Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00332/11.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paulo Moura
Descritores:JUROS DE MORA;
TAXA EM FUNÇÃO DE GARANTIA REAL;
Sumário:I - O pagamento de juros de mora pelo contribuinte é exigido desde que a dívida tributária não seja paga dentro do prazo estabelecido para o efeito.

II - A penhora que não garanta o pagamento da dívida exequenda, em virtude de existirem hipotecas, não satisfaz a exigência legal de efetivo pagamento da dívida, pelo que não que é admissível a redução da taxa de juro de 1%, para 0,5%, segundo a interpretação mais consentânea com a intenção do legislador plasmada no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«[SCom01...], Ld.ª», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação de juros, por entender que foram cobrados indevidamente juros de mora.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1.ª
O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida que julgou a impugnação deduzida pela aqui Recorrente totalmente improcedente. A referida impugnação teve por objecto a decisão proferida pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças ... que indeferiu parcialmente o pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de juros.
2.ª
Na impugnação deduzida a Recorrente pugnando pelo seu deferimento, requereu que fosse revogada a decisão impugnada, e, consequentemente que fosse ordenado a revisão do montante de juros de mora e a rectificação da taxa aplicada para o seu cálculo.
3.ª
De seguida apresentar-se-á as conclusões discordantes da decisão proferida, de acordo com o esquema seguido na sentença em recurso, que julgou a impugnação totalmente improcedente.
4.ª
Assim, quanto à questão do inicio do vencimento dos juros de mora, foi entendimento do Tribunal "a quo" que a Recorrente não tinha razão nos argumentos apresentados.
5.ª
Porém, e ressalvado o devido respeito por melhor opinião, entende a Recorrente que os factos em causa nos autos impunham decisão diversa.
6.ª
Pois bem, no caso subjudice, ocorreu que a Recorrente adquiriu um prédio com isenção de SISA. Posteriormente, a Recorrente não concretizou a venda desse prédio no prazo de três anos, e não liquidou voluntariamente a SISA. Tendo assim sido efectuada a liquidação oficiosa, e, subsequente extracção de certidão e instauração de processo executivo.
7.ª
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]Deste modo, a mora pressupõe a existência de um retardamento na prestação, por culpa do devedor. Sendo, também, necessário que a prestação seja certa, determinada, liquida, ou seja, que o seu montante esteja fixado, e exigível, ou seja, que o devedor já tenha sido interpelado para o seu pagamento.
8.ª
Sucede que, a Recorrente apenas foi efectivamente citada em 11.06.2008. Isto porque, conforme se colhe sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel nos autos de processo n.º 498/07.6 BEPNF (cuja sentença se encontra junta aos presentes autos), foi reconhecido e declarado que ocorreu uma nulidade insanável, por falta de citação, com as consequências previstas no n.º 2 do artigo 165.º do CPPT.
9.ª
Acrescendo o facto, que essa falta de citação prejudicou a defesa da Recorrente, pois impediu-a, desde logo, de requerer validamente o pagamento em prestações.
10.ª
E, no caso do requerimento do pagamento em prestações os juros de mora podem ser contados até ao termo do prazo de pagamento destas, sem no entanto exceder cinco anos, a contra do dia seguinte ao previsto na lei para o pagamento da dívida.
11.ª
Assim sendo, a nulidade da citação que foi decretada teve como consequência directa e necessária o facto de ter impedido a Recorrente de validamente ter requerido o pagamento da dívida em prestações, e de balizar a partir dessa data os juros de mora devidos.
12.ª
Isto porque, a Recorrente só veio a ser validamente citada no ano de 2008, e só a partir dessa data lhe foi permitido requerer o pagamento em prestações, e acertar o, consequente, limite de pagamento de juros de mora.
13.ª
Pelo que, impõe-se e é de toda ajustiça que os juros de mora devidos, sejam calculados a partir de 11.07.2008, e pelo dito período do pagamento em prestações ou até ao pagamento integral da dívida. Isto porque, a nulidade da citação que foi decretada impossibilitou a Recorrente de em tempo ter requerido validamente o pagamento em prestações, e assim causando-lhe prejuízos.
14.ª
A decisão proferida violou assim o disposto nos artigos 115º, 116º e 117º do CIMSISSD, e 165º, n.º 2 do CPPT, devendo ser revogada, e, consequentemente, ser a impugnação julgada procedente, e ordenando-se a revisão dos montantes dos juros de mora.
15.ª
Sem prescindir, as razões de discordância incidem, também, relativamente à taxa de juros de mora aplicada. Isto porque, entendeu o Tribunal "a quo" que a dívida exequenda, para efeitos do disposto no artigo 3º, n.º 4, do DL 73/99, não beneficiava da garantia real da penhora do prédio penhorado no PEF, garantia que também não tinha sido aceite pela administração tributária. Como tal os juros de mora são devidos à taxa de 1% e não de 0,5% como pretende a Recorrente.
16.ª
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]Contudo, e ressalvado o devido respeito por melhor opinião, entende a Recorrente que o Tribunal " a quo" não fez uma correcta interpretação e aplicação da norma legal atrás referida, devendo a decisão proferida se revogada.
17.ª
Com efeito, está dado como provado que o prédio que deu origem à divida exequenda, com o valor patrimonial de € 206.280,00 foi penhorado à ordem do PEF referido em E) em 07/07/2005 e registada a penhora em 14/07/2005.
18.ª
Por outro lado, o facto de não ter sido aceite como garantia para o PEF pela administração, para efeitos nomeadamente de suspensão do processo executivo, em nada contende com a sua natureza de garantia real para os efeitos aqui peticionados.
19.ª
De facto, o Supremo Tribunal Administrativo já produziu jurisprudência, no seguinte sentido; "O n.º 3 do artigo 3º do DL 73/99, de 16/03, ao afirmar que a taxa de juros de mora é reduzida a 0,5% para as dividas cobertas por garantias reais deve ser interpretado amplamente de modo a terem-se por abrangidas na sua estatuição não apenas as dividas cobertas por garantias reais, sticto sensu, mas também as cobertas por penhora registada" — Acórdão do STA, processo n.º 0203/11, em vvvvw.dgsi.pt.
20.ª
Pelo que, atendendo a que no caso dos autos a dívida em causa foi objecto de penhora pela Autoridade Tributária, e essa penhora foi registada em 14/07/2005, a sentença proferida que considerou que os juros de mora são devidos à taxa de 1% e não de 0,5%, violou o disposto no artigo 3º, n.º 3 do DL 73/99, de 16.03. Devendo a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que considere a penhora efetuada e registada pela Autoridade Tributária como garantia real, e, a consequente procedente a impugnação deduzida e ordenada a rectificacão da taxa de juros de mora aplicada, com redução de 0,5%.
Assim se fazendo Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber qual a data de início de contagem dos juros de mora e qual a taxa aplicável a esses juros, para o efeito pretendendo-se saber se a penhora pode ser equiparada a uma garantia real, para efeitos do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
3 – Fundamentação.
3.1 – De facto.
Com relevância para a decisão da questão, o Tribunal julga provado:
A) A impugnante adquiriu em 04/09/2001 um prédio com isenção de SISA nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do CIMSISSD (fls. 54 a 58 do PA e confissão da impugnante).
B) A impugnante não concretizou a venda desse prédio no prazo de três anos e não liquidou voluntariamente a SISA (fls. 54 a 58 do PA e confissão da impugnante).
C) O Serviço de Finanças ... procedeu à liquidação da SISA devida pela venda desse prédio, no montante de €59.781,81, com data limite de pagamento voluntário em 22/03/2005 (fls. 54 a 58 do PA e confissão da impugnante).
D) O Serviço de Finanças procedeu à extração da certidão de dívida de fls. 58 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
E) Com base nessa certidão de dívida foi instaurado, em 02/06/2005, o PEF n.º ...25 do Serviço de Finanças ... (fls. 51 dos autos e 57 do PA).
F) A impugnante foi citada em 11/06/2008 para o PEF pela nota de citação de fls. 57, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 54 a 58 do PA e confissão da impugnante).
G) Por despacho de 27/06/2008 foi deferido o pagamento da dívida exequenda em 54 prestações mensais (fls. 27 e confissão da impugnante).
H) O prédio que deu origem à dívida exequenda, com o valor patrimonial tributário de €206.280,00, foi penhorado à ordem do PEF referido em E) em 07/07/2005 e registada a penhora em 14/07/2005 (fls. 54 a 58 do PA e confissão da impugnante, 120 e seguintes do PA)).
I) O prédio penhorado está hipotecado com uma hipoteca voluntária a favor da [SCom02...], Ld.ª, para garantia do montante máximo assegurado de 193.187.500$00 (escudos), por hipoteca registada em 09/10/1998 (fls. 129 e seguintes).
J) O prédio penhorado está hipotecado com uma hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, IP, para garantia do montante máximo assegurado de 63.328312$00 (escudos), por hipoteca registada em 09/10/1998 (fls. fls. 129 e seguintes).
K) Até 30/12/2011, a penhora do prédio, referida em G), não serviu de garantia à suspensão do PEF por estarem registados sobre o prédio penhorado ónus de valor superior ao da sua avaliação (fls. 51 e 106 dos autos).
L) Até essa data o PEF não foi suspenso com a penhora realizada (f ls. 51 e 106).
M) Em 26/09/2009, a impugnante em requerimento por si subscrito apresentou o pedido de revisão oficiosa de ato tributário de fls. 54 a 56 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
N) O chefe de finanças adjunto do Serviço de Finanças ..., por delegação de competência, deferiu parcialmente o pedido de revisão por decisão de 03/03/2010, junta a fls. 68 do PA, com remissão para a informação de fls. 11 e 12 desse procedimento, a que correspondem as fls. 63 e 64 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
O) Esta decisão foi remetida por carta registada em 03/03/2010 endereçada em nome e para a sede da impugnante, com o ofício de fls. 77 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 77 e verso do PA).
P) Esta notificação não foi devolvida ao Serviço de Finanças (PA).
Q) Em 12/04/2010 a impugnante apresentou o requerimento de fls. 78 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
R) Este requerimento deu entrada no Serviço de Finanças em 14/04/2010 (fls. 78 do PA).
S) Em 20/12/2010 foi proferida a informação e a decisão que constam de fls. 51 e 52 do procedimento de revisão, fls. 106 e107 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
T) Esta decisão é a decisão impugnada nestes autos (fls. 19 a 21 dos autos).
U) Essa decisão foi remetida com o ofício de fls. 108 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por carta registada com aviso de receção, registada em 22/12/2010, endereçada em nome e para a sede da impugnante (fls. 108 a 110 verso do PA).
V) Esta correspondência foi devolvida ao Serviço de Finanças pelos CTT, em 28/12/2010, com a anotação “Desconhecido – Endereço insuficiente” (fls. 110 e verso do PA).
W) A decisão referida em N) e O) foi ainda remetida com o ofício de fls. 111 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por carta registada com aviso de receção, registada em 22/12/2010, endereçada em nome e para o domicílio profissional do Ilustre Advogado «AA» (fls. 111 a 113 verso do PA).
X) Esta notificação foi recebida no destinatário em 23/12/2010 (fls. 113 e verso do PA).
Y) A impugnante foi notificada da decisão impugnada em 03/01/2011 (fls. confissão do artigo 16.º da petição inicial).
Z) A petição inicial da impugnação judicial foi apresentada no Serviço de Finanças ... em 01/04/2011 (fls. 3).
Com relevância para a decisão da questão, inexiste matéria de facto julgada não provada.
3.1.1 – Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), que não foram impugnados, identificados em cada um dos factos.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto da alínea N) com base na constatação que resulta de não estar junta aos autos a devolução dessa correspondência, o que revela que não foi devolvida ao Serviço de Finanças, com o facto de a própria impugnante no requerimento subscrito pelo Ilustre Advogado «AA», ter confirmado que recebeu essa notificação, conforme resulta do requerimento constante da matéria de facto julgada provada em O), posteriormente ratificado pela impugnante.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da questão.
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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar alega a Recorrente que os juros devem ser calculados a partir da citação validamente efetuada em 11/06/2008, mais propriamente a partir de 11/07/2008, pelo que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 115.º, 116.º e 117.º do CIMSISSD, e o disposto no n.º 2 do artigo 165.º do CPPT.
Se bem se depreende desta alegação, a Recorrente entende que os juros não se devem contar desde a data estabelecida para o pagamento da liquidação de Sisa efetuada pelo Serviço de Finanças, cujo prazo de pagamento era o dia 22/03/2005.
A sentença recorrida referiu que os prazos de pagamento voluntário dos tributos são os estabelecidos nas leis tributárias e no caso de as leis tributárias não estabelecerem prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para pagamento efetuada pelos serviços competentes (art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).
Em relação à Sisa, a sentença, depois de citar as disposições legais aplicáveis (artigo 44.º da LGT e artigos 11.º, n.º 3, 16.º, n.º 1, 115.º, n.º 5, 116.º e 117.º do CIMSISSD), concluiu que [e passamos a citar a sentença]: «(…) no caso em apreço os juros de mora por dívidas de SISA começarão a contar-se quando depois de liquidado, o imposto não for pago até ao termo do prazo de 30 dias a contar da data em que a isenção ou redução de taxas ficar sem efeito, sendo extraída pelos serviços competentes certidão de dívida para cobrança coerciva.
Logo, a impugnante não tem razão quando alega que os juros de mora só são contados a partir da sua citação pessoal.
De resto, em nenhuma das normas citadas ou invocadas pela impugnante ou qualquer outra do ordenamento jurídico em vigor, prevê que os juros de mora por dívidas de SISA comecem a contar-se a partir da citação do devedor.
A impugnante não tem razão para invocar como data do termo inicial dos juros de mora o dia 11/07/2008, data da sua citação pessoal.
Nesta parte, a decisão impugnada que indeferiu o pedido de contagem dos juros de mora a partir de 11/07/2008, data da citação da impugnante, não padece de qualquer ilegalidade por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e / ou de direito.
Por outro lado, a impugnante não impugnou nem atacou por qualquer outra razão a data limite de pagamento voluntário da dívida exequenda – 22/03/2005 – nem a data do início da contagem dos juros de mora considerados pela administração tributária na certidão de dívida – 23/03/2005.» [Fim de citação]
Apreciando.
Ao caso é aplicável o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD), nos termos do qual se a Sisa não for paga dentro dos prazos estabelecidos, começam a contar-se juros de mora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 115.º, 116.º e 117.º, que rezam assim:
Artigo 115.º
“A sisa deverá ser paga no próprio dia da liquidação, sob pena de esta ficar sem efeito, exceto nos seguintes casos:
(…)
5.º - Se caducar qualquer isenção ou redução de taxas, nos termos dos artigos 16.º, § 1.º, 16.º -A, 17.º, 17.º -A, 18.º -A e 18.º -B, o imposto municipal de sisa deve ser dentro do mesmo prazo de 30 dias a contar da data em que a isenção ou redução de taxas ficar sem efeito;
(…)

Artigo 116.º
Se o imposto municipal de sisa não for pago antes do acto ou facto translativo, ou a sua liquidação não for pedida, devendo-o ser, dentro dos prazos fixados para o pagamento nos n.ºs 1.º a 6.º do artigo anterior, levantar-se-á auto de notícia e o chefe da repartição de finanças notificará o contribuinte para pagar a sisa no prazo de 10 dias.
Sendo pedida a liquidação depois do ato ou facto translativo ou de passados os prazos dos n.ºs 1.º a 6.º do artigo precedente, mas antes de instaurado o processo de contra-ordenação, a sisa deverá ser paga no próprio dia, sem prejuízo da sanção cominada ao infrator.

Artigo 117.º
Quando o imposto municipal de sisa, depois de liquidado, não for pago até ao termo de qualquer dos prazos dos n.ºs 1.º a 6.º do artigo 115.º ou dos prazos estabelecidos no artigo anterior, começarão a contar-se juros de mora e será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida para cobrança coerciva.
Tratando-se de imposto municipal de sisa liquidada em processo de imposto sobre as sucessões e doações que não seja pago no prazo a que se refere o n.º 7 do artigo 115.º aplicar-se-á o disposto no artigo 122.º.

Conforme se pode ver pelas transcritas disposições, a liquidação de Sisa deve ser paga dentro do prazo estabelecido para cada uma das situações em que esteja em causa o pagamento de Sisa. Na situação concreta, ocorreu uma caducidade de isenção de Sisa, na medida em que a Impugnante não procedeu à revenda do imóvel dentro do prazo legalmente estabelecido para essa isenção (facto não questionado pela Impugnante).
Portanto, a Sisa devia ter sido paga dentro do prazo de 30 dias após a caducidade da sua isenção, conforme determinava o ponto 5.º do artigo 115.º do CIMSISSD. Como não foi paga dentro desse prazo, o Serviço de Finanças procedeu à notificação para pagamento da Sisa devida (artigo 116.º do CIMSISSD); não se tendo verificado o pagamento, foi extraída certidão de dívida, com base na qual foi instaurada execução fiscal (artigo 117.º do CIMSISSD), para a qual a Impugnante foi citada em 11/06/2008. Vide alíneas A), B), C), D), E) e F) do probatório.
Conforme se pode ver pelo que se acaba de relatar, a Administração Tributária cumpriu o disposto nos artigos 115.º, 116.º e 117.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD).
Resulta, ainda, do primeiro parágrafo do artigo 117.º do CIMSISSD, que se o imposto de Sisa não for pago no termo dos prazos estabelecidos, começam a contar-se juros de mora. Na situação em apreço, a Impugnante foi notificada para pagar até ao dia 22/03/2005, pelo que não tendo sido paga dentro desse prazo a Sisa, passam a vencer-se juros de mora. Portanto, no caso concreto, os juros de mora começaram a vencer-se no dia 23/03/2005.
Desta forma, início de contagem de juros de mora com base noutras disposições legais ou segundo outro prazo não encontra acolhimento legal para este caso concreto.
Assim, ao invés do alegado pela Impugnante, ora Recorrente, a dívida era certa e exigível a partir do momento da notificação realizada pelo Serviço de Finanças para pagamento até ao dia 22/03/2005 [vide alínea C) da matéria de facto], não sendo necessária que houvesse citação em processo executivo para que a Impugnante ficasse a saber que estava em dívida do imposto de Sisa. Por isso a Impugnante não ficou prejudicada em virtude que qualquer vicissitude que pudesse ter ocorrido no processo de execução fiscal, uma vez que os juros de mora nada têm a ver com a citação para a execução fiscal, pois a mora acontece a partir do momento em que o imposto não é pago voluntariamente dentro do prazo limite fixado na notificação realizada pelo Serviço de Finanças.
Para além disso, eventual intenção de requerer o pagamento da dívida exequenda em prestações, em nada contende com a liquidação de juros de mora, pelo que nunca seria motivo para proceder à anulação da cobrança de tais juros.
Aliás, se a previsão de contagem de juros de mora não estivesse especialmente estabelecida no primeiro parágrafo do artigo 117.º do Código da Sisa (CIMSISSD), estava genericamente prevista no n.º 1 do artigo 44.º da Lei Geral Tributária (LGT), que reza assim: «1 – São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.».
No caso dos autos, o prazo de pagamento do imposto terminava no dia 22/03/2005, pelo que a partir do dia seguinte, são devidos juros de mora pelo contribuinte.
Portanto, basta que o imposto não seja pago dentro do prazo legal para que haja imediatamente a obrigação de pagamento de juros de mora.
Neste sentido veja-se o Acórdão do TCA Sul de 28/05/2002, proferido no processo n.º 6604/02 (em www.dgsi.pt), cuja parte do sumário com interesse para esta questão se transcreve: 1. O direito ao pagamento de juros de mora resulta do facto de o contribuinte não efectuar o pagamento da dívida no prazo do pagamento voluntário do imposto ou da taxa.
O mesmo entendimento é defendido pela doutrina, conforme se pode ver pela anotação ao artigo 44.º da LGT, efetuada por Jorge Lopes de Sousa, Diogo Leite Campos e Benjamim Rodrigues na Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 4.ª ed., 2012, onde a págs. 353 referem: «5 – Requsitos dos juros de mora a favor da Administração
Os juros de mora a favor do credor ente público dependem do não pagamento do tributo n prazo legal (artigos 44.º, n.º 1 da LGT, 1.º n.ºs 1, alínea a), e 2 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março, e 22.º, 1, a) do Decreto-Lei n.º 191/99 de 7 de junho).».
Em face do exposto, o pagamento de juros de mora pelo contribuinte é exigido desde que a dívida tributária não seja paga dentro do prazo estabelecido para o efeito, pelo que improcede, nesta parte o recurso.
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Em segundo lugar, invoca a Recorrente que existindo penhora para garantia do pagamento da dívida, aplica-se o regime estabelecido no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março, segundo o qual, a taxa de juros para a dívida coberta por garantia real é de 0,5% e não de 1%, invocando a Impugnante que a penhora se deve equiparar a uma garantia real.
A sentença decidiu que a taxa de juro aplicável era de 1%, com o seguinte fundamento: «Conforme resulta da matéria de facto julgada provada, o prédio penhorado à rodem do PEF está onerado com duas hipotecas registadas com data anterior para garantia de dois créditos de valor superior ao valor de avaliação do prédio e ao seu valor patrimonial tributário, motivo pelo qual não foi aceite como garantia para o PEF pela administração tributária.
A dívida exequenda, para efeitos do disposto no art. 3.º, n.º 4, do DL 73/99, não beneficiava da garantia real da penhora do prédio penhorado no PEF, garantia que também não tinha sido aceite pela administração tributária.
Como tal os juros de mora são devidos à taxa de 1% e não de 0,5% como pretende a impugnante.».
Apreciando.
O regime invocado pela Recorrente consta do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março, que, à data da situação dos autos, dispunha da seguinte forma:
Artigo 3.º (Taxa)
1 - A taxa de juros de mora é de 1%, se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.
2 - Sobre os juros de mora não recaem quaisquer adicionais quer para o Estado quer para outras entidades públicas.
3 - A taxa referida no n.º 1 é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária.
4 - O montante coberto por garantias reais é determinado por diferença entre o valor atribuído ao bem pela entidade credora e o valor das garantias constituídas a favor de terceiros, quando gozem de prioridade.
(…)».

Para que o regime em apreço possa ser aplicado é necessário que a dívida esteja efetivamente coberta por garantia real, ou seja, por garantia que realmente permita que o credor seja pago pelo valor em dívida. Daí que o legislador apenas também admita a garantia bancária como meio de redução da taxa de juro de mora, pois esta modalidade de garantia é certa e segura. Ou seja, tratam-se de duas formas seguras de o credor público receber o pagamento das dívidas.
Daqui resulta que, não sendo a penhora uma garantia real, apenas se pode equiparar a penhora a garantia real, se efetivamente a penhora tiver a possibilidade de ser executada em primeiro lugar a favor do credor e não pelo simples facto de o bem se encontrar penhorado. É que a penhora, só por si, não garante o pagamento do montante em dívida ao credor.

Ora, segundo dado por assente na alínea H) da matéria de facto, o prédio que deu origem à dívida exequenda, tem o valor patrimonial tributário de € 206.280,00, foi penhorado na execução fiscal em 07/07/2005, penhora essa que foi registada em 14/07/2005.
Por sua vez, sobre o mesmo prédio já existia uma hipoteca voluntária, para garantia do montante máximo assegurado de 193.187.500$00 (escudos), por hipoteca registada em 09/10/1998. (Convertendo Esc.: 193.187.500$00, em euros, corresponde a 963.615,19 euros). Vide alínea I) do probatório.
Para além disso, sobre o mesmo prédio foi realizada hipoteca legal a favor da Segurança Social, pelo valor de Esc.: 63.328312$00.
Portanto, o valor hipotecado ultrapassa em muito o valor patrimonial tributário do imóvel, pelo que sendo a hipoteca uma garantia real, uma penhora não pode assegurar o pagamento da dívida exequenda, salvo se tiver privilégio creditório. No caso o valor da Sisa era de € 59.781,81 [vide alínea C) do probatório].
Sucede que, quer o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, quer o Código Civil, apenas preveem que o crédito do imposto de Sisa possui privilégio creditório sobre os bens transmitidos, conforme decorre do disposto no artigo 130.º do CIMSISSD e do artigo 744.º do Código Civil que estabelecem o seguinte:
Artigo 130.º
A Fazenda Nacional tem privilégio mobiliário e imobiliário sobre os bens transmitidos, nos termos do Código Civil, para ser paga da sisa e do imposto sobre sucessões e doações, podendo executar a todo o tempo esses bens, embora tenham passado, antes ou depois da liquidação, para poder de terceiro, salvo se o tiverem sido por venda judicial em processo a que o Estado deva ser chamado a deduzir os seus direitos.

Artigo 744.º (Contribuição predial e impostos de transmissão)
1. Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
2. Os créditos do Estado pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações têm privilégio sobre os bens transmitidos.

Ora, o prédio em apreço não foi transmitido pelo que a Fazenda Pública não detém privilégio creditório sobre o imposto em cobrança na execução fiscal, que é o imposto de Sisa.
Desta forma, a penhora não garante o pagamento da dívida do imposto de Sisa, pelo que não está satisfeita a exigência legal de que o crédito possa ser satisfeito eficazmente, sendo esta garantia de efetivo pagamento da dívida, que permite a redução da taxa de juro de 1%, para 0,5%, segundo a interpretação mais consentânea com a intenção do legislador plasmada no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março.
Em face ao exposto, também nesta parte, o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - O pagamento de juros de mora pelo contribuinte é exigido desde que a dívida tributária não seja paga dentro do prazo estabelecido para o efeito.
II - A penhora que não garanta o pagamento da dívida exequenda, em virtude de existirem hipotecas, não satisfaz a exigência legal de efetivo pagamento da dívida, pelo que não que é admissível a redução da taxa de juro de 1%, para 0,5%, segundo a interpretação mais consentânea com a intenção do legislador plasmada no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 26 de outubro de 2023.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Cristina Travassos Bento