante do probatório no ponto 6.), terá que considerar-se o acto reclamado como fundamentado, tal como decidido pelo Tribunal a quo.

Na verdade, no que tange à fundamentação do despacho reclamado verificamos que vêm enunciadas as razões determinativas da decisão, com a sua devida contextualização – pontos 2., 2.1. e 2.2 do mesmo –, bem como se faz expressa alusão aos normativos legais que estão na sua base, designadamente os artigos 52.º, n.º 4, e 74.º, n.º 2, da LGT. Perante estas premissas veio a concluir no mesmo despacho que: “os documentos apresentados, traduzindo a situação contabilística e financeira da executada, fazem prova da ausência/insuficiência do património da mesma, mas demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.// (…) dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de dispensa, não resulta a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto esse que tem necessariamente que ser demonstrado (…).”

Ou seja, a decisão reclamada exibe uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.

Aliás, a reclamante ora Recorrente procurou contrariar na petição de reclamação os fundamentos da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela, alegando, designadamente a reconhecida falta de meios económicos para prestar a garantia (art. 60.º da p.i.), bem como a ausência de responsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens (art.s 61.º e s., em particular, os art.s 66.º a 81.º da p.i.), com o que demonstrou ter apreendido devidamente o seu conteúdo.

Em conclusão, quanto a este ponto, o acto reclamado encontra-se suficientemente fundamentado sob o ponto de vista formal, inexistindo qualquer contradição ou obscuridade que não tenha permitido ao contribuinte contra aquele reagir adequadamente. Aliás, que assim é, revela-o, de resto e desde logo, a impugnação que desse despacho foi feita pela ora Recorrente em sede de reclamação judicial (os 118 artigos da p.i. de reclamação assim o atestam).

Razões pelas quais, improcede o recurso do mesmo passo nesta parte.




II.2.5. Do alegado erro de julgamento quanto aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia previstos no artigo 52.º da LGT

A questão que, por último, se coloca é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter concluído pelo não preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 52º, nº 4, da LGT para a Recorrente ser dispensada da prestação de garantia e, consequentemente, manteve o acto reclamado.

A Recorrente discorda do decidido, sustentando, no essencial, que da prova produzida nos autos resultou demonstrada a sua falta de responsabilidade na insuficiência de bens, por não terem sido praticados quaisquer actos de dissipação do património da executada (cfr. conclusões CC. a QQ. do recurso). Ou seja, a Recorrente insurge-se quanto à conclusão tirada de não se ter tido por verificada a sua irresponsabilidade na insuficiência de bens.

Vejamos então.

Nos termos do artigo 52.º, nº 4, da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

Quer isto dizer que o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

Como é sabido, o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (artigo 170º, n.ºs 1 e 3 do CPPT). Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova (artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT) e, bem assim, do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido. Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

No caso sub judice , o Tribunal a quo, partindo dos fundamentos em que a ora Recorrente assentara o seu pedido de isenção da garantia e que neste capítulo relevam – a irresponsabilidade pela insuficiência/inexistência de bens (e o prejuízo irreparável) -, concluiu que a Recorrente não lograra fazer prova da verificação de tais pressupostos e, consequentemente, julgou a reclamação improcedente. Para tanto lavrou a seguinte fundamentação:

No caso dos autos, a Reclamante alicerçou o pedido de dispensa de prestação de garantia na manifesta falta de meios económicos para a prestação da garantia e na falta de responsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens; o título subsidiário, invocou que a prestação de garantia lhe causaria um prejuízo irreparável.

O órgão de execução fiscal indeferiu o pedido, por considerar não demonstrado o pressuposto da ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens.

Impõe-se, assim, analisar se tal decisão se mostra correcta ou se, pelo contrário, a Reclamante fez prova da verificação daquele pressuposto.

Relativamente ao que se considera abrangido pelo ónus probatório que recai sobre a Reclamante, a doutrina têm entendido que “a responsabilidade do executado, prevista na parte final do nº 4 [do artigo 52º da LGT] se deve entender em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens” – cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral tributária Anotada, 4.ª ed., 2012, Lisboa, p. 426.

Sufragando o mesmo entendimento, veja-se na jurisprudência, entre outros, o Acórdão do TCA-Norte de 23.11.2012, processo 01158/12.1BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.:

“A ratio legis subjacente a esta exigência legal radica, pois, na necessidade de evitar a ocorrência de situações em que o devedor/executado se coloca deliberada e conscientemente numa situação de carência/insuficiência patrimonial, por forma a obstaculizar a realização da penhora ou a prestação de garantia, para mais tarde, requerer a dispensa de garantia com fundamento na referida insuficiência de bens.

