Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02577/19.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO;
INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO IMPLÍCITO;
Sumário:
I – O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial, daí que, in casu, inexista erro na forma do processo.

III - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, ainda que implícito, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de meio processual diverso, está o juiz impedido de ordenar a convolação no meio adequado para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição, no caso, a inexigibilidade da dívida exequenda e a prescrição da mesma.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...51, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 04/10/2021, que absolveu da instância desta oposição judicial o Instituto de Emprego e de Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.), no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...82.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A) O Oponente discorda em absoluto da sentença recorrida porque considera que inexiste erro no processo mostrando-se adequada a forma de processo indicada, tendo aquela sentença violado além de outros o disposto no artigo 165.º do CPPT, artigo 272.º do CPPT, as alíneas a), b), d), h) e i) do artigo 204.º CPPT;
Do erro na forma do processo quanto à nulidade da citação:
B) O Tribunal a quo entendeu, além do mais que a invocada nulidade de citação não é fundamento de Oposição, uma vez que não se enquadra em nenhum dos fundamentos previstos no artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário entendendo qua a mesma deveria de ter sido invocada junto do Órgão de Execução Fiscal;
C) A questão da nulidade da citação na oposição à execução apenas foi invocada como uma mera questão prévia e incidental tal como o conhecimento e alegação da existência de causa prejudicial nos termos do artigo 272.º do CPC e não como um verdadeiro fundamento da oposição à execução, até porque caso o Tribunal conhecesse oficiosamente da nulidade da citação tal reconhecimento implicaria de imediato a inexistência da citação e por consequência o não conhecimento dos restantes factos constantes na oposição à execução;
D) Note-se que no ponto 31 da oposição à execução expressamente se disse: “Ora, a nulidade da citação que ocorre quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei, apesar de não constituir fundamento explícito da Oposição previsto no artigo 204.° do C.P.P.T., é qualificada como nulidade insanável na medida em que prejudica a defesa do interessado, podendo e devendo o Tribunal conhecer oficiosamente dessa nulidade, na sequência da sua arguição, o que aqui se invoca.”
E) E não se pode dizer que o oponente não reagiu ao acto de citação pessoal perante o órgão de execução fiscal até porque quanto à primeira citação o oponente invocou a nulidade da mesma junto do órgão de execução que a veio a declarar nula e a emitir uma nova citação e voltou a invocar a nulidade da 2ª citação, a qual se bastou com uma mera folha com um mero quadro contendo os elementos anteriormente referidos com um texto sobre qual a forma legal de reação indicando como proveniência o IEFP, enviando uma cópia daquilo que apelida como título executivo no verso da nova Citação, que veja-se nada mais é que uma simples Certidão passada pela Diretora do Centro de Emprego e Formação Profissional ... referindo em suma que o executado é devedor ao IEFP, IP da quantia global de 4.760,63€, alegadamente por não ter cumprido a totalidade das obrigações a que se vinculou;
F) Nesta nova citação não consta qualquer fundamentação e nada prova e nada fundamenta o que levou o oponente a reagir mediante apresentação de oposição à execução fiscal na medida em que a oposição à execução fiscal é o meio próprio e adequado para se reagir a uma citação Pessoal e é inclusive o meio próprio que a AT informa para se reagir à mesma no documento constante no acto de citação.
G) Independentemente de o oponente alegar a nulidade do ato de citação junto do Órgão de execução fiscal isso não suspendia nunca o prazo em curso para deduzir oposição à execução sendo que se o oponente estivesse à espera que o Órgão de Execução Fiscal respondesse novamente à alegação da nulidade da citação dentro do prazo em curso para deduzir oposição à execução fiscal “ que é o meio de reação que a lei confere perante um acto de citação pessoal do executado”, “bem que poderia esperar sentado” porque tão cedo não obteria resposta, não fosse os contribuintes esperarem longos meses e até anos por uma resposta da AT;
H) A nulidade da citação que ocorre quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei, apesar de não constituir fundamento explícito da Oposição previsto no artigo 204.° do C.P.P.T., é qualificada como nulidade insanável na medida em que prejudica a defesa do interessado, podendo e devendo o Tribunal conhecer oficiosamente dessa nulidade, na sequência da sua arguição.
[cf. artigo 165°, n° 4 do C.P.P.T.], neste sentido, vide , p.f, Acórdão do STA de 7/12/2011, Processo 0172/11 e TCAN de 22/10/2009-00574/07;
I) Mesmo que se fosse de admitir que a nulidade da citação não constituiu fundamento explícito da Oposição previsto no artigo 204.° do C.P.P.T desde já se refere que a questão da nulidade da citação apenas foi invocada como uma mera questão prévia e incidental sendo que os reais fundamentos da oposição à execução vêm descritos na parte II onde se refere “ Dos factos”;
J) Ora, desde já se refere que oponente sabe e alegou que a nulidade da citação não constituía fundamento explícito da Oposição previsto no artigo 204º do C.P.P.T mas que como era qualificada como uma nulidade insanável deveria o Tribunal a quo conhecê-la oficiosamente e não como um fundamento da oposição à execução, pelo que não corresponde à verdade que se invocou a nulidade da citação como um fundamento da oposição à execução;
K) E mesmo que o Tribunal considerasse que a nulidade da citação não constituiu um fundamento de oposição à execução fiscal e dela não podia conhecer oficiosamente não podia desde logo declarar o erro na forma do processo e deixar de conhecer os demais fundamentos invocados na oposição à execução pelo oponente, porque a nulidade da citação não foi o fundamento invocado pelo oponente na oposição à execução nem sequer foi o único na medida em que como se disse da nulidade da citação na oposição à execução apenas foi invocada como uma mera questão prévia e por se considerar que a mesma deveria ser conhecida oficiosamente,
L) Neste sentido, mesmo que o Tribunal a quo entendesse que não podia nem devia conhecer da nulidade da citação não podia deixar de conhecer dos demais fundamentos que se enquadram nos termos do artigo 204.º do CPPT;
Do erro na forma do processo quanto à existência de causa prejudicial nos termos do artigo 272.º do CPC:
M) Além da questão prévia da nulidade da citação, o oponente alegou a existência de causa prejudicial nos termos do artigo 272.º do CPC facto que foi absolutamente ignorado pelo Tribunal a quo que nem sequer se pronunciou sobre a mesma determinando no imediato a absolvição da instância por erro na forma de processo,
N) O Recorrente no dia 29/07/2019, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ação administrativa de condenação, contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, Centro de Emprego e Formação Profissional ... sito na Rua ..., ... ..., essa mesma ação foi sujeita a posterior distribuição e corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (doravante TAF do Porto) – Unidade Orgânica 2 à qual foi atribuído o nº ...9... ainda sem sentença;
O) Ora, a questão controvertida nos autos que corre termos sob o n.º ...5/19.9BEPRT no TAF do Porto (Unidade Orgânica 2) radica em parte no reconhecimento pelo Tribunal que o aí Autor e aqui executado cumpriu todas as exigências contratuais e legais decorrentes da candidatura nº ...2/EPR/10 ao Programa de Estágios Profissionais promovidos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, designadamente que cumpriu as obrigações constantes das alíneas a), h), i) e j) do Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação, com as legais consequências, além do demais peticionado que resulta supra;
P) E o IEFP, IP, pelo presente processo executivo através da Autoridade Tributária encontra-se a executar valores cuja sua existência é colocada em causa pelo aqui recorrente nos autos que correm termos no TAF do Porto, processo nº ...5/19.9BEPRT, sendo que o IEFP, IP não detém qualquer decisão judicial que lhe tenha reconhecido o direito a executar qualquer dívida ao oponente mas apenas uma Certidão de dívida emitida arbitrariamente por ele próprio sem qualquer autoridade e legitimidade legal para tal e que a remeteu à Autoridade Tributária (doravante AT) para que a mesma execute;
Q) Desta feita, é de se concluir pela existência de uma questão/causa prejudicial, o que implica a suspensão da presente execução fiscal até à decisão final da ação de condenação a correr termos no TAF do Porto, sob o nº ...5/19.9BEPRT e isto porque, atento ao peticionada na ação de condenação está a ser discutida além do mais a existência desta dívida exequenda!
R) Ora, no seguimento de doutrina e jurisprudência avalizadas, entende-se existir causa prejudicial para os efeitos do artigo 272° n° 1 do CPC, quando existe uma relação de dependência entre dois processos autónomos, em que a decisão a proferir num processo vai influenciar necessariamente na decisão a proferir no outro processo, ou seja, é demais evidente que, caso o recorrente obtenha mérito nos autos que correm termos no TAF do Porto, a divida exequenda além de não existir, poderá inclusive o mesmo ser credor do próprio IEFP,IP., que é a entidade Exequente nestes mesmos autos, ou seja, parece-nos evidente que o julgamento ou a decisão da oposição à execução está dependente do resultado do julgamento na ação de condenação instaurada e que corre termos no TAF do Porto, sob o número supra,
S) E isto porque, na respetiva ação de condenação instaurada está-se a discutir em sede principal, uma questão que é essencial para a decisão da respetiva execução uma vez que a decisão daquela pode fazer desaparecer o fundamento ou razão de ser da execução,
T) No caso dos autos, estando a ser peticionado no âmbito da ação nº ...5/19.9BEPRT, que corre termos no TAF do Porto, que se declare além do mais que o aí Autor cumpriu todas as exigências contratuais e legais decorrentes da candidatura nº ...2/EPR/10 ao Programa de Estágios Profissionais promovidos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, está-se além do mais a discutir a própria existência da dívida exequenda,
U) E sendo o conhecimento da existência da dívida necessária para se conhecer do fundamento ou razão de ser da execução, a mencionada ação de condenação instaurada inclusive antes da realização desta mesma citação, constitui causa prejudicial dos presentes autos, pelo que sempre seria de se declarar a suspensão da respetiva execução que corre termos sobre o PEF ...82, até decisão final da ação de condenação, nos termos dos artigos 272.º, nº1 e 276.º, nº1, al. c), ambos do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o que se requer,
V) Assim, salvo o devido respeito, temos que a sentença ao não declarar a suspensão da instância incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos artigos 92º e 272°, n° 1 do CPC, e os princípios jurídicos da economia processual, da utilidade dos actos e da coerência e uniformidade de julgados;
Do erro na forma do processo quanto aos reais factos invocados na oposição à execução:
W) Ora, primeiramente diga-se que o oponente foi citado pessoalmente pelo Serviço de Finanças ... – 2 para uma execução e não notificado de nenhum ato de liquidação de nenhum imposto ou de qualquer decisão administrativa;
X) Ora, o meio próprio que a lei confere ao executado para reagir a um acto de citação pessoal para uma execução é a oposição à execução fiscal prevista no artigo 204.º do CPPT, aliás diga-se que da leitura da citação é percetível que a AT refere na mesma que “ Pelo presente fica citado (a) de que foi (foram) instaurado (s) neste Serviço de Finanças contra V.ª Ex.ª. (s) o (s) processos de execução fiscal supra indicado (s), devendo proceder ao pagamento da divida exequenda e acrescido no prazo de 30 (trinta) dias a contar da concretização desta citação. No mesmo prazo poderá requerer a dação em pagamento nos termos do Art.º 201 do CPPT, deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no Art. 204º do CPPT ou requerer o pagamento em regime prestacional, nos termos do Art.º 196º do C.P.P.T, até à data da marcação da venda.” - cfr. doc. n.º 4 junto com a oposição à execução;
Y) Ora, da leitura da oposição à execução fiscal é percetível que o oponente apresentou oposição à execução fiscal alegando: a inexistência dos valores em dívida, inexistência de título executivo e da inexigibilidade de pagamento pelo executado, bem como da Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda no que diz respeito à não responsabilidade do executado pelo pagamento de qualquer dívida assim como a prescrição da divida exequenda;
Z) Ora, todos estes fundamentos são fundamentos de oposição à execução fiscal nos termos e para os efeitos das alíneas als. a) b) d) e h) e i) do artº.204, do C.P.P.T., que é o meio próprio de reagir a um ato de citação pessoal,
AA) Diga-se que o despacho proferido pelo Tribunal a quo é no mínimo desprovido de um conhecimento prático de como o Órgão de Execução Fiscal reage na prática, na medida em que se o oponente em face de um ato de citação pessoal, cujo meio de reação que a lei disponibiliza é unicamente a oposição à execução se fosse somente reagir perante o acto de citação com uma impugnação judicial deixava ultrapassar o prazo de defesa para a oposição à execução fiscal o que seria o equivalente a não apresentar defesa e a confessar todos os factos e a automaticamente lhe serem emitidos actos de ataque ao seu património,
BB) Ou seja, o Órgão de Execução Fiscal iria assumir automaticamente que o contribuinte não apresentou defesa apesar de ser citado, na medida em que meio de reação legal normal e que a própria AT indicou na citação pessoal como o admissível para reagir ao acto de citação pessoal era a Oposição à Execução Fiscal,
CC) Note-se que do acto de citação pessoal consta expressamente que o oponente tinha três simples hipóteses de reagir ao acto de citação pessoal: requerer a dação em pagamento nos termos do Art.º 201 do CPPT, deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no Art. 204º do CPPT ou requerer o pagamento em regime prestacional, nos termos do Art.º 196º do C.P.P.T.
DD) A impugnação judicial só faria sentido e só poderia legitimamente existir em momento anterior à citação pessoal do executado ou em simultâneo caso tivesse existido um qualquer acto de liquidação da divida exequenda ou qualquer decisão administrativa quanto à exigência ou existência da hipotética divida, porém nada disso ocorreu, pois o único acto que ocorreu até esta data foi somente uma citação para a execução por parte da AT e o meio de reação próprio, logico e legal tem de ser a oposição à execução fiscal sob pena de o órgão de execução fiscal considerar inexistir defesa por parte do executado;
EE) E diga-se desde já que o hipotético credor desta quantia exequenda não é o próprio Órgão de Execução Fiscal (Autoridade Tributária) mas um outro que seja o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, (doravante apenas IEFP.IP) pelo que para o oponente poder reagir mediante uma impugnação judicial teria que ter existido um qualquer acto de liquidação da divida por parte do IEFP,IP ou qualquer decisão administrativa por parte deste instituto o que até à data não ocorreu nem oponente foi notificado de tal;
FF) Diga-se também que em momento anterior o oponente apresentou junto do IEFP,IP Reclamação/Impugnação Administrativa no dia 04/01/2013 onde pediu que fosse julgada procedente por provada, sendo revogada a decisão de revogação do financiamento aprovado relativo ao processo nº ....192, no âmbito da candidatura nº ...2/EPR/10 e substituída aquela decisão por outra que declara que o Autor cumpriu todas as obrigações que assumiu na referida candidatura e que ordene o pagamento do remanescente em falta, na quantia de 5.920,25 € (correspondente a 60% da candidatura aprovada), com as legais consequências, acrescida de juros de mora desde o dia 15/07/2012 até efetivo e integral pagamento.” que até à data não obteve resposta;
GG) Aliás note-se que um dos pedidos no âmbito da ação nº ...5/19.9BEPRT, que corre termos no TAF do Porto onde se encontra além do mais a discutir a existência desta divida, é que se declare que: “…. a Reclamação/Impugnação Administrativa deduzida pelo Autor no dia 04/01/2013 seja julgada procedente por provada, sendo revogada a decisão de revogação do financiamento aprovado relativo ao processo nº ....192, no âmbito da candidatura nº ...2/EPR/10 e substituída aquela decisão por outra que declara que o Autor cumpriu todas as obrigações que assumiu na referida candidatura e que ordene o pagamento do remanescente em falta, na quantia de 5.920,25 € (correspondente a 60% da candidatura aprovada), com as legais consequências, acrescida de juros de mora desde o dia 15/07/2012 até efetivo e integral pagamento – vide a transcrição do pedido da ação nº ...5/19.9BEPRT constante no ponto 26 destas alegações;
HH) Ora, não existindo qualquer resposta ou decisão administrativa não pode ser apresentada qualquer impugnação judicial,
II) Da narração dos factos constantes na oposição à execução é percetível que o oponente alega factos a fim de provar que o mesmo não é devedor de qualquer quantia à AT, ao IEFP. IP nem a outra entidade, e a fim de provar que a divida exequenda não existe bem como a inexistência da sua responsabilidade pelo pagamento de qualquer dívida,
JJ) O entendimento proferido pelo Tribunal a quo pretende além do mais esvaziar ou impossibilitar por completo a possibilidade de os contribuintes reagirem pela forma legal perante um ato de citação pessoal cujo meio de reação legal e informado pela AT é a oposição à execução fiscal para se poderem defender,
KK) O entendimento proferido pelo Tribunal a quo pretende a todo o custo tornar por completo inaplicável a norma do artigo 204º do CPPT na medida em que depende do entendimento do Meritíssimo Juiz de Direito que vá analisar a oposição à execução e os fundamentos invocados, que de acordo com o seu livre arbítrio, se entender que os fundamentos invocados na sua opinião podem ser subsumíveis a alguma das normas ou alíneas do artigo 204.º do CPPT decide conhece-la se não entender “o contribuinte que se desenrasque.”,
LL) Porque na teoria pode dizer-se muita coisa…mas na prática quem conhece diariamente a forma de reagir da Autoridade Tributária sabe que se um contribuinte recebe uma citação pessoal e se não reage mediante oposição à execução fiscal (que é o meio legal para se reagir a um acto de citação para a execução e inclusive o meio de reação legal que a AT indicou na citação pessoal como o admissível para reagir ao acto de citação pessoal) isso equivale à não apresentação de qualquer defesa e à imediata emissão de mandatos de penhora,
MM) Além de que, independentemente de não ter sido realizada impugnação judicial porque até à data o oponente nunca foi notificado de nenhum acto de liquidação da divida (porque não estamos a falar de nenhum imposto de IVA, IRC, IRC, etc) mas somente de um acto de citação pessoal para a execução, o Tribunal a quo sabia e não podia ignorar que a divida exequenda que o IEFP, IP se encontra a executar através da Autoridade Tributária não resulta de nenhuma sentença judicial que a tenha reconhecido e a sua existência é colocada em causa pelo aqui recorrente nos autos que correm termos no TAF do Porto, processo nº ...5/19.9BEPRT, sendo que ainda não foi proferida nenhuma decisão quanto à mesma,
NN) Pelo que, o Tribunal a quo até ignorou que inexiste qualquer título executivo válido para a instauração de qualquer execução fiscal contra o executado;
OO) Para a existência de um título executivo é necessário que o documento em concreto reúna certas características impostas pela Lei nomeadamente ter a obrigação titulada carácter certo, líquido e exigível!
PP) Neste caso, com a nova citação, foi enviada a certidão da dívida exequenda, sendo que nessa certidão o IEFP, conclui de uma forma completamente arbitrária que o executado lhe é devedor emitindo uma certidão de dívida para o efeito para instauração do presente PEF, sem no entanto, ter notificado o aqui executado da decisão que há-de recair sobre a impugnação administrativa apresentada pelo mesmo por forma a permitir ao executado impugná-la judicialmente pelo que tal dívida não está consolidada na ordem jurídica;
QQ) Em suma, inexiste titulo executivo para a presente execução, vindo o IEFP, IP, através AT unilateralmente e de uma forma arbitrária e desprovida de qualquer titulo executivo, mover contra o oponente, a presente execução baseando-se numa dívida que não existe e que não lhe foi reconhecida;
RR) Como podia o oponente apresentar impugnação judicial de um acto administrativo, de um acto de liquidação, quando o único acto que existiu foi a sua citação pessoal para a execução?!
SS) Ora, perante um ato de citação pessoal, cujo meio de reação legal e permitido por lei é a oposição à execução fiscal sob pena de se considerar que o contribuinte não reagiu e cuja sua existência é colocada em causa pelo aqui recorrente nos autos que correm termos no TAF do Porto, processo nº ...5/19.9BEPRT a única forma possível e lógica do contribuinte se defender perante uma situação destas e a um acto de citação pessoal realizado pelo OEF é exatamente alegar factos a fim de provar que o mesmo não é devedor de qualquer quantia à AT, ao IEFP. IP nem a outra entidade, e a fim de provar que a divida exequenda não existe bem como a inexistência da sua responsabilidade pelo pagamento de qualquer dívida e que a ser apreciada pelo Tribunal determina a extinção da execução,
TT) Acresce que, inexiste qualquer erro de processo, tanto mais que o Recorrente ancorou a sua causa de pedir e pedido, nas als. a) b) d) e h) e i) do artº.204, do C.P.P.T., demonstrando a razão de ser dessa ancoragem e a inexistência do imposto é um dos fundamentos da alínea a) do artigo 204.º do CPPT,
UU) E o Recorrente invoca-o nos artigos 47º a 225º por forma a provar que os valores em divida e sobre cuja execução fiscal foi movida inexistem e são inexigíveis tendo inclusive peticionado que fosse declarada a inexistência do imposto/divida de que a AT se arroga credora e por consequência extinta a execução,
VV) Diga-se também que, na alínea a) do artigo 204.º do CPPT em nenhum momento se refere que se oponente deduzir oposição à execução com base na inexistência do imposto apenas poderá levantar questões que se colocam em momento posterior à prática do acto de liquidação tal como menciona o Tribunal a quo, na medida em que isso não resulta da letra da lei,
WW) Primeiramente nunca existiu qualquer ato prévio de liquidação porque até à data o oponente apenas foi citado pessoalmente para a execução e invocar a inexistência do imposto é invocar que a divida exequenda inexiste,
XX) Para que o Recorrente possa provar a inexistência do imposto/divida, tem que obrigatoriamente tem de narrar e provar que não existe qualquer facto tributário ou fundamento lógico para que o OEF possa exigir tal divida o que o oponente fez alegando é claro que cumpriu todas as exigências contratuais e legais decorrente de uma candidatura ao Programa de Estágios Profissionais promovidos pelo IEFP, IP
YY) Note-se que não estamos a falar de impostos de IVA, IRS, IRC e o Órgão de Execução Fiscal (OEF) neste caso concreto é o IEFP, IP, que emitiu simplesmente uma certidão de divida à AT para que a mesma a executasse e nada mais,
ZZ) Nem sequer existe qualquer decisão administrativa quanto a existência de qualquer divida nem sequer notificado o oponente para a mesma por forma a permitir a este reagir mediante uma impugnação judicial, uma reclamação, etc.,
AAA) Reitera-se que a existência desta divida encontra-se ainda a ser discutida no TAF do Porto, processo nº ...5/19.9BEPRT e o oponente deduziu oposição fiscal porque foi citado pessoalmente para a execução sendo que o meio de reação legal para se reagir a um ato de citação é somente a oposição à execução fiscal, sendo inclusive o meio de reação que a AT informou no acto de citação como o único meio legal para reagir e não a impugnação judicial,
BBB) Para o oponente poder lançar mão de uma impugnação judicial teria que existir uma decisão administrativa por parte do IEFP,IP notificada ao oponente para o mesmo reagir e não um acto de citação pessoal para a execução porque o meio legal para se reagir seja no processo civil ou administrativo a um acto de citação para uma execução é a oposição à execução tal até como foi indicado pela própria Autoridade Tributária na citação pessoal que emitiu,
CCC) E perante um acto de citação pessoal para a execução qualquer executado apenas tem as seguintes alternativas, ou paga, ou requerer a dação em pagamento nos termos do art.º 201º do CPPT ou deduz oposição à execução com base nos fundamentos prescritos no Art. 204º do CPPT ou requerer o pagamento em regime prestacional, nos termos do Art.º 196º do C.P.P.T.,
DDD) E, diga-se ainda, que o órgão que executa neste caso a AT nem sequer é o Órgão titular da hipotética divida,
EEE) A inexistência dos valores em dívida, inexistência de título executivo e da inexigibilidade de pagamento pelo executado, bem como da Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda no que diz respeito à não responsabilidade do executado pelo pagamento de qualquer dívida assim como a prescrição da divida exequenda, são fundamentos de oposição à execução previstos no artigo 204.º do CPPT mormente als. a) b) d) e h) e i) do artº.204, do C.P.P.T.,
FFF) Aliás, diga-se que o oponente alega inclusive a sua não responsabilidade pelo pagamento dessa dívida e inclusive invocou um facto extintivo da obrigação tributária (a prescrição), o que lhe é facultado, respetivamente, pelas alíneas b) e d) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.,
GGG) É incompreensível que o Tribunal a quo não tenha conhecido a alegada prescrição invocada quando é claro, indiscutível e resulta expressamente da alínea d) do artigo 204.º do CPPT que constitui fundamento da oposição à execução a “d) Prescrição da dívida exequenda”,
Pelo exposto,
HHH) Não poderia a douta Sentença recorrida considerar que existe erro na forma do processo na medida em que o meio de reação legal a uma acto de citação pessoal é a oposição à execução fiscal, sendo que nunca existiu qualquer acto prévio de liquidação da divida nem qualquer decisão administrativa para se poder reagir à mesma mediante uma impugnação judicial, mas somente um acto de citação pessoal para uma execução,
III) A decisão recorrida violou além de outros normativos, o disposto no art.º 165º do CPPT, art.º 272.º do CPPT, as alíneas a), b), d), h) e i) do art.º 204.º CPPT, devendo a mesma ser revogada e substituída por acórdão que declare a inexistência de erro na forma do processo e determine que os fundamentos apresentados pelo Recorrente na oposição à execução são enquadráveis nas alíneas a), b), d), h) e i) do artigo 204º CPPT e em consequência determine o prosseguimentos dos autos afim de se conhecer dos factos e fundamentos invocados na oposição à execução, com as legais consequências.
Termos em que, Requer que seja julgado procedente por provado o presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que declare não verificada qualquer erro na forma do processo e determine que os fundamentos apresentados pelo Recorrente na oposição à execução são enquadráveis nas alíneas a), b), d), h) e i) do artigo 204.º CPPT e em consequência determine o prosseguimentos dos autos afim de se conhecer dos factos e fundamentos invocados na oposição à execução, com as legais consequências;
Mais requer a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas, custas de parte e no mais legal.
Decidindo desta forma, Farão Vossas Exas,
A mais Sã e Objetiva Justiça!”
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O Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
“A. A entidade recorrida refuta em absoluto o alegado e conclusões do presente recurso. Porquanto,
B. De forma taxativa, somente pode ter como fundamento de oposição à execução aqueles que se encontram expressamente previstos no artigo 204.º do CPPT, sendo que a nulidade da citação não se encontra prevista.
C. Aliás, uma eventual procedência de tal nulidade nunca daria lugar à extinção da execução, mas sim à renovação da citação expurgada dos eventuais vícios, que, no caso concreto, nem sequer se admitem.
D. Alega o recorrente que “[…] mesmo que o Tribunal a quo entendesse que não podia nem devia conhecer da nulidade da citação não podia deixar de conhecer dos demais fundamentos, na medida em que os demais fundamentos invocados são reais fundamentos de oposição à execução e enquadram-se nos termos do artigo 204.º do CPPT […]”.
E. Porém, não assiste razão ao recorrente, porque, desde logo, o Tribunal a quo é muito claro quando diz, para além da questão da nulidade da citação, que “[…] a ilegalidade concreta da dívida exequenda, […], não pode servir de fundamento de oposição à execução fiscal, pelo que a presente oposição configura um erro na forma do processo.
F. Ou seja, a douta sentença recorrida, sem censura, ao decretar procedente a exceção de inadequação da forma processual, sustentou-se no conhecimento, discussão e decisão de todas as questões arguidas.
G. A questão é que o recorrente, mais não faz do que tentar discutir em sede da justiça fiscal aquilo que é da jurisdição administrativa.
H. Porém, certo é que dúvidas não devem restar quanto à evidência do manifesto erro na forma do processo, uma vez que a impugnação do ato administrativo não é matéria de arguição em sede de oposição à execução.
I. Quanto à alegada prescrição da dívida exequenda, ao contrário do que alega o Oponente, às dívidas ao IEFP, I.P. provenientes dos financiamentos como o aqui em causa, é aplicável o regime geral de prescrição ordinária previsto no art.º 309.º do CC em relação às dívidas de capital (20 anos) e, em relação aos respetivos juros (5 anos), aí sim, o prazo previsto no art.º 310.º do CC, pelo que a dívida sub judice não se encontra prescrita.
J. Por último, relativamente à questão da suspensão da execução, diga-se que os requisitos ínsitos no artigo 272.º do CPC, alegado pelo recorrente, não colhem minimamente no processo de execução fiscal.
K. Destarte, a douta Sentença ora recorrida não padece de qualquer vício que a Recorrente lhe pretende imputar, improcedendo, in totum, as alegações e conclusões formuladas no presente recurso.
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se na íntegra a douta Sentença recorrida.
Fazendo-se assim a costumada justiça.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos presentes autos.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao absolver a Fazenda Pública da instância, por se verificar erro na forma do processo, impossível de convolar na forma processual adequada.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Estão explicitados na decisão recorrida os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida.
Contudo, para melhor compreensão, passamos a transcrever a decisão prolatada em primeira instância:
“Questão prévia: do erro na forma de processo.
Efetivamente, resulta da petição inicial que o oponente invoca a causa prejudicial, a ilegalidade da citação, a prescrição e a ilegalidade da liquidação.
Os fundamentos da oposição estão expressamente previstos no art. 204, do CPPT, sendo que ali não se encontra previsão normativa para o caso em apreço.
Ora, conforme resulta do art. 204, do CPPT a ilegalidade concreta da dívida exequenda, salvo o caso previsto na sua alínea h), não pode servir de fundamento de oposição à execução fiscal, pelo que a presente oposição configura um erro na forma do processo.
A impugnação judicial é o meio processual próprio para obter a anulação de um acto de liquidação, ou a declaração da sua nulidade ou inexistência, e de acto administrativo que comporte a apreciação da legalidade da liquidação (tais como, actos que apreciem recursos hierárquicos interpostos de decisões de indeferimento de reclamações graciosas e os que recusem a revisão oficiosa), pelo que no âmbito deste meio processual só podem ser invocados vícios que afectem a validade ou existência da liquidação, como se infere do teor do art. 99, do CPPT, não sendo conhecidos vícios que afectem a exigibilidade da dívida.
Estamos perante um acto de liquidação quando a AF profere uma decisão administrativa determinando a quantia do tributo a pagar por cada sujeito passivo em cada caso concreto, finalizando, assim, o procedimento administrativo de liquidação.
Por seu turno, a oposição à execução fiscal é o meio processual próprio para reagir contra a inexigibilidade da dívida, ou seja, para levantar questões que se colocam em momento posterior à prática do acto de liquidação e que se prendem com a possibilidade, ou não, de o acto produzir efeitos, com vista à extinção do processo de execução fiscal.
No caso em apreço, o Oponente invoca fundamentos de impugnação, pois pretende atacar a liquidação efectuada, dispondo para o efeito da ação de impugnação.
Por sua vez, as irregularidades da citação e a prescrição devem ser arguidas junto do órgão de execução fiscal, de cuja decisão se pode reclamar para o tribunal.
Com efeito, a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal, pelo que não pode ser invocada como fundamento de oposição à execução fiscal. Sendo a citação um ato do processo de execução fiscal, é nesse processo que devem ser apreciadas a questões relativas à sua validade.
Por sua vez, conforme resulta do teor do artigo 175, do CPPT a prescrição e da duplicação de coleta são do conhecimento oficioso pelo juiz, que os deve conhecer apenas quando o órgão da execução fiscal não o tiver feito. Isto significa, que a competência para conhecer da prescrição é atribuída, em primeira linha, ao órgão da execução fiscal.
No que se refere ao pedido de suspensão da execução, refira-se que a oposição à execução, em regra, visa a extinção da execução, total ou parcial, mas, pode ter também por objeto a suspensão da execução.
São as situações em que seja afetada por qualquer motivo a exigibilidade da dívida, por motivo não definitivo, mas meramente temporário. Será o que acontece, por exemplo, nos casos em que o fundamento seja ter existido concessão de uma moratória. Outra situação será a da existência de um obstáculo meramente temporário ao prosseguimento da execução, como a existência de um processo de falência ou de insolvência ou de recuperação de empresa. Outra situação será a de ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia de um ato de liquidação e, apesar disso, ser instaurada execução. Nenhuma destas situações de verifica em concreto.
O erro na forma de processo verifica-se quando se utiliza uma forma processual inadequada de acordo com os critérios definidos na lei, constituindo nulidade de conhecimento oficioso, importando a anulação de todos os atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se aqueles que se mostrarem necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art. 193, 196 e 547, do CPC).
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal através da ação, podendo o Tribunal recorrer à causa de pedir como forma de auxílio nas situações de pedidos pouco claros ou genéricos. Assim sendo, a presente acção configura um erro na forma processual.
Todavia, não é possível proceder à sua convolação, na medida em que aos fundamentos invocados correspondem formas distintas, seja a impugnação, seja o requerimento perante o órgão de execução fiscal.
DECISÃO
Pelo exposto, julgo procedente a exceção de inadequação da forma processual e, consequentemente, absolvo a Fazenda Pública da instância, por força do disposto no artigo 576, n.º 2, do C.P.C., aplicável por remissão do art. 2, al. e), do CPPT. (…)”

2. O Direito

O Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, de erro na forma do processo, impossível de convolar na forma processual adequada, que absolveu o Recorrido da instância.
O oponente, a título de questão prévia, invoca na petição de oposição a nulidade da citação, mas parece querer reportar-se a nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo.
Na linha da jurisprudência dos tribunais superiores, a nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – não é fundamento de oposição à execução fiscal, por não ser enquadrável na sua alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
O Recorrente não coloca em causa esta conclusão, tanto mais, que no artigo 31.º da petição de oposição reconhece não ser fundamento de oposição, mas, como é nulidade insanável, deve o tribunal conhecer tal questão oficiosamente. Ainda assim, alerta ter suscitado a “nulidade da citação” apenas a título incidental.
O mesmo comportamento (questão introduzida como sendo prévia) tendo sido adoptado para o pedido de suspensão da execução fiscal, por se verificar causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º do CPC, consubstanciada na pendência da acção administrativa de condenação n.º ...5/19.9BEPRT, porque no processo de execução fiscal se executam coercivamente valores cuja existência se mostra colocada em causa nessa acção. A verdade é que a averiguação da existência de uma causa prejudicial pressupõe a subsistência do meio processual (oposição) com outros fundamentos. Por isso, avancemos nessa análise.
Porém, o Recorrente insurge-se contra o julgamento de verificação de erro na forma do processo, visto que são invocados fundamentos de oposição subsequentemente às questões colocadas a título incidental, no ponto II – “dos factos” – da petição inicial. Aqui se formula o seguinte título introdutório: “Da inexistência dos valores em dívida, da inexistência de título executivo e da inexigibilidade de pagamento pelo executado, bem como da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda no que diz respeito à não responsabilidade do executado pelo pagamento de qualquer dívida”. No ponto III da petição de oposição invoca-se, ainda, a prescrição da dívida exequenda.
A jurisprudência dos tribunais superiores, com o apoio da doutrina, tem afirmado, de modo reiterado, que o erro na forma do processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, in Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
Contudo, o STA, tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione, “(…) tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir.
Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13. Aludindo a esta jurisprudência veja-se, igualmente, o Acórdão deste TCA Norte, de 03/11/2022, proferido no âmbito do processo n.º 1477/08.1BEBRG.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pelo Recorrente, observa-se que pretendeu insurgir-se contra o processo de execução fiscal, por ele identificado, n.º n.º ...82; solicitando, a final, dever a presente oposição à execução ser julgada procedente por provada, com as legais consequências (aludindo, ainda, à suspensão da execução fiscal).
Ora, sendo o pedido o efeito jurídico concreto que se pretende obter com a acção, não residem dúvidas que a concreta pretensão de tutela jurídica visada pelo Recorrente, ainda que implicitamente, é a extinção do processo de execução fiscal, dado que esta é a consequência legal, mais comum, da procedência da oposição judicial (apesar de também se referir à sua suspensão).
Contudo, aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que o oponente alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão do oponente.
«Na interpretação dos articulados são aplicáveis os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 9.º e 236.º do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado» – cfr. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01/02/2005, proferido no processo com o n.º 5460/01; e de 05/04/2005, proferido no processo com o n.º 5410/01.
O pedido apresenta-se formulado de forma genérica (a oposição ser julgada procedente com as legais consequências), observando-se que apenas as causas de pedir se mostram concretizadas, em jeito de síntese, no final do articulado. Logo, suscitando-se alguma dúvida, estas poderão ser úteis no apuramento do pedido principal.
A causa de pedir invocada é efectivamente uma causa de pedir múltipla e, em parte, própria de um requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal e também de uma acção administrativa de impugnação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido, mas, o pedido detectado (implícito) ainda é compatível com a forma processual utilizada, a oposição, dado que esta visa, em primeira linha, o processo de execução fiscal, que é o foco essencial dos presentes autos, além de que se evidenciam, também, causas de pedir fundamento de oposição.
Os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justificando-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial. Na verdade, existindo dúvidas, como no caso, a causa de pedir pode ser utilizada como elemento de interpretação do pedido.
Lembramos, ainda, que deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de impugnação (ou outro meio processual), está o juiz impedido de ordenar a convolação em processo de impugnação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição – cfr. Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.
Ora, das questões suscitadas na petição de oposição, elencadas supra, somente os invocados fundamentos de inexigibilidade da dívida [artigo 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT] e da prescrição da mesma [artigo 204.º, n.º 1, alínea d) do CPPT] são factos jurídicos compatíveis com dedução de oposição à execução fiscal.
Salientamos que, nos artigos 226.º e seguintes do articulado inicial, o oponente suscitou expressamente a prescrição da dívida exequenda.
Por outro lado, desde os artigos 64.º, 65.º, 67.º, 69.º, 79.º em diante até ao artigo 91.º da petição de oposição invoca-se, também de forma expressa, a inexigibilidade da dívida, referindo-se a existência de uma reclamação dirigida ao IEFP, I.P. por parte da entidade patronal, nos termos dos artigos 158.º a 165.º do Código de Procedimento Administrativo, que ainda não foi objecto de resposta, pelo que qualquer quantia em dívida que o IEFP, I.P. se arrogue credor não se encontra consolidada na ordem jurídica, logo, o título executivo não será válido para instauração de qualquer execução fiscal.
Estes factos apontam para a inexistência de uma decisão final definitiva acerca da quantia a restituir ao IEFP, I.P., que se enquadram inequivocamente na inexigibilidade da dívida, por falta de notificação da decisão definitiva que fixe o valor em dívida, que é subsumível na alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT.
Referindo-se a este fundamento de oposição à execução fiscal, ensina-nos JORGE LOPES DE SOUSA: «(…) trata-se de uma disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que exist[e] um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade (…)» - cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, volume III, nota 38 a) ao artigo 204.º, pág. 498.
Acresce que o oponente pretendia, ainda, inequivocamente, discutir nos presentes autos a legalidade da dívida – cfr. artigos 92.º a 225.º da petição inicial.
Neste conspecto, a decisão recorrida decidiu, acertadamente, não ser possível apreciar esta matéria nesta sede, por não ser fundamento de oposição.
É inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal, sem prejuízo do carácter aberto da previsão da alínea i) do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, sendo que essa «taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela judicial efectiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de actos lesivos é permitida sempre que a lei não assegurar um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente se refere na alínea h) do n.º 1» - cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, III volume, anotação 2 ao artigo 204.º, págs. 441/442.
Assim, é manifesto que o Recorrente não poderá discutir nesta sede a legalidade da dívida. Poderia fazê-lo, isso sim, na sede própria, sendo que o respectivo prazo não se iniciaria sem que fosse notificado da respectiva decisão. Mas, essa eventual falta de notificação, não lhe abre a possibilidade de impugná-la em sede de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Como vimos e como é, igualmente, invocado pelo Recorrente, a eventual inexistência de um acto definitivo e a falta da correspondente notificação poderá relevar, isso sim, como fundamento de inexigibilidade da dívida exequenda.
Verificamos que o oponente pede a procedência da oposição também com base na inexistência do imposto, fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por inexistência do facto tributário.
Tal fere de ilegalidade o acto concretamente praticado, mas não configura uma ilegalidade em abstracto ou absoluta como as referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, ilegalidade esta da própria lei (por violação de norma de hierarquia superior) e não no acto que a aplica, sendo esta ilegalidade em concreto, e não aquela ilegalidade abstracta, a que se verifica quando é liquidado imposto (ou uma determinada quantia) a quem dele está isento, não sujeito, ou não seja devido.
A questão de saber se o imposto “existe ou não”, em concreto, para o ora Recorrente – ou seja, se lhe foi ou não legalmente liquidado – constitui, isso sim, fundamento de impugnação judicial, não podendo proceder a oposição deduzida com esse fundamento, salvo nos casos, que não é o dos autos, em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cfr. a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT) – cfr. Acórdão do STA, de 07/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01120/15.
Não obstante a solicitação de reconhecimento de ilegalidades no procedimento administrativo subjacente à dívida exequenda, entende-se que o Recorrente formulou um pedido principal adequado à forma processual adoptada (oposição à execução fiscal), pelo que não se verifica uma situação de erro na forma do processo, determinante da absolvição do IEFP, I.P. da instância.
Assim, interpreta-se que o oponente pretende eliminar da ordem jurídica o processo de execução fiscal, dado ter deduzido oposição à execução n.º ...82, com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda e na sua prescrição.
Com efeito, nos termos do artigo 204.º, n.º 1 do CPPT, a oposição só poderá ter algum dos fundamentos enunciados nas alíneas a) a i) do mesmo preceito, mas as restantes questões não são referidas em nenhuma delas, pelo que, por não serem fundamento de oposição, o desfecho será a sua improcedência.
Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, ainda que implícito, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de meio processual diverso, está o juiz impedido de ordenar a convolação no meio adequado para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.
Nestes termos, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar.

Conclusões/Sumário

I – O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
II - Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial, daí que, in casu, inexista erro na forma do processo.
III - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, ainda que implícito, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de meio processual diverso, está o juiz impedido de ordenar a convolação no meio adequado para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição, no caso, a inexigibilidade da dívida exequenda e a prescrição da mesma.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar.

Custas a cargo do Recorrido, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 20 de Dezembro de 2023

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais