Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00757/18.2BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/17/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Margarida Reis
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; INDEFERIMENTO LIMINAR; COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS PORTUGUESES;
ASSISTÊNCIA MÚTUA EM MATÉRIA DE COBRANÇA DE CRÉDITOS RESPEITANTES A IMPOSTOS, DIREITOS E OUTRAS MEDIDAS; DIRETIVA N.º 2010/24/UE, DO CONSELHO; DL 263/2012
Sumário:I. Para a determinação da competência internacional dos Tribunais tributários no que se refere à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas não há que fazer apelo ao disposto no art. 62.º do CPC, como expressamente resulta do disposto no art. 59.º do mesmo Código.

II. O que resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 14.º da Diretiva n.º 2010/24/EU conjugados com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 30.º do DL 263/2012 é que se o crédito tributário ou o título executivo forem objeto de reação contenciosa, será competente para dirimir o litígio a autoridade do Estado Requerente (do pedido de assistência), que deverá ser apreciado e decidido em conformidade com a legislação interna desse Estado; se em causa estiver qualquer medida de execução adotada no Estado Requerido (o que está a proceder à cobrança), será competente a autoridade deste Estado, que a apreciará de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares.

III. Estando em causa nos presentes autos uma questão relativa à relação material representada no título executivo, ou seja, à configuração do crédito/obrigação em causa, concretamente, à natureza do fundamento jurídico para a sua exigibilidade à aqui Recorrente, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que a competência internacional para dirimir o conflito cabe à autoridade competente no Estado-Membro requerente da assistência mútua – no caso, o Luxemburgo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
A., com os demais sinais nos autos, inconformada com a decisão proferida em 2018-09-17 pelo TAF de Aveiro, que se considerou incompetente “em razão da nacionalidade” para conhecer da oposição à execução fiscal n.º 0140201801024… que o Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro move contra si para cobrança coerciva do montante de EUR 136.560,58, referente a dívida ao Estado do Luxemburgo – Serviços Tributários do Recette Centrale TVA, e, em consequência, indeferiu a mesma liminarmente, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
22.º
A recorrente não se conforma com o indeferimento liminar da petição inicial fundamentado da declaração de o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, declarou-se incompetente em razão da nacionalidade, aplicando erradamente o direito, violou nomeadamente o artigo 62.º, n.º 1 a) do C. P. Civil e a lei n.º 263/12, de 31 de Dezembro, nomeadamente o seu artigo 30.º Bem como os principio consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
23.º
A Douta Sentença ora recorrida relevou que a ora recorrente pediu a anulação do acto de reversão, deduzindo oposição ao processo de execução fiscal dos autos com os seguintes fundamentos:
- Falta de fundamentação da decisão de reversão.
- Ilegitimidade do ora recorrente, por falta de exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária.
24.º
A Douta sentença declara que ocorre incompetência do Tribunal “a quo” em razão da nacionalidade para conhecimento dessas duas questões.
25.º
Após invocação de diplomas legais, conclui o Tribunal “a quo” que tendo a ora recorrente configurado a sua responsabilidade como subsidiária, com os fundamentos ali referidos, nomeadamente a sua ilegitimidade, o Tribunal competente seria o Tribunal do Estado requerente, invocando até um Acórdão do STJ proferido no dia 25/03/2015 no processo 01951/13, que alegadamente sustentaria esta decisão.
26.º
Analisando tal Acórdão, constata-se que no seu ponto “2.2.1 A questão o apreciar e decidir” identifica entre outras no seu ponto ii) no campo de aplicação da Directiva não se incluem os devedores subsidiários (cfr. itens 47.º a 69.º da petição inicial);

27.º
Aquele Acórdão invocado pela sentença ora recorrida, percorreu depois um caminho legal e doutrinariamente interpretativo que conduziu às seguintes conclusões no ponto 2.2.3, sublinhando o que de mais relevante interessa para a decisão do presente recurso:
I - A competência internacional deve ser aferida em face do pedido deduzido e das concretas causas de pedir em que o autor o suporta.
II - Saber se os fundamentos invocados pelo oponente na petição inicial são ou não adequados ao pedido aí formulado é matéria que se situa já fora do âmbito da competência internacional.
III - Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 62.º do CPC e de acordo com o disposto na Directiva 2010/24/UE, do Conselho de 16 de Março de 2010, e no Decreto-Lei n.º 263/12, de 31 de Dezembro, que a transpôs para a ordem jurídica interna, o tribunal tributário português goza de competência internacional para o conhecimento da oposição deduzida à execução fiscal. a correr termos no respectivo serviço de finanças ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados membros da Comunidade Europeia em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos. mas apenas no que respeita às medidas de execução levadas a cabo pela AT.
28.º
Tendo a Decisão proferida no Acórdão do STJ sido a seguinte, sublinhando o que de relevante interessa para a matéria sub judice no presente recurso:
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido na parte em que julgou o Tribunal Tributário de Lisboa incompetente em razão da nacionalidade para conhecer das duas primeiras questões acima enunciadas e ordenar a baixa dos autos àquele Tribunal. para que os mesmos aí prossigam os seus termos com a apreciação dessas questões. se a tal nada mais obstar.
29.º
Ora precisamente uma dessas questões, e o ponto ii) referido no artigo 26.º Destas conclusões.
30.º
Isto é, estamos perante uma contradição insanável entre o que o Acórdão do STJ decidiu e concluiu e o que a sentença ora recorrida invoca para fundamentar a sua incompetência em razão da nacionalidade, pois um dos fundamentos de oposição configurados pela opoente foi precisamente de que está indevidamente responsabilizada como devedora subsidiária, isto é invoca a sua ilegitimidade para o processo executivo a correr em Portugal, ao abrigo da cooperação comunitária.
31.º
No acórdão do STJ invocado pela sentença recorrida, decide-se que relativamente a esse fundamento, o Tribunal português tem competência internacional para decidir, no entanto na sentença ora recorrida, a oposição por esse fundamento não pode ser apreciada, invocando a sua incompetência em razão da nacionalidade.
32.º
A falta do referido pressuposto processual, só pode e deve ser aferido pelas leis fiscais portuguesas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 32.º do C.P. Civil, porque insertas em medidas de execução ao abrigo do disposto no artigo 30.º do D.L. 263/2012 de 31 de Dezembro.
33.º
A oponente reside e tem domicílio em Portugal e invoca que em Portugal foram adaptadas contra si medidas de execução lesivas, isto é, medidas que o responsabilizam pela dívida de uma sociedade de direito Luxemburguês, e onde se enquadra o acto de reversão.
34.º
Não restam assim duvidas que para apreciação deste concreto fundamento de oposição é competente o TAF de Aveiro pois a acção tem por objecto medidas de execução adoptadas no Estado membro da autoridade requerida, pelo que a Oposição deve ser proposta perante a instância competente para apreciar a questão de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares.
35.º
Aliás esse é o sentido do Acórdão do STJ citado na Sentença ora recorrida, pelo que na primeira instância deverá ser apreciada a questão da legitimidade tal como é configurada pelo oponente.
36.º
O Tribunal português tem competência em razão da nacionalidade para julgar pelo menos a invocada ilegitimidade substantiva da oponente que a configurou fundamentadamente na petição inicial.
37.º
Acresce que a Jurisprudência dominante dos nossos Tribunais Superiores Administrativos, vai nesse sentido.
38.º
O Tribunal a quo faz assim, uma incorrecta aplicação da estatuição dos artigos 62.º n.º 1, a9 dop C. Processo civil, e do artigo 30.º da Lei n.º 263/12 de 31 de Dezembro, violando assim os princípios constitucionais ínsitos nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo:
Face ao exposto e com o Mui Douto suprimento de V.(s) Ex (s). deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e em consequência declarar-se a competência do TAF de Aveiro para o conhecimento das questões da legitimidade da oponente.
***
A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
***
Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, há que apurar se a decisão recorrida padece do erro de julgamento de direito ao considerar que o Tribunal a quo não dispunha de competência internacional para apreciar a ação de oposição à execução interposta pela Recorrente, por estar em causa um litígio a ser dirimido pelas instâncias competentes do Estado-Membro requerente da assistência mútua em matéria de cobrança de créditos, no caso, respeitantes a impostos, tendo com esse fundamento indeferido a mesma liminarmente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Nos termos do disposto no n.º 1 art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, fixam-se os seguintes factos relevante para a decisão:
1. Em 2018-04-17 foi autuado pela Direção de Finanças de Aveiro o processo de execução fiscal n.º 140201801024… no qual figura como executada a aqui Recorrente A., por dívidas no montante de EUR 136.560,58, com proveniência em “CIMAMCCEM CE” (cf. autuação, constante da certidão de fls. 14 e segs. dos autos, numeração do SITAF).
2. Do processo de execução fiscal n.º 140201801024… constam 7 títulos executivos uniformes relativos a créditos abrangidos pela Diretiva 2010/24/EU, emitidos em 2018-02-04 no Luxemburgo, figurando como “serviço responsável pela constituição do crédito” a “Recette Centrale TVA”, a aqui Recorrente A. como co-devedora das quantias exequendas, referentes a IVA (VAT) dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2016, e 2017, e a “R., SCI” como “devedora principal” (cf. títulos executivos, constante da certidão de fls. 14 e segs. dos autos, numeração do SITAF).
3. Dos títulos executivos uniformes referidos no ponto anterior consta que os correspondentes títulos executivos iniciais, no Estado requerente Luxemburgo, foram “já notificado[s] ao devedor de acordo com a legislação interna do Estado requerente (Luxemburgo)” (cf. títulos executivos, constante da certidão de fls. 14 e segs. dos autos, numeração do SITAF).
4. Em 2018-05-23 foi emitido pelos serviços do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro o ofício n.º 300264-SF/18, dirigido ao mandatário da ora Recorrente, e rececionado pelo mesmo, com o seguinte teor (cf. ofício e carta subscrita pelo mandatário acusado a respetiva receção, constantes da certidão de fls. 14 e segs. dos autos, numeração do SITAF):
Tendo em consideração os fundamentos aduzidos na oposição à execução fiscal n.º 0140201801024, instaurada contra à executada A., NIF (…), para cobrança de uma dívida no âmbito da assistência mútua entre Estados Membros da Comunidade Europeia, emitida pelos Serviços de Tributários Recette Centrale TVA - Luxemburgo, no montante de € 136.560,58, acrescido de juros de mora e custas processuais, entendemos que a oposição deveria ser apresentada perante instância competente do Estado Membro onde a entidade requerente tem a sua sede, de acordo com as regras processuais e linguísticas em vigor nesse mesmo Estado.
Nos termos do artigo 30º do DL 263/2012, de 20 de dezembro (transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2010/24/EU do Conselho, de 16/03/2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitante a impostos, direitos e outra medidas) e do artigo 62° do Código de Processo Civil, considera-se que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF Aveiro) não goza de competência internacional para conhecimento dos fundamentos expostos na oposição à execução.
Destarte, face ao exposto, fica V Exª notificado, na qualidade de mandatário da oponente, para no prazo de 15 dias, pronunciar se pretende desistir da acção ou prosseguir com a mesma para o TAF de Aveiro.
(…)
***
II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a decisão sobre recurso padece do erro de julgamento de direito que é invocado pela Recorrente.
Assim, argumenta a Recorrente, em síntese, que na decisão recorrida é feita uma incorreta interpretação do art. 62.º, n.º 1 a) do CPC, da Lei n.º 263/12, de 31/12 (nomeadamente do seu artigo 30.º), e dos principio consagrados nos arts 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), por ali se concluir que Tribunal a quo não dispõe de competência internacional para apreciar a oposição à execução fiscal n.º 140201801024…, na qual é executada por dívidas de IVA referentes anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2016, e 2017, com base em 7 títulos executivos uniformes emitidos em 2018-02-04 no Luxemburgo, relativos a créditos abrangidos pela Diretiva 2010/24/EU.
Desde já se antecipa que a Recorrente não tem razão.
Senão, vejamos.
Uma vez que no contencioso tributário e no contencioso administrativo não é regulada a competência internacional dos tribunais administrativos e fiscais, há que aplicar subsidiariamente, nesta matéria, as regras do Código de Processo Civil, tal como resulta do disposto na alínea e) do art. 2.º, CPPT.
Sucede, porém, que no próprio CPC quanto à fixação das regras para a competência internacional dos tribunais, se dispõe expressamente que ficam ressalvadas as regras estabelecidas “em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais” [cf. art. 59.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do art. 2.º do CPPT].
Refira-se ainda que “(…) para o processo de execução fiscal em si, como para todo o contencioso judicial que a ele se encontra associado […] a este nível de assistência entre Estados na cobrança de créditos fiscais, não são aplicáveis os instrumentos de cooperação judiciária entre Estados Membros que vigoram em matéria civil e comercial, área onde funciona, como sabem, uma Rede Judiciária Europeia regida por diversas Diretivas e Regulamentos.” (cf. NETO, Dulce – A competência internacional dos Tribunais Tributários ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados-Membros da UE em matéria de cobrança de créditos fiscais. In AAVV – Contraordenações Tributárias e Temas de Direito Processual Tributário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016. Disponível na internet: <https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=y2FACPFabrc%3d&portalid=30>, p. 47-63).
Pelo que a primeira conclusão a retirar é a de que a Recorrente não tem razão ao invocar o disposto no art. 62.º do CPC, que não é aqui aplicável, atento o disposto no art. 59.º, do mesmo CPC.
Com efeito, a competência para a resolução de litígios nesta matéria é definida no art. 14.º da Diretiva n.º 2010/24/UE, do Conselho, de 16 de março de 2010 (doravante Diretiva n.º 2010/24/UE), relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas (disponível para consulta em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32010L0024&from=PT) e no art. 30.º do DL 263/2012, de 20 de dezembro (doravante, DL 263/2012), diploma por força do qual esta diretiva foi transposta para a ordem jurídica interna.
Nos n.ºs 1 e 2 do art. 14.º da Diretiva n.º 2010/24/EU dispõe-se o seguinte:
Artigo 14.º
Litígios
1. Os litígios relativos ao crédito, ao título executivo inicial no Estado-Membro requerente ou ao título executivo uniforme no Estado-Membro requerido e os litígios sobre a validade de uma notificação efectuada por uma autoridade competente do Estado-Membro requerente são dirimidos pelas instâncias competentes do Estado-Membro requerente. Se, durante o processo de cobrança, o crédito, o título executivo inicial no Estado-Membro requerente ou o título executivo uniforme no Estado-Membro requerido for impugnado por uma parte interessada, a autoridade requerida informa essa parte de que a acção deve ser por ela instaurada perante a instância competente do Estado-Membro requerente, nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado.
2. Os litígios relativos às medidas de execução tomadas no Estado-Membro requerido ou à validade de uma notificação efectuada por uma autoridade competente do Estado-Membro requerido são dirimidos pela instância competente desse Estado-Membro, nos termos das disposições legislativas e regulamentares que nele vigorem.
(…)
Por sua vez, do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 30.º do DL 263/2012 encontra-se a norma simétrica, ali se dispondo que nos casos em que o pedido de assistência é feito pelas autoridades nacionais (portuguesas) a um outro Estado-Membro, serão as autoridades nacionais (portuguesas) as responsáveis pela resolução dos litígios referentes ao crédito, ao título executivo inicial e ao título executivo uniforme.
Ou seja, e em síntese, o que resulta das citadas disposições é que se o crédito tributário ou o título executivo forem objeto de reação contenciosa, será competente para dirimir o litígio a autoridade do Estado Requerente (do pedido de assistência), que deverá ser apreciado e decidido em conformidade com a legislação interna desse Estado; se em causa estiver qualquer medida de execução adotada no Estado Requerido (o que está a proceder à cobrança), será competente a autoridade deste Estado, que a apreciará de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares.
A Recorrente insiste que em causa estará a “reversão” de uma dívida contra si, que essa reversão é ilegal - uma vez que alega não ter sido gerente de facto da “devedora originária” -, que a decisão subjacente a essa reversão não se encontra fundamentada, uma vez que nada esclarece quanto à (in)existência de bens penhoráveis da “devedora originária”, e que para dirimir este conflito é competente o tribunal português, concretamente, o TAF de Aveiro, o que no seu entender resultaria, além do mais, da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2015-03-25, no proc. 01951/13 (disponível para consulta em www.dgsi.pt) (e não do Supremo Tribunal de Justiça, como refere, certamente por lapso), aliás, citado na decisão sob recurso.
Ora, antes de mais, importa sublinhar que as questões que suscita na PI têm a ver com a natureza da obrigação ou do crédito representado no título executivo, pelo que, e como foi já referido, o que resulta do regime aplicável é que a competência para dirimir o conflito cabe às autoridades competentes do Estado-Membro requerente, no caso, o Luxemburgo.
Com efeito, por título executivo devemos entender “o documento pelo qual o requerente da realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito ou poder a uma prestação, segundo requisitos legalmente prescritos”, cumprindo assim a função de certificação da aquisição do direito (cf. PINTO, Rui – A Ação Executiva. 2.ª reimpressão. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 137).
No caso está em causa o título executivo uniforme, regulado no art. 12.º da Diretiva n.º 2010/24/EU, e no art. 25 do DL 263/12, que reflete o conteúdo essencial do título executivo inicial, e que não está sujeito a qualquer ato de reconhecimento, completamento ou substituição no Estado-Membro requerido, no caso, Portugal (cf. n.º 2 do art. 25.º do DL 263/12).
O crédito será então a obrigação ali representada, devendo corresponder a “(…) uma obrigação que o executado deva cumprir ao tempo da citação e que seja qualitativa e quantitativamente determinada (…)”, ou seja, deverá ser exigível e determinada (idem, p. 229).
Ora, atendendo a que o crédito aqui em causa se revela exigível e determinado em face do respetivo título executivo, na qual a Recorrente figura como codevedora (cf. ponto 2, da fundamentação de facto), o que está em causa no presente litígio não é o título executivo, mas o próprio crédito, cuja exigibilidade relativamente a si a mesma pretende questionar.
Alega a Recorrente que estando em causa a “reversão” de uma dívida, o que resultaria do supracitado aresto, e da “Jurisprudência dominante dos nossos Tribunais Superiores Administrativos” - que não identifica, mas que se supõe tratar-se do Acórdão do STA proferido em 2015-01-07, no proc. 01570/13, no qual esteve em causa uma situação de reversão -, é que a competência para dirimir o conflito caberia às autoridades nacionais, no caso, ao TAF de Aveiro.
Sucede que, e como claramente resulta do título executivo, em causa não está uma qualquer reversão, mas antes uma situação de corresponsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda, figurando a aqui Recorrente no referido título com a qualidade de codevedora (cf. ponto 2, da fundamentação de facto).
Por outro lado, e ao contrário do que refere nos pontos 3 e 3.1 da sua PI, não é feita qualquer alusão na “fundamentação da decisão de reversão” a “que esta é motivada pela Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”, seja no título executivo, seja em qualquer dos documentos constantes no processo de execução fiscal n.º 140201801024…, aqui em causa.
E esta alusão não existe porque, como foi já referido, não está em causa uma reversão da dívida, mas antes a sua coresponsabilidade pelo seu pagamento.
Assim sendo, não há que invocar a favor da Recorrente o decidido no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2015-03-25, no proc. 01951/13.
Com efeito, o que se entendeu neste aresto, no qual estava em causa a interpretação da Diretiva n.º 2010/24/UE aplicável à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas, foi que o Tribunal português era competente para apreciar a questão de saber se o regime de assistência mútua permitia que o Estado Português aceitasse um pedido numa situação em que o devedor responde a título subsidiário.
Sublinhe-se que a invocação desta jurisprudência não é pertinente, não apenas porque nos presentes autos não está em causa uma situação de responsabilidade subsidiária, como porque a questão que a Recorrente invoca não é a de saber se o regime previsto na Diretiva abrange pedidos de assistência mútua em que a responsabilidade pelo crédito é subsidiária, mas sim a de saber se a dívida exequenda em concreto é exigível a esse título. Donde, e ainda que o enquadramento que faz da questão fosse correto, para a sua apreciação sempre seria competente a jurisdição luxemburguesa.
Também não é invocável em benefício da Recorrente o decidido no Acórdão do STA proferido em 2015-01-07, no proc. 01570/13, no qual estava em causa uma situação em que se apurou que a Administração fiscal portuguesa levara a cabo a reversão de uma dívida exequenda no Estado requerente, motivo pelo qual ali se decidiu que a competência para dirimir o conflito cabia ao tribunal português, uma vez que, e como foi já aqui referido, a competência internacional cabe aos tribunais portugueses sempre que em causa esteja qualquer medida de execução adotada em Portugal.
Donde há que concluir que estando em causa uma questão relativa à relação material representada no título executivo, ou seja, à configuração do crédito/obrigação em causa, concretamente, à natureza do fundamento jurídico para a sua exigibilidade à aqui Recorrente, a competência internacional para dirimir o conflito cabe à autoridade competente no Estado-Membro requerente da assistência mútua – no caso, o Luxemburgo – e não ao TAF de Aveiro.
Consequentemente, não se verifica qualquer violação do disposto no art. 62.º, n.º 1 a) do CPC – que como foi referido supra, não tem aplicação no caso em apreço -, do art. 30.º ou de qualquer outra disposição da Lei n.º 263/12, de 31/12.
Também não verifica qualquer violação do disposto nos princípios consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, pois o direito da ora Recorrente de acesso à tutela contenciosa não deixa de existir, devendo simplesmente ser exercido na jurisdição internacionalmente competente, no caso, a luxemburguesa.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
***
Quanto à responsabilidade por custas, em face da decisão de improcedência, a Recorrente decai no presente recurso, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Para a determinação da competência internacional dos Tribunais tributários no que se refere à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas não há que fazer apelo ao disposto no art. 62.º do CPC, como expressamente resulta do disposto no art. 59.º do mesmo Código.
II. O que resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 14.º da Diretiva n.º 2010/24/EU conjugados com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 30.º do DL 263/2012 é que se o crédito tributário ou o título executivo forem objeto de reação contenciosa, será competente para dirimir o litígio a autoridade do Estado Requerente (do pedido de assistência), que deverá ser apreciado e decidido em conformidade com a legislação interna desse Estado; se em causa estiver qualquer medida de execução adotada no Estado Requerido (o que está a proceder à cobrança), será competente a autoridade deste Estado, que a apreciará de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares.
III. Estando em causa nos presentes autos uma questão relativa à relação material representada no título executivo, ou seja, à configuração do crédito/obrigação em causa, concretamente, à natureza do fundamento jurídico para a sua exigibilidade à aqui Recorrente, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que a competência internacional para dirimir o conflito cabe à autoridade competente no Estado-Membro requerente da assistência mútua – no caso, o Luxemburgo.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e assim confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 17 de fevereiro de 2021 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura.