Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01354/20.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:CONTENCIOSO DE MERA ANULAÇÃO;
ISENÇÃO DE IVA;
NUTRIÇÃO; GINÁSIO;
Sumário:
I. Os vícios imputados aos actos (tributários) devem ser apreciados em conformidade com a fundamentação que os sustenta, nos precisos termos em que foi emitida, a que acresce o facto de o contencioso tributário ser mera anulação, não cabendo ao juiz substituir-se à AT

II. Um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, pode constituir uma prestação de serviços distinta e independente e, como tal, suscetível de ser abrangida pela isenção prevista na alínea l) do artigo 9º do CIVA.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], Unipessoal, Ld.ª (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 21.09.2022, que no âmbito de impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e dos respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2017, no montante global de € 104.324,43, a julgou improcedente, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A) Decidiu o Tribunal a quo que os serviços de acompanhamento nutricional da Recorrente, objecto das correcções da inspecção tributária, não tinham uma finalidade terapêutica, mas uma finalidade sanitária, não beneficiando assim da isenção prevista no artigo 9º, nº 1, do CIVA.
B) Segundo o disposto no artigo 132º, n.º 1, alínea c), da Directiva IVA, os Estados membros isentam as «As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.”
C) A transposição deste normativo para o ordenamento jurídico nacional fez se através do disposto no n.º 1 do artigo 9º do CIVA, com a epígrafe «Isenções nas operações internas», em que se determina que «Estão isentas do imposto: 1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas (...)», sendo pacifico que a isenção abrange os serviços prestados por nutricionistas.
D) Na interpretação do TJUE a isenção de imposto prevista no nº 1, do artigo 9º, do CIVA, exige a presença de dois requisitos cumulativos, a saber: (i) estarmos perante serviços de assistência; (ii) prestados por médicos e paramédicos no exercício da respectiva profissão.
E) Consigna a jurisprudência do TJUE, que o conceito de «assistência» para efeitos de isenção em IVA, integra as prestações de serviços que tenham como finalidade diagnosticar, tratar e na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, i.e., prestações de serviços com finalidade terapêutica.
F) Tem igualmente sido jurisprudência assente do TJUE, que o conceito de finalidade terapêutica não deve ser interpretado num sentido demasiado estrito, considerando-se que têm tal finalidade as prestações de serviços que de forma preventiva, protegem, mantêm ou restabelecem a saúde.
G) Nesta acepção, os serviços de nutrição prestados pela Recorrente, podem beneficiar da isenção de IVA, uma vez que, de forma preventiva, podem proteger e ou manter a saúde dos utentes e potencialmente a podem restabelecer, quer estes frequentem o ginásio quer não.
H) As consultas de nutricionismo prestadas por profissionais, têm vindo a assumir uma vertente muito relevante na prevenção, no tratamento e cura de várias doenças, tais como o cancro, a diabetes, doenças cardiovasculares e a obesidade, facto reconhecido a nível governamental com a criação e implementação da “Plataforma Nacional contra a Obesidade” e do “Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral da Saúde”.
I) A prestação de serviços de nutricionismo só pode ser realizada por profissionais que se encontram inscritos na Ordem dos Nutricionistas e titulares de uma cédula profissional, encontrando-se o exercício da profissão regulado por lei.
J) Nos serviços prestados de nutricionismo, por profissionais habilitados e credenciados, estará sempre presente a finalidade terapêutica, no sentido da prevenção ou reparação da saúde, pelo que não se poderá partir do pressuposto, no âmbito de consultas prestadas em ginásio, que estas assumem meramente uma natureza sanitária.
K) Segundo a Ordem dos Nutricionistas, as consultas de nutrição e de aconselhamento nutricional, independentemente do local onde são prestadas e por nutricionistas credenciados, compreendem a elaboração de um plano alimentar personalizado, a análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida do utente, bem como medições biométricas, correspondendo a todo um processo com objectivos terapêuticos, desenvolvendo técnicas de base científica com fins de prevenção de patologias e promoção da saúde ou tratamento de doenças.
L) A Recorrente prestou e disponibilizou aos seus clientes, em instalações próprias para o efeito, consultas de nutrição e aconselhamento nutricional, através de cinco nutricionistas (embora não em simultâneo) contratadas em regime de trabalho dependente e independente, que se encontram inscritas na Ordem dos Nutricionistas e são titulares de cédulas profissionais.
M) Tais consultas, seguindo os procedimentos preconizados para a sua profissão e que tiveram como objectivo primordial a promoção da saúde (melhoria das condições de saúde em geral dos utentes), no sentido da prevenção de doenças, conquanto possam ter contribuído para o seu tratamento ou restabelecimento, devem ser consideradas como actos terapêuticos para efeitos da isenção de imposto consignada no artigo 9º, nº 1, do CIVA.
N) Resulta claro da decisão proferida no Acórdão do TJUE de 4 de Março de 2021, no processo de reenvio prejudicial nº C-581/19 (Caso Frenetikexito), e no qual se sustentou a douta Sentença recorrida, que não fica excluída, em todas as situações, a natureza terapêutica dos serviços prestados por nutricionistas nos ginásios, aliás, em linha com a jurisprudência comunitária até aí produzida.
O) Tal decisão é proferida «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio», deixando aos Tribunais nacionais a incumbência de averiguar se as consultas de nutrição, casuisticamente, têm ou não uma finalidade terapêutica.
P) O que passará pela aferição, tal como concluiu a Ilustre Professora Doutora Clotilde Celorico Palma no seu Parecer de 19 de Março de 2021, junto aos Autos, de que a actividade de aconselhamento e consultas de nutricionismo prestada em ginásios, é exercida por profissionais devidamente habilitados que envolvam a prática de actos de prevenção e ou de tratamento de patologias relacionadas com a saúde, em cumprimento do disposto na Norma de Atuação Profissional da Ordem dos Nutricionistas (NOP 002/2019)11, como o aconselhamento nutricional, a elaboração de um plano alimentar personalizado, a análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida do utente, bem com medições biométricas.
Q) Apesar de o Tribunal a quo ter entendido dispensar a produção de prova testemunhal, onde poderia ter sido demonstrado todo o procedimento efectuado pelos nutricionistas certificados segundo as regras recomendadas pela Ordem dos Nutricionistas em cada consulta de nutrição e reafirmada a sua finalidade terapêutica, a Recorrente ao longo da P.I. demonstra, inclusive, através da documentação junta aos Autos, que a prestação de serviços de nutrição realizada no seu ginásio se destinou a promover a saúde dos utentes dessa prestação, eventualmente em complemento da prestação de serviços de actividade física, mas não obrigatoriamente por força desta.
R) Os serviços prestados pela Recorrente ao abrigo dos contratos de prestação de serviços de consulta de nutrição (CPSCN) considerados isentos de imposto nos termos do artigo 9º, nº 1, do CIVA, foram realizados pelos mesmos nutricionistas que realizaram a restante prestação de serviços considerada não isenta, com os mesmos procedimentos preconizados pela Ordem dos Nutricionistas, nas mesmas instalações e utilização do mesmo equipamento e tipo de material e com os mesmos fins terapêuticos de promoção da saúde, não existindo assim justificação para a dualidade de critérios na tributação.
S) É entendimento da Recorrente que do Acórdão uniformizador do STA, de 20 de Outubro de 2021, tirado no processo nº 077/20.2BALSB, em que igualmente se sustenta a douta Sentença recorrida, não se poderá extrair que em geral os serviços prestados por nutricionistas nos ginásios não revestem natureza terapêutica.
T) Com o devido respeito, o que dará a entender este Acórdão do STA, é que o que vem excluir da natureza terapêutica, são serviços de nutricionismo que se parecem reconduzir a serviços acessórios à actividade principal da prática de exercício físico, o que não é o caso dos presentes Autos, na medida em que nele se refere: «(…) a disponibilização dos serviços de nutrição não prevenia nem respondia a nenhum problema de saúde dos utentes em particular, mas aos objetivos que os clientes da Requerente tinham ao aderir aos próprios serviços de ginásio, em especial a perda de peso.»
U) Não decorre dos Autos que os serviços de nutrição prestados pela Recorrente aos utentes, tinham objectivos específicos relacionados com a sua prática da actividade física no ginásio, tais como, a perda de peso ou motivos estéticos, sendo totalmente autónomos da prática do exercício físico.
V) Uma interpretação da decisão proferida no aludido Acórdão do STA no sentido em termos gerais, de que todas as prestações de serviços de consultas de nutrição e aconselhamento nutricional em ginásios não têm fins terapêuticos, esvaziaria de conteúdo a razão primeira da isenção de IVA prevista na alínea c) do nº 1, do artigo 132º da Directiva IVA e artigo 9º, nº 1, do CIVA, a qual consiste em tornar mais acessíveis os serviços de saúde.