Almeja, pois, o legislador fiscal, com este segmento normativo, obviar a situações de abuso de direito na vertente de um manifesto venire contra factum proprium.

(…) do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido. Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.”

Saliente-se que a eventual dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não constitui obstáculo à atribuição do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do artigo 344º do Código Civil.

Com efeito, como sustentam os referidos autores, nesta matéria não se está perante uma situação de impossibilidade prática de prova, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova dos factos positivos, por via da demonstração das reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.

Por outro lado, a acrescida dificuldade de prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse.

O que, nesta situação, concluem os mesmos autores, “se reconduzirá, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado”.

Referira-se que foi este também o entendimento consagrado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo com o n.º 0327/08 e reiterado nos acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.º 0286/12, e de 17 de Outubro de 2012, proferido no processo com o n.º 0414/12, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Regressando ao caso dos autos, importa analisar se foram alegadas e demonstradas causas objectivas que levaram à insuficiência de bens da Reclamante e que permitam, dessa forma, concluir que a mesma não teve uma participação culposa na insuficiência patrimonial em que se encontra.

Como resulta do probatório, designadamente, do balanço de 2010 e do balanço provisório em 31.12.2011, a Reclamante dispunha a 31.12.2010 de um ativo no valor de € 73.178.259,14, face a um passivo de € 68.410.038,50, tendo sido o seu resultado liquido do período de - € 1.204.801,47. Apresenta, ainda, um rácio de autonomia financeira (capital próprio/ativo líquido) de 8%, e um rácio de solvabilidade total (fundos próprios/fundos alheios) abaixo dos 50%. Situação esta que se agravou em 2011, com o decréscimo do ativo para € 64.170.837,51 e o passivo a encontrar-se nos € 62.172.799,01, e um resultado líquido do exercício de - € 2.762.557,74 (valores provisórios).

As razões apontadas pela Reclamante para justificar a situação patrimonial e financeira em que se encontra foram as seguintes:

• Os diferentes bens do activo e os seus stocks de vinhos já se encontram oferecidos como garantia do financiamento realizado pela L... para ocorrer às responsabilidades vencidas da C...;

• A alienação de bens imóveis de que era proprietária, em 2005 e 2006, ocorreu no âmbito da reestruturação do grupo de sociedades em que actualmente se insere;

• Desde então, não se tem verificado qualquer venda de património da C....

Esta factualidade – que resultou provada – demonstra que a diminuição do valor dos seus activos fixos tangíveis (imóveis, maquinaria, equipamento de escritório, etc.) não resultou de uma actuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores.

Todavia, não foram alegados, nem demonstrados os motivos que conduziram ao depauperamento da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos que vem apresentando, da ordem dos milhões de euros.

É certo que na PI, em sede de alegação (a título subsidiário) de prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia, a Reclamante esboça uma possível razão para a situação de fragilidade financeira em que se encontra: a existência de créditos que, por força do incumprimento generalizado por parte de muitos clientes e das sucessivas insolvências de clientes seus com que a C... se depara, se vêm revelando incobráveis.

Ora, pese embora as dificuldades de cobrança e sucessivas insolvências verificadas no território nacional e a necessidade com que a C... se tem deparado de reclamar os seus créditos em processos de insolvência de alguns clientes seus (cujo resultado, aliás, se desconhece), o certo é que não resultou provado que a Reclamante não tem conseguido cobrar grande parte dos seus créditos sobre clientes -cfr. factos não provados e respectiva motivação.

(…)

Em suma, ficaram por demonstrar as razões que estão subjacentes à situação económica e financeira e aos resultados operacionais negativos que a Reclamante vem apresentando, bem como eventuais medidas de gestão que poderiam ter sido desenvolvidas no sentido de obter a inversão dessa situação, pelo que não pode o Tribunal concluir que a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante.

A Recorrente, no recurso apresentado, vem desenvolver a argumentação já anteriormente expendida na p.i. de reclamação, aludindo à inexistência de património (cfr. conclusão HH.), à falta de receitas e liquidez (cfr. conclusão II.), ao decréscimo de vendas (cfr. conclusão JJ.), à cobrança de dívidas por parte de diferentes instituições bancárias (cfr. conclusão LL.) e à existência de créditos incobráveis (cfr. também conclusão II.); tudo como melhor aglutinado na conclusão OO. do recurso, a qual se transcreve: “Da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo resultaram claras as causas da insuficiência de bens apontada pelo Serviço de Finanças de Tondela (a inexistência de bens imóveis, a falta de receitas e liquidez, a diminuição de vendas, a manutenção de garantias noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44, o penhor constituído sobre os seus bens ou a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições), causas estas que, manifestamente, não são imputáveis à C..., porquanto decorrem das contingências do mercado e do actual contexto económico.” Daqui retira a conclusão de que as causas de insuficiência de bens não lhe são imputáveis, procurando alicerçar-se inclusive na matéria de facto dada como provada.

Ora, a sentença recorrida procedeu à análise dos elementos documentais carreados para os autos e, como se transcreveu supra, cuidou de verificar que do balanço de 2010 e do balanço provisório em 31.12.2011, a Reclamante dispunha a 31.12.2010 de um activo no valor de EUR 73.178.259,14, face a um passivo de EUR 68.410.038,50, tendo sido o seu resultado líquido do período de – EUR 1.204.801,47. Mais consignou o rácio apurado de autonomia financeira (capital próprio/ativo líquido) de 8%, e o rácio de solvabilidade total (fundos próprios/fundos alheios) abaixo dos 50%. Situação esta que se agravou em 2011, com o decréscimo do activo para EUR 64.170.837,51 e o passivo a encontrar-se nos EUR 62.172.799,01, e um resultado líquido do exercício de - EUR 2.762.557,74.

Após apreciar as razões apontadas pela ora Recorrente para justificar a sua situação patrimonial e financeira, devidamente identificadas na sentença, a Mma. Juiz do TAF de Viseu veio a concluir que, apesar de a diminuição do valor dos seus activos fixos tangíveis (imóveis, maquinaria, equipamento de escritório, etc.) não ter resultado de uma actuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores, certo é que não haviam sido demonstrados os motivos que conduziram ao depauperamento da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos que vem apresentando, da ordem dos milhões de euros. E quanto à justificação aventada pela ora Recorrente relativa à existência de créditos que, por força do alegado incumprimento generalizado por parte de muitos clientes e das sucessivas insolvências de clientes seus com que a C... se depara, se vêm revelando incobráveis, a Mma. Juiz do Tribunal a quo concluiu que não resultou provado que a Reclamante, ora Recorrente, não tinha conseguido cobrar grande parte dos seus créditos sobre clientes (cfr. factualidade não provada).

E não se vê razão válida para dissentir do assim decidido.

Verificada a alegação inicial da ora Recorrente e compulsado o probatório fixado, temos que efectivamente não foram alegados e não vêm demonstrados cabalmente os motivos que conduziram aos resultados operacionais negativos. Com efeito, na douta p.i. de reclamação apresentada a Recorrente avança como justificação principal a reestruturação do grupo de sociedades em que se insere (ocorrida nos anos de 2005 e 2006), com a alienação dos bens imóveis de que era proprietária. Centralidade do tópico – contexto da alienação dos imóveis efectuada em 2005 e 2006 - que é reforçado pela leitura das alegações apresentadas em 1.ª Instância pela ora Recorrente.

Ora, sobre essa causa justificativa não divergiu o Tribunal a quo – que a acolhe expressamente. Sucede que, na perspectiva do Tribunal a quo, e acertadamente, importava alegar e depois provar – ónus de alegação e de prova – razões objectivas e factualidade em que se pudesse alicerçar a conclusão de que o depauperamento da situação financeira global da ora Recorrente não lhe era efectivamente imputável. E para tal não basta alegar, como a ora Recorrente faz na douta p.i. de reclamação que “não foram praticados, por parte da C..., quaisquer actos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, apenas se revelando manifestamente insuficiente tudo aquilo que tem à sua disposição no seu activo patrimonial” (cfr. Art. 66.º da p.i.). Sempre a mesma careceria de concretização e de suporte documental pertinente, pois que a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova do facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo (v. supra; cfr. i.a. o Acórdão do STA de 9.12.2009, proc. nº 3621/09).

Por outro lado, contrariamente ao que a Recorrente sustenta (para arguir a nulidade da decisão – v. supra), dos pontos 14, 16, 21, 25, 30 e 33 da matéria assente não se retira necessariamente a conclusão da prova da sua falta de culpa. Tal factualidade não colide com a conclusão alcançada de não ter ficado demonstrado que o depauperamento da situação financeira global da ora Recorrente não lhe era efectivamente imputável. Esses factos serviram, como se refere na sentença recorrida, para “justificar” a diminuição dos activos tangíveis, mas são, no entanto, parcos para explicar o depauperamento da situação financeira global da Recorrente.

Por outro lado ainda, como também assinala a Mma. Juiz do TAF de Viseu, não identifica a ora Recorrente qualquer medida de gestão que tivesse sido desenvolvida no sentido de obter a inversão da grave situação económica e financeira em que alegadamente se encontra. Neste domínio poderia a Recorrente ter procurado demonstrar na reclamação apresentada que havia desenvolvido actividade de gestão dos seus recursos no sentido de obter a inversão da situação de fragilidade económica e financeira e de melhoria dos resultados operacionais, o que não ensaiou sequer efectuar (sobre a questão da alegação e prova de factos positivos susceptíveis de indiciar a irresponsabilidade do executado na insuficiência património, concretamente pela adopção de medidas tendentes ao reforço das garantias dos credores, vide o acórdão deste TCAN de 14.03.2013, proc. n.º 997/12.8BEPRT).

Por fim, se bem lemos as conclusões de recurso, pretende ainda a Recorrente atribuir como causa da insuficiência económica as contingências da conjuntura desfavorável da economia (conclusão OO., in fine). Porém, e para além de tal não vir minimamente concretizado (isto é, em que medida o contexto económico, dir-se-á nacional e internacional atendendo à actividade comercial desenvolvida, penalizou a sociedade), tal questão assume-se como questão nova, insusceptível de ser por este Tribunal conhecida.

Na verdade a invocação de “facto novo” – que no caso se consubstancia na alegação do contexto económico desfavorável – produzido ou alegado após a prolação da decisão, como no caso acontece, constitui aquilo que tecnicamente se designa por “questão nova” (sobre esta temática, vide Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed. revista, 2010, p. 103 e s.).

E como a jurisprudência uniformemente tem afirmado, os recursos são meios de obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Dito de outro modo, os recursos visam a modificação das decisões recorridas e não a criação de decisões sobre matérias novas (art. 676.º do CPC), isto é, pela invocação de fundamentos que não tenham sido abordados na decisão recorrida (cfr., i.a., os Acórdão do STA de 28.11.2012, recurso n.º 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC, todos in www.dgsi.pt.). Assim, por regra, não podem neles ser tratadas questões novas, salvo aquelas de conhecimento oficioso, que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido e que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada. E a questão (só) agora suscitada, não constitui matéria de conhecimento oficioso, pois que como refere Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Comentada e anotada, 3.ª ed., 2003, p. 512, em anotação ao art. 99.º da LGT: “a oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar aos factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e do ónus de alegação dele decorrente ou aos factos cujo conhecimento esteja também oficiosamente permitido (caducidade do direito de impugnar, prescrição da dívida tributária, factos notórios, factos conhecidos por virtude do exercício das suas funções)”.

Motivos estes que determinam a improcedência da conclusão da alegação que contempla esta matéria.

Pelo que improcede igualmente nesta parte o recurso e assim na sua totalidade.

Consequentemente, não padecendo esta dos vícios que lhe vêm assacados, é de manter a sentença recorrida que julgou improcedente a reclamação interposta do despacho do Chefe de Finanças de Tondela de indeferimento do pedido dispensa de prestação de garantia formulado pela ora Recorrente.



III. Conclusões

Sumariando:

i) São pressupostos da dispensa da garantia a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis, que essa inexistência ou insuficiência de bens não seja da responsabilidade do executado e que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou seja manifesta a sua falta de meios económicos para a prestar (art. 52.º, n.º 4, da LGT);

ii) É sobre quem requer a dispensa da prestação da garantia que recai o ónus de invocar e provar os factos que integram os pressupostos respectivos, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que aquele pretende ver reconhecido (art. 74.º, n.º 1, da LGT, art. 342.º do C. Civil e art. 170.º, n.º 3, do CPPT);

iii) A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova do facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo;

iv) Não demonstra que a insuficiência ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado, a sociedade que não aduz factualidade justificativa do depauperamento sucessivo da sua situação financeira global, revelada pelos resultados líquidos operacionais negativos.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 18 de Outubro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves