Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01012/06.6BEVIS-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:LEGITIMIDADE NO PROCESSO TRIBUTÁRIO DE TERCEIRO QUE PAGA NA EXECUÇÃO FISCAL A DÍVIDA EXEQUENDA;
Sumário:
I - O n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, em conjugação com o n.º 4 do mesmo preceito, concede legitimidade direta a qualquer pessoa que tenha interesse legalmente protegido no procedimento ou no processo tributário, dessa forma podendo ser parte numa qualquer ação tributária que vise satisfazer esse interesse legalmente protegido.

II - Nas situações em que terceiro tenha pago na execução fiscal a dívida tributária, que veio a ser anulada numa impugnação judicial, esse terceiro detém, legitimidade para intentar uma execução de julgado decorrente da anulação da dívida que tenha pago na execução fiscal.

III – Para que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 169.º do CPTA possa ser aplicada, é necessário que os titulares dos órgãos incumbidos da execução de julgado estejam nominalmente identificados de modo a poderem ser notificados e poderem ficar abrangidos pela decisão, assim como para eventualmente apresentarem uma causa justificativa para o atraso na execução do julgado.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


[SCom01...], EEM, interpõe recurso da sentença que absolveu da instância a Fazenda pública, por considerar a Exequente parte ilegítima para deduzir a presente execução de julgado em relação ao Acórdão proferido pelo TCA Norte na impugnação judicial de que esta execução depende.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A) A decisão que absolveu da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, em relação à recorrente, por considerar que esta constitui “um terceiro na relação jurídico-tributária, cuja protecção está circunscrita ao processo executivo onde ingressaram por sua livre e espontânea vontade” e que esta “não pode ser considerada parte legitima para a dedução da presente acção de execução de julgado” fez errada interpretação e aplicação da lei ao caso concreto.
B) O Tribunal a quo, através do acórdão em crise, considerou que a [SCom01...] não seria parte legítima nestes autos de execução, uma vez que, na sua interpretação do n.º 1 do art.º 9.º do CPPT, esta teria a sua legitimidade limitada ao processo de execução fiscal.
C) Contudo, a legitimidade da exequente [SCom01...] decorre de ter ficado sub-rogada em relação à exequente [SCom02...] por ter procedido ao pagamento da quantia exigida a esta em resultado de liquidações que foram objecto de impugnação judicial.
D) Decorre do artigo 9.º do CPPT terem legitimidade no processo judicial tributário, além da AT, os contribuintes incluindo substitutos e responsáveis (solidários e subsidiários), outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais, quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, o Ministério Público e o Representante da Fazenda Pública, sendo que o n.º 1 do artigo 30.º do CPC (aplicável ex vi al. e) do artigo 2.º do CPPI) prevê que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção.
E) A legitimidade da aqui Recorrente decorre igualmente do art.º 100.º da LGT.
F) Face à procedência da impugnação judicial, a [SCom01...] passou a constituir parte legítima no processo executivo através do qual se promove a execução da sentença proferida naquele processo, porque, tendo-se sub-rogado no pagamento da quantia à AT, e tendo o tribunal declarado que o pagamento foi ilegal e indevido, a restituição passou a ser devida à [SCom01...], e não à [SCom02...].
G) Como entende a doutrina, “a legitimidade processual do sub-rogado assentará na titularidade do direito que lhe é conferido pelo art. 100.º da LGT, enquadrando-se, por maioria de razão, entre os tipos de sujeitos processuais previstos no art. 9.º do CPPT, que reconhece legitimidade procedimental e processual a quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” (Lopes de Sousa, ob. cit., p. 753).
H) O conceito de interessado naqueles autos de execução deverá abranger todos os que possam ser directamente afectados, positiva ou negativamente, pelo que se possa decidir na execução de julgados, pelo que, tendo a [SCom01...] pago por sub-rogação a dívida exequenda relacionada com as liquidações anuladas no processo de impugnação judicial, é evidente que tem interesse na execução do julgado anulatório e na reconstituição da situação que existiria se as liquidações (ilegais) não tivessem sido emitidas, porquanto tal reconstituição acarreta a devolução das quantias por ela pagas no processo de execução fiscal.
I) A reconstituição da situação hipotética imposta pelo art.º 100.º da LGT deve ser feita na esfera da [SCom01...].
J) Assim, “numa situação deste tipo, o dever de plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, a que, por força do disposto no art. 100.º da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeite passivo, impõe que sejam eliminadas todas as consequências do acto ilegal, mesmo aquelas que se repercutiram em pessoa diferente do sujeito passivo”. (Lopes de Sousa, ob. cit., p. 752]
K) Intepretação diversa do n.º 1 do art.º 9.º do CPPT constituiria uma efectiva violação do direito da ora Recorrente de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o qual constitui um direito expressamente consagrado nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inconstitucionalidade que desde já se invoca.
L) No que concerne à indemnização por prestação de garantia devida, o Tribunal fez incorrecta apreciação dos elementos de prova carreados para o processo, porquanto deles resulta expressamente que foi a [SCom01...] que suportou as despesas da garantia apresentada pela [SCom02...] no âmbito do processo de execução fiscal.
M) Devia assim o Tribunal recorrido ter considerado provado, no mínimo, o dano de € 539,22.
N) Não é fundamento válido para o indeferimento do pedido de condenação dos titulares dos órgãos incumbidos de proceder à execução no pagamento da sanção pecuniária compulsória, nos termos peticionados pelas Exequentes, “o facto de não se retirar que a Executada não tenha intenção de proceder ao cumprimento da decisão judicial”, uma vez que o presente processo de execução foi instaurado em 15.10.2012, por a executada não ter dado cumprimento à decisão judicial transitada em julgado em 15.03.2012, tendo o prazo de execução espontânea da decisão terminado em 14.04.2012 e o fundamento substancial para a aplicação das sanções pecuniárias compulsórias é o de assegurar a efectividade das decisões judiciais, não só para o prestígio dos tribunais, como ainda no pressuposto da realização da justiça material e, também, na esfera administrativa, em especial, para garantia da tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes perante a Administração Fiscal;
O) É incontroverso que, findo o prazo limite estabelecido em sentença, a Entidade Requerida se encontra em incumprimento
Termos em que,
E nos melhores de Direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso jurisdicional ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento de direito, por violação do artigo 9.º do CPPT, por errada apreciação da matéria de facto e violação do disposto no are 176º, nº4 do CPTA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público não emitiu parecer, uma vez que a relação jurídico-material não se enquadra da defesa dos valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais (artigos 9.º, n.º 2, 85.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1 do CPTA).

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões de acordo com o disposto nos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA e dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608.º, n.º 2 do CPC, são as de saber se a Exequente é parte legítima ativa nesta execução de julgado dependente de uma impugnação judicial, em que a Exequente não foi parte ativa.

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Relativamente à matéria de facto, para conhecimento da exceção de legitimidade ativa, o tribunal, deu por assente o seguinte:

Com relevância para a decisão da presente excepção consideram-se provados, os seguintes factos:
1. Em 12/04/2005, foram emitidas as liquidações adicionais de juros compensatórios com o números ...14, ...87, ...32, ...88, ...39, ...47, ...55, ...68, ...70, ...71, ...72, ...65, ...67, ...68, ...71, ...74, ...76, ...79 e ...82, relativas respectivamente aos períodos de IVA 01/02/, 01/03, 01/04, 01/05, 01/06, 01/10, 01/12, 02/01, 02/03, 02/04, 02/05, 02/06, 02/08, 02/09, 02/12, 03/01, 03/02 e 03/06, no montante de €30.047,29, relativas ao sujeito passivo [SCom02...], SA, cfr. fls. 59/79 do PA apenso aos autos principais;
2. Em 04/08/2005, foi instaurado processo de execução fiscal n.º ...73, para cobrança da quantia exequenda no montante de €43.005,22, tendo por subjacente as liquidações referidas em 1., cfr. fls. 88/89 do p.f.;
3. Em 27/07/2007, foi aberto processo de sub-rogação, cfr. fls. 88/89 do p.f.;
4. Em 30/07/2007, foi efectuado o pagamento da quantia exequenda por sub-rogação por [SCom01...] EM, cfr. fls. 51/53;

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Relativamente ao mérito da causa, o tribunal, deu por assente a seguinte matéria de facto:
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, além dos factos supra enunciados, o Tribunal julga provado:
A) A ora 1.ª Exequente foi notificada pela AT para regularizar o IVA em falta resultante da diferença entre a taxa de 5% constante nas facturas emitidas à [SCom01...] ([SCom01...], Empresa Municipal) e a taxa de 19% a que deveria ter sido liquidado o imposto e procedeu à entrega das declarações periódicas de substituição para os diversos períodos de IVA, cfr. fls 38/58 do PA apenso aos autos principais;
B) Posteriormente foram emitidas as correspondentes liquidações relativas aos juros compensatórios pela entrega fora de prazo do imposto devido, cfr. fls. 59/79 do PA apenso aos autos principais;
C) Em 12/04/2005, foram emitidas as liquidações adicionais de juros compensatórios com o números ...14, ...87, ...32, ...88, ...39, ...47, ...55, ...68, ...70, ...71, ...72, ...65, ...67, ...68, ...71, ...74, ...76, ...79 e ...82, relativas respectivamente aos períodos de IVA 01/02/, 01/03, 01/04, 01/05, 01/06, 01/10, 01/12, 02/01, 02/03, 02/04, 02/05, 02/06, 02/08, 02/09, 02/12, 03/01, 03/02 e 03/06, no montante de €30.047,29, cfr. fls. 59/79 do do PA apenso aos autos principais;
D) Em 29/06/2006, o ora 1.º Exequente intentou impugnação judicial contra as liquidações referidas em C), cfr fls. 1 do sitaf do Proc. 1012/06.6BEVIS;
E) Em 14/04/2008, foi extinto por pagamento em sub-rogação o processo de execução fiscal referente às liquidações referidas em C), cfr. fls. 88/89 do p.f.;
F) Por Acórdão do TCAN, proferido em 29/02/2012, foi a impugnação julgada procedente e anuladas as liquidações mencionadas em C), na qual se exarou o seguinte:
«(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(...)»

(cfr. fls 220/250 do sitaf, Processo n.º 1012/06.6BEVIS);
G) Em 11/04/2012 a 1.º Exequente remeteu, requerimento dirigido à AT, com a nota discriminativa e justificativa das custas de parte cfr. fls.110/117 do p.f., com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]





H) Por despacho de 12/04/2012 foi autorizada a restituição do montante global de €30.047,29, tendo o reembolso sido pago através do cheque n.º ...80 emitido pelo Tesouro em 17/04/2012, com notificação para levantamento recebida em 04/05/2012, tendo apenas sido levantado em 11/06/2012, cfr. fls. 90/96 do p.f.;
I) Em 17/04/2012, a AT procedeu à anulação das liquidações referidas em C), cfr. 88/89 do p.f.;
J) Em 05/09/2005, a 1.ª Exequente prestou garantia bancária no montante de €55.059,08, a fim de obter a suspensão do processo executivo, cfr. fls. 49 dos autos principais e 88/89 do p.f.;
K) Pelo Banco 1... foi efectuado aviso de lançamento em nome de [SCom01...] EM, R. ..., ..., ..., para cobrança de comissão antecipada relativamente ao período 2007-12-21 a 2008-03-21, no valor de €66,42, cfr. fls. 69 do p.f.;
L) Pelo Banco 1... foi efectuado aviso de lançamento em nome de [SCom01...] EM, R. ..., ..., ..., para RENOVAÇÃO, relativamente ao período 2007-09-21 a 2008-09-21, no valor de €339,96, cfr. fls. 68 do p.f.;
M) Pelo Banco 1... foi efectuado aviso de lançamento em nome de [SCom01...] EM, R. ..., ..., ..., para cobrança de comissão antecipada relativamente ao período 2007-06-21 a 2007-09-21, no valor de €66,42, cfr. fls. 70 do p.f.;
N) Pelo Banco 1... foi efectuado aviso de lançamento em nome de [SCom01...] EM, R. ..., ..., ..., para cobrança de comissão relativamente ao período 2007-03-21 a 2007-06-21, no valor de €66,42, cfr. fls. 71 do p.f.;
O) Em 15/10/2012, foi intentada a presente execução, cfr. fls. 2 do p.f..
*
III. 2 FACTOS NÃO PROVADOS
Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
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III. 3 MOTIVAÇÃO
A factualidade supra referida, foi apurada com base nos documentos juntos aos autos e ao Processo n.º 1012/06.6BEVIS, que não foram impugnados.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que na pendência do processo de impugnação deduzida por «[SCom02...], S.A.» («[SCom02...], S.A.»), procedeu ao pagamento da quantia titulada pelos atos tributários de liquidação em causa nos autos, bem como os demais valores alegadamente em dívida, sendo que a impugnação judicial foi julgada procedente pelo TCA Norte em 29/02/2012, anulando as liquidações e reconhecendo o direito à indemnização por prestação da garantia bancária; o qual por não ter sido executado pela Administração Tributária, levou a Recorrente e a «[SCom02...], S.A.» e intentarem a presente execução de julgado, na qual peticionaram juros indemnizatórios, juros de mora, indemnização pela prestação de garantia indevida, custas de parte e demais encargos.
Diz a Recorrente que a sentença ao considerá-la parte ilegítima, fez uma interpretação não conforme o disposto no artigo 100.º da LGT, uma vez que foi quem efetuou o pagamento da quantia exequenda, por isso a reconstituição da situação só pode ocorrer mediante a restituição das quantias a si, uma vez que foi quem as pagou, conforme dado por provado na sentença. Por isso passou a ser parte legítima no processo de execução de julgado, por a quantia paga na execução fiscal lhe ser devida.
Mais refere que a sentença ao absolver da instância a Autoridade Tributária, incorre em erro de julgamento de direito, por errada interpretação do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT.
Apreciando.
A sentença recorrida considerou que o interesse legalmente protegido a que alude o n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, neste caso concreto, reporta-se apenas à possibilidade de a Recorrente poder prosseguir a execução fiscal contra o devedor originário e não em intentar a presente execução de julgado, na medida em que não foi parte na impugnação judicial que anulou as liquidações cobradas em execução fiscal.
Em primeiro lugar compete referir que o raciocínio plasmado na sentença estaria correto se o devedor originário se mantivesse devedor. Ora como as liquidações objeto de execução fiscal, foram anuladas, o devedor originário deixou de ser devedor de qualquer quantia à Administração Tributária, como tal também não pode ser devedor da Recorrente, mesmo que esta tenha pago a quantia exequenda por sub-rogação na execução fiscal.
Sendo assim, não é na Execução Fiscal que deve ser devolvida a quantia que a Recorrente ali pagou, mas antes em sede de execução de julgado do processo de impugnação judicial deduzido pela «[SCom02...], S.A.». Portanto, a Recorrente com o pagamento efetuado na Execução Fiscal, como terceiro, adquiriu um crédito litigioso que não pode reaver na execução fiscal, por já estar finda e por não poder prosseguir a execução fiscal contra o devedor originário, uma vez que a dívida deste foi anulada, através da procedência da impugnação judicial.
Qualificando a situação como aquisição de crédito, poder-se-ia aplicar o regime civilista da Habilitação do adquirente ou cessionário, previsto atualmente no artigo 356.º do Código de Processo Civil (CPC). No caso, teria de deduzir o incidente de habilitação-legitimidade, mais propriamente a designada pela doutrina de habilitação-ação na Petição Inicial da Execução de Julgado. Bastava-lhe invocar a sua legitimidade como adquirente do direito que esteja em causa para poder deduzir tal Habilitação como autor ou exequente.
Desta forma, sempre seria de admitir que o terceiro que efetuou o pagamento da execução fiscal pudesse ser parte ativa numa execução de julgado, habilitando-se na Petição Inicial, na medida em que adquiriu o direito a essa legitimidade, precisamente por ter pago uma quantia que foi anulada, por isso indevidamente paga, dessa forma tendo direito ao seu reembolso.
Veja-se sobre o assunto, por exemplo o Acórdão da Relação do Porto de 11/06/1992, proferido no processo n.º 8950789 (em www.dgsi.pt), cujo sumário é:
Tendo, embora, os mesmos efeitos, importa não confundir a habilitação incidental, que ocorre na pendência de uma causa e se destina a colocar o(s) sucessor(es) do falecido no lugar que este ocupava no processo, e a habilitação - legitimidade, que se apresenta no seu início, quando na petição inicial duma acção ou execução se alega que o autor ou o réu, ou o exequente ou o executado, sucedeu na posição jurídica que pertencia a outra pessoa ( Anselmo de "Castro, Direito Processual Civil Declaratório", II, páginas 149 e 150, e Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", V, 3ª edição, página 573 e seguintes ).
Por sua vez, no Acórdão da Relação de Évora de 07/12/2006, proferido no processo n.º 2074/06-3 (igualmente em www.dgsi.pt), referiu-se o seguinte:
I- A habilitação legitimidade é a que se faz através da petição inicial da acção e dos actos de prova subsequentes, como elo de demonstração da titularidade da situação jurídica invocada, ou seja, quando numa acção ou execução se alega que o autor ou o réu, exequente ou executado, sucederam na posição jurídica que pertencia a outra pessoa.

Portanto, em termos de direito civil, qualquer adquirente de um direito litigioso é admitido a integrar uma causa, mesmo que dela não faça parte desde o seu início, ou a iniciar uma causa (mesmo executiva), bastando invocar o título que lhe concede a legitimidade para o efeito pretendido.
No processo civil é necessário que o interessado suscite na Petição Inicial o incidente da habilitação-legitimidade, mais propriamente habilitação-ação.
Nos presentes autos, a Recorrente não deduziu tal incidente, mas ao apresentar a Petição Inicial, invocando o facto de ter pago a quantia exequenda devida por terceiro, como que acaba por corresponder a uma habilitação para a ação (neste cado para a execução de julgado), ma qualidade de adquirente ou como cessionário, na medida em que a sub-rogação operada pelo pagamento na execução fiscal, funciona como uma transmissão de direito a receber o que foi pago indevidamente.
Portanto, se a Recorrente tivesse deduzido o incidente de Habilitação de adquirente ou cessionário, não restavam dúvidas que teria de ser admitida neste processo de execução de julgado, pois não está colocada em questão que não tivesse pago a divida tributária do contribuinte que era parte no processo de impugnação judicial onde foram anuladas as liquidações de imposto pagas na execução fiscal pela Recorrente.
Compete então perguntar se nas situações de sub-rogação, como a que ocorreu neste caso, é necessário deduzir tal incidente?
Cremos que não (muito embora nada obstasse a que tal pudesse ser feito).
No direito tributário, a partir do momento em que o n.º 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em conjugação com o n.º 4 do mesmo preceito, concede legitimidade direta a qualquer pessoa que tenha interesse legalmente protegido no procedimento ou no processo tributário, é suscetível de ser parte numa qualquer ação tributária que vise satisfazer esse interesse legalmente protegido.
A legitimidade da Recorrente neste processo decorre da anulação das liquidações operadas na impugnação judicial, que é o processo principal de que esta execução depende.
Anuladas as liquidações, a Administração Tributária deve verificar quem deve reembolsar, dando cumprimento efetivo ao julgado.
Conforme já referido a legitimidade da Recorrente advém do disposto nos nos. 1 e 4 do art.º 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que diz:
Artigo 9.º (Legitimidade)
1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
(…)
4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.

Não obstante o n.º 1 do preceito apenas se referir ao procedimento tributário, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, tem de se considerar que também se aplica ao processo judicial tributário a legitimidade de todas as pessoas que provem ter um interesse legalmente protegido.
No sentido que o preceito também se aplica ao processo judicial tributário, veja-se a anotação a este preceito efetuada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ao Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado (ed. Áreas Editora, 2006), onde na pág. 104 refere: «No presente artigo trata-se da legitimidade para intervir tanto no procedimento tributário como nos processos judiciais tributários».
O mesmo autor refere no vol. I do Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado (6.ª edição, ano 2011, Áreas Editora), a pág. 753:
« (… ) a legitimidade processual do sub-rogado assentará na titularidade do direito que lhe é conferido pelo art. 100.º da LGT, enquadrando-se, por maioria de razão, entre os tipos de sujeitos processuais previstos no art. 9.º do CPPT, que reconhece legitimidade procedimental e processual a quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.».
Em face do exposto, verifica-se que a Recorrente detém legitimidade ativa para intentar a presente execução de julgado, pelo que a sentença recorrida não pode manter-se nesta parte.
*
Em segundo lugar, alega a Recorrente que a sentença considerou que a «[SCom02...], S.A.» prestou garantia para suster a execução fiscal, mas que não provou o quantum indemnizatório, uma vez que a garantia foi prestada pela «[SCom02...], S.A.», mas os custos da sua manutenção foram suportados pela Recorrente.
Mais refere que foi a Recorrente quem efetivamente suportou os custos com a garantia bancária apresentada pela «[SCom02...], S.A.», no valor de € 539,22, tendo comprovado que constituiu essa garantia a favor da Autoridade Tributária.
Conclui que a douta sentença recorrida errou ao não considerar provado nenhum quantum indemnizatório.
Apreciando.
A sentença recorrida não condenou a Administração Tributária ao pagamento das despesas incorridas com a prestação de garantia, por considerar que essas foram debitadas à Recorrente; e, como esta foi considerada parte ilegítima, julgou improcedente esse pedido.
No seguimento do que acima ficou decidido de que a Recorrente é parte legítima na execução de julgado, conclui-se que se teve alguma despesa passível de ser ressarcida, assim se deve proceder.
Ora, conforme dado por assente na sentença nas alíneas K), L), M) e N) da matéria de facto, o Banco cobrou comissões com a manutenção da garantia à aqui Recorrente, no montante total de € 539,22.
Considerando que no Acórdão proferido na impugnação judicial de que esta execução de julgado é dependente, ficou decidido que a Administração Tributária deveria pagar a quantia indemnizatória do dano consubstanciado no custo decorrente da necessidade de prestação de garantia bancária, que viesse a ser apurada em execução de sentença [vide alínea F) da matéria de facto supra]; e que se apurou nesta execução de julgado o montante acima referido que foi incorrido pela Recorrente, tem a mesma direito a receber tal quantia.
Face ao exposto, a sentença também deve ser revogada nesta parte e a Administração Tributária ser condenada a pagar à Recorrente a quantia de € 539,22 (quinhentos e trinta e nove euros e vinte e dois cêntimos), devida pelas despesas incorridas com a manutenção indevida de garantia na execução fiscal.
*
Por fim, alega a Recorrente que a sentença devia ter aplicado uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de proceder à execução do julgado, não sendo fundamento válido de que a executada não tenha intenção de proceder ao incumprimento da decisão judicial, uma vez que já se verifica retardamento no reembolso das quantias anuladas.
Apreciando.
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória pedida ao abrigo do artigo 169.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com o fundamento assinalado pela recorrente de que não se retira que a Executada não tenha intenção de proceder ao cumprimento da decisão judicial.
O preceito em análise contém o seguinte teor:
Artigo 169.º (Sanção pecuniária compulsória)
1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.

Conforme determina o preceito, a sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgão incumbidos da execução, que para o efeito devem estar individualmente identificados. Ou seja, devem estar nominalmente identificados. Ora compulsada a Petição Inicial desta execução de julgado, em momento algum a Recorrente identifica nominalmente os titulares dos órgãos que pede a aplicação da sanção pecuniária compulsória.
Apenas no final da Petição Inicial desta Execução está peticionada a aplicação da referida sanção ao Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Chefe do Serviço de Finanças, sem proceder á identificação nominal de nenhum, destes titulares.
Conforme referem o Prof. Mário Aroso de Almeida e o Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., 2017, em anotação ao artigo 169.º, na pág. 1260:
«2. A sanção pecuniária compulsória não é imposta à pessoa coletiva, ao ministério à secretaria regional, mas á pessoa concreta do titular (ou titulares) do órgão (ou órgãos) que, dentro da pessoa coletiva, do ministério ou da secretaria regional, têm a seu cargo a adoção dos atos jurídicos e/ou operações materiais necessárias ao cumprimento da concreta obrigação em causa.
O Código tem, por isso, o cuidado de dizer que os referidos titulares devem ser, para o efeito, “individualmente identificados”. A referência é muito importante.
(…)
Na verdade, só assim podem, do mesmo passo, estabelecer que os titulares desses órgãos ficam constituídos no dever de pagar a sanção pecuniária se não cumprirem dentro do prazo, identificado individualmente cada uma das pessoas abrangidas por essa cominação, como exige o n.º 1 do presente artigo 169.º. essas pessoas têm, assim, direito a ser notificadas da decisão.».
Desta forma, falta um pressuposto para que possa haver condenação no pedido em apreço, na medida em que os titulares deveriam estar identificados nominalmente para poderem ficar abrangidos pela decisão ou até apresentarem uma causa justificativa para o atraso na execução do julgado.
Em face do exposto, na parte ora em apreço, improcede o recurso.
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No que concerne às custas deste recurso, atenta a procedência parcial do recurso, a revogação parcial da sentença e ao facto de a Recorrida não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo desta (ainda que o recurso improceda em relação à sanção pecuniária compulsória, tal pedido não continha valor, pelo que acaba por ser inócuo em termos de custas), sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I - O n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, em conjugação com o n.º 4 do mesmo preceito, concede legitimidade direta a qualquer pessoa que tenha interesse legalmente protegido no procedimento ou no processo tributário, dessa forma podendo ser parte numa qualquer ação tributária que vise satisfazer esse interesse legalmente protegido.

II - Nas situações em que terceiro tenha pago na execução fiscal a dívida tributária, que veio a ser anulada numa impugnação judicial, esse terceiro detém, legitimidade para intentar uma execução de julgado decorrente da anulação da dívida que tenha pago na execução fiscal.

III – Para que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 169.º do CPTA possa ser aplicada, é necessário que os titulares dos órgãos incumbidos da execução de julgado estejam nominalmente identificados de modo a poderem ser notificados e poderem ficar abrangidos pela decisão, assim como para eventualmente apresentarem uma causa justificativa para o atraso na execução do julgado.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento parcial ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e considerar a Recorrente parte legítima ativa na presente execução de julgado, assim como em condenar a Executada no pagamento de € 539,22, pelas despesas incorridas com a manutenção indevida de garantia na execução fiscal; improcedendo o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
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Porto, 25 de janeiro de 2024.

Paulo Moura
Celeste Oliveira
Conceição Soares