Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00007/16..6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/22/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; EFEITO DEVOLUTIVO;
N.ºS 2 E 4 DO ARTIGO 143º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; FALTA DE ANÁLISE CRÍTICA DAS PROVAS; NULIDADE DA SENTENÇA; PROVA DA IDADE; DOCUMENTO AUTÊNTICO; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO QUE ORDENA A RETIRADA DO TERRITÓRIO NACIONAL; APARÊNCIA DO BOM DIREITO; ALÍNEA D) DO ARTIGO 135º, DA LEI N.º 23/2007, DE 4 DE JULHO; PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Sumário:1. Face ao disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os recursos das decisões proferidas em processos cautelares, têm uma regra própria, distinta da regra geral, o efeito devolutivo, o que se compreende, pois, por regra, a atribuição de efeito suspensivo tiraria sentido útil à decisão proferida em processo cautelar, por natureza célere.
2. No caso concreto, não impedindo a produção de uma situação de facto consumado o indeferimento da providência cautelar, seria contraditório com esta decisão fixar o efeito suspensivo ao recurso jurisdicional com o fundamento de o efeito devolutivo conduzir a uma situação de facto consumado.
3. Não se verifica nulidade processual se a prova testemunhal foi preterida com o fundamento, sucinto, de todos os elementos necessários para a boa decisão da causa já se encontrarem documentados nos autos.
4. A falta de análise crítica das provas não constitui fundamento legal de nulidade da sentença, face ao disposto nos artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil (de 2013).
5. A data que tinha o requerente quando veio para Portugal não pode ser provada por testemunhas, na falta de documento, autêntico, que prove a sua data de nascimento.
6. Existe uma situação de facto consumado se o requerente se vê afastado, como acto suspendendo, do país em que tem vivido desde, pelo menos, os 11 anos de idade, da família e da companheira.
7. Fundando o requerente a acção principal no disposto na alínea d) do artigo 135º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, ou seja, residir em Portugal desde idade inferior a 10 anos e não tendo comprovada a sua idade, é muito provável inêxito da acção principal, pelo que falece desde logo o requisito do fumus boni iuris, a aparência do bom direito, o que determina o insucesso do pedido de suspensão da eficácia do acto que determinou o seu afastamento do território nacional.
8. No caso concreto, acresce, ao interesse do requerente em permanecer no país de acolhimento e com os seus familiares e companheira – interesses legítimos – sobrepõe-se o interesse público de afastar do país um estrageiro que, não tendo a sua situação regularizada, se revelou pouco interessado em se integrar, pelo contrário, praticou crimes graves e violentos e, preso, destacou-se pela violação reiterada e grave das suas obrigações disciplinares.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JAGA
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

JAGA veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 21.03.2016, pela qual foi julgada improcedente a providência cautelar intentada contra o Ministério da Administração Interna com vista a obter a suspensão do acto despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 24.01.2014, que determinou o afastamento de território nacional.


Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal não poderia ter decidido pelo indeferimento da providência, incorrendo a sentença, desde logo, em erro de julgamento da matéria de facto, tendo ignorado em absoluto a prova documental apresentada e não tendo produzido a prova testemunhal requerida, o que levou a dar como provado que o requerente reside em Portugal desde os 11 anos de idade quando facto é que reside desde os 3 anos; pelo que, consequentemente, incorreu em erro de julgamento na apreciação dos critérios plasmados no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que, em consequência, violou; assim como violou o disposto no os artigos 94º e 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e na alínea d) do artigo 135º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se ferida de nulidade.

II. O Tribunal “a quo” não só não procedeu a qualquer análise e exame crítico da prova como não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente.

III. A prova testemunhal indicada pelo recorrente era essencial à boa decisão da causa, isto porque, uma das testemunhas indicadas era precisamente a mãe do recorrente e que o trouxe ainda de tenra idade para Portugal.

IV. Ao pura e simplesmente ignorar a prova indicada pelo recorrente o Tribunal “a quo” impediu-o de demonstrar e provar que actualmente se encontra empregado, bem como aquele que foi todo o seu percurso em Portugal desde a sua chegada com três anos de idade;

V. O Tribunal “a quo” violou os artigos 94º e 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.

VI. O Tribunal “a quo” não designou data para inquirição das testemunhas, mas mais grave do que isso, não explicou sequer na sua decisão porque decidiu não ouvir as mesmas.

VII. O Tribunal “a quo” não esclarece qual ou quais as provas que se socorreu para decidir como decidiu, logo não procede a qualquer exame crítico da prova.

VIII. Conforme se decidiu no douto acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, processo n.º 01579/05.6BEVIS, de 28/01/2016:

“III - O exame crítico da prova deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro, permitindo às partes perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais, por forma a ficar garantida tanto a impugnação da decisão, como a sua reapreciação pelo tribunal de recurso.

IV – Se a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir, como se decidiu, nomeadamente nos casos em que a fundamentação é ininteligível, deverá entender-se que se está perante uma mera aparência de fundamentação o que implicará a nulidade da sentença por falta de fundamentação.

IX. Fazendo tábua rasa da prova documental junta aos autos, sem ouvir qualquer testemunha, deu o Tribunal “a quo” com o provado que:

“G) O requerente veio para Portugal com 11 anos de idade…”

X. Sendo certo, que o recorrente alegou que se encontra em território nacional desde os três anos de idade.

XI. O Tribunal “a quo” ignorou por completo toda a prova documental junta aos autos e onde se constata, nomeadamente que o recorrente frequentou e concluiu o ensino Básico em Portugal.

XII. O recorrente não foi condenado pelo Tribunal Criminal na pena Acessória de Expulsão do País.

XIII. O recorrente está a ser dupla e violentamente castigado, com efeito, depois de ter sido sujeito ao cumprimento quase integral de uma pena de prisão elevadíssima pretende agora o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deportar o recorrente para um país que lhe é completamente estranho.

XIV. Se a providência cautelar não for decretada, o recorrente será expulso para um país que não conhece e onde não tem actualmente qualquer familiar.

XV. O recorrente não tem condições económicas para proceder à sua subsistência em Angola.

XVI. Após abandonar o estabelecimento prisional arranjou já um emprego como jardineiro, pelo que, se for expulso do país perderá o seu emprego;

XVII. Conforme se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, no âmbito do processo n.º 01637/15.9BEPRT, de 19/02/2016, disponível em www.dgsi.pt:

“Reiterando o que se decidiu no acórdão do TCAS de 01-06-2011, Proc. 07608/11, é de entender que, se com a execução do acto cuja suspensão é requerida, o requerente é expulso de Portugal para o seu país de origem (Índia) ficando-lhe ainda vedada a entrada no território nacional por um período de 3 anos e perdendo deste modo o seu emprego, se configura uma situação geradora de facto consumado, que não é afastada por uma eventual reposição da situação agora existente, se a acção principal vier a proceder.*”

XVIII. Caso o presente procedimento cautelar não seja deferido o recorrente será expulso do país, ou seja, teremos uma situação de facto consumado.

XIX. O recorrente ficará impedido de poder entrar em território nacional, fica impedido de viajar para Portugal, de ver a sua família, pais, irmãos e sua companheira;

XX. Como consta da exposição de motivos do CPTA, “no que se refere ao critério da aparência do bom direito, adopta-se um critério gradualista, admitindo que esse critério (...) deva ser de indagação mais exigente quando esteja em causa a adopção de uma providência antecipatória do que a adopção de uma providência meramente conservatória – com o que, no que diz respeito a providências conservatórias como a suspensão da eficácia de actos administrativos, se evita a adopção de um regime mais restritivo, que conferisse à aparência de bom direito um papel decisivo que tradicionalmente não lhe é atribuído.”

XXI. “Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.” Mário Aroso de Almeida, Carlos Cadilha, in Comentário ao C.P.T.A., Almedina, pág.706.

XXII. No caso sub judice, como o próprio Tribunal “a quo” reconhece, pág. 12, 1º parágrafo estamos perante um procedimento cautelar de cariz conservatório.

XXIII. “Se a providência pedida for apenas uma providência conservatória, já não é preciso que se prove ou que o juiz fique com a convicção da probabilidade de que a pretensão seja procedente, bastando que “não seja manifesta a falta de fundamento”. Vieira de Andrade, in A justiça Administrativa, 4ª edição, Almedina, pág.300.

XXIV. Como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, no âmbito do processo n.º 0764/14.4BEAVR, proferido em 11/02/2015, disponível em www.dgsi.pt:


I) – Não se perspectivando manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, existindo “periculum in mora”, e jogando a ponderação de interesses a favor do requerente de uma providência conservatória, é esta concedida.*

XXV. Verte o artigo 135º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho que:

“Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.”

XXVI. Conforme referem Júlio A.C. Pereira e José Cândido de Pinho, in “Direito de estrangeiros”, Coimbra Editora, pág. 476:

“6 – A proibição contida no preceito é absoluta”

XXVII. Refere-se em anotação ao artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem:

“… a expulsão de uma pessoa de um país onde vive a sua família próxima pode colocar problemas em relação ao disposto neste artigo – Acórdãos Moustaquim, de 18 fevereiro de 1991, A 1193, pág. 18…

Os estrangeiros estabelecem naturalmente relações sociais e familiares no país de acolhimento – Acórdão Dalia, de 19 de Fevereiro de 1998, R98-I, pág. 89§45.

Por isso, a sua expulsão pode vir a ferir aquelas; a expulsão de um estrangeiro para um país onde não tem ligações só pode ser admitida em circunstâncias excepcionais – relatório de 15 de Março de 1990, caso Djeroud, A 191-B, págs. 35-36, §65.” “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, por Ireneu Cabral Barreto, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.189-190.

XXVIII. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao decidir como decidiu violou, nomeadamente, os princípios consagrados nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º todos do Código de Procedimento Administrativo, bem como o artigo 135º, da Lei n.º 23/2007.
*

II – Questões prévias:

1. O efeito a fixar ao recurso.

Vem sustentar o recorrente que deve ser fixado o efeito suspensivo ao presente recurso jurisdicional dado que se for expulso do país perderá o emprego que já arranjou deixará de poder contactar a família e a companheira pelo que teremos uma situação de facto consumado.

Vejamos.

Dispõe o n.º 2 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:

(…)

b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes”.

Por seu turno, o n.º 4 do mesmo preceito determina:

“Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”.

Os recursos das decisões proferidas em processos cautelares, têm, portanto, uma regra própria, distinta da regra geral: o efeito devolutivo.

O que se compreende pois, por regra, a atribuição de efeito suspensivo tiraria sentido útil à decisão proferida em processo cautelar, por natureza célere, tendo em conta a normal demora dos vários recursos permitidos por lei.

Daí que mesmo a eventual produção de danos ou de factos consumados apenas permita ao Tribunal, como opção e não como imposição legal, a atribuição de efeito suspensivo.

No caso concreto, como veremos, a produção de uma situação de facto consumado não impede o indeferimento da providência cautelar, pelo que seria contraditório com esta decisão fixar o efeito suspensivo ao recurso jurisdicional.

Isto porque fixar efeito suspensivo tiraria o sentido útil à decisão, em larga medida, tendo em conta a possibilidade, abstracta, de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional (o recorrente invocou inconstitucionalidades).

Termos em que se indefere o requerido e se atribui ao recurso o efeito meramente devolutivo.

2. A nulidade da sentença; a falta de fundamentação da decisão de não inquirir as testemunhas arroladas.

Invoca o recorrente, nesta parte, que o Tribunal “a quo” não designou data para inquirição das testemunhas, mas mais grave do que isso, não explicou sequer na sua decisão porque decidiu não ouvir as mesmas;

Como defende o recorrente, dispõe o artigo 118º, n. º5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que:

“Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”

E, nos termos do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa:

“As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

Sucede, porém que, ao contrário do invocado, foi proferido despacho, a esclarecer o indeferimento da prova testemunhal, imediatamente antes da sentença:

“Tendo em conta que os autos contêm todos os elementos de prova necessários para a boa decisão da causa os quais resultam do processo instrutor, notificado ao Requerente e não impugnado, indefere-se a prova testemunhal requerida: cfr. art.º 118.º, n.º 3 do CPTA.

Notifique.”

Pode entender-se que a fundamentação é demasiado sucinta, deficiente, o que não se pode é dizer que não existe.

O Tribunal a quo entendeu que a prova documental já junta ao processo é suficiente para decidir o pleito.

Decisão que, como veremos, acaba por ser certa.

Termos em que também não se verifica esta nulidade nem a violação do disposto no artigo 118º, n.º5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.

3. A nulidade da sentença; a falta de exame crítico da prova.

Determina o artigo 94º, n. º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando as questões de mérito que ao tribunal cumpra solucionar, ao que se segue a exposição dos fundamentos de facto e de direito…”

Nos termos da alínea b) do artigo 615º do Código de Processo Civil (de 2013), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é nula a sentença quando:

“Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

As normas referem apenas os fundamentos de facto e de direito e a respectiva falta.

Não referem a análise crítica de provas e a respectiva falta.

E é entendimento ancestral e pacífico o de que apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.ºs 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. B), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).

Não vemos razão, antes pelo contrário, entendemos ser de manter, por uma questão de segurança jurídica, este entendimento.

No caso, a decisão recorrida alinhou, com suficiência e clareza, os fundamentos de facto e de direito da decisão e indeferimento pelo que, por esta via, não se verifica uma nulidade.

Por seu turno determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de 1995), que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

A análise crítica de provas, a que aludem os preceitos acima mencionados não são, obviamente, questões suscitadas pelas partes pois esse “vício” ocorre em momento posterior, o da prolação da própria sentença.

Poderá, quando muito (porque não está prevista na lei, a cominação de nulidade) constituir uma deficiência da decisão.

De resto, a decisão recorrida aponta, por cada alínea dos factos provados, a posição processual das partes (acordo) ou os documentos em que se baseou, sendo certo que, no essencial, os factos provados são a reprodução desses documentos, o que basta como fundamentação da matéria de facto (indiciariamente) provada.

Temos em que também por esta via improcede o recurso.

3. A nulidade da sentença; a desconsideração da prova documental produzida e da prova testemunhal oferecida.

Face ao que acima se explanou, a desconsideração da prova oferecida não constitui um caso de nulidade da sentença.

Apenas poderá conduzir à deficiência da decisão, por insuficiência da matéria de facto, ou ao erro de julgamento da matéria de facto.

No caso concreto mostra-se acertada a decisão de prescindir da prova testemunhal oferecida.

Refere o recorrente, em particular nas suas conclusões III e IV, que a prova testemunhal por si indicada essencial à boa decisão da causa, isto porque, uma das testemunhas indicadas era precisamente a mãe do recorrente e que o trouxe ainda de tenra idade para Portugal; ao pura e simplesmente ignorar a prova indicada pelo recorrente o Tribunal “a quo” impediu-o de demonstrar e provar que actualmente se encontra empregado, bem como aquele que foi todo o seu percurso em Portugal desde a sua chegada com três anos de idade.

Ora, desde logo, a prova testemunhal não poderia ter sido indicada à situação de empregado do requerente porque quando foi apresentada a petição inicial este encontrava-se preso e apenas foi alegada a previsão de encontrar emprego no AKI, a provar por documento (ver artigo 31º da petição inicial) e não o emprego de jardineiro (apenas invocado em sede de alegações).

Depois o percurso em Portugal, relevante, consta documentado dos autos e não foi concretizado qualquer facto que não esteja documentado e necessitasse de prova testemunhal.

Quanto ao testemunho da mãe no que diz respeito à idade com que o requente veio para Portugal, para além da evidente diminuta isenção do mesmo, dada a ligação afectiva e interesse directo em que este fique em Portugal, falece de interesse porque importava primeiro provar a idade do requerente, ou seja, a sua data de nascimento.

O nascimento é um facto que apenas se pode provar por documento autêntico, o registo de nascimento – artigo 1º, n.º1, alínea c), do Código de Registo Civil, e artigo 364º do Código Civil

O que se compreende, face à crucial importância desse facto e à necessidade de rigorosa segurança jurídica em relação ao mesmo.

No caso concreto, de resto, mostra-se evidente o risco de prova testemunhal ou documental que não seja por documento autêntico, emitido pelos serviços de registo civil, relativamente a este facto, o do nascimento.

Temos um documento, apresentado pelo requerente na petição inicial, como tendo nascido em 27.12.1986, emitido pelo Agrupamento de Escolas de Paredes, e outro documento, também apresentado pelo requerente na petição inicial, emitido pelos Bombeiros Voluntários de Carcavelos, a atestar que o requerente nasceu em 27.12.1988.

Sem se saber, porque não provada, a data de nascimento do requerente, indiferente se mostrava provar, por prova testemunhal, a data em que o requerente veio para Portugal, dado que sempre esse ficaria por saber o facto, essencial, da idade que o requerente tinha quando para aqui veio.

Termos em que foi correctamente indeferida a produção de prova testemunhal, porque desnecessária.

III - Matéria de facto.

Para além da invocada omissão de produção e análise crítica da prova – questões já apreciadas – o recorrente imputa um único erro no julgamento da matéria de facto:

O Tribunal a quo deu como provado, na alínea G) que o “requerente veio para Portugal com 11 anos de idade…” quando é certo, invoca, que veio para Portugal com 3 anos de idade.

Como já se referiu é impossível provar a idade com que o requerente entrou em Portugal pela simples razão de que não provou, pelo meio legalmente exigido, a sua idade, ou seja, a sua data de nascimento.

Assim, efectivamente, não se podia dar como provado, como deu, que o requerente entrou em Portugal com 11 anos de idade. Como também não se pode dar por assente, como pretende o requerente, que entrou com 3 anos de idade.

Apenas se pode dar como provado, nesta matéria, o que consta do documento de fls. 1 e seguintes do processo administrativo, que o autor declarou, em 10.08.2011, ter entrado em Portugal com 11 anos de idade.

O que consta já da alínea C) dos factos provados.

Devem assim dar-se como indiciariamente provados os seguintes factos:


A) Em 28.06.2011, foi elaborada a seguinte proposta pela Delegação Regional de Setúbal nos seguintes termos:

[imagem omissa]

cfr. fls. 1 processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Na mesma data, foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe da Delegação:

[imagem omissa]

- cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos.

C) Em 10.08.2011, no Estabelecimento Prisional Regional de Pinheiro da Cruz, o Inspector-Adjunto João Ferreira tomou as declarações do aqui Requerente no âmbito do processo de expulsão administrativa que lhe foi instaurado, nos seguintes termos:

[imagem omissa]

- cfr. fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Em 14.01.2014, foi elaborado relatório final no âmbito do processo de afastamento coercivo n.º 148/11 instaurado contra o requerente, no seguintes termos:

[imagem omissa]

- cfr. fls. 41 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) Em 24.01.2014, foi proferida a seguinte decisão pelo Director-Geral Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras:

[imagem omissa]


*


IV - Enquadramento jurídico.


1. A lei aplicável. O periculum in mora.

Antes de mais importa referir que a norma aplicável ao caso é a do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015, nos termos do n.º1 do artigo 15º deste diploma, ou seja, antes de intentada a presente providência.

Dispõe agora o n.º1 deste artigo:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

Deixou, portanto, de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.


Em particular quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Temos apenas a situação de facto consumado, de o requerente se ver afastado do país em que tem vivido desde, pelo menos, os 11 anos de idade, da família e da companheira.

Termos em que por esta via procederia o pedido cautelar, requisito que não se apreciou na decisão recorrida por prejudicado face à falta da aparência do bom direito.

2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).

A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) determina:

“ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Deixou assim de existir a distinção (existente na anterior redacção do preceito) entre providências conservatórias, como a suspensão da eficácia do acto, e providências antecipatórias, sendo agora o grau exigido de probabilidade de êxito da acção principal, o mesmo para todo o tipo de providências.

Face ao teor deste preceito é necessário, além do mais, para o decretamento de uma providência cautelar, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

Dos vícios invocados, o recorrente começa por imputar o artigo 135º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho:

“Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.”

Ora o requerente não logrou demonstrar que entrou em Portugal com idade inferior a 10 anos, em concreto, com 3 anos de idade.

E a entidade administrativa, na falta de outros elementos, não configurou sequer essa hipótese – e bem – dado que o requerente declarou ter entrado em Portugal com 11 anos de idade.

Declaração esta que, de resto, o requerente diz não corresponder à verdade mas começou por não a explicar, na petição e na resposta à oposição.

Apenas em sede de alegações no recurso jurisdicional veio dizer o seguinte:

“23ª- É verdade que o Recorrente, ouvido pelo SEF, terá afirmado que veio para Portugal aos 11 anos, contudo, tais afirmações, falsas, apenas se ficaram a dever à necessidade de o Recorrente dar resposta a todas as perguntas formuladas, de forma pouco plausível a dever à necessidade de o Recorrente dar resposta a todas as perguntas formuladas, mesmo àquelas que não se recordava…

24º - Com efeito, não tendo o Recorrente memória da sua chegada a Portugal, considerando a tenra idade em que tal aconteceu, entendeu que seria melhor para si inventar uma chegada…

25º - Por outro lado, nas condições em que o Recorrente foi ouvido, o mesmo sentiu-se pressionado a apresentar uma resposta, pois, o inspetor que o interrogou com ar jocoso questionava: “Então não sabes com que idade vieste para Portugal? Tinhas pelo menos 11 anos?”

26º - Foi, por isso, o Recorrente condicionado a apresentar a resposta que apresentou, a qual não corresponde à verdade, aliás como o Recorrente teria oportunidade de provar se lhe tivesse sido dada a possibilidade, e não foi.

Para além de tardia, a explicação é pouco consistente.

Não se vê razão para o funcionário do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – que nenhuma inimizade ou questão contra o requerente se comprovou – pretendeu extrair do requerente uma falsa declaração.

Não se percebe por que razão não corresponde à verdade aquela declaração – que se presume espontânea e livre na falta de comprovação de qualquer situação excepcional de coacção - e há-de corresponder a sua nova versão dos factos.

Significativamente o requerente apenas invoca ter-se inscrito nos bombeiros voluntários em 1999 e concluído primeiro ciclo do ensino básico em 2000/2001 – ver artigos 5º e 9º da petição inicial - mas não documenta qualquer facto que o coloque em Portugal no ano de 1991 – pressupondo que nasceu, como invoca mas não prova, em 1988.

Não se verifica, pois, aparentemente, este vício no acto impugnado, pelo que por esta via se mostra improvável o êxito da acção principal.

Invoca ainda o requerente:

“67º - Verte o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem:

“1 – Qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicilio e da sua correspondência.

2 – Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.”

68º - “… a expulsão de uma pessoa de um país onde vive a sua família próxima pode colocar problemas em relação ao disposto neste artigo – Acórdãos Moustaquim, de 18 fevereiro de 1991, A 1193, pág. 18…

Os estrangeiros estabelecem naturalmente relações sociais e familiares no país de acolhimento – Acórdão Dalia, de 19 de Fevereiro de 1998, R98-I, pág. 89§45.

Por isso, a sua expulsão pode vir a ferir aquelas; a expulsão de um estrangeiro para um país onde não tem ligações só pode ser admitida em circunstâncias excepcionais – relatório de 15 de Março de 1990, caso Djeroud, A 191-B, págs. 35-36, §65.” “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, por Ireneu Cabral Barreto, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.189-190.

69º - Pelo que, no casos Sub Júdice (queria escrever “sub judice”) está claramente em causa uma decisão que afronta a Convenção Europeia dos Direitos do homem.”

No caso verifica-se precisamente uma situação excepcional que justifica a medida expulsiva aplicada ao requerente e que aparece explanada no acto suspendendo:

Foi condenado por furto qualificado, roubo e detenção de arma proibida na pena de 13 anos e 3 meses de prisão.

A idade que então tinha (que o requerente diz ser 16 anos) não justifica a sua conduta nem a atenua. Tanto assim que o Tribunal o condenou nessa pesada pena apesar da idade e do regime especial (mais benéfico) que existe para delinquentes com essa idade.

Por outro lado o facto de não ter sido condenado na pena expulsiva pelo tribunal que o condenou pela prática dos referidos crimes, nada pode influir na decisão expulsiva agora em apreço, ao contrário do defendido pelo requerente.

Na altura e tendo em conta a idade do condenado é aceitável a oportunidade que lhe foi dada.

Sucede que posteriormente o requerente não só não adoptou uma conduta que confirmasse a bondade dessa decisão de não o expulsar do país, como pelo contrário, revelou um comportamento censurável, que consta do acto suspendendo e que não foi contraditado:

Foi-lhe recusada a liberdade condicional por duas vezes (em 2011 e 2013, recentemente, portanto) e duas saídas precárias prolongadas por “comportamento institucional inadequado”.

E desde 2005 até à data do relatório (14.01.2014), constavam do registo disciplinar cerca de 20 punições sendo 10 de internamento em cela disciplinar até um mês.

O que diz bem da personalidade do requerente e da sua “inserção social”.

Foi, portanto, devidamente enquadrada a situação do recorrente, pelo acto impugnado, no artigo 134º, n.º1, alínea a) do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, aprovado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho:

O requerente estava – e está – em situação irregular em Portugal e não existe situação excepcional – pelo contrário – que justifique a sua permanência por cá.

Finalmente alega, em termos meramente conclusivos, que o acto suspendendo viola o disposto nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º todos do Código de Procedimento Administrativo.

Sobre este tema discorreu-se na decisão recorrida:

“Por fim, alega o Requerente que o acto ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo nulo nos termos do art.º 161.º do CPA, bem como violou os art.s 3.º (princípio da legalidade), 4.º (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos), 5.º (princípios da igualdade e da proporcionalidade), 6.º (princípios da justiça e da imparcialidade) , 7.º (princípio da colaboração da Administração com os particulares) 8.º (princípio da participação) , 9.º (princípio da decisão), 10.º (princípio da desburocratização e da eficiência) e 11º (princípio da gratuitidade) do CPA.

Decorre do art. 133.º do CPA, que são “(… ) nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade ...” sendo “… designadamente, … nulos: a) Os actos viciados de usurpação de poderes; b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2.º em que o seu autor se integre; c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime; d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; e) Os actos praticados sob coacção; f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal; g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos; h) Os actos que ofendam os casos julgados; i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente (…)” (n.º 2).

Dispõe o art.º 135.º, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que “são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”, sendo nulos os actos a que alude a enumeração exemplificativa do art.º 133.º do CPA.

A Constituição da República Portuguesa consagra dois tipos de direitos fundamentais: (i) Os direitos, liberdades e garantias (Título II, Parte I), onde se incluem os direitos de carácter análogo (artº 17º); (ii) Os direitos económicos, sociais e culturais (Título III, Parte I), aplicando-se regimes jurídicos distintos a cada um dos tipos de direitos.

Serão nulos por ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos do art.º 133.º, n.º 2, d) do CPA os actos administrativos que ofendam o conteúdo de direitos, liberdades e garantias previstos no Título I da Parte II da CRP e os direitos de carácter análogo (artº17º da CRP), na medida em que o conteúdo essencial de tais direitos é determinado ou determinável a nível constitucional, sem necessidade de intervenção do legislador ordinário, por isso são directamente aplicáveis (artº 18º da CRP).

Sucede que os princípios constitucionais são parâmetros de controlo da margem de livre decisão administrativa, sendo que, in casu, a Administração agiu no exercício de poderes vinculados, pelo que o vício invocado é inoperante.

Os princípios contidos nos art.s 3.º (princípio da legalidade), 4.º (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos), 5.º (princípios da igualdade e da proporcionalidade), 6.º (princípios da justiça e da imparcialidade) , 7.º (princípio da colaboração da Administração com os particulares) 8.º (princípio da participação) , 9.º (princípio da decisão), 10.º (princípio da desburocratização e da eficiência) e 11º (princípio da gratuitidade) do CPA, vigentes à data da prolação do acto, são parâmetros de controlo da margem de livre decisão administrativa, sendo que, in casu, a Administração agiu no exercício de poderes vinculados, cumprindo a lei ao aplicar o n.º 1, a) do art.º 134.º da Lei n.º 23/2007 e ao não aplicar o disposto nos arts. 135.º, c) e 136º, n.º 2 da aludida lei, pelo que não podendo ter sido outra a actuação da Administração não se mostram violados aqueles princípios.

De facto, ao contrário dos particulares que podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei permite, em estrito cumprimento do princípio da legalidade plasmado no art.º 3.º do CPA que dispõe “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos”.

Sobre este discurso da sentença o recorrente nada diz, limitando-se a insistir, de forma conclusiva, na violação desses preceitos e princípios por parte do acto suspendendo.

Não vemos no entanto razão para divergir do sentido da sentença nesta parte, de que o acto impugnado, aparentemente, não padece destes vícios, dado que nele é respeitado o disposto, de forma vinculada, no n.º 1, a) do artigo 134.º da Lei n.º 23/2007.

Sendo muito provável o inêxito da acção principal também nesta parte.

Pelo que se concluiu que o acto suspendendo e com ele a decisão recorrida não violaram, antes respeitaram, o disposto nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º todos do Código de Procedimento Administrativo, o artigo 135º, da Lei n.º 23/2007, o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Pelo que este requisito se veria ter, como teve, por não verificado, o que só por si bastaria para improceder a providência tendo em conta que os requisitos enunciados são, como é pacificamente aceite, cumulativos (neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9 –A BRG e toda a jurisprudência aí citada).

3. A ponderação de interesses.


No entanto, também a ponderação de interesses em presença impõe o indeferimento da pretensão.

Estipula o n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015):

“Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”

Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Neste caso ao interesse do requerente em permanecer no país de acolhimento e com os seus familiares e companheira – interesses legítimos – sobrepõe-se o interesse público de afastar do país um estrageiro que, não tendo a sua situação regularizada, se revelou pouco interessado em se integrar, pelo contrário, praticou crimes graves e violentos e, preso, destacou-se pela violação reiterada e grave das suas obrigações disciplinares.

Pelo que também por esta via se impunha indeferir o pedido cautelar.


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V - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida e indeferem o pedido de suspensão da eficácia, embora por diversos fundamentos.

Custas em ambas as instâncias pelo recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário.


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Comunique ao Tribunal de Execução das Penas do Porto (processo n.º 3170/10.6TXLSB-A, fls. 91 do SITAF) e ao Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, pela via mais expedita.

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Porto, 22 de Julho de 2016.

Ass.: Rogério Martins

Ass.: Esperança Mealha

As.: Fernanda Esteves