Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00773/21.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO;
APRESENTAÇÃO; CONTAGEM DO PRAZO
Sumário:I. A apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação fiscal é um acto a praticar em juízo, o que significa que tal recurso tem, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido a tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.
II. O facto de nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contra-ordenação em nada interfere com tal natureza, pois que, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como mero receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
III. A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
IV. Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do C. Civil.
Recorrente:A..., S.A
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso de contra-ordenações - Recursos jurisdicionais
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Foi emitido parecer no sentido do provimento do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. A "A..., S.A." (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi rejeitada liminarmente a impugnação judicial da decisão de aplicação da coima, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1.º A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art.º 80.º, n.º 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
2.º Com efeito, não contendo o RGIT norma própria para a contabilização de prazos, é subsidiariamente aplicável (cf. artigo 3º do RGIT) o disposto nos artigos 41.º, n.º 2, 60.º e 63.º, n.º 1 do RGCO (ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT), artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, artigo 103.º do CPPT, artigo 104.º do CPP e artigo 138.º do CPC.
3.º Assim sendo, corre sem interrupções aos sábados, domingos e feriados e transfere-se para o dia útil imediato, quando termine em dia em que os tribunais estiverem encerrados.
4.º Desta sorte, tendo a Recorrente sido notificada da decisão de aplicação de coima em 19 de Julho de 2021, o prazo de impugnação judicial terminaria em 16 de Agosto de 2021, podendo o recurso ser interposto até ao dia 01 de Setembro de 2021, inclusive.
5.º Tendo a Recorrente apresentado o recurso em 25 de Agosto de 2021, impõe-se concluir que, diversamente da interpretação do Tribunal recorrido, aquele é tempestivo.
6.º Ao entender de modo diverso, o despacho recorrido violou as disposições conjugadas dos artigos 80.º do RGIT, artigos 41.º, nº 2, 60.º e 63.º, n.º 1 do RGCO (ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT), artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, artigo 103.º do CPPT, artigo 104.º do CPP e artigo 138.º do CPC, artigo 28.º da LOSJ e, ainda, o artigo 32.º da CRP.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento do Colendo Tribunal ad quem,
Deverá ser admitido e concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, o douto despacho recorrido ser revogado e determinar-se que seja substituído por outro que não seja de rejeição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima pelo mesmo motivo, com o que se fará
JUSTIÇA!»

1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 146 SITAF, com o seguinte teor:
«O Ministério Público no Tribunal Central Administrativo do Norte, na sequência do termo de vista aberto a fls. 145 – digital – dos autos, e porque não foi possível, por razões técnicas, redigir esta promoção directamente no próprio termo de vista do sistema informático Sitaf, vem por esta via, dizer:
O recurso cinge-se a saber se a contagem do prazo de vinte dias de que o arguido dispõe para interpor recurso, conforme o art.º 80.º, n.º 1 do RGIT, após lhe ser efectuada a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, se faz nos termos do artigo 60.º do RGCO, por força do disposto na alínea b) do art.º 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados, ou nos termos aplicados na douta decisão recorrida.
Ora, em nosso entender, e como bem aponta a recorrente: «...não contendo o RGIT norma própria para a contabilização de prazos, é subsidiariamente aplicável (cf. artigo 3º do RGIT) o disposto nos artigos 41.º, n.º 2, 60.º e 63.º, n.º 1 do RGCO (ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT), artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, artigo 103.º do CPPT, artigo 104.º do CPP e artigo 138.º do CPC
O que tem como consequência que o prazo corre sem interrupções aos sábados, domingos e feriados mas transfere-se para o dia útil imediato, quando termine em dia em que os tribunais estiverem encerrados.
Desta forma, tendo a Recorrente apresentado o recurso em 25 de Agosto de 2021, impõe-se concluir que, diversamente da interpretação do Tribunal recorrido, aquele é tempestivo, pois poderia fazê-lo até ao dia 1 de Setembro.
Foi este o entendimento do Ministério Público já aplicado nos autos – fls. 2 – quando apresentou os autos em juízo sem se pronunciar acerca da tempestividade do requerimento impugnatório da decisão de aplicação da coima, valendo esse acto como acusação, nos termos legais.
Assim, e mantendo-se a posição implícita no comportamento processual anterior do Ministério Público, será de concluir que o recurso merece provimento.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, tal como resulta do disposto no artigo 72.º-A do mesmo diploma, sendo estas disposições aqui aplicáveis ex vi art. 3.º, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, tal como resulta do disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS, ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT, exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Por outro lado, o objeto do recurso pode abranger a matéria de facto e de direito – cf. artigo 83.º, n.º 2, primeira parte, do RGIT, a contrario sensu.
Assim sendo, cabe a este Tribunal, decidir da questão colocada pela Arguida, aqui Recorrente, qual seja, a de apreciar a bondade da decisão sob recurso que considerando que estava já precludido o prazo para recorrer da decisão administrativa de aplicação da coima quando deu entrada o requerimento de interposição de recurso judicial, rejeitou o recurso judicial subjacente aos presentes autos.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Apreciando liminarmente os autos, do compulso dos autos resulta a seguinte factualidade relevante:

a. No processo de contraordenação n.º 009...181 foi proferida decisão de aplicação de coima no dia 15/07/2021, remetida ao arguido via sob o registo postal n.º RF56...0PT (cfr. fls. 40 e seguintes dos autos – suporte digital),
b. A notificação de decisão de aplicação da coima identificada no ponto anterior foi entregue no dia 19/07/2021 (cfr. documento a fls. 64 dos autos – suporte digital);
c. O presente recurso foi apresentado no dia 25/08/2021 (cfr. 46 e seguintes dos autos – suporte digital);»

2.2. De direito
A Recorrente "A..., S.A." insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., que rejeitou liminarmente a impugnação judicial da decisão de aplicação da coima, com fundamento na sua intempestividade.
Está em causa, como se retira das conclusões da alegação de recurso, saber se a decisão recorrida errou ao rejeitar o recurso com fundamento na sua intempestividade, com invocação expressa do disposto no artigo 60º e 63º do RGCO.
Para concluir nos termos apontados, o Tribunal a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo:
«Apurada, sucintamente, a factualidade relevante para a apreciação liminar dos presentes autos, refira-se que o RGIT estabelece um prazo de 20 dias para o recurso da decisão de aplicação de coima (cfr. art.º 80.º) mas não dispõe sob a forma de contagem do prazo do recurso da decisão de aplicação de coima, motivo que conduz à aplicabilidade do art.º 60.º do RGCO (cfr. art.º 3.º RGIT).
Este estatui que o prazo de recurso se suspende aos sábados, domingos e feriados e, quando o seu termo “caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte” [cfr. n.º 2 do art.º 60.º do RGCO].
Assim sendo, e atendendo a que o ato de impugnação da decisão de aplicação de coima deve ser praticado na pendência da fase administrativa do procedimento contraordenacional e que o recurso tem obrigatoriamente de ser apresentado perante a autoridade administrativa, o RGCO acautelou a possibilidade do termo do prazo de recurso terminar em dia em que os serviços administrativos se encontrassem encerrados, estatuindo que aquele prazo se transfira para o primeiro dia em que os serviços da entidade administrativa onde corre o procedimento contraordenacional se encontrem abertos ao público, inexistindo, desta forma, qualquer lacuna que pudesse sustentar a aplicação subsidiária do Código Civil.
Salienta-se que o entendimento de que o prazo do recurso do procedimento contraordenacional que termine em período de férias judiciais não se transfere para o primeiro dia posterior às férias encontra respaldo na jurisprudência.
Neste domínio salienta-se o douto aresto do colendo Tribunal Constitucional n.º 473/01, de 24/10/2001 onde se decidiu “não considerar inconstitucional, designadamente por violação do n.º 1 do art.º 20.º da Constituição, o disposto nos art.º 59.º n.º 3 e 60.º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas”.
Remetendo-se para a fundamentação daquele douto aresto emerge cristalino que o ato deve ser praticado na pendência da fase administrativa do procedimento contraordenacional e que o recurso tem obrigatoriamente de ser apresentado perante a autoridade administrativa.
Assim, funcionando os serviços administrativos desta durante o período de férias judiciais, não se vislumbram motivos para que o prazo se transferisse para o primeiro dia após o termo das referidas férias visto que o ato não tem que ser praticado em juízo.
Entendimento diverso seria possível caso o recurso pudesse ser apresentado diretamente no Tribunal, o que in casu não ocorre por força do n.º 1 do art.º 80.º do RGIT e do n.º 3 do art.º 59.º do RGCO (cfr. douto aresto do Trib. da Relação de Lisboa, de 23/11/2011, no proc.º 4408/11.8TAVNG.P1 apud António Bessa Pereira, RGCO e Coimas, 12.ª Ed., p. 183).
No sentido da ausência de natureza judicial do prazo do recurso se pronunciam: Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao RGCO à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 246 e Lopes de Sousa e Simas Santos, Contraordenações – Anotações ao Regime Geral, p. 359.
No mesmo sentido se pronunciou o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no proc.º 70/17.2BELLE, em 16/11/2017, onde se afirma:
“(...) O requerimento de interposição de recurso visando decisão administrativa de aplicação de coima deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação, no prazo de 20 dias (contado da data de notificação da decisão de aplicação de coima), atento o disposto no artigo 80, nº. 1, do R.G.I.T, sendo o cômputo do referido prazo calculado nos termos do disposto no artigo 60º, do RGCO *aplicável “ex vi” do artº. 3, al. b), do R.G.I.T].
Não sendo tal prazo de natureza judicial, não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artigos 138º, nº. 1, e 139º, nº. 5, do C.P.Civil, embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados (cfr. ac.S.T.A.-2ª. Secção, 1/6/2011, rec.312/11; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 13/7/2011, rec. 314/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5770/12; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.145).
Neste sentido, quanto à natureza do prazo, referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias, na obra citada, que «O prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação da coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo em tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial.
Com efeito, o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contraordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (...)»”.
Cumpre apreciar
Dimana da factualidade assente e, aliás, a própria Recorrente reconhece que apresentou o Recurso para além do prazo legal de 20 dias contados da notificação da decisão recorrida.
Efetivamente, sendo rececionada a notificação em 19/07/2021, o prazo de 20 dias contados daquela data, desconsiderando os sábados, domingos e feriados, consumou-se em 16/08/2021.
Sendo apenas expedido o presente recurso em 25 de Agosto, este mostra-se extemporâneo.
Como se referiu anteriormente, ao prazo de recurso não é aplicável o regime estabelecido no Código Civil mas sim o especialmente estabelecido no RGCO que impõe que o ato seja praticado naquele prazo de 20 dias suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados e, na impossibilidade de tal prática (por exemplo em razão de concessão de tolerância de ponto), admite a prática do ato no primeiro dia subsequente em que os serviços administrativos se encontrem abertos.
Assim, emerge a conclusão que o presente recurso se mostra intempestivo, impondo-se a aplicação do previsto no n.º 1 do art.º 63.º do RGCO que determina a rejeição liminar do Recurso.» (fim de citação)
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, defendendo que o recurso foi tempestivamente apresentado.
Em abono da sua tese defende que a contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art.º 80.º, n.º 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados. Com efeito, não contendo o RGIT norma própria para a contabilização de prazos, é subsidiariamente aplicável (cf. artigo 3º do RGIT) o disposto nos artigos 41.º, n.º 2, 60.º e 63.º, n.º 1 do RGCO (ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT), artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, artigo 103.º do CPPT, artigo 104.º do CPP e artigo 138.º do CPC. Assim sendo, corre sem interrupções aos sábados, domingos e feriados e transfere-se para o dia útil imediato, quando termine em dia em que os tribunais estiverem encerrados.
Vejamos, desde já se adiantando que a razão está do lado da Recorrente.
Esclareçamos, com detalhe, o que nos leva a concluir no sentido apontado, sufragando o vertido em recente acórdão do STA de 12.05.2021 proferido no âmbito do processo n.º 572/20.3BEPNF, onde se lê:
Pois bem, neste domínio, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 20-04-2020, Proc. nº 0653/19.6BECBR, www.dgsi.pt, “… O S.T.A. tem decidido uniformemente no sentido desta disposição ser aplicável, no caso do referido prazo terminar em férias, conforme dão notícia Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, anotação 10 ao art. 80.º, Regime Geral das Infrações Tributárias, 4.ª ed., Áreas ed., 2010, pág. 536, autores que expressam o seguinte:
«Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279º, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.
Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste».
Diga-se ainda, a montante, com o mesmo Ac. deste Tribunal de 20-04-2020, Proc. nº 0653/19.6BECBR, www.dgsi.pt, que “… a apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação fiscal é um acto a praticar em juízo. Tal recurso tem, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido a tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade. O facto de, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contra-ordenação em nada interfere com tal natureza. É que, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como mero receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário. …”
Com este pano de fundo, temos que a contagem do prazo de vinte dias a que alude o art. 80º nº1 do RGIT - trata-se de um prazo de caducidade de natureza substantiva - após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso, faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados, sendo que, se esse prazo terminar em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do C. Civil (neste sentido, Ac. deste Tribunal de 28-05-2014, Proc. nº 0311/14, www.dgsi.pt). (fim de transcrição)
Munidos destes ensinamentos jurisprudenciais, podemos concluir que resultando da decisão recorrida que a decisão de aplicação de coima foi notificada à arguida e aqui Recorrente através de notificação sob registo postal, recepcionado em 19.07.2021 (itens a. e b. do factos fixados), torna-se claro que o aludido prazo de 20 dias previsto nº 1 do artigo 80º do RGIT, terminava a 16.08.2021, o qual por estar compreendido no período de férias judiciais que decorre de 16 de Julho a 31 de Agosto (art. 28º da Lei nº 62/2013, de 26-08), se transfere para o primeiro dia útil após férias, nos termos da alínea e) do artigo 279º do Código Civil, ou seja, o dia 1 de Setembro de 2019, de modo que, tendo o presente recurso sido apresentado no dia 25.08.2021 (item c. da factualidade assente), o mesmo é tempestivo.
Tal significa que o julgamento concretizado na decisão (judicial) recorrida enferma de erro na aplicação do direito, motivo pelo qual se impõe a sua revogação, julgando-se procedente o recurso e determinando-se a baixa dos autos a fim de os mesmos prosseguirem os seus termos, se a tal nada mais obstar.

2.3. Conclusões
I. A apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação fiscal é um acto a praticar em juízo, o que significa que tal recurso tem, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido a tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.
II. O facto de nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contra-ordenação em nada interfere com tal natureza, pois que, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como mero receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
III. A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
IV. Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do C. Civil.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para aí prosseguirem os seus termos com conhecimento do recurso judicial, se nada mais a tal obstar.
Sem custas.

Porto, 17 de novembro de 2022
Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis