Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01443/05.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/03/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA EFECTIVA
Sumário:1. Tanto no âmbito do CPT como no da LGT, para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se que os mesmos tenham exercido efectivamente ou de facto a gerência.
2. Provado que não houve exercício de facto da gerência, verifica-se a ilegitimidade do revertido na execução que relativamente a ele terá de ser extinta.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:T...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I- Relatório
A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por T…, contribuinte fiscal n.º 1…, na qualidade de único herdeiro de J…, ao processo de execução fiscal n.º 3514199601007572 do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, dela veio interpor o presente recurso, concluindo da seguinte forma as suas alegações (que se transcrevem):
A. Julgou a douta sentença recorrida procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal n.º 3514199601007572 e aps. por dividas respeitante a Contribuições para a Segurança Social dos anos de 1995 a 1999, no valor global de € 482.094,42, instaurado contra a sociedade executada “T…, S.A.”, onde foi efectuada a reversão contra o aqui oponente.
B. Perante a factualidade dada como assente, concluiu o Tribunal pela procedência da oposição, dada a falta de prova pela Fazenda Pública, dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do oponente.
C. Da prova produzida nos autos em epígrafe, tanto testemunhal como documental, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça o douto decisório.
Assim,
D. Devido à relevância que tal facto terá na decisão a proferir nos autos em causa, sugere a RFP a alteração da predita alínea d) do probatório, passando a constar dela uma formulação neste sentido: “O J… assinou requerimentos, por diversas vezes, endereçados ao Serviço de Finanças de Matosinhos 2, na qualidade de administrador da executada, no período a que se reportam as dívidas exequendas”.
E. Contrariamente ao sentenciado, consideramos que in casu se mostram verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra os que somente a título subsidiário respondem pelas dívidas das sociedades originariamente devedoras, tendo a prova documental produzida nos autos - informações oficiais prestadas pelos competentes Serviços da Administração Tributária e ainda do alegado e provado em sede de contestação -, sido deficientemente apreciada e, outrotanto,
F. Resulta demonstrada, o exercício das funções de administrador de facto por parte do oponente nos períodos a que se reportam os factos geradores de tais dívidas, assim como naqueles em que terminou o prazo legal para o seu pagamento ou entrega.
G. O oponente apresentou prova testemunhal no sentido de afastar a sua responsabilidade.
H. O Tribunal deve apreciar a prova produzida no seu todo e perante a factualidade dada como provada e como não provada, deve construir a decisão de acordo com as regras da experiência comum.
I. Assim, impunha-se ao Tribunal que fizesse constar do probatório a actuação por parte do oponente conforme ao invocado exercício das funções de administrador que passa pela indicação dessa qualidade em diversas intervenções escritas junto dos serviços fiscais.
J. Perante tais factos, não devia o douto Tribunal ter valorado, nos termos em que efectivamente o fez, a prova testemunhal, por insuficiente e por contraditória com a prova documental.
K. A presunção (judicial) da gerência de facto derivada da gerência de direito não foi contrariada, atento o facto de tal prática consubstanciar, na medida da sua vinculação para com terceiros, actos de gerência atinentes à actividade da sociedade, exteriorizando a vontade daquela e, revelando o exercício de funções de administrador, como decorre do artigo 409º n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais.
L. Mostram-se assim cumpridos os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária do oponente pelas dívidas de executada, mormente o cumprimento do ónus da prova por parte da Fazenda Pública, no sentido preconizado no douto aresto do Pleno da secção de Contencioso Tributário do STA, de 28.02.2007, proc. n.º 1132/06.
M. O oponente interveio na qualidade de administrador da executada, em sua representação, em diversos actos e documentos fiscais, os quais implicaram a tomada de opções em nome e/ou no interesse da sociedade, também daí se podendo inferir que não se alheou completamente da vida da empresa.
N. Pelo que, deve o oponente ser considerado parte legítima na presente execução.
O. A douta sentença recorrida violou, com o decidido o artigo 24º da LGT e ainda os artigo 123º do CPPT, 712º, n.º 1 alínea a) ambos do CPC, aplicável ex vi artigo 2º e) do CPPT e artigo 2º d) da LGT.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, assim se fazenda inteira JUSTIÇA».
O recorrido contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:
A) Ao abrigo do disposto no art. 13º do CPT e no art. 24º da LGT, para responsabilizar as pessoas referidas nesses normativos é necessário que fique demonstrado que elas exerceram a administração da sociedade e, que as dívidas digam respeito ao período do exercício dessa mesma administração.
B) Embora numa óptica puramente nominal exista uma referência ao Progenitor do Alegante na qualidade de membro do Conselho de Administração da executada originária, de facto, nunca aquele exerceu qualquer função atinente ao cargo de Administrador.
