Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00068/19.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rosário Pais
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO;
INTEMPESTIVIDADE;
Sumário:
I – O prazo de caducidade do direito à execução de julgado conta-se da data da notificação da remessa dos autos à AT.

II – Se a sentença recorrida não fixou a data de tal notificação, nem dos autos consta qualquer documento que permita o seu apuramento, deve ser anulada a sentença, por défice instrutório.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA» e esposa «BB», devidamente identificados nos autos, vêm recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 27.05.2020, pela qual foi julgado caducado seu o direito a executar a sentença proferida no âmbito do processo 53/12.9BEMDL.

1.2. Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A) Quanto à matéria de facto, o Tribunal a quo não deu como provado que os Recorrentes tivessem solicitado o pagamento das despesas com garantia bancária, sendo que esse pedido resulta provado pelo Documento n.º 3 junto com a petição inicial, devidamente reconhecido pelo própria Autoridade Tributária, no artigo 8.º da sua contestação.
B) Assim, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte ponto: Os Autores apresentaram requerimento junto do Serviço de Finanças ..., a 06 de setembro de 2017, em que solicitaram o pagamento do montante de € 5.986,12 (cinco mil novecentos e oitenta e seis euros e doze cêntimos) a título de reparação com os danos sofridos com a prestação da garantia no Processo n.º 53/12.9BEMDL.
C) Quanto à matéria de direito, os Recorrentes atempadamente requereram a indemnização por prestação de garantia indevida, cumprindo com o disposto no artigo 171.º do CPPT.
D) O pedido de indemnização por prestação de garantia indevida pode ser apreciado em sede de execução de julgados da sentença judicial, por se tratar de um meio adequado para tal, nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária.
E) O número 2, do artigo 176.º do CPTA é ferido de inconstitucionalidade devido prazo demasiado curto que estipula para peticionar a execução de julgado por parte da Administração Tributária, pelo que se constata uma violação do princípio da jurisdicionalidade efetiva e do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada sendo a sua base o artigo 22.º da CRP.
F) Aos Recorrentes deve ser reconhecido o direito à indemnização por garantia indevidamente prestada à luz do princípio da jurisdicionalidade efetiva e do princípio pro actione.
G) A Administração Tributária deve ser condenada ao pagamento da indemnização devida a que está obrigada por determinação legal e constitucional
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e dando provimento aos pedidos dos Recorrentes na sua petição inicial.».
1.3. A Recorrida não contra-alegou.

1.4. A DMMP junto deste Tribunal teve vista dos autos.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar caducado o direito de executar o julgado e não verificada a inconstitucionalidade que alegou.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. A sentença recorrida acolheu a seguinte fundamentação de facto:
«Factos provados:
1. O Serviço de Finanças ... instaurou o processo de execução fiscal com o número ...04 contra os aqui Autores – cfr. proc. principal;
2. Os aqui Autores deduziram oposição à essa execução, que correu como Processo n.º 53/12.9BEMDL neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela– cfr. proc. principal;
3. Foi proferida decisão que aqui se reproduz que julgou procedente a oposição à execução deduzida pelos aqui Autores, determinando a sua extinção– cfr. Fls. 110- 122 (SITAF) do proc. principal;
4. Em 15/6/2016 o STA negou provimento ao recurso interposto da decisão do TAF de Mirandela – Fls. 170-192 (Assim numeradas pelo SITAF);
5. Em 17/6/2016 o RFP junto do STA foi notificado do acórdão - Fls. 170-192 (Assim numeradas pelo SITAF);
6. Em 28/6/2016 a sentença transitou em julgado – cfr. art.º 280.º do CPPT na redacção à data aplicável;
7. Em 8/7/2016 o processo foi remetido ao TAF de Mirandela- Fls. Fls. 170-192 (Assim numeradas pelo SITAF);
8. Com vista à suspensão da execução enquanto era julgada a oposição, os Autores prestaram garantia bancária, emitida pelo Banco 1..., com o n.º N......07, a 23.03.2012, no valor de € 27.200,38 (vinte e sete mil duzentos euros e trinta e oito cêntimos) – doc 1 da PI;
9. A garantia foi devolvida através do ofício da Administração Tributária n.º ...31, datado de 06.09.2016 – art.º 6.º da PI e art.º 20.º da contestação;
10. Durante esse período, a garantia custou aos Autores o valor total de € 5.986,12 (cinco mil novecentos e oitenta e seis euros e doze cêntimos) – doc 2 da PI;
11. Em 11/2/2019 a presente acção deu entrada em – fl. 2 do suporte físico do processo».

3.2. DE DIREITO
Os Recorrentes não se conformam com a decisão do Tribunal a quo que julgou caducado o seu direito de executar a decisão proferida no âmbito do processo nº 53/12.9BEMDL. Entendem que atempadamente apresentaram pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, o qual pode ser apreciado em sede de execução de julgados da sentença judicial, por se tratar de um meio adequado para tal, nos termos do artigo 53º da Lei Geral Tributária e reputam de inconstitucional o número 2, do artigo 176º do CPTA devido ao prazo demasiado curto que estipula para peticionar a execução de julgado por parte da Administração Tributária, pelo que entende ocorrer violação do princípio da jurisdicionalidade efetiva e do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, sendo a sua base o artigo 22º da CRP.
Vejamos o que foi ponderado em 1ª instância:
«Sob a epígrafe “Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo”, prevê o art.º 100.º da LGT que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Portanto, salvo o devido respeito, o dever de cumprir espontaneamente o julgado tributário tem como referência o trânsito em julgado deste, que ocorreu em 28/6/2016, e não com a remessa do processo ao órgão competente para a execução, sendo que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT, como resulta do art. 1º do CPPT.
Assim, se o momento crucial nesta sede reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146º nº 2 do CPPT (neste sentido, cfr. Acd do TCAN de 28-09-2017, Proc. 277/05.6BEPRT-A.).
Decorre expressamente do nº 3 do art. 175º do CPTA que o prazo para a execução da sentença é um prazo procedimental de 30 dias, contando-se para o efeito, não de forma consecutiva, mas apenas em dias úteis, nos termos do artigo 87.º do CPA - pelo que o termo para cumprimento voluntário ocorreu em 9/8/2016.
Assim, temos de concluir que o direito dos Exequentes já caducou porque, tendo sido deduzida a acção em 11/2/2019, o prazo de um ano que tinham para a apresentar já tinha ocorrido – art.º 176.º, n.º2 do CPTA.
O art.º 22.º da CRP prevê o seguinte: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Numa perspectiva processual que aqui se discute, e no dizer de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP anotada (ao art.º 22.º) o “legislador não está constitucionalmente autorizado a criar “entraves ou dificuldades dificilmente superáveis” (acTC 45/99)”. Ora, não cremos que, quando o legislador explicita que a “petição (…), deve ser apresentada no prazo de um ano (…)” (art.º 176.º, n.º 2 do CPTA), esteja a criar aqueles entraves ou dificuldades dificilmente superáveis – pelo que este preceito do CPTA não é inconstitucional.

Caducidade é uma excepção peremptória (material) porque, consistindo na invocação de factos que extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo A, importam a absolvição total ou parcial do pedido – Art.º 576º, n.ºs 1 e 3 do CPC e Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 306 e 306, em posição que se acompanha.».
Pese embora a sentença recorrida haja acolhido a jurisprudência que decorre do Acórdão deste TCAN de 28/09/2017, proferido no processo 02277/05.6BTPRT-A, com todo o devido respeito pela douta argumentação ali expendida, não pode ser confirmada.
Com efeito, tal jurisprudência, para além de não ser uniforme neste Tribunal, também não é consentânea com a maioritariamente seguida pelos nossos Tribunais superiores e pela melhor doutrina.
O Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, antes, que o prazo de caducidade da execução do julgado se conta a partir da notificação ao interessado da remessa do processo à AT. Neste preciso sentido, veja-se, designadamente, o Acórdão de 22.01.2020, proferido no processo nº 0286/02.6BTCBR 0828/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f61c86d266ac891a802584fe004e97c4?OpenDocument&ExpandSection=1, sumariado nos seguintes termos: «O prazo para executar o julgado, fixado no artigo 170º, nº 2, do CPTA terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.».
Para sustentar esta conclusão, ponderou aquele Colendo Tribunal o seguinte:
«De acordo com o disposto no artigo 170.º do CPTA (na redacção anterior ao Decreto-lei 214-G/2015, de 2/10) a execução espontânea do julgado deve ser feita no prazo de 30 dias, caso a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, sendo certo que tal prazo deve ser contado desde o trânsito em julgado da decisão anulatória (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, II volume, página 532, Jorge Lopes de Sousa).
Também de acordo com o disposto no nº 2 do mesmo normativo, na redacção aplicável, quando a Administração não dê execução à sentença no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, pode o interessado pedir a respectiva execução ao tribunal competente no prazo de seis meses.
Por outro lado resulta do artigo 146.º/2 do CPPT que “O prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado”.
Na compatibilização destas normas, na parte relativa ao início da contagem do prazo de execução, há-de entender-se que o contribuinte não poderá ser prejudicado no seu direito de requerer a execução se o exercer dentro do prazo que resulta dos termos deste nº 2 do artº 146º do CPPT.
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 530, «se se entender que o dever de execução se inicia com o trânsito em julgado e não com a remessa do processo, terminará mais cedo o prazo para a Administração Tributária executar espontaneamente o julgado, mas também terminará mais cedo o prazo para o contribuinte requerer a execução, que se conta a partir do termo do prazo de execução espontânea. Mas, por força do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado um seu direito, pelo facto de observar o que resulta directamente da letra da lei, pelo que o requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária.
(…) Por outro lado, determinando a remessa do processo à administração tributária indirectamente o início do prazo para o contribuinte requerer a execução de julgado, deverá entender-se que a preclusão do seu direito de requerer a execução só ocorrerá se lhe for efectuada notificação da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o contribuinte não terá conhecimento da data em que terminará o prazo de execução espontânea, que é também aquela em que começa o prazo de que dispõe para requerer a execução do julgado.»

Assim, como vem sublinhando a jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário, se o interessado não for notificado da remessa do processo ao órgão competente para a execução, não se pode extinguir o direito daquele de promover a execução coerciva do julgado, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estatuído no artigo 268.º/4 da CRP, a qual é posta em causa se o exequente for induzido em erro sobre o momento a partir do qual começa a correr o prazo para requerer a execução do julgado.
Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos de 17/06/2009, Recurso n.º 073/09, de 15/05/2013, Recurso n.° 01317/12, de 12.02.2015, recurso 1169/14, e os mais recentes Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 28.11.2018, Recurso 76/05.4BECBR e de 27.02.2019, recurso 906/17.8BALSB.
Será, pois, pertinente referir também o que, sobre a questão, se decidiu no supra citado Acórdão do Pleno proferido no recurso 76/05.4BECBR, de 28.11.2018:
«Por força do disposto no n.º 1 do artigo 102.º da LGT e do n.º 1 do artigo 146.º Código do CPPT, a execução de sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução de sentenças dos tribunais administrativos, sendo que aos autos são aplicáveis as regras sobre a matéria constantes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pois que a petição de execução foi enviada ao tribunal em 3/6/2015 (cfr. fls 1 dos autos), ou seja, tem-se como instaurada em data posterior à da entrada em vigor daquele diploma (cfr. os arts. 5.º, n.º 4 e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22/2, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2) com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 214-G/2015, de 2/10.
Nos termos do n.º 2 do artigo 176.º do CPTA (na redacção em vigor à data da interposição da acção de execução de julgados sub judice), o prazo para pedir ao tribunal a execução do julgado é de “seis meses” contados desde o termo do prazo para a execução espontânea do decidido, ou seja, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 175.º do CPTA, três meses ou 30 dias, este último aplicável quando a execução de sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária.
Dispõe, contudo, a primeira parte do n.º 2 do artigo 146.º do CPPT que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução (…)”, no que parece pretender fixar um termo inicial para a execução espontânea de julgados diverso (e mais dilatado no tempo) daquele que decorre do artigo 100.º da LGT (e do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição, diga-se).
Entende-se que esta norma é atendível para os estritos efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado, pois que constituindo lex scripta os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária.
Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para essa execução espontânea se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), deve entender-se que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).
Assim, e de acordo com o Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 15/05/2013 no processo nº 1317/12, “significa isto que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa”.

É também esta a posição da melhor doutrina.
Rui Duarte Morais in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2016, pp. 333 e 334 explica que a fixação do prazo de seis meses “pode redundar num “prémio” à inércia da administração fiscal, pois os contribuintes, confiados no cumprimento espontâneo, ainda que tardio (que é a regra), poderão facilmente deixar caducar o seu direito à ação executiva”. Nesta medida, o Professor “não pode estar mais de acordo” com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, concluindo que “uma vez que [a notificação da remessa do processo], por regra não acontece, o sujeito passivo estará, na prática, sempre em tempo (sem prejuízo do decurso do prazo prescricional) de interpor a ação executiva” (fim de citação).»

Subscrevemos, no essencial, tal jurisprudência e respectiva fundamentação subjacente, inteiramente aplicável ao caso vertente, e, por isso, concluímos que não pode ser acolhido o entendimento vertido na sentença recorrida, que situou o início do prazo para a execução do julgado na data do trânsito em julgado da decisão.
Por isso, resultando dos autos que a remessa ao serviço de finanças do processo de oposição em que a exequente obteve vencimento não foi comunicada à exequente — cfr. alínea 12 do probatório -, nem tendo sido apurados outros elementos que permitam concluir que a referida remessa chegou ao conhecimento da exequente, temos que concluir que o prazo de requerer a execução de julgado não chegou a iniciar-se.
(…)».
No caso vertente, o probatório não permite aquilatar da tempestividade do pedido de execução de julgados apresentado pelos Recorrente, na medida em que se desconhece quando é que, após o trânsito em julgado da decisão exequenda, o processo foi remetido ao órgão da AT e, mais relevantemente, se e quando essa remessa foi lhes notificada.
Assim, desde logo, a sentença recorrida enferma de défice instrutório, devendo ser anulada, nos termos do artigo 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, com a consequente remessa dos autos à 1ª Instância para aquisição de prova e ampliação da matéria de facto, seguida de prolação de nova decisão, se a tanto nada mais obstar.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – O prazo de caducidade do direito à execução de julgado conta-se da data da notificação da remessa dos autos à AT.
II – Se a sentença recorrida não fixou a data de tal notificação, nem dos autos consta qualquer documento que permita o seu apuramento, deve ser anulada a sentença, por défice instrutório.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e recursos de contraordenação da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença na parte recorrida e ordenar a baixa dos autos para aquisição de prova, ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão, se a tanto nada mais obstar.

Custas a cargo da Recorrida, por aqui sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 7 de dezembro de 2023

Maria do Rosário Pais - Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta