Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00041/19.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/07/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADICIONAL DO IMI, INCIDÊNCIA, INCONSTITUCIONALIDADE, PRÉDIOS HABITACIONAIS AFECTOS A ACTIVIDADE COMERCIAL DE PESSOA COLECTIVA
Sumário:I – Inexiste base legal que permita concluir que, salvo quanto às situações previstas no n.º 3 do artigo 135.º-A, do Código do IMI, os prédios habitacionais e os terrenos para construção, na acepção do artigo 6.º do mesmo Código, que se encontrem afectos a actividades económicas das pessoas colectivas fiquem excluídos da incidência do Adicional do IMI.

II – Como resulta da interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, de 21/05/2019, tirado em Plenário e por unanimidade, o artigo 135.º- B, n.º 2, do Código do IMI, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, nem por violação do princípio da capacidade contributiva. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da incompetência em razão de hierarquia deste TCAN.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

I., S.A., contribuinte fiscal n.º (…), com sede na Rua (…), (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em 30/09/2019, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação n.º 2018.009499411, relativa ao Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), do ano 2018, no montante total de €27.309,91.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1) O Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K e, através dele, o legislador pretendeu unicamente criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estão nem estarão sujeitos a tributação em AIMI;
2) A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
3) Da conjugação dos fundamentos legais para a criação deste imposto do AIMI, com a atividade económica da Recorrente que afeta todos os imóveis tributados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede de AIMI, à sua atividade social com escopo lucrativo, decorre que a Recorrente não pode ser considerada contribuinte para efeito da tributação do AIMI.
4) Para efeitos da aplicação do AIMI, apenas tem a qualidade de contribuinte, o contribuinte que destina o imóvel que é objeto do AIMI, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade produtiva, profissional ou lucrativa;
5) Não é contribuinte, para efeitos da tributação em AIMI, quem constrói e ou compra o imóvel com o escopo de revenda;
6) Só é contribuinte, para efeitos de tributação em AIMI, o não profissional ou comercial do ramo imobiliário, ou seja, o que não tem atividade empresarial, profissional ou comercial de construção, compra e revenda de imóveis e o que, com a compra, visa um objecto imediato do prédio ou a fracção, como será o escopo de o arrendar, ou de nele habitar;
7) O contribuinte que integra o conceito de proprietário, para efeitos de tributação em AIMI, é o utilizador final do bem imóvel, ou seja, o que visa com o imóvel, a satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) ou outros fins que não integram uma atividade económica desenvolvida de forma continuada, regular e estável;
8) Não reveste o conceito de contribuinte, para efeitos da tributação em AIMI, a sociedade (como é o que acontece com a Recorrente) que constrói ou adquire imóveis que destina a usar como mercadoria ou matéria-prima na prossecução do escopo lucrativo da empresa ao vendê-los ou a revendê-los;
9) O conceito de contribuinte para efeito da tributação em sede do AIMI consagra as situações em que a pessoa física ou coletiva do bem imóvel sujeito à tributação do AIMI, adquiriu o bem imóvel para uso privado, ou seja, o seu uso pessoal, familiar ou doméstico, destinando-o a satisfazer as necessidades pessoais e familiares do contribuinte,
10) Mas tal conceito já não abrange as situações em que o contribuinte (pessoa física ou sociedade) obtém ou utiliza os bens imóveis, como mercadoria ou matéria-prima visando o escopo lucrativo na satisfação das necessidades económicas da sua atividade produtiva, comercial ou profissional da pessoa física ou empresa.
11) O contribuinte sujeito à tributação do AIMI contrapõe-se à situação concreta da Recorrente pois o contribuinte sujeito à tributação do AIMI não constrói ou compra um imóvel para o integrar no exercício corrente e diário da sua atividade comercial.
12) O artigo 135.º-B do Código do IMI deve ser interpretado com o sentido de que não releva para efeitos do AIMI o valor tributável dos terrenos para construção que são destinados ao comércio da Recorrente-impugnante e que não se destinam a habitação a construir pela Recorrente-impugnante, em coerência com a opção legislativa de excluir da incidência os prédios classificados como «comerciais, industriais ou para serviços».