C) Aceita-se que tenha outorgado alguns documentos em nome da executada originária, tal como consta da factualidade dada como provada.
D) Como se demonstrou, a subscrição de documentos esparsos, foi feita por imposição do Conselho de Administração da devedora originária, sem que o Progenitor do aqui Alegante, pudesse questionar ou recusar a aposição da sua assinatura em tais documentos.
E) Ao contrário da interpretação interesseiramente realizada pela Representante da Fazenda Pública, a outorga de documentos esparsos (que no caso sub judice se cingem a cinco, num período de quatro anos e, todos eles dirigidos ao Serviço de Finanças de Matosinhos 2), não poderá significar que o Progenitor do Alegante participava activamente na gestão societária, contribuindo para a diminuição do património societário.
F) No caso decidendum, os destinos da sociedade nunca foram decididos por J…, que nunca foi instado a pronunciar-se, nem se pronunciou, sobre os negócios ou contratos a celebrar, os empréstimos a contrair, os pagamentos a efectuar, a política de vendas a prosseguir, a quantidade e tipo de bens a comercializar ou os clientes a quem vender.
G) De referir que factos constitutivos do direito invocado pelo oponente foram integral e cabalmente demonstrados pelos depoimentos produzidos em Audiência Contraditória, no âmbito de processos de oposição á execução fiscal, que apreciaram questões absolutamente similares, e, que convergiram em igual sentido no que se refere ao não exercício das funções de administração da sociedade por parte do pai do Alegante.
H) Porque o Pai do Alegante nunca exerceu qualquer função em nome e por conta da sociedade executada, associado ao facto de que não foi ele quem determinou a falta, ou insuficiência do património da executada para responder pelo pagamento das dívidas exequendas, deverá ser considerado parte ilegítima na execução fiscal.
I) Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
As questões a decidir:
- Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto.
- Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao decidir que o recorrido não é responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda.
II- Fundamentação
II.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância e que aqui se reproduz:
a) Contra a sociedade “T…, SA”, foi instaurado o processo executivo nº 3514199601007572 e apensos por dívidas relativas ao CRSS dos anos de 1995 a 1999, no valor de €482.094,42 (cf. informação de fls. 46 dos autos e certidões de fls. 15 a 20 dos autos). ---
b) A execução fiscal foi revertida por despacho de 18 de Abril de 2005, contra J…, na pessoa do seu herdeiro, aqui, oponente (cf. doc. de fls. 36 dos autos). ---
c) Entre 1989 e 31 de Janeiro de 1999, J… foi vogal do Conselho de Administração da primitiva executada (cf. doc. de fls.24 a 28 dos autos). ---
d) O J… assinou alguns documentos em nome da executada (cf. doc. de fls. 38 a 41 dos autos). ---
e) A primitiva devedora obrigava-se perante terceiros com a assinatura de dois Administradores, sendo uma delas a do Presidente. Excepcionalmente, a sociedade pode ficar obrigada pela assinatura de: a) um Administrador e um procurador, dentro dos limites da procuração a este conferida; b) de um Administrador, quando o Conselho de Administração para o caso, o designar em acta; c) um Procurador dentro dos limites e em conformidade com o mandato que lhe for conferido para fim especial (cf. doc. de fls. 24 a 27 dos autos). ---
f) O J... renunciou ao cargo de Administrador da primitiva executada em 31 de Janeiro de 1999 (cf. doc. de fls. 26 dos autos).---
g) J... enquanto integrou o Conselho de Administração da primitiva devedora, não comprava nem vendia mercadorias, não contratava nem dava ordens aos trabalhadores, não decidia os destinos directa ou indirectamente da sociedade executada. ---
h) As funções de administração da sociedade executada sempre estiveram a cargo do Presidente do Conselho de Administração, Joaquim…, pessoa que nunca pedia a opinião aos restantes administradores e sempre colocou com prioridade sobre todas as empresas do grupo a “Vila têxtil” e não a executada originária ou as restantes. ---
i) A assinatura do J... em documentos da empresa era feita porque tal lhe era ordenado, sem que pudesse questionar tais ordens. ---
j) Após o falecimento de Joaquim… quem o substituiu foi a filha Clara, que concentrou o poder decisório. ---
k) O J... esteve envolvido, na década de 90, num processo de divórcio litigioso que o deixou num estado depressivo, tendo estado por mais de uma vez internado.».
II.2. De direito
II.2.1. Erro de julgamento de facto
“Sugere” a recorrente na alínea D das conclusões a alteração da matéria de facto constante da alínea “D” do probatório de forma a que nela passe a constar o seguinte: “O J... assinou requerimentos, por diversas vezes, endereçados ao Serviço de Finanças de Matosinhos 2, na qualidade de administrador da executada, no período a que se reportam as dívidas exequendas”.
Na alínea “D” do probatório consta: “O J... assinou alguns documentos em nome da executada (cf. Doc. de fls. 38 a 41 dos autos)”.
A factualidade levada ao probatório é pouco precisa pois, tendo em conta o que se discute nos autos, o exercício da administração pelo J..., importa saber não só que este assinou documentos em nome da executada, devendo aqui ser indicada a qualidade em que o fez, mas, sobretudo, que documentos assinou e em que tempo o fez.
Assim, entende-se corrigir a matéria de facto levado ao probatório na alínea “D”, deferindo-se a pretensão da reclamante, passando a alínea D do probatório a ter a seguinte redacção:
“O J... assinou requerimentos, por diversas vezes, endereçados ao Serviço de Finanças de Matosinhos 2, na qualidade de administrador da executada, no período a que se reportam as dívidas exequendas”.
II.2.2. Erro de julgamento de direito
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou procedente a oposição por considerar que a Fazenda Pública não tinha feito a prova de que o revertido J... tinha exercido de facto as funções de administrador na empresa originária devedora.

Defende a Fazenda Pública que estando provado que o J... assinou documentos em representação da sociedade, a prova testemunhal não podia ter sido valorada como foi por ser insuficiente e contraditória com a prova documental.
Por seu turno, o recorrido reconhecendo que o J... assinou em nome da executada os documentos juntos aos autos, diz que aquele nunca exerceu de facto as funções de administrador, sendo que a subscrição dos documentos foi feita por imposição do Conselho de Administração da devedora originária, sem que ele pudesse questionar ou recusar a aposição da sua assinatura em tais documentos.
Vejamos.
Tanto no Código de Processo Tributário (artigo 13.º), como na Lei Geral Tributária (artigo 24.º) que lhe sucedeu, é pressuposto da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores pelas dívidas das sociedades, o exercício efectivo da gerência ou administração. Ou seja, não basta a chamada gerência formal ou de direito, é necessária a gerência de facto.
A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – já nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139.
A Fazenda Pública pretende retirar da assinatura de documentos, em representação da sociedade, dirigidos ao Serviço de Finanças, o exercício de facto da administração pelo J....
Porém, tal facto não pode ser analisado por si só, mas antes no contexto da demais matéria de facto provada.
Ora, ficou provado também que:
g) O J... enquanto integrou o Conselho de Administração da primitiva devedora, não comprava nem vendia mercadorias, não contratava nem dava ordens aos trabalhadores, não decidia os destinos directa ou indirectamente da sociedade executada. ---
h) As funções de administração da sociedade executada sempre estiveram a cargo do Presidente do Conselho de Administração, Joaquim…, pessoa que nunca pedia a opinião aos restantes administradores e sempre colocou com prioridade sobre todas as empresas do grupo a “Vila têxtil” e não a executada originária ou as restantes. ---
i) A assinatura do J... em documentos da empresa era feita porque tal lhe era ordenado, sem que pudesse questionar tais ordens.
Ora esta factualidade retira qualquer valia à assinatura de documentos como prova do exercício de facto dos poderes de administrador. Se o J... «não comprava nem vendia mercadorias, não contratava nem dava ordens aos trabalhadores, não decida os destinos directa ou indirectamente da sociedade executada», não se pode dizer que exercia as funções de administrador, o que é reforçado pelo facto provado na alínea h) que diz que «As funções de administração da sociedade executada sempre estiveram a cargo do Presidente do Conselho de Administração, Joaquim…, pessoa que nunca pedia a opinião aos restantes administradores».
A assinatura de documentos nestas circunstâncias e «porque tal lhe era ordenado, sem que pudesse questionar tais ordens», não demonstra que o J... representava a vontade da pessoa colectiva ou a dirigisse.
De notar que a Fazenda Pública embora sugerisse a alteração da alínea D do probatório, o que acima foi atendido, não cuidou de pedir a alteração da matéria de facto constante das alíneas G), H) e I) do probatório.
E, ao contrário do que parece ser o entendimento da Fazenda Pública, o que delas consta não entra em contradição com o que ficou consignado na alínea D) do probatório (diga-se, nem relativamente à redacção dada pelo Tribunal recorrido, nem relativamente à redacção que acima fixamos), pois limitam-se a descrever em que circunstâncias acontecia a assinatura dos documentos.
Uma vez que ficou demonstrado que o J... não exerceu de facto a administração da originária devedora, não pode ser responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda, tal como decidiu o Tribunal recorrido, não merecendo o recurso provimento.
III- Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
Porto, 03 de Maio de 2012
Ass. Paula Cadilhe Ribeiro
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Álvaro Dantas