Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00661/10.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/07/2013
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO CONTRADITÓRIO
NULIDADE SENTENÇA
OMISSÃO FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. O artigo 3º do CPC consagra os princípios do pedido e do contraditório, e o seu nº3 impõe ao juiz o cumprimento deste último «ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem»;
II. O artigo 201º do CPC, que trata das «regras gerais sobre a nulidade dos actos», diz que «…a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa»;
III. A falta de notificação às partes, antes da prolação da sentença final, de um documento junto aos autos por terceiro a mando do tribunal, constitui omissão sancionada com a nulidade processual prevista no artigo 201º do CPC;
IV. O incumprimento que integra a hipótese legal da alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC, e que conduz à nulidade da sentença, não é o da obrigação emergente do artigo 653º, nº2, do CPC, mas antes o da que emerge do artigo 659º, nº2, do mesmo código, e a que corresponde, na área do contencioso administrativo, o artigo 94º, nº2, do CPTA.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:FP(...)
Recorrido 1:FC(...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
A Freguesia da P(…) [FP] concelho de Cantanhede – vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [TAF] em 15.07.2011 – que absolveu a Freguesia da C(…) [FC] concelho de Cantanhede – do pedido da sua condenação a reconhecer que o limite das duas freguesias é o que resulta do texto da Lei nº51-B/03, de 09.07, e não da representação cartográfica a ela anexa - o saneador/sentença recorrido culmina acção administrativa comum, tramitada sob a forma ordinária, em que a ora recorrente FP demanda a ora recorrida FC pedindo ao TAF que a condene no dito pedido, cuja versão actual resulta de correcção feita pela autora ao pedido inicial.
Conclui assim as suas alegações:
1- A FP sempre teve, e tem, dúvidas sobre qual será o limite sul da FC;
2- Bastou-se o TAF, portanto, com a enunciação da sua posição, sem nunca fundamentar, de modo a eliminar a dúvida gerada pela Lei;
3- Nunca se analisou na sentença recorrida criticamente os factos dados como assentes para se chegar à conclusão de que a interpretação que devia valer era a que entendia que a delimitação da FC corresponde ao consagrado no mapa anexo àquela;
4- A sentença recorrida incorre na violação do disposto no artigo 94º, nº2, do CPTA;
5- Não cumpre também o disposto no artigo 653º, nº2, do CPC, por não proceder a uma análise critica das provas com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador;
6- A fundamentação contextualmente externada não esclarece a FP nem a FC do percurso feito pelo TAF, de molde a que ficassem informadas das razões que sustentam da decisão;
7- É nula a sentença recorrida por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão [artigo 659º, nº2, e 668º, nº1 alínea b), do CPC];
8- O extracto cartográfico junto aos autos pelo TAF, ao ter sido notificado às partes intervenientes no processo aquando da prolação da sentença recorrida, viola o princípio do contraditório, disposto no artigo 3º, nº3, do CPC;
9- Verifica-se uma omissão de formalidade prescrita na lei que constitui nulidade [artigo 201º do CPC];
10- A FP defende que a delimitação efectiva deve corresponder à descrita no texto da Lei, pelos factos assentes na sentença recorrida.
Termina pedindo o provimento do recurso jurisdicional, com a declaração de nulidade da sentença recorrida, e condenando-se a ré FC a reconhecer que «o limite sul da sua área circunscricional é de acordo com a descrição efectuada no texto da Lei nº51-B/93, de 09.07».
A FC não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público pronunciou-se pela total improcedência do recurso jurisdicional [artigo 146º nº1 do CPTA].
A esta pronúncia não houve qualquer reacção das partes.
De Facto
São os seguintes os factos considerados pertinentes e provados na sentença recorrida:
1- Pelo DL nº29978, de 17.10.1939, foi anexado à freguesia de P(…)o lugar de Montinho, do concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, que actualmente faz parte das freguesias de FC(…), das quais é desintegrado;
2- A Junta de Freguesia de C(…) foi criada pela Lei nº51-B/93, de 09.07;
3- Consta da acta da reunião ordinária da Assembleia de Freguesia de P(...), realizada no dia 14.12.2006 [documento nº4 anexo à petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido aqui]:
«4- Apreciação, discussão e votação da proposta sobre os limites administrativos da Freguesia da P(...).
O Presidente da Assembleia apresentou ofício advindo da Junta de Freguesia com o seguinte conteúdo: “Na sequência do ofício nº10817 de 27.09.2006, emanado da Câmara Municipal de Cantanhede, vimos pelo presente submeter à apreciação e discussão da Assembleia de Freguesia os limites administrativos da Freguesia de P(...). Considerando que esta é uma oportunidade para tentar esclarecer dúvidas que se levantam entre os populares e que poderão ter a ver com a constituição da freguesia da C(...) em 1993” […]».
Nada mais foi dado como provado.

De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para esse efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA.

II. A autora da acção administrativa comum pede ao TAF, após ter corrigido o petitório inicial, que condene a ré a reconhecer que o limite das duas freguesias é o que resulta do texto da Lei nº51-B/03, de 09.07, e não da representação cartográfica a ela anexa.
Em substância, a autora pretende ver reconhecido que o lugar do «Montinho» pertence à sua circunscrição territorial, e não à da ré, que foi criada pela dita Lei nº51-B/93, de 09.07.
Na verdade, recolhe-se da sua articulação que o referido lugar pertence à sua circunscrição territorial desde 1939 [DL nº29.978, de 17.10.39, Decreto Episcopal de 28.11.39], e que isso mesmo resulta dos limites patentes no texto da dita lei, porém, ao contrário do texto, tudo indica que os dados do cartograma a ele anexo vão no sentido da sua inclusão no domínio territorial da ré.
É, pois, a resolução da dúvida sobre os exactos contornos das duas freguesias confinantes, naquela parte que envolve o lugar do «Montinho», que foi pedida ao TAF.
E o TAF, depois de ter fixado a matéria de facto que julgou ser pertinente e provada, proferiu o seguinte julgamento de direito:
[…]
Contra quanto defende a ré, não pretende, desta vez, a autora, impugnar o diploma legal de criação da autarquia ré [como fez na acção que correu termos neste tribunal sob o nº649/09.6BECBR, de cuja decisão a ré juntou cópia simples].
Impetra tão só que o tribunal proceda à delimitação formal da fronteira entre as partes, interpretando a lei criadora da ré.
Invoca, para tanto, o argumento histórico de sempre terem pertencido ao seu espaço circunscricional, os lugares de Montinho e Fonte Errada, bem como os factos de os prédios situados a nascente da estrada nacional nº335 estarem inscritos na matriz predial da Freguesia autora, e de a Freguesia ré ter sido criada, exclusivamente, à custa do território da Freguesia de Covões.
Pretende a autora que a Freguesia da C(...) seja condenada a reconhecer que o lugar de Montinho se integra no território sob jurisdição da autora, defendendo [após correcção do pedido] que o limite sul dessa Freguesia tem, de acordo com o texto da Lei nº51-B/93, de 09.07, início no caminho dos Bárrios e final na ligação da Estrada Nacional nº628, com o caminho dos Penedos.
De acordo com a linha traçada na representação cartográfica anexa à Lei nº51-B/93, de 09.07, o limite sul da Freguesia demandada estende-se do caminho dos Bárrios até à ligação de um caminho não identificado, com a estrada nº335.
Verifica-se, assim, uma clara discordância entre a delimitação, a sul, da freguesia criada pela Lei em questão, entre a descrição verbal e a representação cartográfica para a qual remete.
Acontece que a Freguesia autora não expressa a menor dúvida quanto à delimitação efectiva, no terreno, do espaço em litígio, quer segundo o mapa, quer de acordo com a descrição textual, pretendendo simplesmente que o tribunal interprete a Lei nº51-B/93, de 09.07, no sentido de que o limite sul da Freguesia ré corresponde à descrição efectuada no texto da lei, do que resultaria o aumento da sua área de jurisdição.
Tal como evidencia o mapa remetido pela Câmara Municipal e agora notificado às partes, o ponto definido como «ligação da estrada municipal nº628 ao caminho dos Penedos», localizando-se a norte da linha traçada na cartografia anexa à Lei em causa, correspondente à actual fronteira respeitada por ambas as freguesias desde a criação da ré, mais setentrional, retira território e, consequentemente, população, à freguesia ré.
A autora não alega, todavia, que a consideração do limite de acordo com a representação cartográfica tenha sido objecto de disputa, permitindo concluir que vigora desde o acto de criação da freguesia ré, pacificamente aceite pelas partes envolvidas, incluindo a população.
Nos termos do artigo 9º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta […] as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, embora não possa ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
No concreto caso em apreço não se conhecem quaisquer trabalhos preparatórios susceptíveis de contribuir para a interpretação da vontade real do legislador, atenta a divergência entre os limites verbalmente descritos e a sua tradução cartográfica.
Todavia, o facto de o lugar de Montinho ter sido integrado desde 1939 na freguesia autora, e de esta não ter incluído a Comissão Instaladora, não assumem relevância bastante para definir a intenção do legislador, quanto à inclusão, ou exclusão, de tal povoação no espaço circunscricional da nova freguesia.
Assume importância substancialmente superior, o facto de não se fazer, nos autos, referência a qualquer controvérsia, desde a criação da Freguesia ré, sobre a delimitação vertida no cartograma anexo à Lei, confirmativo de que a intenção que lhe subjaz, e que em regra corresponde à vontade expressa pelos legítimos representantes das populações envolvidas, foi, efectivamente, operar a divisão entre as freguesias de acordo com ele.
Se assim não fosse, a questão teria sido imediatamente suscitada, motivando certamente a adequação da representação cartográfica à descrição constante do texto, e não apenas cerca de treze anos volvidos sobre a publicação da Lei.
A interpretação da lei com os fundamentos supra expostos, encontra clara correspondência, no mapa anexo à Lei interpretanda.
Decisão:
Na apontada conformidade, julga-se improcedente o pedido, dele se absolvendo a ré.
[…]
A autora, FP, imputa nulidade a esta sentença do TAF [artigo 668º, nº1 alínea b), do CPC], e invoca, ainda, uma nulidade processual que, se proceder, terá óbvias repercussões na validade da sentença recorrida [artigo 201º do CPC].
Ao conhecimento dessas duas nulidades se reduz, portanto, o objecto deste recurso jurisdicional.

III. Da invocada nulidade processual [artigo 201º do CPC].
Alega a recorrente que o extracto cartográfico junto aos autos por iniciativa do tribunal só lhe foi notificado conjuntamente com a sentença recorrida, motivo pelo qual considera ter sido omitido o cumprimento do devido contraditório, omissão que configura uma irregularidade sancionada com nulidade, tudo nos termos dos artigos , nº3, e 201º, do CPC [ex vi 1º CPTA].
Lembramos que o artigo do CPC consagra os princípios do pedido e do contraditório, e que o seu nº3 impõe ao respectivo juiz o cumprimento deste último «ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. E que o artigo 201º do CPC, que trata das «regras gerais sobre a nulidade dos actos», diz que «…a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» [nº1].
Compulsados os autos, constatamos que o extracto cartográfico que foi junto pela Câmara Municipal de Cantanhede [folhas 74 e 75 autos], a solicitação do TAF [folha 69], é proveniente da «Divisão de Informação Geográfica» do seu «Departamento de Urbanismo», enquanto outro extracto, que já constava dos autos como cópia, tem como fonte o «Instituto Geográfico do Exército» [folha 39 dos autos].
Enquanto elemento novo, não obstante ter sido obtido a pedido do tribunal, não temos quaisquer dúvidas de que a junção aos autos desse extracto cartográfico fornecido pelos serviços camarários devia ter sido notificada às partes, nomeadamente à autora ora recorrente, abrindo-se sobre ele, assim, o necessário contraditório.
A falta desta notificação, antes da prolação da sentença final, configura omissão de formalidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, a ocorrer com aquela sentença.
Mas não bastará concluir pela ocorrência desta irregularidade, indutora de nulidade processual nos termos dos artigos , nº3, e 201º, do CPC, é necessário apurar, também, se a autora foi zelosa, nos termos que lhe exige a lei processual, na arguição da mesma.
A este respeito diz o artigo 205º do CPC [aplicável ex vi 1º CPTA], que se a parte não estiver presente, por si ou por mandatário, aquando da ocorrência da nulidade, que é o caso, «…o prazo para a arguição [que é de 10 dias – artigo 153º nº1 do CPC] conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência» [nº1].
Ora, a verdade é que depois de ter sido junto aos autos, pelos serviços camarários e a pedido do tribunal, o extracto cartográfico proveniente do «Departamento de Urbanismo», tanto o «Presidente da Junta de Freguesia de P(...)» como o respectivo mandatário da autora estiveram presentes, em 18.05.2011, numa «Audiência Preliminar» realizada neste processo [folhas 84 e 85 dos autos], não tendo aí levantado qualquer questão sobre aquele documento.
Sendo certo que nessa data, por via do disposto no nº1 desse artigo 205º do CPC, começou a contar o dito prazo de 10 dias para a autora arguir a nulidade cometida, certo é também que aquando da apresentação das alegações de recurso jurisdicional, em 22.11.2011, há muito ele tinha caducado.
E é com base neste perda do direito da autora em invocar a nulidade processual ocorrida que ela aqui deverá soçobrar. Se não a invocou atempadamente perante o tribunal a quo, não pode a autora, ora como recorrente, invocá-la ex novo perante o tribunal ad quem.

IV. Da alegada nulidade da sentença recorrida [artigo 668º, nº1 alínea b), do CPC].
A este respeito a recorrente invoca 4 normas legais: - o artigo 94º, nº2, do CPTA, que obriga a que na fundamentação da sentença o juiz discrimine os factos provados e indique, interprete e aplique, as normas jurídicas correspondentes; - o artigo 653º, nº2, do CPC, segundo o qual a decisão proferida sobre matéria de facto declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador; - o artigo 659º, nº2, do CPC, que vem impor, no âmbito processual civil, exactamente a mesma obrigação acima citada com referência ao artigo 94º, nº2, do CPTA; - e o artigo 668º, nº1 alínea b), do CPC, que comina com a nulidade a sentença em que o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
E, com base neles, alega que o TAF não analisou criticamente os factos dados como provados, nem esclarece as partes de modo a ficarem a conhecer as razões que suportam a decisão. No fundo, diz que o TAF não eliminou a dúvida cuja resolução lhe foi solicitada.
Mas, cremos, não lhe assiste razão.
Convém ter em conta, desde logo, que o incumprimento que integra a hipótese legal da alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC [aqui aplicável supletivamente por força do artigo 1º do CPTA], e que conduz à nulidade da sentença, não é o da obrigação emergente do artigo 653º, nº2, do CPC, mas antes o da que emerge do artigo 659º, nº2, do mesmo código, e a que corresponde, na área do contencioso administrativo, o artigo 94º, nº2, do CPTA.
A exigência de discriminação dos «factos não provados», com a «análise crítica das provas» e a «especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador» apenas é imposta ao julgamento autónomo da matéria de facto, e que sucede à discussão da factualidade vertida em quesitos e sujeita ao fogo da prova que previamente foi indicada pelas partes. É isso que se conclui quer da letra quer da integração sistemática do artigo 653º, nº2, do CPC.
No presente caso, o TAF, logo em sede de despacho saneador, julgou-se habilitado a proferir sentença final, por entender que os factos necessários à apreciação da questão que lhe era colocada já estavam assentes, e não havia factualidade controvertida carente de ser vertida em quesitos a sujeitar a prova pessoal, pericial, ou outra.
Este entendimento sobre a pertinência e suficiência da matéria de facto que acabou por seleccionar, e reduzida a três pontos com base documental, pode consubstanciar julgamento de facto errado, mas certamente que não constitui falta de especificação dos factos que justificaram a concreta decisão de direito que foi tomada. Pelo menos não constitui uma falta total, completa.
Na verdade, a nulidade invocada pela recorrente, que é, como vimos, a da alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC, já transcrita, tem vindo a ser interpretada e aplicada pelos nossos tribunais, de forma praticamente uniforme, no sentido de que somente ocorre quando se verifique uma completa ausência de fundamentação, e não quando a fundamentação seja incompleta ou deficiente, pois só no primeiro caso o destinatário da sentença ficará na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada a decisão, e o tribunal ad quem ficará impedido de sindicar a lógica inerente ao silogismo judiciário que a ela presidiu - por todos, AC STJ 26.02.2004, Rº03B3798, AC STA de 26.07.2000, Rº46382, e AC STA de 19.09.2012, Rº0862/12.
Ora, a sentença recorrida apresenta fundamentação de facto, e, na medida em que os três factos nela indicados têm natural suporte documental, a eles inere a respectiva base de sustentação. E porque não houve discussão da matéria de facto, sujeita a julgamento, não seria legalmente necessário, como dissemos, elencar os factos não provados e proceder à análise crítica da respectiva prova produzida.
Quanto aos fundamentos de direito, ou seja, às razões que justificam a decisão, importará ter presente que o TAF considerou que a autora lhe solicitava apenas a delimitação da fronteira entre o seu território e o da ré mediante a interpretação da lei criadora desta última, por se verificar uma clara discordância da sua delimitação, a sul, entre a descrição verbal e a representação cartográfica para que esta remete. E, na sequência da questão decidenda assim coada, o TAF considerou, ainda, que o facto de o lugar do «Montinho» ter sido integrado desde 1939 na freguesia autora não assumia relevância bastante para definir a intenção do legislador quanto à inclusão ou exclusão de tal lugar no espaço circunscricional da nova freguesia, isto é, da ré FC, antes assumiria uma importância substancialmente superior o facto de não se fazer, nos autos, referência a qualquer controvérsia, desde a criação da ré, sobre a delimitação vertida no cartograma anexo à Lei, confirmativo de que a intenção que lhe subjaz, e que em regra corresponde à vontade expressa pelos legítimos representantes das populações envolvidas, foi, efectivamente, operar a divisão entre as freguesias de acordo com ele, porque se assim não fosse essa questão teria sido imediatamente suscitada, motivando certamente a adequação da representação cartográfica à descrição constante do texto, e não apenas cerca de treze anos volvidos sobre a publicação da Lei. E nesta base se concluiu, na sentença, que a interpretação da lei com os fundamentos supra expostos, encontra clara correspondência, no mapa anexo à Lei interpretanda.
Foi esta abordagem jurídica que o TAF entendeu ser a que se lhe impunha fazer em face da correcção feita ao pedido inicial pela autora, e que efectivamente fez, invocando as regras interpretativas do artigo do Código Civil.
E mais uma vez dizemos, agora em relação aos fundamentos de direito que concretamente justificam a decisão, que eles existem, porventura errados, mas existem. E porque existem não se verifica a «falta de especificação» que constitui o suporte da nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC.
Também não é verdade que o TAF não tenha resolvido a dúvida que lhe foi colocada. Resolveu, no sentido da delimitação resultante do cartograma junto à Lei nº51-B/93, de 09.07. Se convenceu ou não as partes, nomeadamente a recorrente, isso já é outra questão…
Assim, esta nulidade deverá também improceder, e, com ela, todas as conclusões apresentadas pela recorrente.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e ser mantida a sentença recorrida.
Assim se decidirá.

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência, os Juízes deste Tribunal Central, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pela recorrente – artigos 446º CPC, 189º CPTA, e regras do RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] com Tabela I-B a ele anexa.
D.N.
Porto, 07.03.2013
Ass.: José Veloso
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Isabel Soeiro