W) Por outro lado, afrontaria o princípio da neutralidade, pilar do Sistema Comum do IVA, mandando tratar de forma idêntica prestações de serviços idênticas, pois que, em substância, nas consultas de nutricionismo prestadas num ginásio ou prestadas em qualquer outro ambiente (hospitalar, farmácias, supermercados ou clínicas) estamos perante a prática por profissionais credenciados do mesmo tipo de actos com a mesma finalidade terapêutica, independentemente dos objectivos pessoais de cada utente.
X) Pelo que só se poderá concluir que em todos os casos em que os serviços de nutrição prestados nos ginásios, sendo autónomos dos serviços de prática de exercício físico, prossigam objectivos terapêuticos, os quais se consubstanciam em prestações de serviços que tenham por objectivo prevenir, diagnosticar, tratar e, se possível, curar doenças ou anomalias de saúde, não se poderá aplicar a jurisprudência deste Acórdão uniformizador do STA.
Y) A disponibilização do serviço de nutricionismo pela Recorrente, prestado por profissionais devidamente habilitados e certificados, como se comprovou, seguindo as técnicas de base cientifica e normas da Ordem dos Nutricionistas, teve sempre em vista a melhoria das condições de saúde dos utentes, o que abrange tanto a prevenção de patologias, como o seu tratamento ou recuperação, inserindo-se no conceito de «assistência» pressuposto da isenção de IVA, independentemente dos objectivos tidos em vista com a actividade física praticada pelos mesmos utentes no ginásio, o que permite que tal serviço beneficie da isenção de IVA nos termos do disposto no artigo 9º, nº 1, do CIVA.
Z) Compulsado o procedimento inspectivo constata-se que a AT não demonstrou minimamente, no caso concreto, a inexistência da finalidade terapêutica quanto à totalidade das consultas de nutrição.
AA) No que tange à questão jurídica em causa nos autos (a única integrante da fundamentação do acto tributário) o TJCE concluiu que, ao invés do pretendido pela AT, as prestações de serviços em causa são independentes.
BB) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 132º, nº 1, alínea c), da Directiva IVA e artigo 9º, nº 1, do CIVA.
Julgando-se o Recurso procedente, será feita
JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 922 do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em errada valoração e apreciação da prova, e, consequentemente, se incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A impugnante tem como objeto social, a «Exploração de ginásio. Actividade de serviços de manutenção e bem-estar físico. Actividade de saúde humana, incluindo massagens. Prestação de serviços de estética. Comércio de equipamentos e material desportivo e suplementos alimentares. Exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, nomeadamente café, snack-bar, máquinas de vending e similares. Formação profissional. Exploração de parques de estacionamento» - cfr. relatório de inspeção junto ao PA a fls 624 a 704 do sitaf;
2. A impugnante encontra-se registada na AT para o exercício da atividade principal de «Actividade de Ginásio-Fitness» (CAE 93130) e das atividades secundárias de «Cafés» (CAE 56301), e de «Outras actividades de saúde humana não especificadas» (CAE 86906) - cfr. relatório de inspeção junto ao PA a fls 624 a 704 do sitaf;
3. Em 2017, a Impugnante prestou, a título principal, serviços de ginásio (fitness), abrangendo treinos individuais de musculação e cardiofitness, livres ou com acompanhamento personalizado (PT - personal training), aulas em grupo e prestação de serviços de nutrição - facto não controvertido – art. 14º da p.i e fls 4 do RIT junto ao PA a fls 624 a 704 do sitaf.
4. A frequência das prestações de serviços oferecidas pela Impugnante, pode revestir as seguintes modalidades:
1) Contrato de Adesão de Sócio (CAS) - sempre que o cliente pretende aderir ao ginásio, o qual inclui o direito a uma consulta de nutrição de três em três meses; 2) Contrato de Prestação de Serviços de Consulta de Nutrição (CPSCN) – quando o cliente pretende um plano nutricional específico e adequado às suas necessidades.
3) Contrato de Prestação de Serviços de Personal Training (CPSPT), que acumula com o Contrato de Adesão de Sócio, possibilitando ao cliente um acompanhamento permanente e individualizado do treino físico por um “personal trainer”. A adesão a este contrato pressupõe, além da consulta trimestral, o direito a uma outra consulta de nutrição mensal de 60 minutos - facto não controvertido – art. 18º da p.i. - e resultante do regulamento interno junto com a p.i; Doc nº 26; 32, 33 e 34;
5. A Impugnante disponibilizou aos seus clientes consultas de nutrição e aconselhamento nutricional, através de técnicas especializadas (2 nutricionistas), contratadas em regime de trabalho independente, correspondente a prestação de serviços de nutrição, em regra de 40 horas semanais, dispondo de instalações próprias para o efeito - facto não controvertido – Doc nº 29 e 30 junto com a p.i;
6. Todos os associados têm incluído na sua mensalidade 1/3 de uma consulta de nutrição, obtendo assim o direito a uma consulta de nutrição a cada três meses, sendo que no caso de prestação de serviços de personal training, no valor pago da mensalidade está incluída uma consulta de nutrição de sessenta minutos mensal - facto não controvertido – art. 21º da p.i. e Doc nº 26 junto com a p.i.
7. Em 09-09-2019 a aqui impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, através da ordem de serviço n.º OI...........61, tendo sido elaborado, em 11-02-2020 2020, relatório de inspeção tributária, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de onde se extrai: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr RIT, junto ao PA fls 624 a 704 do sitaf.
8. No decurso da inspeção efetuada foram emitidas liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios no montante total de €104.324.43, conforme quadro que segue:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr Doc nº 1 a 25 juntos com a p.i;
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.
MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da documentação junta aos autos, bem como da prova testemunhal produzida, mencionada no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso, dispensando a respetiva alegação, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil. Foi a análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados – cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), 76.º, n.º 1, da LGT e artigo 362.º e seguintes do Código Civil (CC).»
2.2. De direito
Por via da sentença sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial, contra as liquidações adicionais de IVA e dos respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2017, no montante global de € 104.324,43, por considerar que “face ao que resulta do vertido no probatório, que os serviços de acompanhamento nutricional da impugnante, objeto das correções da inspeção tributária, não tinham uma finalidade terapêutica, mas uma finalidade sanitária”.
O processo de impugnação judicial é um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 9.º e 124.º do CPPT], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal a quo, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados no âmbito da impugnação contenciosa.
In casu a Recorrente presta consultas de nutrição nas suas instalações em que também presta serviços de ginásio, além de outros serviços.
Conforme decorre do RIT (parcialmente transcrito no item 7. e 5. da matéria de facto dada como provada, a prestação de serviço de nutrição desmembra-se em “consultas de nutrição” contratadas e prestadas isoladamente ou em consultas de nutrição a clientes/sócios que adiram aos serviços de ginásio, facturando-as em conjunto com os serviços de ginásio.
Destas consultas incluídas em «pack» com os serviços de ginásio, a que AT denomina de “aconselhamento nutricional” apenas uma parte, não susceptível de quantificação, é efectivamente prestada.
A Recorrente aplicou a isenção de IVA a todas as consultas de nutrição, indiscriminadamente, com base na alínea 1) do art.º 9º do CIVA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que as consultas de nutrição contratadas isoladamente beneficiavam da isenção referida, não efectuando qualquer correcção (vide item 7. do probatório, conclusão ii) do RIT). Mas, quanto às consultas disponibilizadas em «pack» de “aconselhamento nutricional” e ginásio e /ou “personal trainer” a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não beneficiavam da referida isenção por (i) deverem ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio e, bem assim, (ii) quando não ocorra a sua realização efectiva, carecem de finalidade terapêutica e até de prevenção.
Foi essencialmente isto que a Autoridade Tributária e Aduaneira sintetizou no Relatório da Inspecção Tributária da seguinte forma:
« III.1.1.3.7 CONCLUSÕES E APURAMENTO DO IVA EM FALTA
Os factos carreados para os pontos anteriores, que se resumem de seguida:
1. A entidade [SCom01...] declarou para efeitos de IVA, que, em 2017, mais de um terço da sua atividade total se encontrava isenta de Imposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, por, alegadamente, se tratar da prestação de cuidados de saúde;
2. De acordo com o TJUE, considera-se estar perante prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços visam a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde;
3. Da análise efetuada à atividade efetivamente exercida, aferida nomeadamente com base na afetação dos investimentos e gastos incorridos, concluiu-se, nomeadamente, pela utilização dada às instalações, pela mão-de-obra e ainda pelos gastas incorridos que o sujeito passivo tem ao seu dispor e ainda pelos gastos incorridos pelo sujeito passivo, que a estrutura existente tem como principal objetivo a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não;
4. Com efeito, ficou sobejamente evidenciado na exposição desenvolvida nos pontos III.1.3.1 a III.1.3.3, que a estrutura de gastos e investimentos realizados pela [SCom01...] tem subjacente, maioritariamente, a prestação a jusante de serviços de ginásio e, residualmente a prestação de serviços de aconselhamento nutricional;
5. Aliás, a propósito do descrito nos pontos que antecedem, importa referir que o contribuinte apesar de, aquando do seu registo para efeitos fiscais, ter declarado tratar-se de um sujeito passivo misto, ou seja, ter declarado a intenção de realizar transmissões que conferem direito à dedução de IVA e operações que não conferem esse mesmo direito, contrariamente ao expetável, quer pela opção de enquadramento em sede de IVA, quer pelo valor dos rendimentos obtidos proveniente da atividade isenta que representarem mais de um terça da atividade total, deduziu a totalidade do IVA suportado, em 2017, com exceção apenas das situações que se encontram excluídas pelo art.° 21.º;
6. Ficou ainda demonstrado que o contribuinte não dispunha em 2017 de recursos suficientes, designadamente, profissionais de nutrição devidamente credenciados para o efeito, para realizar o número de consultas de nutrição faturadas. Assim sendo, a referência nas faturas a “Consultas de Nutrição”, relacionadas com os contratos de adesão de sócio (CAS) e com os contratos de prestação serviços de Personal Training (CPSPT), corresponde, quando muito, à disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional, e não a uma efetiva consulta realizada;
7. Através da análise aos preços cobrados aferida através do Ficheiro SAF-T(PT) de faturação, verificou-se que os clientes que contratualizaram coma [SCom01...] este tipo de contratos (CAS e CPSPT) adquiram um "pacote" que inclui a atividade de ginásio e aconselhamento nutricional o que se confere pela quase total inexistência de clientes com adesão a apenas serviços de ginásio;
8. O serviço de nutrição, ou, melhor, a disponibilização do direito de aceder ao serviço de nutrição, é um benefício potencial atribuído aos clientes do serviço principal;
9. A situação descrita "obriga" os clientes à contratação do aconselhamento nutricional e permite ao sujeito passivo camuflar a isenção atribuída a uma parte significativa da mensalidade contratualizada com os clientes, retirando vantagem através da diminuição do IVA a entregar ao Estado;
10.A formação do preço dos serviços prestados pela [SCom01...] é destituída de qualquer racionalidade económica. Os serviços que mais recursos consomem (serviços de ginásio) são vendidos a preços que permitem, quanto muito, cobrir os gastos com os recursos que lhe são afetos. Tal, só pode encontrar justificação numa discriminação artificial do preço, neste caso, com o objetivo de obter a vantagem fiscal;
11. É de referir ainda que, nem na tabela de preços, nem nos respetivos contratos celebrados, é feita qualquer menção do valor atribuído às consultas de nutrição, estas apenas são referidas nas clausulas gerais do contrato, onde é firmado, que tais serviços são um direito dos sócios. Na verdade, trata-se de um preço único - o preço do ginásio, na medida em que o preço fixado para o serviço de ginásio confere aos associados o direito a usufruir de tais serviços;
permitem à Inspeção Tributária afirmar.
i. Que o contribuinte está a utilizar a "Nutrição" - que, na realidade, será apenas residualmente e sempre a título acessório, utilizado pelos clientes - para, de forma artificial, discriminar as suas receitas, que mais não são do que derivadas da atividade que exerce a título principal, a atividade de ginásio;
ii. Dito de outra forma, que os serviços de aconselhamento nutricional eventualmente realizados pela [SCom01...], com exceção dos prestados em resultado dos contratos de prestação de serviços de consulta de nutrição (CPSCN) mencionados no capitulo III.1.1.3.5.3, nunca constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, e, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições de preço, do serviço principal prestado por aquela e, nesse exata medida, devem ter, em sede de IVA, o mesmo tratamento da prestação de serviços principal;
iii. Que o serviço contratado pelo cliente da [SCom01...] é um serviço global, com um valor único e fixo, que engloba a prática desportiva e a possibilidade de beneficiar de serviço de aconselhamento nutricional. A prática do sujeito passivo de faturar o valor contratado em duas verbas, de serviço de ginásio e de serviço de aconselhamento nutricional, constitui uma divisão artificial da operação contratada, estando consequentemente sujeita e não isenta de IVA pelo seu valor total à taxa de normal de IVA;
iv. Por outro lado, tendo ficado demonstrada a falta de capacidade para a realização de todas as sessões de aconselhamento nutricional, conclui-se a final, que a mera disponibilização de um serviço, quando não ocorra a efetiva realização, por falta de finalidade terapêutica e até de prevenção, não constitui um serviço isento nos termos da legislação invocada pelo contribuinte;
Pelo plasmado ao longo do presente relatório, concluímos que as operações faturadas pela [SCom01...] a titulo de aconselhamento nutricional provenientes dos Contratos de adesão a sócio e aos Contratos de prestação de serviços de Personal Training, não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVA constante do n.° 1 do artigo 9.° do CIVA. Consequentemente está em falta a liquidação, declaração e entrega de imposto, a liquidar à taxa de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.° do CIVA.
Excetuando, portanto, os valores faturados relacionados com os Contratos de prestação de serviços de consulta de nutrição, identificados no anterior capítulo III.1.1.3.5.3, dado que, no caso especifico destes contratos, os clientes/associados da [SCom01...] GAIA contratualizavam com essa entidade a prestação de serviços de nutrição não estando assim, estes serviços, associados a qualquer das modalidades/mensalidades praticadas pela [SCom01...] para prática de actividades gímnicas. Ou seja, apesar de se tratar de um serviço apenas destinado aos sócios, a consulta de nutrição foi, nestes casos, o serviço, efectivamente, contratualizado pelos clientes e destinatários do serviço.»
Do transcrito, somos de concluir, que a Administração Tributária entendeu que parte das consultas de nutrição facturadas aos sócios/clientes da Recorrente não podiam beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, designadamente as que foram facturadas conjuntamente com serviços de ginásio, fundamentando:
– a não aceitação da aplicação da isenção, foi justificada exclusivamente pelo entendimento de que são «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio», o que impõem a aplicação do regime fiscal dos serviços de ginásio.
– e, complementarmente, alude que de qualquer modo sempre seria de afastar a isenção por falta de capacidade para que ocorresse a sua efectiva realização.
No entanto se aludirmos a toda a sua fundamentação, em momento algum são esgrimidos factos ou considerados no sentido da isenção não se verificar assente na falta de “natureza terapêutica” das consultas de nutrição, mormente as integradas no «Pack».
Assim, por um lado, podemos afirmar que a base da posição da Administração Tributária, decorrente do RIT, não se alicerça em que aqueles serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, designadamente aí invocando e fundamentando que os mesmos não tenham natureza terapêutica, a que acresce aceitação da isenção no que tange as consultas facturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos.
Temos, portanto, que as liquidações adicionais em crise não resultam do entendimento da AT de que as consultas de nutrição prestadas pelas nutricionistas contratadas pela Recorrente não têm finalidade terapêuticas. Resultam, isso sim, do entendimento da AT de que os valores atribuídos às consultas de nutrição ainda constituem receitas derivadas da sua atividade principal – ginásio –, meramente acessórias daquela e, bem assim que em virtude de as consultas contabilizadas e relativamente às quais não foi aceite a isenção de IVA não serem em grande parte realizadas, existindo uma divisão artificial dos serviços prestados, que decorre duma vasta fundamentação do RIT.
E, perscrutada a densa petição inicial é manifesto que a Recorrente entendeu bem a fundamentação acolhida no Relatório da Inspeção Tributária, atenha-se ao aludido, no seu artigo 9º, em que refere:
«O escrutínio do Relatório Fundamentador dos actos impugnados demonstra que as liquidações em crise se estribam em duas ordens de razão:
i) Isenção indevida dos serviços prestados de nutrição ou da disponibilização dos mesmos, com excepção dos serviços de nutrição prestados a coberto do “Contrato de Prestação de Serviços de Consulta de Nutrição (CPSCN);
ii) Discriminação ou divisão artificial dos preços dos serviços prestados.»
Bem como toda argumentação que desenvolve assente na autonomização do serviço de nutrição prestado versus serviço de actividade física ginásio (vide itens 194º a 197º a título meramente exemplificativo), com o objectivo de lograr a ilegalidade do objecto de impugnação por erro quanto aos pressupostos e violação do princípio da descoberta da verdade material.
Assim, a questão que se coloca nestes autos é em 1ª linha a de saber se está ou não em sintonia com a lei o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas facturadas em conjunto com serviços de ginásio são prestações acessórias destes e, como tal, são tributados à mesma taxa e, num segundo plano, quais as consequências da mera disponibilização do “aconselhamento nutricional” versus a não realização efectiva das mesmas por falta de capacidade.
Sucede, que aquilo que o Tribunal a quo apreciou, foi apenas a questão do caráter terapêutico das consultas de nutrição, como ressalta evidente da sua vasta fundamentação jurídica, com transcrição alargada da recente jurisprudência do TJUE e do STA (este último acórdão do pleno) sobre a controvérsia patente sobre as prestações de serviços efetuadas por profissionais de nutrição, certificados e habilitados para o efeito, quando realizadas em instituições desportivas, designadamente como forma de melhorar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva.
Neste sentido, foi citado o acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, do Tribunal de Justiça da União Europeia C-581/19, o qual declarou que: “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), desta diretiva.
Mais recentemente, o Acórdão de 20 de Outubro de 2021, do Supremo Tribunal Administrativo, Pleno da 2ª Secção, in processo n.º 77/20.2BALSB, procedeu à uniformização de jurisprudência nos seguintes termos: “Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, alínea 1), do Código do IVA.
E, ancorada nesta jurisprudência conclui a sentença sob recurso que: «No caso em apreço, provou-se que a impugnante é uma sociedade comercial que exerce, a título principal, uma atividade de gestão e exploração de ginásio, atividades de manutenção e bem-estar físico, bem como atividades de promoção e apoio à saúde humana, como o acompanhamento e o aconselhamento nutricional.
Aliás resulta do RIT e constatado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) que, analisada a atividade efetivamente exercida pela Impugnante, aferida com base na afetação dos investimentos e gastos incorridos, bem como da afetação de instalações e recursos humanos, a cada uma das atividades desenvolvidas (de ginásio e de aconselhamento nutricional), conclui-se que a estrutura existente tem como principal escopo a prestação de serviços de ginásio.
Os serviços de nutricionista eram prestados à impugnante, que desenvolve a atividade de ginásio, por profissionais inscritos na ordem dos nutricionistas, em gabinetes para o efeito disponibilizados pela impugnante.
Mais se provou que a impugnante dispunha de diferentes planos, sendo que todos incluíam um acompanhamento nutricional. Cada cliente podia escolher o plano pretendido e utilizar, ou não, todos os serviços colocados à sua disposição no âmbito do plano escolhido. Assim, o serviço de acompanhamento nutricional era cobrado, independentemente de o cliente usufruir do mesmo, pelo que esta atividade sempre seria acessória e residual, relativamente à atividade principal da Impugnante.
Conclui-se, assim, face ao que resulta do vertido no probatório, que os serviços de acompanhamento nutricional da impugnante, objeto das correções da inspeção tributária, não tinham uma finalidade terapêutica, mas uma finalidade sanitária (neste sentido cfr. acórdão do STA de 20.10.2021, proc. nº 077/20.2BALSB, que temos vindo a seguir).»
Ora, como se sabe, os vícios imputados aos actos (tributários) devem ser apreciados em conformidade com a fundamentação que os sustenta, nos precisos termos em que foi emitida, a que acresce o facto de o contencioso tributário ser mera anulação, não cabendo ao juiz substituir-se à AT.
No entanto, o que acaba por suceder na situação que nos ocupa é que o Tribunal a quo manteve as liquidações impugnadas com um fundamento distinto daqueles em que a AT se estribou para as emitir, concluindo que “(...) os serviços de acompanhamento nutricional da impugnante, objeto das correções da inspeção tributária, não tinham uma finalidade terapêutica, mas uma finalidade sanitária”.
Mas não se ficou por aqui, sem antes afirmar que “(...) cada cliente podia escolher o plano pretendido e utilizar, ou não, todos os serviços colocados à sua disposição no âmbito do plano escolhido. Assim, o serviço de acompanhamento nutricional era cobrado, independentemente de o cliente usufruir do mesmo, pelo que esta atividade sempre seria acessória e residual, relativamente à atividade principal da Impugnante.”
Afirmação esta, que em si, enferma de erro de julgamento.
Senão vejamos.
Como se disse, foi fundamento das correcções efectuadas a invocada natureza acessória em relação aos serviços de ginásio, a qual não se prende com a não utilização das consultas adquiridas por grande parte dos clientes /sócios da Recorrente.
Aliás nunca a falta da sua prestação efectiva ou a mera disponibilidade só por si podia alicerçar o carácter acessório do “aconselhamento nutricional” para fundamentar o afastamento da isenção a que alude o artigo 9.º, alínea 1), do Código do IVA.
É que, “O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.
O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998.
Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008.
Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BG¯ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.
O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.
Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007.

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.
Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.” (in acórdão do TCA Sul de 04.05.3023, proferido no âmbito do processo n.º 61/21.9BCLSB)
E quanto a ausência de prestação efectiva do aconselhamento nutricional, diga-se que o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.
Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.
Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.“.
A decisão sob recurso apesar de invocar o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, não retira de mesmo as consequências que se impunham, pois que para além do mais, também ali se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Nada referiu, nem em sede de julgamento de facto ou de direito, sobre a questão. Ora, era precisamente essa verificação que era exigida ao Tribunal a quo, atenta a fundamentação e conteúdo do RIT e a tese propugnada pela Recorrente na sua petição inicial. Razão pela qual se reconhece a razão à Recorrente quando em sede de recurso nas suas conclusões e alegações afirma que “No que tange à questão jurídica em causa nos autos (a única integrante da fundamentação do acto tributário) o TJCE concluiu que, ao invés do pretendido pela AT, as prestações de serviços em causa são independentes.” e, que “Apesar de o Tribunal a quo ter entendido dispensar a produção de prova testemunhal, onde poderia ter sido demonstrado todo o procedimento efectuado pelos nutricionistas certificados segundo as regras recomendadas pela Ordem dos Nutricionistas em cada consulta de nutrição e reafirmada a sua finalidade terapêutica, a Recorrente ao longo da P.I. demonstra, inclusive, através da documentação junta aos Autos, que a prestação de serviços de nutrição realizada no seu ginásio se destinou a promover a saúde dos utentes dessa prestação, eventualmente em complemento da prestação de serviços de actividade física, mas não obrigatoriamente por força desta.”.
A defesa da Recorrente pauta-se em dois segmentos “da finalidade terapêutica” das consultas de nutrição, mas essencialmente, atenta a fundamentação das correcções, da não acessoriedade das mesmas em relação aos serviços de ginásio tido como principal pela AT, razão pela qual recaí sob o tribunal a verificação dos mesmos, o que de todo não ocorreu em sede de julgamento de facto e, subsequentemente em sede de julgamento de direito.
Em suma, e porque a matéria de facto assente não esclarece cabalmente se os ditos serviços de aconselhamento de nutrição que estão na origem dos actos de liquidação impugnados revestem natureza acessória da relação principal de serviços de ginásio (sendo que em caso afirmativo estão submetidos à mesma taxa – tese da AT), impõem-se revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos para que a matéria de facto seja complementada e o direito aplicado em conformidade com a orientação supra determinada.
Pois que, cabendo à AT o ônus de prova dos factos constitutivos do direito à liquidação adicional nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, em termos de lhe competir fazer o enquadramento da situação tributária por forma a tornar claro aos contribuintes a ilegalidade que entende que o(s) acto(s) tributário(s) padece(m), com uma determinada fundamentação, competindo depois ao sujeito passivo contrariá-la em face da fundamentação apontada, tendo o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.
Mais se diga, que mesmo a entender-se que a fundamentação das correções afasta o beneficio de isenção por carecerem os serviços de finalidade terapêutica [o que in casu não ocorre], sempre à luz da jurisprudência do TJUE e do STA, recai sobre o julgador a verificação perante o concretos factos alegado determinar se as prestações dos serviços de aconselhamento nutricional tiverem imperativamente uma finalidade terapêutica e, não apenas “sanitária”, e como tal estarão abrangidos pela isenção de IVA, a que se refere o nº 1, do artigo 9º, do CIVA [ vide acórdão da Secção do Pleno da Secção de CT, do STA de 20.10.2021, proc. nº 077/20 e acórdão do TJUE, de 04.03.2021, proc. nº C -581/19, proc. Frenetikexito “(...) o serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva não é, em princípio, suscetível de ser considerado uma prestação de serviços de assistência na saúde para os efeitos do disposto no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA”].
Por todo o exposto, a sentença recorrida não se pode manter, impõem-se a sua revogação, determinar a baixa dos autos à 1ª instância para, se a tanto nada obstar, ser proferida nova decisão que, efetivamente, aprecie a legalidade das liquidações impugnadas à luz da fundamentação acolhida pela AT, considerando as causas de pedir invocadas na petição inicial, mediante prévia ampliação da matéria de facto, mormente mediante a inquirição das testemunhas arroladas se tanto se mostrar necessário.
2.3. Conclusões
I. Os vícios imputados aos actos (tributários) devem ser apreciados em conformidade com a fundamentação que os sustenta, nos precisos termos em que foi emitida, a que acresce o facto de o contencioso tributário ser mera anulação, não cabendo ao juiz substituir-se à AT
II. Um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, pode constituir uma prestação de serviços distinta e independente e, como tal, suscetível de ser abrangida pela isenção prevista na alínea l) do artigo 9º do CIVA.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para os fins determinados.
Custas pela Recorrida, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 11 de janeiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Paulo Moura
Paula Moura Teixeira