13) O artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP), diz que “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” e que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”
14) Ora, os prédios e os terrenos para construção da Recorrente-impugnante, são simples instrumento da atividade desta sociedade, a qual, inclusive, devido aos problemas decorrentes da crise económica ocorrida em Portugal desde 2011, teve, para poder sobreviver que recorrer a um processo especial de revitalização, o qual correu termos no 3º. Juízo Cível do Tribunal Judicial de…., tendo o processo o nº….., no qual ainda está integrada e a ter que cumprir a impugnação do plano de recuperação aprovado no processo, (o que tem vindo a fazer), processo este que é do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, por virtude desta ter intervindo como Reclamante no processo.
15) Na base da criação do AIMI, o legislador considerou que “a titularidade de um património imobiliário de valor elevado evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57)”
16) Por inexistência de inclusão da Recorrente-impugnante no âmbito do dito Adicional ao IMI que foi criado, está-se perante uma situação de Inexistência do imposto perante a Recorrente-impugnante, por virtude da atividade desta não preencher os requisitos essenciais para a integração da Recorrente-impugnante nos parâmetros do imposto criado;
17) Por virtude da Recorrente-impugnante não integrar todos os requisitos essenciais à determinação da contribuinte desse imposto, ocorre a nulidade do ato de liquidação e de cobrança pela AT do Adicional ao IMI do ano de 2018, controvertido, já que não é devido pela Recorrente-impugnante o pagamento de qualquer quantia, a título de Adicional ao IMI do ano de 2018.
18) O Senhor Juiz a quo na sentença que proferiu, violou o disposto nos artigos 135º - A, 135º-B e 135-F do CIMI, artigos 9º-1 e 1253º do Código Civil, artigos 13º, 103º e 286º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exªs sabiamente saberão suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida, com as consequências legais.
J U S T I Ç A”
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A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de este Tribunal Central Administrativo Norte ser incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer o presente recurso, dado que as conclusões do mesmo versam unicamente sobre matéria de direito. Concluindo que a competência para dele conhecer cabe à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado improcedente a impugnação judicial, por ter considerado que o acto de liquidação do Adicional ao IMI não enferma do vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, nem viola normas constitucionais.
Previamente às questões que constituem o objecto do presente recurso jurisdicional, importa apreciar da competência deste Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do presente recurso, pois que o seu conhecimento precede o de qualquer outra [artigos 16.º do CPPT, 96.º e 97.º do CPC].

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A impugnante é uma sociedade comercial que se dedica à venda de imóveis – artigo 11º da p.i., não contestado;
2. Para o exercício dessa atividade, a impugnante adquire imóveis e revende-os no mesmo estado - artigos 15º, 24º, 25º, 28º da p.i., não contestado;
3. Além disso, a Impugnante também constrói prédios para venda – artigo 52º p.i., não contestado;
4. No exercício efetivo dessas atividades a Impugnante é titular (em 2018) de diversos prédios urbanos, discriminados na liquidação de fls. 41 e 42, situados em diversas freguesias e concelhos, com o valor patrimonial global de € 6.827.477,56 – fls. 41 e 42 do suporte físico;
5. Em 30/6/2018 a AT efetuou a liquidação nº 2018.009499411, no montante total de € 27.309,91, relativa a AIMI do ano 2018, a pagar voluntariamente até 30/9/2018 – fls. 25 do suporte físico;
6. Em 20/12/2018 foi enviado, sob registo postal, para o Serviço de Finanças de (...)- 2, a petição inicial da presente impugnação – vinheta colada no canto superior esquerdo de fls. 5, e seguintes, do processo físico;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
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4 – Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.º 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.º 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.”

2. O Direito

Tendo sido suscitada pelo Ministério Público a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria – cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT).
A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT).
Resulta do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que a Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do T.C.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.
Ora, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Por outro lado, é sabido que, nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida oficiosamente da incompetência do T.C.A. “ad quem” em razão da hierarquia.
O S.T.A. tem entendido que, para determinação da competência hierárquica, em face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do E.T.A.F. e artigo 280.º, n.º 1, do C.P.P.T., o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. E que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
A identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
Da leitura das conclusões de recurso, que acima ficaram transcritas e que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, resulta a invocação de factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. Referimo-nos, especificamente, à matéria vertida na conclusão 14) das alegações de recurso - Ora, os prédios e os terrenos para construção da Recorrente-impugnante são simples instrumento da atividade desta sociedade, a qual, inclusive, devido aos problemas decorrentes da crise económica ocorrida em Portugal desde 2011, teve, para poder sobreviver que recorrer a um processo especial de revitalização, o qual correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de…, tendo o processo o n.º…., no qual ainda está integrada e a ter que cumprir a impugnação do plano de recuperação aprovado no processo, (o que tem vindo a fazer), processo este que é do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, por virtude desta ter intervindo como Reclamante no processo.
Assim, é ponto assente que, no âmbito das conclusões acima descritas, e relativamente à questão que delimita o objecto do recurso, é posta em causa a factualidade dada como provada, apontando para insuficiência da mesma. O que significa que existe controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
De todo o exposto decorre que o recurso interposto nos autos não tem exclusivo fundamento em matéria de direito. Pelo que improcede a excepção invocada pelo Ministério Público junto deste tribunal.

Vejamos, então, como a Recorrente sustenta, nas suas alegações de recurso, o alegado erro de julgamento.
Apesar de afirmar que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 135.º - A, 135.º-B e 135.º-F do Código do IMI, artigos 9.º-1 e 1253.º do Código Civil, artigos 13.º, 103.º e 286.º da Constituição da República Portuguesa. A verdade é que a Recorrente se limita a reiterar os argumentos escolhidos na petição de impugnação, insistindo não poder ser considerada contribuinte para efeito da tributação do Adicional ao IMI (AIMI).
A Recorrente alega, em síntese, que a liquidação é ilegal por erro na interpretação e aplicação do artigo 135.º-B do Código do IMI aos prédios detidos pelas empresas, como a da Recorrente, que se dedicam a actividades imobiliárias (construção para venda e compra para revenda), incluindo sobre terrenos para construção, porque esses bens são detidos por essas empresas como “matérias-primas” ou como “mercadorias”, e não como fortuna apropriada, pelo que estão fora do campo de sujeição ao imposto, e que tal aplicação da lei viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP e implica a imposição de uma obrigação violadora do artigo 103.º da mesma Constituição.
A Recorrente considera que a liquidação é ilegal e inconstitucional, porque a sujeição ao AIMI, no caso das empresas – como a Recorrente - que exercem actividades imobiliárias (construção, compra/venda, de imóveis) não se aplica a prédios afectos a essas actividades, sob pena de violação do princípio da igualdade ou da capacidade contributiva.
Nessa tese, não estão sujeitos ao “Adicional ao IMI” os prédios cuja detenção é instrumental do exercício da actividade (construção ou revenda), porque o legislador assim o quis, referindo-se autonomamente a “prédios detidos por pessoas colectivas” (artigo 135.º-F do CIMI) e a “pessoas colectivas que sejam proprietários” (artigo 135.º-A do CIMI), e, porque tal liquidação discrimina negativamente as actividades imobiliárias, já que estas serão tributadas pela mera detenção de matérias-primas ou mercadorias, que não demonstra especial abastança nem constitui factor demonstrador de riqueza ou capacidade contributiva dos titulares desses imóveis. Desse erro resultaria a inexistência do facto tributário e de imposto e a violação do artigo 103.º da CRP.
O Adicional ao IMI é um imposto estadual (e não um imposto municipal) e um imposto com a receita consignada, uma vez que, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI, o Adicional ao IMI, deduzido dos encargos de cobrança e da previsão de deduções à colecta de IRS e de IRC, constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
Vejamos com mais detalhe o regime do AIMI, tendo em vista melhor compreender a falta de razão - antecipamos - da Recorrente.
Através da Lei n.º 42/2016, de 28/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2017) foi aditado ao Código do IMI um novo capítulo XV, com os artigos 135.º-A a 135.º-K, criando o “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (AIMI), para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2017.
Do referido regime, com relevância para a apreciação da matéria do presente recurso, destacam-se os números 1 a 3 do artigo 135.º-A, que define a incidência subjectiva do tributo em causa, nos seguintes termos:
“1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.”
Estabelecendo o n.º 2 que “2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas colectivas quaisquer estruturas ou centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.”
Segundo o n.º 3 do mesmo artigo, “3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de Janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.”
A incidência objectiva do AIMI encontra-se estabelecida no artigo 135.º-B do Código do IMI, cujo n.º 1 estabelece que este tributo recai “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”.
Conforme prevê o n.º 2 do referido artigo, são excluídos da incidência objectiva deste Adicional "os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código".
A taxa aplicável, quando o sujeito passivo seja uma pessoa colectiva, é, em geral, de 0,4% - cfr. Código do IMI - artigo 135.º-F, n.º 1.
Conforme decorre do disposto nos artigos 135.º-G e 135.º-H, do Código do IMI, é atribuída à AT a competência para a liquidação do AIMI, devendo esta efectuar-se anualmente, no mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de Janeiro de cada ano. O pagamento deve ser efectuado até ao final do mês de Setembro.
Vejamos o âmbito da exclusão tributária prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI:
Remete o mesmo, no tocante à classificação dos prédios excluídos da incidência, para os critérios do artigo 6.º do Código do IMI.
Este artigo define as espécies de prédios urbanos nos seguintes termos:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a). Habitacionais;
b). Comerciais, industriais ou para serviços;
c). Terrenos para construção;
d). Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
Não podemos deixar de lembrar a redacção que constava da proposta de Lei do Orçamento para o n.º 2 do artigo 135.º-B: “ 2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie "industriais", bem como os prédios urbanos licenciados para a actividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.”
No entanto, a redacção que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua actividade económica.
Aliás, o regime que veio a ser aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, afasta-se, em alguns aspectos, do que constava da proposta inicial.
Com efeito, referia a proposta do Orçamento de Estado para 2017:
As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IEC’s e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada.
A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. (...)
A tributação progressiva do património imobiliário
O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.
Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.
Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio. (...)
Porém, a delimitação negativa do âmbito de incidência do AIMI que viria a ser aprovada não toma como base a actividade a que os prédios urbanos estão afectos, antes definindo-se por referência às espécies elencadas no artigo 6.º do Código do IMI, independentemente da sua afectação à actividade económica empresarial.
É, pois, manifesto ter sido abandonada a intenção de afastar a incidência do AIMI relativamente aos imóveis afectos à actividade económica das pessoas colectivas relevando, unicamente, para o efeito, as classificações decorrentes daquele preceito do Código do IMI.
Inexiste, assim, base legal que permita concluir que, salvo quanto às situações previstas no n.º 3 do artigo 135.º-A, do Código do IMI, os prédios habitacionais e os terrenos para construção, na acepção do artigo 6.º do mesmo Código, que se encontrem afectos a actividades económicas das pessoas colectivas fiquem excluídos da incidência do AIMI.
Nestes termos, embora a Recorrente se dedique a actividades imobiliárias, deve ser considerada contribuinte para efeito da tributação do AIMI.
Como se afirma na sentença recorrida, que aqui se reitera, o AIMI incide apenas sobre sujeitos passivos que são titulares dos maiores patrimónios imobiliários, porque essa titularidade revela que são eles os possuidores da maior capacidade contributiva. E, ninguém se atreve a negar, que as matérias-primas e as mercadorias, integradas no activo patrimonial das empresas, também constituem – elas próprias – pelo seu valor intrínseco e potencial – “riqueza” e traduzem “fortuna” ou “abastança” do seu detentor legítimo.
Ora, a tributação da capacidade contributiva não contende, só por si, com o direito de iniciativa económica privada nem implica discriminação negativa, até porque o AIMI não incide apenas sobre empresas nem sequer apenas sobre pessoas colectivas, cumprindo os preceitos legais e constitucionais relativos à criação de impostos.
Além disso, a baixa taxa aplicável (0,4%), conforme artigo 135º-F do Código do IMI, e o mecanismo de dedução do tributo à matéria tributável do IRC, conforme artigo 135º-J do Código do IMI constituem sistemas de atenuação do efeito económico da tributação. No caso das pessoas singulares o mesmo efeito é alcançado, apesar da sujeição a uma taxa mais elevada (0,7%), através da dedução (à base tributável) prevista no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI.
Acresce não se poder reconhecer qualquer razão à Recorrente quando assinala a existência de uma distinção essencial, efectuada pelo legislador nos artigos 135.º-A e 135.º-F do Código do IMI, entre a sujeição dos proprietários e a não sujeição dos meros detentores. Na realidade, parece evidente não ser esse o conteúdo e o sentido das normas em causa - até porque ambas apontam no sentido da sujeição a tributação. A norma contida no artigo 135.º-F, n.º 3, do Código do IMI (“O valor dos prédios detidos por pessoas coletivas afetos a uso pessoal dos titulares do respetivo capital, dos membros dos órgão sociais ou de quaisquer órgãos (…), fica sujeito à taxa de 0,7%, sendo sujeito à taxa marginal de 1% para a parcela do valor que exceda o valor de um milhão de euros”) não pretende referir-se aos casos de mera detenção, precária ou em nome de outrem, mas à detenção definitiva e em nome próprio, em termos idênticos aos que determinam a sujeição a tributação em IMI, atributivos da titularidade da propriedade do prédio, como resulta do contexto do “capítulo XV”, e em particular da “Secção I - Incidência”, em que se enquadra sistematicamente.
Não está em causa a “afetação” de compartimentos individuais ou partes não autónomas do prédio, de acordo com a vontade ou intenção do proprietário, mas a “qualificação” ou “classificação” atribuída a todo o prédio, como unidade predial autónoma, nos termos do artigo 6º, n.º 1, do Código do IMI, a aferir de acordo com a licença relativa ao prédio ou tendo em conta o destino normal desse prédio, no seu todo.
Vejamos, agora, a alegação da Recorrente no sentido de os seus prédios e os seus terrenos para construção serem simples instrumento da actividade desta sociedade, frisando que, devido aos problemas decorrentes da crise económica ocorrida em Portugal desde 2011, teve, para poder sobreviver, que recorrer a um processo especial de revitalização, o qual correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de…, tendo o processo o n.º…., no qual ainda está integrada e a ter que cumprir a impugnação do plano de recuperação aprovado no processo.
Também quanto a este aspecto, embora tal circunstancialismo não conste da decisão da matéria de facto, o daremos de barato equacionando a questão, confirmamos a decisão do tribunal recorrido, pois o facto de o sujeito passivo atravessar dificuldades económicas ou financeiras não altera os pressupostos legais, que são gerais e abstractos, que determinam a sua sujeição à tributação e o qualificam como “sujeito passivo”.
As restantes questões colocadas situam-se na apreciação da eventual inconstitucionalidade das normas do artigo 135.º-B, do Código de IMI, designadamente do seu n.º 2, que seriam de desaplicar, na medida em que na delimitação negativa da incidência tributária aí definida se não contêm os prédios habitacionais e os terrenos para construção detidos por pessoas colectivas no âmbito da sua actividade empresarial, enquanto que, diversamente, nela se integram todos os restantes prédios urbanos “classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”
A Recorrente ao apontar para a violação do artigo 13.º da CRP teria em vista alertar para a criação, sem qualquer fundamento, de uma desigualdade no plano material entre as empresas que tenham decidido prosseguir uma actividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja actividade não decorra da detenção de imóveis. Estando legalmente criadas as condições para a constituição de situações de desigualdade material entre a Recorrente e empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma actividade comercial, industrial ou de prestação de serviços.
Tanto a sentença recorrida, como outros arestos, nomeadamente o Acórdão do STA, de 17/12/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2143/18.5BEPRT, chamaram à colação decisões do Tribunal Constitucional sobre questão essencialmente idêntica, abstendo-nos de aqui efectuar a mesma transcrição que já consta da decisão “a quo”.
A questão suscitada pela Recorrente para fundamentar a inconstitucionalidade das normas e a consequente ilegalidade da liquidação, foi já analisada e tratada em diversos processos de fiscalização concreta na jurisprudência constitucional, a saber:
i) no acórdão n.º 299/19 (tirado com a intervenção do Plenário, nos termos do artigo 79.º.-A da Lei do Tribunal Constitucional), no qual se decidiu, por unanimidade, “Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI, os «terrenos para construção» com fins de comércio, indústria, serviços ou outros”;
ii) no acórdão n.º 306/219, onde se decidiu “Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 135.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aditado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, no segmento em que sujeita a tributação em adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) a propriedade de terrenos para construção pertencentes a empresas que têm por objeto a comercialização de imóveis”;
iii) no acórdão n.º 307/2019, onde se decidiu “Não julgar inconstitucional a norma extraível do artigo 135.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aditado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, no segmento em que sujeita a tributação em adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) a propriedade de prédios destinados à habitação e de terrenos para construção de prédios destinados à habitação, pertencentes a empresas que têm por objeto a comercialização de imóveis”;
iv) no acórdão n.º 399/2019, onde se decidiu “não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 135.º B, n.º 2, com o artigo 6.º, n.º 1, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, segundo a qual a exclusão da incidência objetiva do adicional ao imposto municipal sobre imóveis abrange os prédios urbanos para serviços mas já não os terrenos para construção, cuja afetação prevista dos edifícios a construir seja para serviços”;
v) no acórdão n.º 530/2019, onde se decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros”;
vi) e o acórdão n.º 544/19, onde também se decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 135.º-A do Código do IMI, interpretado no sentido de incluir, no âmbito de aplicação subjetiva do imposto, entidades que detêm património imobiliário como consequência inevitável da atividade económica que desenvolvem” e, ainda “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros”.
Tem existido, pois, unanimidade da jurisprudência do Tribunal Constitucional no entendimento de que as normas cuja conformidade constitucional aqui nos cumpre apreciar não violam as normas e os princípios constitucionais da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva. Um juízo que é também acolhido pelos subscritores da tese da inconstitucionalidade da verba 28 do Código do Imposto de Selo, como resulta expresso da declaração de voto que acompanha o acórdão n.º 299/2019.
Nestes arestos, de entre os quais aqui tomamos como referência, para fundamentação por remissão, o primeiro - o acórdão n.º 299/2019, também escolhido pelo tribunal recorrido -, a tese sufragada pelo Tribunal Constitucional é, essencialmente, a de que não existe violação do princípio da igualdade por três razões:
i) primeiro, porque a questão da desigualdade tem de ser analisada entre os grupos homogéneos e não entre a universalidade dos titulares de bens imóveis, uma vez que a incidência do imposto se baseia (como destaca a Recorrente) na desoneração de uma parte dos imóveis, ou seja, na isenção reconhecida aos “prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros»” e, nessa medida, “a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério (…) Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais”;
ii) segundo, porque a diferenciação decorrente da mencionada norma de incidência consubstancia uma medida de política económica («evitar o impacto deste imposto na atividade económica») ínsita na estrutura interna do tributo e “Para prosseguir aquele objetivo de política económica, é patente que a exclusão tributária não se apresenta inadequada, desnecessária ou excessiva, já que o desagravamento tributário constitui um dos instrumentos de política fiscal com aptidão e capacidade para prosseguir o objetivo de proteção e estímulo das atividades económicas visadas. Com efeito, a proteção do comércio, assim como das indústrias, dos serviços ou outras atividades económicas, é um interesse extrafiscal que se pode revelar de maior grandeza do que os ganhos obtidos por via da arrecadação da receita do AIMI (…) Não significa isso, porém, que o legislador se tenha proposto afastar a tributação em AIMI de todas as atividades económicas, ou que o tenha feito em função da natureza dos sujeitos passivos, visando afastar o impacto do tributo nas entidades cujos ativos integrem prédios urbanos, mormente nos sujeitos de natureza empresarial”;
iii) terceiro, porque o “racional da delimitação da incidência do imposto em pauta não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas sim, tal como no IMI, da afetação social do prédio urbano”, o que explica que a isenção abranja todos os prédios com afectação comercial e para serviços (para não onerar as actividades económicas) e não apenas aqueles de valor inferior a 600.000,00€.
Sustenta também aquela jurisprudência do Tribunal Constitucional que inexiste violação do princípio da capacidade contributiva na medida em que o “facto tributário do AIMI recai sobre realidade económica relevante, pois a titularidade de um prédio imóvel urbano constitui, em si mesma, uma manifestação de riqueza - e uma riqueza determinável, por lhe ser social e juridicamente atribuído um valor de mercado -, revelando uma especial pujança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, que potencia posição negocial no comércio jurídico em geral, em especial a capacidade de angariar meios de financiamento. Exprime uma abastança, que não se mostra por qualquer forma infirmada pela forma como foi obtida (permanece inalterada caso a titularidade de direitos sobre prédios urbanos seja adquirida por ato oneroso ou gratuito), ou pela sua afetação a uma atividade económica, que pode ou não gerar lucro”. Essa capacidade contributiva é aferida pelo limiar dos 600.000,00€ do valor patrimonial tributável.
E no aresto que vimos de citar, o Tribunal Constitucional esclarece também que o facto tributário que subjaz ao adicional do IMI é “a riqueza diretamente revelada pela própria titularidade de um valor patrimonial” e não “o rendimento gerado pelo património imobiliário”, o que justifica a incidência do imposto sobre os fundos de investimento imobiliário.
Acresce que, embora nos arestos o Tribunal não tenha respondido directamente à questão da conformidade constitucional do artigo 135.º-A do CIMI “no sentido de incluir, no âmbito de aplicação subjectiva do imposto, entidades que detêm património imobiliário como consequência inevitável da actividade económica que desenvolvem”, é possível inferir da fundamentação expendida na apreciação da conformidade constitucional do n.º 2 do artigo 135.º-B, a sua posição sobre este tema.
Assim, entende aquela jurisprudência que a inconstitucionalidade que poderia decorrer da tributação das empresas que têm como actividade económica a compra e venda de prédios (e que muitos assinalavam à verba 28 do Código do Imposto de Selo) é neste caso solucionada pela aplicação das regras já existentes para o início da tributação em sede de IMI, ou seja, o imposto (neste caso também o adicional) só é devido a partir “do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda” e “do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda” [alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º, aplicáveis ex vi da alínea a), do n.º 3, do artigo 135.º-C todos do Código do IMI]. E tal basta para afastar a inconstitucionalidade desta tributação aplicada àqueles sujeitos passivos na medida em que aquele lapso de tempo é o suficiente e adequado para assegurar a neutralidade desta tributação sobre a referida actividade económica.
Assim, por todas as razões antes aduzidas, maioritariamente por remissão para a interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, fica afastada a violação das normas dos artigos indicados pela Recorrente e, com isso, a ilegalidade da liquidação impugnada; sendo forçoso negar provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I – Inexiste base legal que permita concluir que, salvo quanto às situações previstas no n.º 3 do artigo 135.º-A, do Código do IMI, os prédios habitacionais e os terrenos para construção, na acepção do artigo 6.º do mesmo Código, que se encontrem afectos a actividades económicas das pessoas colectivas fiquem excluídos da incidência do Adicional do IMI.
II – Como resulta da interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, de 21/05/2019, tirado em Plenário e por unanimidade, o artigo 135.º- B, n.º 2, do Código do IMI, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, nem por violação do princípio da capacidade contributiva.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 07 de Maio de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães