Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00360/22.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE – CONHECIMENTO OFICIOSO – OMISSÃO E/OU EXCESSO DE PRONÚNCIA:
- IMPOSSIBILIDADE DE APROPRIAÇÃO DA ALEGAÇÃO DA RECORRENTE
Sumário:I- Em termos de precedência lógica, compete ao Tribunal conhecer (i) das questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido – designadamente, a existência de eventuais exceções dilatórias -, e, uma vez ultrapassado este crivo processual, do (ii) mérito dos autos sempre nos termos e com o alcance gizados pelas partes, sem prejuízo, claro está, do conhecimento oficioso de quaisquer outras questões que se imponham nos autos.

II- Ora, entre os fundamentos para a extinção da instância figura, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 277.º do CPC, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, cujas causas são de conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação.

III- Assim, a circunstância do Tribunal a quo ter declarado a extinção da instância, com fundamento na impossibilidade superveniente da lide, não faz incorrer o Tribunal em qualquer excesso de pronúncia, por se inserir no âmbito dos poderes ex officio do Tribunal quanto ao “objeto da ação”.


IV- De igual modo, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esta não se abrange as questões submetidas pelas partes cujo conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras, como sucede no caso em apreço.

V- Ante a evidência que o dispositivo atravessado na decisão judicial recorrida fundou-se, não na evidência da falha de notificação dos atos de sanção contratual pecuniária em sede de administrativa, mas antes na constatação de que “(…), na pendência da presente lide, o Requerido deu conhecimento à Requerente nos presentes autos, do conteúdo integral do acto proferido – através da certidão de ata, com data de 10.03.2021 [cfr. ponto AB) do probatório] (…)”, resulta irrelevante apreciar se o Tribunal errou ou não ao sopesar a falha da notificação dos atos de sanção contratual pecuniária em sede de administrativa, já que a eventual validação desta, é insuficiente para, de per se, alterar a decisão da causa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
O MUNICÍPIO (...), com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos na parte em que “(…) (i) por impossibilidade superveniente da lide declaro[u] extinta a instância, nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1ª)
Aferida segundo um critério material e objetivo que tome em consideração não só o resultado final da decisão mas igualmente a sua projeção na esfera jurídica da parte, o Requerido é direta e efetivamente prejudicado pela decisão proferida, assim se escorando a sua legitimidade para a interposição do presente Recurso.
2º)
Considerando a factualidade que o tribunal a quo entendeu deixar como assente (nomeadamente a contida nas alíneas J), K), V) e W) resulta evidente que os actos administrativos postos em causa pela invocação de causas impeditivas da sua eficácia assumem a natureza jurídica de actos constitutivos, assentes numa verificação de circunstâncias que justificaram a sua produção, traduzindo-se na emissão de uma decisão final de conteúdo positivo, que põe termo a um procedimento, impondo ao destinatário o cumprimento de uma obrigação, com este propósito modificando o estado material do direito e nele se contendo ainda as competências adjetivas, no sentido de “acto impugnável” ou “acto lesivo.
3ª)
Perante as formais e definitivas notificações dos atos administrativos que determinam a aplicação das sanções à Requerente - as quais foram levadas a cabo nos termos do preceituado pelo artigo 112°, n° 1 alínea a) e em cumprimento do estabelecido no artigo 114°, ambos do CPA, através de cartas registadas com aviso de receção em 15 de julho de 2021 e que foram recebidas no dia 16 imediatamente seguinte - verifica-se que através delas se levou ao conhecimento da Interessada a decisão tomada no exercício de poderes jurídicos administrativos, visando produzir efeitos jurídicos externos, no âmbito dos identificados procedimentos.
4ª)
Nas comunicações em causa, a perfeição formal da notificação do acto administrativo reconduziu-se tão somente em levar ao conhecimento da destinatária, através de meio cartular com cabeçalho da autarquia e assinado pelo seu Presidente, o sentido da decisão de aplicar sanção contratual pecuniária em determinado montante, esclarecendo-se a data da Reunião Ordinária da Câmara Municipal onde essa decisão foi deliberada e levando-se ainda ao conhecimento da destinatária toda a matéria constante da informação dos Serviços que serviu de base à aprovação de ambas as propostas, matéria esta vertida no extrato da ata que lhe foi levado ao conhecimento com vista à fundamentação do ato.
5ª)
Sem prejuízo do integral cumprimento de todas as formalidades previstas na lei para a sua notificação, o acto definitivo e executório que definia a conclusão do procedimento de aplicação de penalidades contratuais, levado a cabo nos termos previstos no artigo 329° do CCP é só este: o ente público decidiu aplicar essa(s) sanção(ões), nos indicados montantes.
6ª)
A lei não obriga a levar ao conhecimento do interessado a redução a escrito do que se passou na reunião na qual a deliberação foi tomada, muito embora sempre a essa ata possa aceder, em respeito aos princípios da certeza, confiança e transparência, por forma a ficar bem ciente da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente.
7ª)
Conforme prescreve o artigo 60.°, n.° 1, do CPTA, o acto administrativo só deixa de ser oponível ao particular quando a notificação ou a publicação não lhe deem a conhecer o sentido da decisão.
A notificação dos dois atos administrativos agora em questão é clara quanto ao sentido da decisão, quanto à indicação da sua autoria, à data em que foram proferidos e aos seus fundamentos.
8ª)
Para a omissão dos elementos essenciais (pressupondo que foi indicado o sentido da decisão) o legislador previu a faculdade de o interessado requerer a notificação dos elementos em falta bem como, se necessário, requerer a intimação para o efeito, interrompendo-se nesse caso o prazo de impugnação contenciosa - n.°s 2 e 3 do artigo em análise. Não o fazendo, não se interrompe o prazo de caducidade do direito a impugnar o acto.
9ª)
Resultou expressamente confessado que a Recorrida rececionou todos os documentos que lhe foram enviados para o seu domicílio, por via postal registada, os quais traduziam a redução a escrito, com suficiente clareza, do acto em apreço (a aprovação da aplicação de sanções contratuais pecuniárias e o seu respetivo montante), assim ficando ciente da respectiva natureza e conteúdo, sabendo exatamente o sentido e fundamentos do acto que lhe era desfavorável e assim se cumprindo, formal e materialmente, o desiderato da notificação que lhe foi dirigida que por tudo isso não padece de vícios conducentes à nulidade nem sequer à mera anulabilidade.
10ª)
Essas notificações, mesmo que se considerasse não terem sido foi perfeitas (e no caso em concreto, foram), demonstram que se deu a conhecer o sentido e alcance do acto, sendo sabido que a invalidade ou a irregularidade da notificação não é passível de afetar a existência ou a validade do ato e a imperfeição da notificação não equivale à omissão da notificação e não torna inoponível o ato notificado.
11ª)
Após a análise perfunctória, sumária, instrumental e provisória que do procedimento cautelar se espera ou o tribunal entendia haver fumus boni juris no sentido da verificação dessa alegada irregularidade e decretava a providência acautelando o interesse da Requerente ou o tribunal entendia que pareciam estar cumpridos os deveres procedimentais por parte da Administração e não decretava a providência requerida, mas sempre mantendo a acto administrativo, cuja eventual impugnação não lhe foi pedida para decidir nem lhe competia fazê-lo.
12ª)
O interesse processual declarado no presente processo cautelar resumia-se a obter a suspensão da cobrança, por qualquer meio, do pagamento das sanções pecuniárias que foram aplicadas à Requerente.
Não se vislumbra, pois, qual o facto superveniente que determinou que esse interesse não se mantenha ou como o mesmo possa encontrar satisfação fora do esquema da providência pretendida, tendo em vista que a anulação de acto administrativo ou a declaração da sua nulidade, com fundamento em violação da lei, só pode operar-se por via judicial, através de processo próprio regido pelos termos constantes dos artigos 50° e seguintes do CPTA.
O Tribunal a quo não tem a competência para proferir decisão a latere quanto ao definitivo mérito de uma eventual ação de impugnação dos actos administrativos em causa - única forma processual para tanto adequada - pelo que esses actos, quanto à sua validade jurídica, não sofreram qualquer alteração, apesar dos considerandos opinativos contidos na sentença sob censura.
13ª)
A sentença proferida, para além dos vícios de julgamento referidos, suscetíveis de censura, configura-se ainda como uma decisão nula, nos termos previstos nas alíneas c), d) e e) do artigo 615° do CPC.
14ª)
As Notificações dos referenciados atos administrativos não apresentam qualquer patologia jurídica, antes se apresentando como plenamente válidas, eficazes e assim aptas a produzir todos os seus efeitos.
A partir do seu conhecimento iniciaram-se os prazos para a Requerente proceder ao pagamento voluntário ou impugnar as deliberações.
15ª)
O Tribunal a quo - subsumindo a matéria de facto considerada como assente, por provada, às regras legais aplicáveis à circunstância, nomeadamente as contidas nos artigos 148° 112°, 114°, 148°, 151° do CPA, no n.° 2 do artigo 51.° e no artigo 60° CPTA e no artigo 151.° do CPA - deveria ter negado provimento à Providência Cautelar requerida, não a decretando, por inexistirem fundamentos (ou sequer fumus boni juris) para a sua procedência.
Decidindo como decidiu fez má aplicação do Direito, nomeadamente das normas jurídicas referidas. (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida RR---, S.A., produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
1.° O presente recurso vem interposto da sentença que declarou extinta a providência cautelar por impossibilidade superveniente da lide, instaurada quanto ao Recorrente.
2.° O Recorrente não tem legitimidade para recorrer pois não ficou vencido na ação, pelo que não cumpre os pressupostos previstos no artigo 141.° do CPTA para interpor o presente recurso.
3.° O Recorrente alega que se sente prejudicado por uma decisão implícita na sentença, contudo, certo é que o Recorrente não é materialmente prejudicado pela decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pelo que o recurso não deve ser admitido.
4.° O Tribunal a quo esclarece que a matéria coligida como provada dimana da prova documental constante dos autos e do processo administrativo.
5.° Tendo em consideração a receção dos ofícios identificados nos pontos J) e V) do probatório, o objeto da providência cautelar era a falta de oponibilidade do acto de administrativo de aplicação de sanções contratuais pecuniárias por falta da sua notificação à Recorrida.
6.° O douto Tribunal a quo nos factos assentes C), E), F), G), L), M) N), P), R), T), X), Y) teve em consideração as outras notificações emanadas pelo Recorrente a respeito da aplicação dessas sanções sendo que a primeira foi enviada através de um e-mail de 27/09/2017, acompanhado pela Guia de Pagamentos - na alínea C) dos factos provados.
7.° Os dois ofícios enviados à Recorrida informavam que a Câmara Municipal aprovou a aplicação de uma sanção contratual pecuniária, de acordo com a cópia da ata que anexa, sendo esses anexos os documentos referenciados e reproduzidos nos pontos K) e W) do probatório.
8.° Em nenhum destes ofícios consta o ato administrativo referido no ofício, ou seja, a decisão de aplicação de sanções contratuais.
9.° Os dois documentos terminam com a menção:
“-------------- Pelo senhor Vereador, foi exarado o seguinte despacho: “À consideração da Exma. Senhora Presidente sugerindo o encaminhamento do assunto para a deliberação da Câmara”
---------- Pela senhora Presidente foi exarado o seguinte despacho: À Câmara.”
10.° A sentença recorrida confirma que, depois de fornecidos todos os elementos solicitados pela Recorrida para cabal exercício do direito de audição prévia, em 13/07/2021, o Recorrente enviou dois ofícios à Recorrida - respetivamente respeitantes à zona nascente e zona poente - a informar a aprovação pela sua Câmara Municipal da aplicação de uma sanção pecuniária, “(...) de acordo com cópia da ata que se anexa (...) conforme pontos J) e W) do probatório.
11.° O Tribunal a quo verificou que na cópia anexa aos ofícios não consta qualquer deliberação quanto à aplicação de uma sanção pecuniária à Recorrida, conforme pontos K) e W) do probatório (que transcrevem o conteúdo da referida ata anexa), uma vez que, em relação à questão em discussão, o documento remetido à Recorrida termina com a menção de que “(...) Pela Senhora Presidente foi exarado o seguinte despacho: “À Câmara.” (...)”.
12.° Concluindo assim o Tribunal a quo, e bem, que a ata que foi notificada à Recorrida não evidenciava a existência de qualquer deliberação quanto à aprovação de uma sanção contratual pecuniária.
13.° Assim, sobre a forma da notificação do ato administrativo e a sua perfeição, o Tribunal a quo invocou os artigos 112.°, 113.° e 114.° do CPA e aplicando o direito aos factos J), K), V) e W) do probatório concluiu que o acto que aplicou a sanção pecuniária à Recorrida não era oponível àquela data (da notificação) pois a notificação não foi realizada, e muito menos com observância dos formalismos e exigências legais.
14.° A Recorrida só foi notificada, do acto administrativo, ou seja, da deliberação proferida pela Câmara Municipal no exercício de poderes jurídico-administrativos, na pendência da presente lide, com a junção da certidão de ata emitida a 10/03/2021.
15.° Defende o Recorrente que o mero ofício que dá conhecimento da existência de uma deliberação de aplicação de sanções contratuais é suficiente para ser oponível ao destinatário, o que não se aceita.
16.° Não é pelo facto do ofício referir a data da reunião ordinária da Câmara Municipal onde foi proferida a deliberação que exonera o Recorrente de notificar a Recorrida do acto administrativo.
17.° Não é aceitável o alegado pelo Recorrente quanto à fundamentação dos atos administrativos em causa, pois a Recorrida não foi notificada das deliberações da Câmara, nem lhe cabia inferir que a fundamentação do acto seria toda a matéria constante de informação dos Serviços que constava nos documentos juntos com os ofícios referenciados nos pontos J) e V) do probatório.
18.° Com efeito, naquela data, a Recorrida não foi notificada do acto administrativo que continha a decisão, o acto definitivo e executório, conforme se verifica da análise daqueles ofícios e seus anexos.
19.° A Recorrida não foi notificada que a decisão de aplicação da sanção teve como fundamento a matéria constante da informação dos serviços, nem tão pouco lhe cabia adivinhar ou deduzir que assim seria.
20.° Ao contrário do defendido pelo Recorrente, os ofícios com a informação do sentido da decisão, com a indicação da sua autoria e data em que foi proferida não consubstanciam duas notificações de atos administrativos.
21.° A notificação do ato administrativo tem regras exigentes e bem definidas de modo a assegurar a segurança jurídica e a certeza que o notificando ficou bem ciente do conteúdo jurídico do acto administrativo que o afetará.
22.° Não se podendo confundir, como pretende o Recorrente, o facto da Recorrida ter recebido um ofício com a informação da existência de uma decisão com a notificação da decisão em si.
23.° Não está em causa uma notificação do ato administrativo deficiente ou com falta de elementos, está em causa a falta de notificação do ato administrativo, ou seja, da decisão tal como definida no artigo 148.° do CPA.
24.° O ónus de notificar do ato administrativo é da entidade administrativa que profere o ato, para que a notificação produza efeitos e seja oponível ao destinatário.
25.° O Tribunal a quo após a análise do processo administrativo no seu todo, confirmou que a Recorrida não foi notificada do ato administrativo, falta de notificação essa que fundamentava a providência cautelar requerida.
26.° Considerando que a Recorrida foi notificada da deliberação com a junção aos autos da certidão da ata que continha a deliberação de aplicação da sanção pecuniária, o Tribunal a quo concluiu que a lide se tornou supervenientemente impossível pois o objeto da lide deixou de existir nos moldes em que foi configurado pela Recorrida.
27.° Posto isto, o Tribunal a quo não decidiu para além do que lhe era pedido, nem tão pouco existiu omissão de pronúncia, não sendo a decisão nula, conforme alegado pelo Recorrente.
28.° O Tribunal a quo proferiu uma decisão fundamentada, tendo em consideração a matéria dada como provada, que o Recorrente não pôs em causa.
29.° A sentença recorrida fez a correta aplicação do direito, designadamente dos artigos 112.°, 113.° e 114.° do CPA aos factos dados como provados, pelo que não merece qualquer censura (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, não tendo, todavia, emitido pronúncia sobre as imputadas nulidades de sentença, o que se aceita excecionalmente, por razões de celeridade processual e, bem assim, por não se reputar a mesma como indispensável [cfr. nº. 5 do artigo 617º do CPC].
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) nulidade de sentença, “(…) nos termos previstos nas alíneas c), d) e e) do artigo 615° do CPC (…)”, bem como em (ii) erro de julgamento de direito, por má aplicação nos “(…) artigos 148° 112°, 114°, 148°, 151° do CPA, no n.° 2 do artigo 51.° e no artigo 60° CPTA e no artigo 151.° do CPA (…)”.
É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [sem reparos] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
A). Em 02.05.2016, o Requerido e a Requerente - enquanto membro do consórcio adjudicatário e com sede no “Lugar (…)” - outorgaram “Contrato de prestação de serviços de “Recolha e Transporte de resíduos sólidos e de limpeza urbana no Concelho de (...) -zona Nascente”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr documento n.1 junto com a petição inicial;
B) Em 02.05.2016, o Requerido e a Requerente - enquanto membro do consórcio adjudicatário e com sede no “Lugar (…)” - outorgaram “Contrato de prestação de serviços de “Recolha e Transporte de resíduos sólidos e de limpeza urbana no Concelho de (...) -zona Poente”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr documento n.2 junto com a petição inicial;
C) O Requerido remeteu à Requerente, para o endereço de correio eletrónico «(...).poente@ecorede.pt» o seguinte ofício: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
D) Com data de 09.10.2017, a Requerente endereçou ao Presidente da Câmara do Requerido uma carta sob o “Assunto: V/ Referência: EDOC/2017/66317 || “Aplicação de Penalidades - Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) - Zona Nascente”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

E) Com registo de saída em 29.12.2017, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 04.01.2018, o ofício com a referência «EDOC/2017/66317», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (…)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

F). O teor do documento que tem aposto, no cabeçalho “Câmara Municipal de (...) || Reunião ordinária de 05 de setembro de 2017”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

G). O Requerido remeteu à Requerente, para o endereço de correio eletrónico «(...).nascente@ecorede.pt» o seguinte ofício: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

H). Com data de 11.01.2018, a Requerente endereçou ao Requerido uma carta sob o “Assunto: V/ Referência: EDOC/2017/66317 || “Aplicação de Penalidades – Concurso de Penalidades – Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) – Zona Nascente”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

I). Com data de 19.03.2018, a Requerente endereçou ao Requerido uma carta sob o “Assunto: V/ Referência: EDOC/2018/66317 || “Aplicação de Penalidades – Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) – Zona Nascente”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

J). Com data de 13.07.2021, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 15.07.2021, o ofício com a referência «Saída_DMOA/2021/5399», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (…)”, assinado pela Presidente da Câmara, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

L). Com data de 20.09.2021, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 23.09.2021, o ofício com a referência «Saída_DMOA/2021/6141», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (...)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

M). Com data de 26.04.2021, pelo Chefe de Divisão dos Serviços Ambientais da Câmara Municipal do Requerido foi elaborada “informação”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

N). Com data de 07.02.2022, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 11.02.2022, o ofício com a referência «Saída_DMOAC/2022/8123», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (...)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

O). Com data de 02.03.2022, a Requerente endereçou ao Requerido uma carta, registada, sob o “Assunto: Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) -Zona Nascente - APLICAÇÃO DE PENALIDADES CONTRATUAIS ART. 329 DO CCP| V/ Ref.: EDOC/2021/25124 - saída DMOAC/2022/8123”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

P). O Requerido remeteu à Requerente, para o endereço de correio eletrónico «(...).poente@ecorede.pt» o seguinte ofício: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Q). Com data de 09.10.2017, a Requerente endereçou ao Presidente da Câmara do Requerido uma carta sob o “Assunto: V/ Referência: EDOC/2017/66324 || “Aplicação de Penalidades - Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) - Zona Ponte”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

R). Com registo de saída em 29.12.2017, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 04.01.2018, o ofício com a referência «EDOC/2017/66324», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (...)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

S). Com data de 11.01.2018, a Requerente endereçou ao Presidente da Câmara do Requerido uma carta sob o “Assunto: V/ Ref. EDOC/2017/66324 || “Aplicação de Penalidades -Concurso de Penalidades - Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) -Zona Poente”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

T). O Requerido remeteu à Requerente, em 05.03.2018, para o endereço de correio eletrónico «(...).poente@ecorede.pt» o seguinte ofício: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

U). Com data de 19.03.2018, a Requerente endereçou ao Requerido uma carta sob o “Assunto: V/ Referência: EDOC/2018/3845 || “Aplicação de Penalidades - Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) - Poente”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

V). Com data de 13.07.20121, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 15.07.2021, o ofício com a referência «EDOC/2021/25121/Saída _DMOA/2021/5400», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (...)”, sob o “Assunto: Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) - Zona Poente - APLICAÇÃO DE PENALIDADES CONTRATUAIS ART. 329 DO CCP”, assinado pela Presidente da Câmara, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

W). O teor do documento que tem aposto, no cabeçalho “Câmara Municipal de (...)”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

X). Com data de 20.09.2021, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 23.09.2021, o ofício com a referência «EDOC/2021/25121/Saída _DMOA/2021/6144», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (...)”, sob o “Assunto: Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) - Zona Poente - APLICAÇÃO DE PENALIDADES CONTRATUAIS ART. 329 DO CCP”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Y). Com data de 07.02.2022, o Requerido enviou, por correio registado com aviso de receção de 11.02.2022, o ofício com a referência «EDOC/2021/25121/Saída _DMOA/2022/8121», endereçado à Requerente para “Zona Industrial (...)”, sob o “Assunto: Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) - Zona Poente - APLICAÇÃO DE PENALIDADES CONTRATUAIS ART. 329 DO CCP”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Z). Com data de 26.04.2021, pelo Chefe de Divisão dos Serviços Ambientais da Câmara Municipal do Requerido foi elaborada “informação”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

AA). Com data de 02.03.2022, a Requerente endereçou ao Requerido uma carta, registada, sob o “Assunto: Concurso Público para a Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...) -Zona Poente - APLICAÇÃO DE PENALIDADES CONTRATUAIS ART. 329 DO CCP| V/ Ref.: EDOC/2021/25124 - saída DMOAC/2022/8121”, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

AB). Com data de 10.03.2022, foi emitida “certidão” da qual consta: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

AC). O teor do caderno de encargos relativo ao “CONCURSO PÚBLICO PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE RECOLHA E TRANSPORTE DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS E DE LIMPEZA URBANA NO CONCELHO DE (...) - ZONA POENTE”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

AD). O teor do caderno de encargos relativo ao “CONCURSO PÚBLICO PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE RECOLHA E TRANSPORTE DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS E DE LIMPEZA URBANA NO CONCELHO DE (...) - ZONA NASCENTE”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

AE). O teor da lista extraída do «portal base» relativa a contratos em que a Requerente assumiu a posição de adjudicatária, no período compreendido entre 24.10.2018 a 14.02.2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 53 dos autos «SITAF»;
AF). O requerimento inicial relativo à presente foi lide foi apresentado em juízo, através do «SITAF» no dia 25.02.2022. - cfr. fls. 1 dos autos «SITAF»;
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III.2 – DE DIREITO
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A Requerente intentou a presente providência cautelar, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser o “(…) o Réu intimado a abster-se de cobrar o pagamento das sanções contratuais pecuniárias alegadamente aplicadas no valor de 79.700,00€ e 66.400,00€, seja por que meio for, seja em sede de execução fiscal para pagamento de sanções pecuniárias contratuais, seja em sede de execução de caução prestada através de garantia bancária. (…)”.
Para estribar a sua pretensão cautelar, a Requerente invocou, quanto ao fumus boni iuris, que, não tendo sido notificada dos atos administrativos de aplicação de sanção contratual pecuniária, “(…) a aplicação das referidas sanções pecuniárias não é oponível à Autora, nem pode produzir efeitos na sua esfera jurídica, é assim ineficaz (…)”.
Relativamente ao periculum in mora, a Requerente alegou, no mais essencial, que “(…) tem um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado atendendo à iminência da instauração de uma execução fiscal, que produzirá desde logo efeitos patrimoniais na esfera jurídica da Autora, com a penhora dos seus bens, de entre os quais se destacam os valores depositados nas suas contas bancárias e que servem para as necessidades correntes da tesouraria (…)”, o que também a impediria de concorrer a Concursos Públicos, “(…) por não poder comprovar que tem a sua situação fiscal regularizada (…)”.
Adicionalmente, refere que a “(…) execução das garantias bancárias prestadas (…) implicaria sempre um descrédito imediato junto da Banca, e uma limitação de acesso a outras garantias, que são frequentemente necessárias ao exercício de atividade da Autora, para caucionar outros contratos públicos que celebra (…)”, sendo que “(…) a cobrança coerciva das sanções contratuais pecuniárias implicará um significativo dano para Autora de reparação difícil, na medida, em que prejudicará a sua liquidez e capacidade de honrar os seus compromissos com os trabalhadores, fornecedores e demais entidades (…)”.
O T.A.F. do Porto, porém, promanou decisão judicial a julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Fê-lo, sobretudo, por observar - com reporte aos contratos n.º 71/2016 e 72/2016, relativos à prestação de serviços de “Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos e de Limpeza Urbana no Concelho de (...)” -, que os atos de aplicação de sanção contratual pecuniária, uma no valor de 76.700,00€, e outra no valor de 66.400,00€, respectivamente, foram regularmente notificados à Requerente no decurso do pleito declarativo, de modo que a lide processual se tornou superveniente impossível, o que constitui causa de extinção da instância.
A Recorrente discorda do assim decidido, impetrando-lhe (i) nulidades de sentença e (ii) erro de julgamento de direito.
Realmente, e com referência às imputadas nulidades de sentença, patenteiam as conclusões alegatórias que a Recorrente configura a sentença recorrida como uma decisão judicial nula, nos termos previstos nas alíneas c), d) e e) do artigo 615º do CPC.
O que funda no entendimento de que o Tribunal a quo, para além de incorrer em (i) omissão e (ii) excesso de pronúncia, (iii) “(…) não tem a competência para proferir decisão a latere quanto ao definitivo mérito de uma eventual ação de impugnação dos actos administrativos em causa - única forma processual para tanto adequada (…)”.
Mais apregoa, e já no que concerne ao invocado erro de julgamento de direito, que “(…) Perante as formais e definitivas notificações dos atos administrativos que determinam a aplicação das sanções à Requerente - as quais foram levadas a cabo nos termos do preceituado pelo artigo 112º, nº 1 alínea a) e em cumprimento do estabelecido no artigo 114º, ambos do CPA, através de cartas registadas com aviso de receção em 15 de julho de 2021 e que foram recebidas no dia 16 imediatamente seguinte - verifica-se que através delas se levou ao conhecimento da Interessada a decisão tomada no exercício de poderes jurídicos administrativos, visando produzir efeitos jurídicos externos, no âmbito dos identificados procedimentos (…)”, pelo que, no seu entender, “(…) deveria ter negado provimento à Providência Cautelar requerida, não a decretando, por inexistirem fundamentos (ou sequer fumus boni juris) para a sua procedência (…)”.
Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa da Recorrentes adiante-se, desde já, que o presente recurso não irá vingar.
De facto, e no que tange ao primeiro ponto de discórdia, cabe notar que incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras, permitido ou imposto por lei, devendo analisar-se, em primeira linha, as questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido [cf. art. 95.°, n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) em articulação com o art. 608.°, nº.s 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC)].
Quer isto tanto significar que, em termos de precedência lógica, compete ao Tribunal conhecer (i) das questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido – designadamente, a existência de eventuais exceções dilatórias -, e, uma vez ultrapassado este crivo processual, do (ii) mérito dos autos sempre nos termos e com o alcance gizados pelas partes, sem prejuízo, claro está, do conhecimento oficioso de quaisquer outras questões que se imponham nos autos.
Ora, entre os fundamentos para a extinção da instância figura, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 277.º do CPC, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, cujas causas são de conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação.
Assim, a circunstância do Tribunal a quo ter declarado a extinção da instância, com fundamento na impossibilidade superveniente da lide, não faz incorrer o Tribunal em qualquer excesso de pronúncia, por se inserir no âmbito dos poderes ex officio do Tribunal quanto ao “objeto da ação”.
De igual modo, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esta não se abrange as questões submetidas pelas partes cujo conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras, como sucede no caso em apreço.
Derradeiramente, saliente-se que, não tendo o Tribunal a quo pronunciando-se sequer sobre o mérito dos autos, carece de qualquer sustentáculo a objeção da Recorrente, aqui Recorrida, no tocante à alegada falta de competência “(…) para proferir decisão a latere quanto ao definitivo mérito de uma eventual ação de impugnação dos actos administrativos em causa (…)”.
Não se divisa, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença com base neste último fundamento, bem como com razão de ser em omissão de pronúncia e/ou excesso de pronúncia, as quais improcedem.
Dissolvida a primeira questão decidenda, importaria agora, de acordo com a substanciação vertida das conclusões de recurso, determinar se a decisão judicial se mostra [ou não] atravessada de erro de julgamento emergente, na ótica da Recorrente, do quadro fáctico apurado nos autos ser inequívoco na afirmação da regular notificação da Recorrida dos atos de aplicação de sanção contratual em sede administrativa.
Julgamos, porém, que tal tarefa é destituída de relevância, considerando o quadro que se nos impõe e deriva do dispositivo da decisão judicial recorrida.
Realmente, não se ignora que o Tribunal a quo sopesou “(…) que o acto que aplicou a sanção pecuniária à Requerente em cada um dos contratos em causa, não lhe foi devidamente notificado [cfr. pontos J), K), V) e W) do probatório], donde resulta que o referido acto, cuja notificação não foi efetuada em observância dos formalismos e exigências legais supra descritas, lhe era inoponível àquela data (…)”.
Contudo, como grassa à evidência da fundamentação de direito, não foi esta a circunstância determinante “que deu o mote ao dispositivo”.
Diferentemente, o que fundou a declaração da impossibilidade superveniente da lide atravessada no dispositivo foi a constatação de que “(…), na pendência da presente lide, o Requerido deu conhecimento à Requerente nos presentes autos, do conteúdo integral do acto proferido – através da certidão de ata, com data de 10.03.2021 [cfr. ponto AB) do probatório] (…)”.
Destarte, ante a evidência que o dispositivo atravessado na decisão judicial recorrida fundou-se, não na evidência da falha de notificação dos atos de sanção contratual pecuniária em sede de administrativa, mas antes na constatação de que “(…), na pendência da presente lide, o Requerido deu conhecimento à Requerente nos presentes autos, do conteúdo integral do acto proferido – através da certidão de ata, com data de 10.03.2021 [cfr. ponto AB) do probatório] (…)”, é para nós absolutamente insofismável a irrelevância da apreciação da segunda questão recursiva elencada nos autos, já que a eventual validação desta é insuficiente para, de per se, alterar a decisão da causa, que repousa, como se viu, na aquisição processual da perfeição da notificação de tais actos operada na pendência da ação.
E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente veiculada na segunda questão recursiva supra elencada reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.
Nestes termos, improcede a segunda questão recursiva elencada nos autos.
Assim deriva, naturalmente, que se impõe negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão judicial recorrida, ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 23 de junho de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia