Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00803/16.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PEDIDO DE REDUÇÃO DA COIMA
IMPUGNAÇÃO DO INDEFERIMENTO ATRAVÉS DE AÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:1. A apresentação de um pedido de redução da coima efectuada antes de instaurado processo contra-ordenacional dá início a um procedimento, que não é regulado pelas normas do RGIT, nem pelas do RGCO.
2. Nos casos em que for apresentado tal pedido deverá ser proferido um despacho pela autoridade competente para a fixação da coima, admitindo ou não o requerido pagamento com redução.
3. O procedimento que se inicia com um pedido de pagamento de redução da coima, antes de instaurado processo contra-ordenacional, é uma procedimento tributário, a que são aplicáveis as regras da LGT e as disposições gerais do CPPT.
4. Nomeadamente, serão aplicáveis as normas que estabelecem o direito de audiência antes do indeferimento do pedido [art. 60º, n.ºs 1, al. b), e 2 a 7, da LGT], que consagram um direito garantido constitucionalmente no âmbito de toda a actividade administrativa (art. 267º/5, da CRP).
5. A decisão de indeferimento, tendo natureza de acto administrativo lesivo, por afectar a esfera jurídica do requerente, terá de ser contencisamente recorrível, por imposição constitucional (art. 268º/4 da CRP).
6. A imugnação judicial deste acto segue a forma da ação administrativa.
7. A utilização de recurso de contra-ordenação em vez da ação administrativa configura um erro na forma de processo (art. 193º/1 do NCPC).
8. Pelo que deverá ser convolado na forma adequada.
9. E tendo em conta o pedido formulado na petição de recurso, e os prazos legais, nenhum obstáculo se coloca à convolação em ação administrativa, nos termos do art. 97º/2 do CPPT em articulação com os artº.s 37º/1-a) e 58º do CPTA.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

C…, SA, melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Penafiel que rejeitou por extemporaneidade o recurso interposto do despacho que indeferiu o pedido de redução de coima dela interpôs recurso terminando as alegações com as seguintes conclusões:

I - A Recorrente apenas foi notificada da decisão da autoridade administrativa que indeferiu o pedido de redução de coima em 22.11.2015, e não em 16.11.2015, como sustenta erroneamente a decisão recorrida.
II - Nessa conformidade, o prazo legal para a interposição de recurso nos termos do art. 80.° do RGIT iniciou-se em 23.11.2015, o que é atestado pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira no documento que ora se junta, tendo terminado em 22.12.2015.
III - A Recorrente interpôs recurso judicial da mencionada decisão em 21.12.2015, pelo que o mesmo foi apresentado dentro do prazo legal previsto para o efeito.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida, de acordo com o entendimento supra exposto.
Assim se fará, como sempre, inteira JUSTICA!

CONTRA ALEGAÇÕES.
1º. - A rejeição do RECURSO JUDICIAL da decisão de não admissão do pagamento de coima com a redução prevista no artigo 29º n° 1, al a) do RGIT, apresentado pelo/a R., ficou a dever-se, em síntese, atenta a matéria de facto provada e respectiva fundamentação/motivação e subsequente análise/enquadramento jurídica/o, apenas, à conclusão da respectiva extemporaneidade/intempestividade.
2ª. - A decisão da qual o/a R. pretendeu interpôr RECURSO JUDICIAL é a decisão que indeferiu o pedido de redução de coima consubstanciada no Despacho de fls. 95, notificada via postal registada com A/R, assinado em 16.11.2015 (cfr. fls. 96 e 97), e não, a DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA de fls. 67 e 68, notificada nos termos previstos no n°. 9 do art°. 38°, do CPPT, por transmissão electrónica de dados em 2015-10-27 com Confirmação de Recepção de Notificação em 2015-11-22;
3ª. - pelo que, falece toda a argumentação do/a R. que se baseia em tal alegado, mas contudo errado, pressuposto, de não ter sido notificado/a da decisão que indeferiu o pedido de redução de coima por si formulado na sobredita data (16.11.2015), como de facto foi.
4ª. - Mostrando-se comprovada a notificação da decisão que indeferiu o pedido de redução de coima, por via postal registada com A/R, assinado em 16.11.2015 e considerando-se portanto, nos termos do disposto no n°. 2, do art°. 113° do CPP, aplicável ex vi art°. 41° do RGIMOS, feita a notificação naquela data, por ilidida a presunção constante do citado preceito legal, o apresentado RECURSO JUDICIAL, remetido via postal, por carta registada em 21/12/2015, mostra-se apresentado após o termo do prazo legal para o efeito, sendo por isso, manifestamente extemporâneo/intempestivo, como bem decidiu o/a Mmo/a Juiz a quo.
5ª. - A Decisão/sentença recorrida não enferma de qualquer vício.
6ª. - e fez o/a Mmo/a Juiz a quo correcta análise e valoração dos factos e adequada e lúcida interpretação da Lei ao rejeitar o RECURSO JUDICIAL apresentado pelo/a R. por se mostrar o mesmo manifestamente extemporâneo/intempestivo.
NESTES TERMOS
e nos demais que V. EXCIAS doutamente suprirão, deve a douta Decisão/sentença recorrida ser confirmada/mantida, negando-se provimento ao interposto recurso.
Assim decidindo farão os/as Venerandos/as Desembargadores/as JUSTIÇA.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida para que seja ampliada a matéria de facto, ou se assim não for entendido, que seja a mesma anulada para que seja apurada a matéria de facto necessária à boa decisão da causa.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar extemporânea interposição do recurso judicial de aplicação de coima.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma (art. 63.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS)).
A Digna Magistrada do Ministério Público pugna pela intempestividade do recurso, porquanto a decisão recorrida foi notificada em 16/11/2015 e o recurso foi apresentado em 21/12/2015.
As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação (art. 80.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
O referido prazo conta-se nos termos especialmente previstos no art. 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) (ex vi art. 3.º, alínea b), do RGIT), suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.
Este prazo não é um prazo processual judicial, porquanto ainda não existe processo judicial, pelo que não se suspende em férias judiciais, nem beneficia do regime do art. 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC.
No caso em apreço compulsados os autos verificamos, em síntese, que:
A) O recorrente não recorre da decisão de aplicação da coima (petição inicial do recurso e documento 1 do recurso de fls. 13 a 15);
B) O recorrente recorre da decisão da autoridade administrativa de 11/11/2015, indeferiu o pedido de redução da coima (petição inicial do recurso e documento 1 do recurso de fls. 13 a 15);
C) A decisão recorrida foi notificada à recorrente por carta registada com aviso de receção, registada em 11/11/2015 e recebida pela recorrente em 16/11/2015 (documento 1 do recurso, de fls. 13 a 15, e fls. 97).
D) A recorrente apresentou a petição inicial do recurso por carta registada em 21/12/2015 (fls. 6 a 12).
A decisão recorrida foi regular e validamente notificada à recorrente por carta registada com aviso de receção, registada em 11/11/2015, e recebida pela recorrente em 16/11/2015.
A recorrente foi notificada da decisão recorrida no dia 16/11/2015.
O prazo legal para a recorrente apresentar a petição inicial do recurso da decisão recorrida, nos termos do art. 80.º do RGIT, terminou em 15/12/2015, terça-feira.
A não considerar-se a contagem do prazo nos termos do art. 80.º do RGIT, o prazo do recurso terminou em 06/12/2015, domingo, que transfere-se para 07/12/2015, segunda-feira.
O recurso apresentado em 21/12/2015 é, por isso, manifestamente extemporâneo, porquanto o prazo de recurso não é sujeito a suspensão nas férias judiciais, nem é aplicável o art. 139.º do CPC, tendo de ser rejeitado, nos termos do art. 63.º, n.º 1, do RGIMOS.
Decisão.
Pelo exposto, rejeita-se o recurso interposto, por ser manifestamente extemporâneo (arts. 3.º, alínea b), e 80.º, n.º 1, do RGIT e 63.º, n.º 1, do RGIMOS).
Condena-se a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (arts. 66.º, do RGIT, 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º (DL) 324/2003, de 27 de Dezembro, 92.º, 93.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro e 8.º, n.ºs 7 a 10, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).
Deposite e notifique.
Para efeitos de custas e outros previstos na lei fixa-se o valor da causa em €7.041,07 (art. 83.º do RGIT).
Cumpra o art. 70.º, n.º 4, do RGIMOS.
*
Após trânsito em julgado desta decisão, informe o Serviço de Finanças que os autos ficarão arquivados neste Tribunal.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS.
Ao abrigo do disposto no art. 662º do nCPC, aditamos os seguintes factos:
E) Em 11/11/2015 pela Exma. Escrivã do processo foi prestada a seguinte informação:
“Vem a Firma C… S.A. NIF 5…apresentar defesa alegando que solicitou os pagamentos das coimas com redução referente aos pagamentos fraccionados que fez, relativamente ao IVA do mês de Agosto 2014, no valor de 57.868,10€, Outubro de 2014, no valor de 59.128,84€ e Janeiro de 2015 no valor de 37.353,05€, que posteriormente deu origem aos processo de contra ordenação supra referenciados e alega que por várias vezes foi solicitado e que não foi possível efectuar o pagamento com redução por aparecer uma mensagem a dizer (rectificação do orçamento do estado).
Em conformidade com o solicitado no e-mail de 16/07/2015 e no e-mail de 6/11/2015, informo V. Exª do seguinte:
Durante algum tempo o sistema informático permitia (por lapso) que fosse extraído PRC referente a pagamentos fraccionados de IVA.
Esta situação que aconteceu foi apenas um lapso do sistema informático, que originou um bloqueio à posteriori.
Assim sendo, e não existindo base legal que sustente o pagamento da coima com redução nestes casos, sou de parecer que poderá efectuar o pagamento das coimas referentes aos processos em causa em prestações, devendo solicitá-lo com a máxima urgência.
V. Exª Porém melhor decidirá”.
F) Pelo Exmo. Chefe de Finanças adjunto P.D. foi proferido o seguinte despacho.
“Concordo com a informação, Notifique” (doc. 1 do recurso a fls. 13, 14 e fls. 95 dos autos).
G) o auto de notícia foi levantado em 29/4/2015 (fls. 16).

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A RECORRENTE não efectuou o pagamento do IVA no montante de € 37.363,05 correspondente à declaração do mês de janeiro de 2015 fazendo-o apenas pelo valor parcial de € 15.000,00 em 10 de março de 2015 e o restante valor (€ 22.505,57) no dia 25/03/2015.
Solicitou o pagamento da coima reduzida nos termos do art,º 29º/1-a) do RGIT, que o SF não satisfez alegando impossibilidade por falta dessa opção no sistema informático e por surgir a mensagem “rectificação do orçamento de Estado”.
Posteriormente, e na sequência de pedidos formulados por email, o SF emitiu o despacho recorrido, a que correspondem as alíneas E) e F) dos factos aditados, rececionado pela RECORRENTE.
Contra este despacho foi interposto o recurso a que alude o art.º 80º RGIT que o MMº juiz “a quo” rejeitou por ser manifestamente extemporâneo, baseando-se no facto de a notificação do despacho recorrido ter sido recebida em 16/11/2015 e a petição ter sido apresentada em 21/12/2015.
Ou seja, o recurso foi apresentado depois de decorrido o prazo de 20 dias a que alude o art.º 80º/1 do RGIT.
Desta decisão vem o presente recurso impugnando desde logo a data da notificação do despacho que a RECORRENTE defende apenas ter ocorrido em 22/11/2015 – por notificação eletrónica, e não em 16/11/2015, como consta do despacho.
Na tese que sustentam, o recurso seria tempestivo.

Feita esta pequena contextualização, podemos continuar para apreciação da questão que nos é submetida e que, a nosso ver, é tão só saber se a notificação do despacho de indeferimento ocorreu em 16/11/2015 –caso em que seria extemporâneo o recurso, ou se foi recebido - por notificação eletrónica – apenas em 22/11/2015, o que o tornaria tempestivo à luz do prazo previsto no art.º 80º/1 RGIT.

Mas antes de nos debruçarmos sobre esta questão, afigura-se-nos importante indagar se o recurso é admissível nos termos em que foi tramitado na sua interposição e decisão em primeira instância. Com efeito, quer na sua interposição quer na douta sentença do MMº juiz do TAF de Penafiel, assume-se estarmos perante recurso da decisão de aplicação de coima, a que alude art. 80º RGIT Embora o MMº juiz “a quo” avisadamente tenha notado que a RECORRENTE “não recorre da decisão de aplicação da coima” (alínea A) dos factos provados)..

Mas não é isso que resulta dos autos.
O que a RECORRENTE pretende impugnar é “apenas” o despacho de indeferimento do pedido de redução da coima a que se julga com direito, nos termos do art.º 29º/1-a) RGIT. Não discorda da coima; discorda do indeferimento de um benefício que a lei (na sua tese) lhe concede e que formalmente será tramitado antes da instauração de processo de contra-ordenação, e mesmo antes de levantado o auto de notícia Nos termos da alínea a) do art.º 29º/1 do RGIT, As coimas pagas a pedido do agente, apresentado antes da instauração do processo contra-ordenacional, são reduzidas nos seguintes termos:
a) Se o pedido de pagamento for apresentado nos 30 dias posteriores ao da prática da infração e não tiver sido levantado auto de notícia, recebida a participação ou de núncia ou iniciado procedimento de inspeção tributária, para 25% do montante mínimo legal..

Por isso, não pede a absolvição da prática de qualquer contra-ordenação nem invoca qualquer erro na graduação da coima. O que pede é que “...seja anulada a decisão recorrida nos termos supra expendidos e admitido o pagamento da coima com a redução prevista no art.º 29º n.º 1 al. a) do RGIT, relativamente à entrega fora do prazo da prestação tributária de IVA...”.

Ora tendo em conta o pedido formulado - e mesmo a causa de pedir-, bem vemos que a forma de processo e a tramitação prevista no art.º 80º RGIT, que se destina à apreciação das decisões administrativas de aplicação de coima, não parece a mais adequada para a situação em análise. E não obstante a regra do art.º 2º/2 do nCPC segundo a qual a todo o direito, exceto quando a lei determinar o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, este diploma também não nos diz de que modo tal decisão pode ser impugnada.

Assim, estamos perante uma lacuna processual para cuja integração perspetivamos duas hipóteses: uma, em que o despacho não seria recorrível autonomamente, mas apenas com a decisão final de aplicação da coima; a outra, a admitir a impugnação autónoma do despacho mas com uma forma processual compatível, que não o recurso de aplicação de coima.

A primeira hipótese colide com o facto de o indeferimento ter um caráter lesivo e por isso não poder deixar de ser contenciosamente recorrível, por força do disposto no art.º 268º/4 da Constituição. E como o despacho – em princípio pelo menos-, deverá ser proferido antes da instauração do procedimento contra-ordenacional E daí – por não haver ainda processo de contra-ordenação - não nos parecer aplicável o disposto no art.º 55º RGCOC., parece não fazer muito sentido esperar por este e pela respetiva decisão para depois, a final, impugnar apenas o despacho de indeferimento do pedido de redução da coima.

A segunda hipótese salvaguarda o direito à impugnação de um acto lesivo por parte do contribuinte e contorna as dificuldades que decorrem do exposto no parágrafo anterior.

Na verdade, a questão foi já pensada em termos que merecem a nossa adesão.
Com efeito, referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in "Regime Geral das Infrações Tributárias" anotado, 2010, pp. 310 e 311 “Embora este diploma seja omisso sobre tal matéria, a apresentação dos pedidos de redução da coima efectuada antes de instaurado processo contra-ordenacional dá início a um procedimento, que não é regulado pelas normas deste RGIT, nem pelas do RGCO, pois tem lugar antes de instaurado o processo contra-ordenacional, que estes diplomas regulam.
Assim, em todos os casos em que for apresentado um pedido de pagamento deverá ser proferido um despacho pela autoridade competente para a fixação da coima, admitindo ou não o requerido pagamento com redução, pois será a ela que caberá pronunciar-se sobre o enquadramento jurídico dos factos e sobre a aplicabilidade de sanção acessória, questões estas que não podem deixar de ser decididas, uma vez que a redução da coima apenas é admissível quando não seja aplicável sanção acessória [art. 30º, n.º 1, al. C) do RGIT]
As relações que se estabelecem no âmbito das infrações tributárias são relações legalmente qualificadas como de natureza jurídico-tributária, como se conclui do preceituado no corpo e na al. b) do art. 2º da LGT.
Por isso, são aplicáveis a estas relações jurídico-tributárias as normas da LGT e diplomas que a regulamentam, designadamente o CPPT e o CPA.
Assim, parece ser de concluir que o procedimento que se inicia com um pedido de pagamento de redução da coima, antes de instaurado processo contra-ordenacional, é uma procedimento tributário, a que são aplicáveis as regras da LGT e as disposições gerais do CPPT.
Nomeadamente, serão aplicáveis as normas que que estabelecem o direito de audiência antes do indeferimento do pedido [art. 60º, n.ºs 1, al. b), e 2 a 7, da LGT], que consagram um direito garantido constitucionalmente no âmbito de toda a actividade administrativa (art. 267º, n.º 5, da CRP).
(...)
9. - Não é indicado também no RGIT qual a forma de impugnação de uma decisão administrativa que indefira o pedido de pagamento com redução.
O que é seguro é que uma decisão de indeferimento, tendo natureza de acto administrativo lesivo, por afectar a esfera jurídica do requerente, terá de ser contencisamente recorrível, por imposição constitucional (n.º 4 do art. 268º da CRP).
Na falta de qualquer norma que preveja um regime especial de impugnação de um acto administrativo deste tipo, o regime que decorre mais linearmente da lei será o da utilização da ação administrativa especial, prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que é o meio processual adequado para impugnação contenciosa de actos administrativos sobre questões fiscais [art.s 49º, n.º 1, alínea a), sub alínea iv) do ETAF de 2002, art. 97º, n.ºs 1, alínea p) e 2, do CPPT e art. 191º do CPTA].

Cremos que esta doutrina é a mais adequada às circunstâncias que nos ocupam. Como sabemos, o contribuinte não pretende recorrer da contra ordenação, porque aceita a tipicidade e a sanção. O que não aceita é o indeferimento de um pedido de redução da coima, que por não se integrar no quadro relativo à sua graduação (art. 27º do RGIT), também não pode ser discutido em sede de recurso da decisão de aplicação da coima.

O contribuinte não impugna a decisão de aplicação de coima e sanções acessórias, mas sim um acto administrativo de indeferimento de uma pretensão que formulou.

Assim, o recurso judicial interposto ao abrigo do disposto no art.º 80º RGIT não corresponde à forma de processo adequada a discutir a legalidade do indeferimento do pedido formulado.

A forma de processo adequada é, como bem salienta o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa a ação administrativa especial - actualmente ação administrativa (art.37º do CPTA, na redação que lhe foi dada pelo DL nº 214-G/2015, de 2/10).

Assim, concluímos, a utilização de recurso de contra-ordenação em vez da ação administrativa configura um erro na forma de processo (art. 193º/1 do nCPC), o que traduz uma nulidade processual de conhecimento oficioso (art.º 196º do nCPC). Ac. do TCAS nº 07103/13 de 12-12-2013 Relator: JOAQUIM CONDESSO
Sumário: 2. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
3. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).

Em caso de erro na forma de processo, este deverá ser convolado na forma adequada, por força do disposto nos art.s 98º/4 do CPPT e 97º/3 LGT Ac. do STA nº 0187/11 de 25-05-2011 Relator: ANTÓNIO CALHAU
Sumário: II - Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei., que instituem um princípio geral aplicável a todo o processo, e portanto também em relação à impugnação das decisões proferidas no âmbito do RGIT, não obstante o catálogo de regimes de aplicação subsidiária previsto no art.º 3º do RGIT.

E tendo em conta o pedido formulado na petição de recurso, nenhum obstáculo se coloca à convolação em ação administrativa, nos termos do art. 97º/2 do CPPT em articulação com os artº.s 37º/1-a) e 58º do CPTA.

E no que respeita ao prazo, sendo mais dilatado para interposição da ação administrativa (alínea b) do n.º 2 do art.º 58º do CPTA-três meses), torna-se irrelevante discutir se a notificação do despacho ocorreu em 16/11/2015 ou 22/11/2015, porque qualquer uma destas datas é compatível com a tempestividade da ação.

Nestas circunstâncias, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e consequentemente a convolação do recurso de aplicação da coima em ação administrativa.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em:
a) Oficiosamente anular a douta sentença recorrida,
b) Ordenar a convolação do recurso de aplicação da coima em ação administrativa e posterior tramitação que ao caso couber, se nada mais obstar.
Sem custas.
Porto, 16 de março de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira