Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00140/23.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/01/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; INTEMPESTIVIDADE DO PEDIDO;
SUSPENSÃO DO PRAZO; ARTIGO 2, N.ºS 8 E 9, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
DIREITO FUNDAMENTAL À IGUALDADE DE TRATAMENTO, CONSAGRADO NOS ARTIGOS 2º, 13.º, 59º, Nº 1 E 2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA;
Sumário:
1. Os créditos tornam-se líquidos e exigíveis, sendo litigiosos, com o trânsito em julgado da decisão judicial que os reconheça. Mas esta afirmação apenas é válida em relação à entidade patronal, devedora, e para efeitos, designadamente, de apreciar se o crédito se encontra prescrito ou não. Não vale em relação ao Fundo de Garantia Salarial.

2. Em relação ao Fundo de Garantia Salarial existem normas específicas que regulam a matéria, as constantes do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho, que dizem quais os créditos cujo pagamento este Fundo garante, ou seja, os que lhe podem ser exigidos, e que não coincidem, como é evidente, com todos os créditos exigíveis à entidade patronal.

3. Se a acção de insolvência foi instaurada mais de 2 anos após a cessação do contrato de trabalho, ou seja, quando se encontrava, já há mais de um ano, esgotado o prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, pelo que não importa averiguar se operou, ou não, a suspensão derivada da interposição da acção de insolvência, nos termos do n.º 9 do artigo 2º do mesmo diploma, pois não se suspende um prazo que já não existe porque se esgotou.

4. E não se diga que a Autora não poderia propor uma acção de insolvência, sem que o seu crédito laboral fosse reconhecido e confirmado pelo Tribunal de Trabalho e sem propor acção executiva para determinar se a empresa tinha ou não bens, porque na verdade essas exigências não estão na lei, porque pode propor a acção de insolvência qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito – n.º1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei 53/2994, de 18.03.

5. Neste contexto nem o acto impugnado – que indeferiu o requerimento para pagamento de créditos salariais por intempestivo - nem a sentença recorrida que o manteve na ordem jurídica, porque válido, violaram quaisquer o direito fundamental à igualdade de tratamento, consagrado nos artigos 2º, 13.º, 59º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, ou o princípio da proporcionalidade, plasmado nos artigos 5º 6º do Código de Procedimento Administrativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 16.11.2023, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial para anulação dos que indeferiram os requerimentos apresentados pela Autora para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e para condenação do Demandado a pagar à Autora, os montantes peticionados num total de 11.172€21.

Invocou para tanto, em síntese, que a sentença ora em crise ao decidir em sentido contrário ao propugnado pela Recorrente, violou princípio e do direito fundamental à igualdade de tratamento, consagrado nos artigos 2º, 13.º, 59º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como o princípio da proporcionalidade plasmado nos artigos 5º 6º do Código de Procedimento Administrativo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I – Esta é a conclusão das alegações (ponto 79) que define o objecto do presente recurso jurisdicional:

A sentença ora em crise ao decidir em sentido contrário ao propugnado pela Recorrente, violou princípio e do Direito Fundamental à igualdade de tratamento, consagrado nos artigos 2º, 13.º, 59º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa bem como o princípio da proporcionalidade plasmado nos artigos 5º 6º do Código de Procedimento Administrativo.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A Autora trabalhou sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade [SCom01...], LDA, desde 01.08.2016 até 11.10.2018 (cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial).

2. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 04.07.2019, a Autora intentou contra a sociedade [SCom01...], LDA ação, que correu termos no Juízo do Trabalho de Braga – Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o n.º 2368/19.... (cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial e 49 a 56 do processo administrativo).

3. Em 04.07.2019, foi proferida sentença no processo referido no ponto anterior, da qual consta, entre o mais, que:

“(…)
Ora, no caso dos autos, somente se pode concluir que houve resolução do contrato por justa causa, uma vez que já haviam decorrido mais de 60 dias de mora, quando a A. comunicou à Ré a sua vontade de resolver o contrato com justa causa.
Em suma, considera-se que ocorreu a resolução dos contratos de trabalho da A. com justa causa, pelo que, para além das retribuições não pagas, ainda terá direito à indemnização prevista no artigo 396º do CT.
*
5. Assim, atendendo a que a Autora foi trabalhadora sob as ordens, direcção e fiscalização da
Ré desde 01/08/2016 até 11/10/2018, que nessa data auferia a retribuição mensal de 580,00 € (acrescida de subsídio de alimentação) e que à data da comunicação da resolução a Ré não lhe havia ainda liquidado as retribuições referentes aos meses de Agosto e Setembro de 2018, bem como as retribuições mencionados no artigo 25º, para além do trabalho prestado fora do período normal de trabalho, nos termos do disposto nos artigos 406º, 798º e 799º do Código Civil, 263º, 264º, 268º, 278º do Código do Trabalho, tem o Autor direito aos seguintes montantes:
— 1.365,80 €, relativos às retribuições dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2018;
— 227,44 €, respeitantes a subsídio de férias e de Natal proporcionais aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2018;
— 1.082,66 €, a titulo de retribuição de férias não gozadas;
— 6.071,31 € (4,19 € x 1449 horas), a título de retribuição de trabalho prestado fora do período normal de trabalho. o que tudo perfaz o montante de 8.747,21 €, respeitante apenas às retribuições em dívida.
Além do mais, verificando-se a situação de facto prevista no artigo 394º, nº 5 do Código do Trabalho, observou a A. o regime previsto no artigo 395º, nºs 1 e 2 do mesmo Código, para efeitos de resolução do seu contrato de trabalho, procedendo à sua declaração por escrito, como se vê do documento junto com a petição inicial
Por isso, tem ainda direito a haver a indemnização de antiguidade a que alude o artigo 396º, nº 1 do Código do Trabalho, a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
No caso em apreço, considera-se equitativo calcular a indemnização recorrendo ao critério de um mês de vencimento por cada ano de antiguidade.
Assim, tendo em conta a retribuição auferida e o tempo de antiguidade, o Autor tem direito à indemnização de antiguidade no montante de 1.740,00 €, que é o mínimo legal. Em suma, a título de indemnização e retribuições em atraso, tem a receber da Ré o montante global de 10.487,21€.
*
A tal quantia ainda acresce juros de mora à taxa de 4% ao ano (Portaria nº 291/2003 de 8.4.), desde a citação até integral pagamento.
***
6. Nestes termos julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, considerando legítima a invocação de justa causa para a resolução do contrato, condeno a Ré a pagar à Autora, o montante global de 10.487,21 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.
Do mais peticionado, vai a Ré absolvida.
(…).
Cf. documento n.º ... junto com a petição inicial e fls. 57 e 63 do processo administrativo.

4. Em 19.02.2021, a Autora instaurou ação de insolvência contra a sociedade [SCom01...], LDA, que correu termos no Juízo de Comércio de Guimarães - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o n.º 1035/21.... (cf. documento n.º ... com a petição inicial e fls. 16 a 25 do processo administrativo).

5. Em 13.05.2021, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade [SCom01...], LDA, no âmbito do processo referido no ponto anterior (cf. fls. 11 do processo administrativo).

6. A Autora reclamou créditos, no âmbito do processo referido no ponto 4), no valor de € 11.172,21 (cf. documento n.º ... junto com a petição inicial e fls. 13 e 14 do processo administrativo).

7. O Administrador de Insolvência nomeado no âmbito do processo referido no ponto 4) reconheceu os créditos reclamados pela Autora (cfr. documento constante de fls. 239 da paginação eletrónica e fls. 4 do processo administrativo).

8. Em 17.09.2021, a Autora apresentou nos serviços da Segurança Social de ... requerimento, dirigido à Entidade Demandada, para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho com a sociedade [SCom01...], LDA, no montante de € 11.172,21 (cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9. Em 06.09.2022, foi elaborada informação pelos Serviços da Entidade Demandada, da qual consta, além do mais, o seguinte:

1. Por despacho da Senhora Presidente de 2022-03-18, foi indeferido o pedido de intervenção do Fundo com o seguinte fundamento:
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec. - Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
O beneficiário, em sede de reapreciação vem expor o seguinte: […]
O Centro Distrital vem depois pronunciar-se e concluir o seguinte:
O requerimento da requerente para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho foi apresentado junto do Fundo de Garantia Salarial em 17/09/2021, no âmbito do Processo de Insolvência n.º 1035/21...., ao abrigo do novo diploma legal regulador do FGS, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, alterado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no artigo 336.° do Código do Trabalho.
Desde logo, aquele diploma legal prevê que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos referidos créditos quando tal lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho- (cf. n.º 8, art.º 2º do DL n.º 59/2015) 3.3. Ora, a requerente resolveu a sua relação laboral com a Entidade Empregadora, aqui insolvente, em 16/11/2018.
Pelo que, quando em 17/09/2021 o requerimento foi entregue junto do FGS, o prazo de um ano previsto no n.º 8, art.º 2º do DL n.º 59/2015, havia sido ultrapassado, pois tinham já decorrido 2 anos e 10 meses.
No entanto, de acordo com o estipulado no n.º 9, do artigo 2.º, do já citado DL n.º 59/2015, de 21 de abril, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, o prazo de 1 ano previsto no n.º 8, art.º 2º, deste diploma legal, suspende-se com a propositura de ação de insolvência, até 30 dias após trânsito em julgado da decisão da sentença de declaração de insolência do empregador.
No caso em concreto, verifica-se que a ação de insolvência foi proposta em 19/02/2021, ou seja, já haviam decorrido mais de 1 ano após o dia seguinte da data da cessação do contrato de trabalho (16/11/2018), mais precisamente, 2 anos, 3 meses e 2 dias.
Logo, dúvidas não restam de que no caso em concreto não se verifica o efeito suspensivo previsto no referido artigo 2º, n.º 9, do DL n.º 59/2015.
A intervenção do Fundo de Garantia Salarial encontra-se, assim, delimitada, por questões temporais, como é o caso do prazo de caducidade para requerer o pagamento dos créditos laborais previsto no n.º 8 e 9, art.º 2º, do citado DL n.º 59/2015.
Assim, não podem merecer acolhimento os argumentos apresentados pela requerente para justificar a apresentação dos requerimentos ao Fundo de Garantia Salarial muito depois de decorrido um ano após o dia seguinte à data da cessação do contrato de trabalho, concretamente após terem decorrido.
Reanalisado o processo concorda-se com a posição defendida pelo Centro Distrital pelo que deve manter-se a decisão de indeferimento com o fundamento constantes dos nºs 1 e 3 desta informação para os quais ora se remete.
(…)”.
Cf. fls. 89 e 90 do processo administrativo.

10. Em 28.09.2022, a Presidente do Conselho de Gestão da Entidade Demandada proferiu despacho de concordância com a informação referida no ponto anterior (cfr. fls. 89 do processo administrativo).

11. Em 25.10.2022, o Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP, remeteu à Autora, através de carta registada, o ofício datado de 19.10.2022, sob o assunto “FUNDO DE GARANTIA SALARIAL - Notificação Indeferimento” (cfr. documento n.º ...4 junto com a petição inicial e fls. 94 e 95 do processo administrativo).

12. Consta do ofício referido no ponto anterior, entre o mais, que:
“(…)
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 28 de setembro de 2022, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por Vª Ex.ª foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):
- Considerando que os argumentos expostos em sede de reclamação, verifica-se que não foram aditados ao processo quaisquer factos ou elementos instrutórios capazes de alterar o sentido da decisão da notificada, reitera-se o referido na análise inicial efetuada, isto é, que o requerimento não foi apresentado dentro do prazo legalmente previsto, pelo que se verifica falta de tempestividade do mesmo.
A intervenção do Fundo de Garantia Salarial encontra-se delimitada por questões temporais, como é o caso do prazo de caducidade para requerer o pagamento dos créditos laborais previsto no n.º 8 e 9, art.º 2º, do citado DL n.º 59/2015.
O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos referidos créditos quando tal lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, (cf. n.º 8, art.º 2º do DL n.º 59/2015)
Ora, V. Exa. resolveu a sua relação laboral com a Entidade Empregadora, aqui insolvente, em 16/11/2018.
Pelo que, quando em 17/09/2021 o requerimento foi entregue junto do Fundo de Garantia Salarial, o prazo de um ano previsto no n.º 8, art.º 2º do DL n.º 59/2015, havia sido ultrapassado, pois tinham já decorrido 2 anos e 10 meses.
No entanto, de acordo com o estipulado no n.º 9, do artigo 2.º, do já citado DL n.º 59/2015, de 21 de abril, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, o prazo de 1 ano previsto no n.º 8, art.º 2º, deste diploma legal, suspende-se com a propositura de ação de insolvência, até 30 dias após trânsito em julgado da decisão da sentença de declaração de insolência do empregador.
No caso em concreto, verifica-se que a ação de insolvência foi proposta em 19/02/2021, ou seja, já haviam decorrido mais de 1 ano após o dia seguinte da data da cessação do contrato de trabalho (16/11/2018), mais precisamente, 2 anos, 3 meses e 2 dias, pelo que, não se verifica o efeito suspensivo previsto no referido artigo 2º, n. 9, do DL n.º 59/2015.
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec. - Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
(…)”.
Cf. documento n.º ...4 junto com a petição inicial e fls. 94 e 95 do processo administrativo.

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte aqui relevante:

“(…)

No caso em apreço, a Entidade Demandada indeferiu o requerimento apresentado pela Autora para pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho por o mesmo não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.

O Tribunal Constitucional, em vários acórdãos, julgou inconstitucional a norma constante do artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, por violação dos artigos 2.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 328/2018, de 27.06.2018, 270/2019, de 15.05.2019, e 152/2020, de 04.03.2020, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).

No sentido de compatibilizar a norma do artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS e o entendimento do Tribunal Constitucional, o legislador, através da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, aditou o n.º 9 ao artigo 2.º, que entrou em vigor em 01.01.2019, o qual consagra que o prazo previsto no número anterior se suspende com “com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações”.

Tal como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.06.2019, processo n.º 00519/17...., disponível em www.dgsi.pt:

“Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga 140/23.... Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga Rua ..., ... ... ...00 Fax: ...00 E-mail: ... após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência. 7 - A interpretação adotada permite pois dar resposta ao facto do TC ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DecretoLei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado, ainda que ex nunc, norma exatamente nesse sentido.”.

Aqui chegados, e atendendo a que no caso em apreço é aplicável a norma constante do n.º 9.º do artigo 2.º do NRFGS, aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, conclui-se que, ao contrário do que defende a Autora, não se aplica o prazo de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil, mas sim o prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS (prazo especial previsto para os requerimentos de pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial), ainda que os créditos tenham sido reconhecidos por sentença. Ademais, o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 25.03.2022, proferido no processo n.º 01315/17.4BEPRT, citado pela Autora para sustentar a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos reporta-se a um caso em que não era aplicável a norma constante do n.º 9 do artigo 2.º do NRFGS, diferentemente do que sucede na situação em análise.


Acresce que, a jurisprudência tem vindo a considerar que o artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS estabelece um prazo de caducidade para o exercício do direito de reclamar os créditos laborais junto do Fundo de Garantia Salarial (neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2019, processo n.º 0621/17.2BEPRT e do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 10.05.2018, processo n.º 690/16.2BEALM, disponíveis em www.dgsi.pt).

Dispõe o artigo 328.º do Código Civil, sob a epígrafe “Suspensão e interrupção”, que: “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”, pelo que só obsta à caducidade a prática, dentro do prazo legal, do ato a que a lei atribua efeito impeditivo.

Com efeito, o prazo em análise começaria a correr a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, isto é, a partir do dia 12.10.2018, terminando no dia 12.10.2019, a menos que se verificasse alguma causa de suspensão prevista na lei. Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga 140/23.8BEBRG 13 Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga Rua ..., ... ... ...00 Fax: ...00 E-mail: ...

Por sua vez, cumpre referir que o n.º 9 do artigo 2.º do NRFGS não prevê a instauração de ação laboral como causa de suspensão do prazo previsto no n.º 8 do mesmo artigo.

Na situação em apreço, apenas a propositura da ação de insolvência dentro do prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS teria o efeito de suspender esse prazo. Neste contexto, importa salientar que a condição para a intervenção do Fundo de Garantia Salarial é a impossibilidade do seu pagamento pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, pelo que se não existir tal situação naturalmente que é ao empregador que cabe, em primeira linha, pagar tais créditos laborais.

Resulta da factualidade provada que a cessação do contrato de trabalho da Autora ocorreu em 11.10.2018, tendo a Autora instaurado a ação de insolvência e apresentado requerimento, dirigido à Entidade Demandada, para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho em 19.02.2021 e em 17.09.2021, respetivamente (cfr. factos provados 1), 4) e 8)).

Perante o exposto, a ação de insolvência foi instaurada após o termo do prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS, isto é, mais de 2 anos após a cessação do contrato de trabalho (sendo que, conclusão seria a mesma caso a propositura de ação laboral tivesse relevância suspensiva do prazo em análise, uma vez que ação de insolvência só foi proposta mais de 1 ano após a data em que foi proferida sentença na referida ação laboral), não se podendo suspender um prazo que já não existe, o que determina que, aquando da apresentação do requerimento ao Fundo de Garantia Salarial, o prazo para o exercício de tal direito já havia decorrido.

Neste sentido, como se sumariou no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20.12.2022, proferido no processo n.º 00055/22.7BEPNF, disponível para consulta em www.dgsi.pt:

“1. A (Lei do Orçamento de Estado), entrou em vigor em 01.01.2019 (artigo 351º) e nesta data entraram em vigor todas as alterações que introduziu em diplomas das mais diversificadas áreas, incluindo a norma do novo n.º 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial.

2. Tendo o requerimento para pagamento de créditos salariais devidos por empresa insolvente sido enviado ao Fundo de Garantia Salarial por e-mail de 24.06.2021, já depois da entrada em vigor desta norma, e tendo o contrato de trabalho do autor cessado em 20.02.2019, data da sentença homologatória de acordo que pôs termo ao processo para cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito, aplica-se ao caso a norma que resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 8 e 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (Lei n.º 59/2015, de 21.04; Lei 71/2018, de 31.12 - Lei do Orçamento de Estado para 2019).
3. Quando o requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial foi apresentado, em 24.06.2021, já tinha decorrido o prazo de um ano desde a cessação do contrato, ocorrida em 20.02.2019.

4. Não se pode suspender um prazo que já não existe porque já decorreu por completo, pelo que se impõe concluir pela validade do acto que indeferiu o requerimento em apreço, pela respectiva intempestividade.”.

Em face do exposto, conclui-se que bem andou o Fundo de Garantia Salarial ao indeferir o requerimento em causa nos autos, com fundamento na intempestividade do mesmo, razão pela qual a presente ação será julgada improcedente, como adiante se decidirá. * Os requisitos de que depende o deferimento do requerimento para pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho são cumulativos, pelo que ficamos dispensados de analisar os restantes.

(…)”.

Com acerto.

Os créditos tornam-se líquidos e exigíveis, sendo litigiosos, com o trânsito em julgado da decisão judicial que os reconheça.

Mas esta afirmação apenas é válida em relação à entidade patronal, devedora, e para efeitos, designadamente, de apreciar se o crédito se encontra prescrito ou não.

Não vale em relação ao Fundo de Garantia Salarial.

Em relação ao Fundo de Garantia Salarial existem normas específicas que regulam a matéria, as constantes do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho, que dizem quais os créditos cujo pagamento este Fundo garante, ou seja, os que lhe podem ser exigidos, e que não coincidem, como é evidente, com todos os créditos exigíveis à entidade patronal.

Aí se referem os créditos (vencidos) que são exigíveis ao Fundo de Garantia Salarial, dentro e fora do período de referência.

Não se podendo retirar de outros preceitos uma solução que não tem um mínimo de correspondência com a letra do citado artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho - n. º2 do artigo 9º do Código Civil.

Neste sentido ver o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.06.2022, no processo n.º 1408/21.3 BRG.

No caso concreto o contrato de trabalho da Autora cessou em 11.10.2018; a Autora instaurou a acção de insolvência 19.02.2021 e apresentou requerimento, dirigido à Entidade Demandada, para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho em 17.09.2021 (cf. factos provados 1), 4) e 8)).

Ou seja, a acção de insolvência foi instaurada mais de 2 anos após a cessação do contrato de trabalho, ou seja, quando se encontrava já há muito esgotado o prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial.

Não se podendo suspender um prazo que já não existe, porque se esgotou por completo, não se coloca aqui a hipótese de suspender tal prazo.

Neste sentido o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.12.2022, no processo n.º 55/22.7 PNF, citado na decisão recorrida.

E não se diga que a Autora não poderia propor uma acção de insolvência, sem que o seu crédito laboral fosse reconhecido e confirmado pelo Tribunal de Trabalho e sem propor acção executiva para determinar se a empresa tinha ou não bens, porque na verdade essas exigências não estão na lei.

Pode propor a acção de insolvência qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito – n.º1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei 53/2994, de 18.03.

Neste contexto nem o acto impugnado nem a decisão recorrida que o manteve na ordem jurídica, porque válido, violaram quaisquer princípios ou o direito fundamental à igualdade de tratamento, consagrado nos artigos 2º, 13.º, 59º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, ou o princípio da proporcionalidade, plasmado nos artigos 5º 6º do Código de Procedimento Administrativo.

Pelo contrário, foram acertadamente aplicadas normas cuja inconstitucionalidade não é arguida nem se vislumbra.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

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Porto, 01.03.2024



Rogério Martins
Isabel Costa
Paulo Ferreira de Magalhães