Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00371/19.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:REGULAMENTOS INTERNOS;
PARECER ESCRITO OBRIGATÓRIO DA COMISSÃO DOS TRABALHADORES;
ILEGALIDADE CONSEQUENTE;
Sumário:I- Nos termos do artigo 327º da LGTFP, a elaboração de regulamentos internos tem que ser obrigatoriamente precedida de parecer escrito da Comissão de Trabalhadores.

II- Legitimando os autos a aquisição processual que a deliberação que aplicou ao Autor uma pena disciplinar estribou-se em normação regulamentar ela própria ferida de violação da normação vertida no artigo 327º do LGTFP, é de concluir pela ilegalidade consequente da pena disciplinar.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

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I – RELATÓRIO
O MUNICÍPIO ..., melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA nos quais é Autor AA, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., que julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou “(…) a deliberação que aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão por 20 dias (…)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
I - Decorre da alínea c) do 327.° da LTFP que é obrigatoriamente precedida de parecer escrito da comissão de trabalhadores a elaboração de regulamentos internos do órgão ou serviço, sendo que esses regulamentos estão inseridos no âmbito do poder regulamentar do empregador público, tal como previsto no artigo 75.° da LTFP;
II - O artigo 75.° da LTFP artigo tem o mesmo sentido e alcance do artigo 99.° do Código do Trabalho (tendo, aliás, redação quase idêntica) e, ainda que se possa abarcar no âmbito do sobredito poder regulamentar não só os regulamentos globais dos comportamentos no âmbito do funcionamento da empresa, mas também as “ordens de serviço”, “comunicações” ou “instruções” emitidas com carácter genérico e abstrato, o certo é que o procedimento a que se refere o n.° 2 do artigo 75.° e a alínea c) do artigo 327.° da LTFP é apenas aplicável àqueles primeiros;
III - O parecer prévio da comissão de trabalhadores a que aludem os artigos 75.°, n.° 2 e a alínea c) do artigo 327.° da LTFP respeita apenas à hipótese de regulamento interno propriamente dito, ou seja, de um documento em que, de modo mais ou menos exaustivo, se compendiem as regras respeitantes aos vários aspetos do funcionamento dos serviços;
IV - A aplicação dos aludidos preceitos normativos só se impõe no caso dos regulamentos internos do órgão ou serviço, verdadeiros códigos de conduta pormenorizados, com não raras implicações contratuais, e que incorporam o propósito de consagrar uma espécie de “ordenamento privativo” da empresa e não deve, portanto, ter-se por globalmente aplicável a todos os tipos de instrumentos regulamentares produzidos pelo empregador;
V - A necessidade de audição da comissão de trabalhadores deve ser parametrizada pelo conteúdo do direito de consulta a que se refere o art. 327.° da LTFP, uma vez que a mesma não tem como razão de ser o controlo da legalidade dos actos regulamentares do empregador, mas a possibilidade de estes produzirem efeitos negativos, diretos ou indiretos, sobre os interesses dos trabalhadores;
VI - Só os actos regulamentares que tenham esta potencialidade - aqueles que tenham por objecto temas abrangidos pelo art. 327.° - devem considerar-se no âmbito da exigência de prévia apreciação pela estrutura que representa aqueles interesses;
VII - Os Procedimentos Básicos de Agente Único dos SMTU... e o Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes, traduzem-se num conjunto de instruções que fixam os termos em que deve ser prestada a tarefa de prestação de contas, instruções essas dirigidas a um grupo de trabalhadores delimitado pelas características do seu específico conteúdo funcional.
VIII - Tais procedimentos compreendem, entre o mais, o dever de esses trabalhadores prestarem contas das receitas que arrecadam na actividade de transporte coletivo urbano de passageiros com a venda dos bilhetes de bordo, mas não têm o alcance de Regulamento Interno do órgão ou serviço nem colidem com nenhuma das matérias a que se refere o artigo 327.° da LTFP.
IX - A sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que, no caso, a aprovação do procedimento de prestação de contas dos SMTU... estava sujeita a parecer obrigatório da Comissão de Trabalhadores, fazendo, mais concretamente, errada interpretação e aplicação da alínea c) do artigo 327.° da LTFP, violando, consequentemente, esse preceito normativo;
X - Por outro lado, os procedimentos aqui em crise traduzem-se num conjunto de instruções de serviço que, ainda que suscetíveis de ser reconduzidas ao poder regulamentar do empregador, são emitidas no exercício de um poder de direção hierárquica, visando conformar a conduta dos funcionários e agentes administrativos, no âmbito de um mesmo departamento ou serviço, e tem em vista ditar regras de procedimento ou uniformizar a interpretação das normas legais ou regulamentares;
XI - Esses procedimentos dirigem-se aos trabalhadores abrangidos no âmbito da organização e funcionamento do concreto serviço em que prestam funções, pelo que, a terem-se como reconduzíveis ao conceito de regulamento, devem considerar-se regulamentos internos, não havendo aqui, portanto, margem para lançar mão do artigo 73.°, n.° 3, do CPTA, que tem em vista a impugnação de normas com eficácia externa.
XII - De todo o modo, e mesmo que assim não se considerasse, sempre haveria que tomar em conta que aquele preceito normativo se reporta à impugnação, a título incidental, de normas mediatamente operativas, ou sejam aquelas que só são suscetíveis de operar os seus efeitos através de actos administrativos de aplicação a situações individualizada;
XIII - As instruções de serviço contidas nos procedimentos aqui visados não carecem de qualquer acto administrativo de aplicação, pelo que não existe fundamento legal para a sua desaplicação;
XIV - A norma que impõe aos motoristas dos SMTU... o prazo de 8 dias para prestarem contas dos bilhetes vendidos a bordo é imediatamente operativa - impõe-lhes a prestação de contas dentro desse prazo - e a cominação de eventual sanção disciplinar em caso de incumprimento é uma consequência desse mesmo incumprimento e não uma condição de operatividade da instrução que ali é dada;
XV - A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do artigo 73.°, n.° 3, do CPTA, violando-o (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido AA não contra-alegou.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação (i) da alínea c) do artigo 327.° da LTFP, bem como (ii) do disposto no artigo 73.°, n.° 3, do CPTA.
E na resolução de tal questão que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
A) AA, aqui autor, desempenha funções de Agente Único de Transportes Coletivos nos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de ... (SMTU...), (Facto não controvertido);
B) Por deliberação de 06/12/2016 o Conselho de Administração dos SMTU... aprovou proposta da Divisão de Serviços de Produção da qual consta designadamente seguinte teor:
“(...) a 11 de setembro desse mesmo ano [2013] a Comissão de Trabalhadores realiza uma reunião de trabalhadores reivindicando
• A atribuição de 30 minutos para prestação de contas, contabilizado como tempo de serviço;
• A instalação de uma máquina para prestação de contas, conforme proposta do Banco 1... até ao dia 18 desse mês.
A primeira questão foi enquadrada no âmbito de elaboração de novas escalas de serviço (em resultado do alargamento do horário de trabalho para as 40 horas) e dos novos parâmetros entretanto aprovados pelo Conselho de Administração (...)
Considerando (...) Propõe-se:
1. Alteração ao atual procedimento de prestação de contas, nomeadamente ao nível dos prazos nele previstos, passando a ter a seguinte redação (…)
(…)
f) A prestação de contas processa-se através das Máquinas Automáticas de Prestação de Contas (MAPC) ou, em alternativa, nos locais disponíveis para esse fim, durante o horário estabelecido;
g) As MAPC permitem efetuar os pagamentos correspondentes às vendas de bordo através de pagamento por cartão bancário atribuído pelos SMTU...;
h) O Tripulante terá um prazo máximo de 8 dias para prestação de contas, a contar do dia seguinte à prestação do serviço (…)
n) O incumprimento deste procedimento é passível de procedimento disciplinar. (…)” (Cfr. Proposta e deliberação a fls. 53 e 55 do Processo Instrutor apenso aos autos);
C) Em 13/07/2017 foi aprovado pelo Conselho de Administração dos SMTU... Procedimento de Prestação de Contas que impõe aos motoristas dos SMTU... o prazo máximo 8 dias para efetuarem a prestação de contas dos bilhetes que vendem a bordo dos autocarros e comina o incumprimento do prazo com a possibilidade de aplicação de sanção disciplinar. (Cfr. fls. 466 e 467 do Processo Administrativo);
D) A aprovação do regulamento de prestação de contas referido nos pontos anteriores não foi precedida de consulta à Comissão de Trabalhadores do R. para que produzisse parecer escrito acerca do mesmo (Provado por acordo);
E) Em 19/06/2018 o Conselho de Administração dos SMTU... proferiu deliberação pela qual determinou a instauração de procedimentos disciplinares a trabalhadores dos SMTU..., entre os quais o autor, nomeando instrutor dos procedimentos BB (Cfr. Deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... constante de fls. 1 do Processo Administrativo apenso as autos);
F) Em 19/06/2018 foi instaurado ao ora autor, na sequência da deliberação referida no ponto anterior, o procedimento disciplinar n° 14/2018 (Cfr. Autuação constante do Processo Administrativo apenso aos autos);
G) Em 11/07/2018 foi comunicado ao ora autor, de forma pessoal, que contra si fora instaurado o procedimento disciplinar n° 14/2018 e de que a respetiva instrução tivera início a 28/06/2018 (Cfr. fls. 105 do Processo Administrativo apenso aos autos);
H) Em 11/07/2018, o autor foi inquirido no âmbito da instrução do visado procedimento disciplinar, tendo sido lavrado auto dessa inquirição, do qual consta designadamente o seguinte teor:
“Perguntado ao declarante se conhece o procedimento interno de prestação de contas, respondeu que sim. Perguntado ao declarante qual a razão porque esteve desde 24/04/2018 a 22/06/2018 sem prestar as contas relativas às receitas obtidas nesse período, resultante da venda de bilhetes de bordo, respondeu que nesse período os seus horários não facilitaram a tarefa de pagamento de prestação de contas, uma vez que era rendido fora das instalações dos SMTU.... Por outro lado, como actualmente vive no ..., não traz a sua viatura para os SMTU..., deslocando-se de autocarro nas linhas 14 e 14T.--
Perguntado ao declarante se essas linhas passam na Guarda Inglesa, respondeu que sim, mas à hora que sai do serviço já as bilheteiras estão fechadas.--
O declarante acrescentou que nos meses de abril e maio esteve de baixa e internado, razão pela qual só a 22/06/2018 prestou as contas.--
Perguntado ao declarante se conhece os meios ao seu dispor para prestar contas, respondeu que sim. Acrescentou que além de prestar contas no SVT, presta contas também nas máquinas existentes na Guarda Inglesa e na Portagem. Disse que costuma proceder da seguinte forma: deposita o dinheiro na sua conta pessoa no Banco 2... e depois vai às máquinas e presta contas.--
Perguntado ao declarante se a disponibilidade de máquinas não é suficiente para poder prestar contas dentro do prazo estabelecido, respondeu que pelo facto de utilizar o transporte público para se deslocar de casa para o trabalho e no regresso, a sua vida é gerida ao minuto. Por isso, às vezes não tem tempo para prestar as contas nas máquinas.--
O declarante adiantou que tem conta no Banco 3..., onde recebe o ordenado, mas a dependência mais próxima fica na Av. ..., perto da Rodoviária. Assim, para facilitar a sua vida no sentido de prestar as contam atempadamente, abriu uma conta no Banco 2..., no Largo ..., a fim de ter condições mais cómodas para fazer o depósito da receita e de seguida prestar contas na máquina existente na sala de motoristas da Portagem.--
Perguntado ao declarante se levantou o cartão multibanco dos SMTU... para prestação de contas, respondeu que não, que procede conforme já referiu.--
Perguntado ao declarante se 8 dias não são suficientes para efetuar a prestação de contas, respondeu que é uma questão que está relacionada com os horários que pratica em determinados momentos. Umas vezes, o próprio dia chega, em outros horários os 8 dias podem não ser suficientes. Deu o exemplo de sair do serviço na Praça ... e apanhar de imediato o autocarro da linha 6, que o deixa em casa.--
(Cfr. auto de declarações a fls. 88 do Processo Instrutor em apenso aos autos);
I) Em 23/07/2018 foi inquirida no âmbito da instrução do visado procedimento disciplinar CC, Chefe da Divisão Administrativa e Financeira dos SMTU..., tendo sido lavrado auto da inquirição do qual consta designadamente o seguinte teor:
“A declarante afirmou que o procedimento de prestação de contas pode ser efetuado de forma automática através do pagamento em máquinas automáticas. Para o efeito, o tripulante é o único responsável para concretização do pagamento. Disse que o sistema de bilhética foi concebido para funcionar desta forma, tendo sido entregue a cada tripulante um cartão bancário emitido pelo Banco 1... - "cartão já ..." com 30 euros de plafond que constitui um fundo para trocos do tripulante.
Este sistema, ainda em funcionamento, implica que o tripulante com a receita diária se dirija a um Banco 1..., no seu horário de expediente, efetue o depósito na conta associada ao cartão. Efetuado o depósito, o tripulante, à data atual, tem oito dias para efetuar o pagamento nas máquinas existentes na Guarda Inglesa e na Portagem. Acrescentou que o pagamento só pode ser efetuado a partir do momento em que a sessão diária esteja disponível no sistema central. Perguntado à declarante se o tripulante pode depositar o dinheiro da receita diária no cartão, mesmo que a sessão não esteja ainda integrada no sistema? Respondeu que sim, que o dinheiro pode ser depositado independentemente de estar ou não no sistema.
Perguntado à declarante se tem efeito semelhante efetuar o depósito no "cartão já ..." e o depósito na tesouraria, segundo o novo procedimento aprovado pelo Conselho de Administração de procedimento de entrega / recebimento de valores na tesouraria? Respondeu que sim, que tem efeito semelhante, pois quem fizer o depósito num local ou em noutro deixa de ter o dinheiro físico na sua posse. Não obstante, afirmou que este novo procedimento foi criado para impedir que os tripulantes tivessem o dinheiro na sua posse, por contas que ainda não integraram o sistema. Isto porque grande parte dos tripulantes não utiliza o referido cartão. Portanto, é um procedimento alternativo para que o tripulante não fique com o dinheiro na sua posse. Perguntado à declarante se o cartão "já ...” tem a sua utilização restrita aos depósitos de valores nos balcões do Banco 1... e na prestação de contas através dele nas máquinas de pagamento automático existentes na sala dos motoristas, sitas na Guarda Inglesa e Portagem, bem como no SVT? Respondeu que a sua utilização para prestação de contas é restrita nesses locais.
Perguntado à declarante se essa é a única utilização possível do referido cartão, ou seja, para prestação de contas? Respondeu que não, pois o referido cartão funciona como um cartão multibanco normal.
A declarante afirmou que os tripulantes ainda têm a possibilidade de prestar as contas manualmente no SVT de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 19h30.
Disse ainda que os tripulantes podem pagar a prestação de contas nas máquinas automáticas e no SVT, utilizando também o seu cartão multibanco pessoal. Adiantou que este procedimento nunca foi aprovado, mas existe essa prática.
Perguntado à declarante se existe alguma máquina de home deposit nos SMTU...? Respondeu que sim, que se encontra no SVT e destina-se apenas ao depósito de valores que vão ser depositados na conta que os SMTU... têm no Banco 1.... Com isto pretende-se apenas evitar que o SVT vá depositar os valores no Banco 1....
Perguntado à declarante se considera viável e útil instalar uma máquina de home deposit na sala dos motoristas para uso dos tripulantes na prestação de contas? Respondeu que não é viável, porque não permite que os valores nela depositados integrem o valor do cartão, impedindo assim que o tripulante possa prestar contas com o cartão.
Explicou que no SVT é possível e funcional porque é depositada a receita recebida no SVT no final do dia e permite saber quem foram os tripulantes que prestaram contas e as sessões que respetivamente pagaram. - Por último afirmou que o prazo de oito dias para prestação de contas só inicia a partir da data que as sessões integram o sistema central (...)”
(Cfr. Auto de declarações a fls.93 e 94 do Processo Administrativo apenso aos autos);
J) Em 05/09/2018 foi inquirido no âmbito da instrução do visado procedimento disciplinar DD, Chefe da Divisão dos Serviços de Produção dos SMTU..., tendo sido lavrado auto da inquirição, do qual consta, designadamente, o seguinte teor:
“Considera que os 8 dias para prestação de contas é mais do que suficiente para o efeito. Existem várias formas de prestar contas e basta nesses 8 dias disponibilizar um tempo curto para prestar contas. O declarante considera que é uma questão de organização pessoal que não exige quase tempo nenhum.
O declarante disse ainda que se se verificar a lista dos prevaricadores, constata-se que são quase sempre os mesmos. Portanto, no seu entender se o sistema funciona para 99% dos tripulantes é porque há algum desleixo, no mínimo, destes. Este comportamento indicia também que mesmo que se encontrem outras metodologias para a prestação de contas, os mesmos continuarão a assumir a postura que têm tido. O declarante adiantou que já foi aprovada possibilidade de prestação nas diversas Lojas SMTU..., o que vai facilitar ainda mais esta tarefa dos tripulantes, nomeadamente para aqueles que iniciam e terminam o seu serviço fora das instalações dos SMTU....
Por outro lado, o declarante quis salientar que o procedimento atual vigora desde 1 de agosto de 2017 e foi alterado considerando as sugestões que as organizações dos trabalhadores fizeram chegar à DSP (...)”
(Cfr. Auto de declarações a fls. 142 do Processo Administrativo junto aos autos);
K) Em 05/09/2018 foi dada por concluída a instrução do visado processo disciplinar. (Cfr. Termo de conclusão a instrução a fls. 195 dos autos);
L) Em 19/09/2018 foi deduzida Acusação no visado procedimento disciplinar, da qual consta designadamente o seguinte teor:
“(...) ARTIGO 3.°
Ao trabalhador compete, no exercício das suas funções, entre outras tarefas, cobrar bilhetes e verificar que os passageiros que transporta estão credenciados para o efeito, conforme vem estabelecido nos procedimentos básicos de Agente Único, Edição/Revisão 03, de 03/01/2013 - Imp. 03-07-A1, página 11, e ponto 1 do procedimento de prestação de contas dos tripulantes em vigor nos SMTU..., aprovado por deliberação do Conselho de Administração de 13/07/2017, registo sgd n.° 6124, publicitada através da Comunicação Interna n.° 1/DSP/2017, de 17/07/2017 (cfr. fls. 32, 143 e 144).
ARTIGO 4.°
Consequentemente, também no exercício das funções inerentes à sua categoria profissional, por força do referido procedimento interno de prestações de contas, em vigor desde 1 de agosto de 2017, o trabalhador deve, no prazo máximo de oito dias, efetuar o pagamento do valor da receita dos SMTU... na sua posse, resultante das vendas dos bilhetes de bordo, desde que o mesmo já esteja integrado no sistema central de bilhética (cfr. fls. 143 e 144).
ARTIGO 5.°
O trabalhador pode executar essa tarefa de prestação de contas através das máquinas automáticas de prestação de contas (MAPC) existentes nas salas dos motoristas, sitas na Portagem e na Guarda Inglesa, bem como, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 19h30, no Setor de Venda de Títulos - SVT - (cfr. fls. 88, 93 e 94, 143 e 144).
ARTIGO 6.°
Porém, o trabalhador não tem cumprido com aquela obrigação profissional, decorrente do referido procedimento interno de prestação de contas.
ARTIGO 7.°
Com efeito, o trabalhador esteve sem efetuar a prestação de contas nos períodos de 1 de maio de 2018 a 22 de junho de 2018, relativamente aos bilhetes de bordo que vendeu no exercício das suas funções, nos dias em que esteve presente ao serviço (cfr. fls. 1 a 26, 88, 76 e 78).
ARTIGO 8.°
Ora, o trabalhador não cumpriu, assim, durante o referido período, cerca de 2 meses, o prazo estipulado no procedimento interno de prestação de contas, que integra uma das suas funções, isto é, prestar contas dos bilhetes de bordo que vende.
ARTIGO 9.°
O trabalhador agiu sempre livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida pelo estabelecido no supracitado procedimento, que integra o conteúdo das funções que lhe estão atribuídas enquanto assistente operacional a desempenhar funções de agente único de transportes coletivos, conforme resulta da deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... acima mencionada no artigo 3.°, bem como do que consta dos procedimentos básicos de Agente Único, Edição/Revisão 03, de 15/05/2017 - Imp. 03-07- A1, páginas 9, 11,47 e 48, mormente do estabelecido na alínea h), do procedimento de prestação de contas.
ARTIGO 10°
Procedendo como procedeu, o trabalhador não deu execução à prossecução do interesse público, revelando outrossim falta de zelo, por não aplicar a diligência devida ao correto e eficiente desempenho das suas funções de assistente operacional a desempenhar funções de agente único de transportes coletivos, evidenciando grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais.
ARTIGO 11°
Com tal conduta o trabalhador violou os deveres gerais de prossecução do interesse público e de zelo, previstos no n.° 2, alíneas a e e), n.°s 3 e 7, do art.0 73, da LTFP.
ARTIGO 12.°
O que constitui infração disciplinar subsumível no artigo 186.°, e punível, nos termos da mesma disposição, em conjugação com os artigos 183°, 73°, n.°s 1, 2, alíneas a) e e), 3 e 7, 76°, 176.°, 180.°, n.° 1, alínea c), 181 °, n.° 3 e 4, todos da LTFP, com a sanção disciplinar de suspensão.
ARTIGO 13.°
Compulsado o processo individual do trabalhador, verifica-se que do mesmo consta que, por deliberação do Conselho de Administração dos SMTU..., de 20/12/2016, lhe foi aplicada uma pena de multa no valor de 61,16 € (sessenta e um euros e dezasseis cêntimos), equivalente a 2 dias de trabalho, suspensa pelo período de um ano, bem como a pena de suspensão de 20 dias, por deliberação do CA de 09/01/20098 (cfr. fls. 92).
ARTIGO 14.°
Contra o trabalhador aqui identificado não milita qualquer circunstância agravante especial da responsabilidade disciplinar, de acumulação de infrações, nos termos do art.° 191 da LTFP.
ARTIGO 15.°
Também não beneficia de qualquer circunstância atenuante especial, nos termos do art.° 190, n.° 2, da LTFP (...)" (Cfr. fls. 184 e 185 dos autos do Processo Administrativo junto aos autos);
M) Em 27/09/2018 foi comunicada pessoalmente ao ora autor a dedução de Acusação no procedimento disciplinar em que é visado, tendo-lhe sido entregue cópia da mesma e informado do prazo de 20 dias de que dispunha para apresentar defesa por escrito e da possibilidade de consultar o processo e requerer diligências ordenadas à sua defesa dentro desse mesmo prazo
(Cfr. fls. 146 do Processo Administrativo junto aos autos);
N) A atividade de condução de um motorista dos SMTU... não tem, todos os dias, a duração de 7 horas, tendo por vezes, consoante o turno do trabalhador, a duração de entre 6 horas e 25 minutos e 6 horas e 59 minutos (Cfr. Mapas de turnos de condução constantes de fls. 104 a 160 do Processo Administrativo junto aos autos);
O) O autor não apresentou defesa no processo disciplinar (cfr. fls. 151 do Processo Administrativo junto aos autos);
P) Em 26/11/2018 foi elaborado Relatório Final do visado Procedimento disciplinar, sobre o qual recaiu deliberação de aprovação do Conselho de Administração dos SMTU... datada de 27/11/2018 e do qual consta, designadamente, o seguinte teor:
“(…)
4. Conclusões
4.1 Atenta a prova carreada para os autos antes da acusação, e o facto de o arguido não ter contestado, temos como provado que:
4.1.1 - o trabalhador esteve sem efetuar a prestação de contas no período de 01 de maio de 2018 a 22 de junho de 2018, relativamente aos bilhetes de bordo que vendeu no exercício das suas funções, nos dias em que esteve presente ao serviço.
4.1.2 O trabalhador não cumpriu, assim, durante o referido período cerca de 2 meses, o prazo estipulado no procedimento interno de prestação de contas, que integra uma das suas funções, isto é, prestar contas dos bilhetes de bordo que vende.
5. Culpabilidade do trabalhador e enquadramento jurídico
5.1 Tendo como padrão um trabalhador com um mediano sentido de responsabilidade não podemos deixar de considerar censurável a conduta do trabalhador AA (...)
5.7 Com efeito, o trabalhador esteve sem efetuar a prestação de contas no período de 01 de maio de 2018 a22djunho de 2018, relativamente aos bilhetes de bordo que vendeu no exercício das suas funções, nos dias em que esteve presente ao serviço (cfr. fls. 1 a 26, 88, 76 a 78) (...)
5.13 Por outro lado, o trabalhador agiu sempre livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida pelo estabelecido no supracitado procedimento, que integra o conteúdo das funções que lhe estão atribuídas enquanto assistente operacional a desempenhar funções de agente único de transportes coletivos, conforme resulta da deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... acima mencionada no ponto 7.3, bem como do que consta dos procedimentos básicos de Agente Único, Edição/Revisão 03, de 15/05/2017 - Imp. 03-07-A1, páginas 9, 11, 47 e 48, mormente do estabelecido na alínea h), do procedimento de prestação de contas (.)
5.19 Contudo, na escolha e determinação da medida da pena há que atender ao conjunto de critérios fixados no art.º 189.° da LTFP, do qual destacamos, para além do grau de culpa do trabalhador e de todas as circunstâncias em que a infração foi cometida, a sua personalidade. Esta surge, assim, como índice a ter em conta no estabelecimento e graduação da medida da pena.
5.20 Ora, compulsada a nota biográfica e registo disciplinar do trabalhador (cfr. fls. 92), verificamos que o mesmo ingressou no, à época, quadro de pessoal dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de ... em 14 de abril de 1997, na Categoria de Agente Único de Transportes Coletivos. De referir que nos anos de 2013 a 2016 obteve menção qualitativa de adequado, na avaliação do seu desempenho, o que podia demonstrar tratar-se de um trabalhador cumpridor dos seus deveres e com qualidade profissional. Todavia, constata-se que por deliberação do Conselho de Administração (CA) dos SMTU... de 20/12/2006, lhe foi aplicada uma pena de multa no valor de 61,16€ (sessenta e um euros e dezasseis cêntimos), equivalente a 2 dias de trabalho, suspensa pelo período de um ano, bem como a pena de suspensão pelo período de 20 dias, por deliberação do CA de 09/01/2008, o que denota já uma predisposição para o incumprimento dos seus deveres, merecedora de uma especial reprovação. (...)
7.22 Razão pela qual consideramos ter, in casu, pleno enquadramento a aplicação do regime previsto no artigo no artigo 192.°, da LTFP, suspensão da sanção disciplinar.
6. Proposta
Assim, salvo melhor opinião, em face de tudo quanto se deixa exposto e atendendo, por um lado, à natureza, missão e atribuições dos SMTU... e ponderando, por outro, a personalidade do trabalhador, o grau da culpa, a sua categoria profissional e as circunstâncias da infração, não olvidando as necessidades de prevenção que com a sanção disciplinar se visam satisfazer, propomos que relativamente ao trabalhador AA:
a) Por ter cometido uma infração disciplinar, consubstanciada na violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de zelo, prevista e punida pela conjugação dos com os artigos 73.°, n.°s 1, 2,alíneas a), e), 3, 7, 76.°, 176.°, 180.°, n.° 1, al. c), 181.°, n.°s 3 e4, 183.° e 186.°, todos da LTFP. seja aplicada a Sanção Disciplinar de Suspensão pelo período 45 dias.
b) Que, nos termos do art.° 192.°, n.° 1 e 2, da LTFP e por considerarmos que a simples censura do comportamento e a ameaça de sanção disciplinar realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a referida pena seja SUSPENSA pelo período de 18 meses”.
(Cfr. Relatório Final a fls. 150 a 154 e Deliberação a fls. 152 do Processo Instrutor apenso aos autos);
Q) Em 7/12/2018 foi dado conhecimento ao ora autor da decisão de aplicação da sanção disciplinar referida no ponto anterior (Cfr. fls. 153 do Processo Administrativo);
R) O autor apresentou recurso hierárquico da decisão sancionatória, em 3/01/2019, pedindo a revogação da mesma por outra que determinasse o arquivamento do processo disciplinar por violação do prazo previsto no artigo 205.° da LGTFP, por existir insuficiência da factualidade apurada, por não ter sido praticada qualquer infração, peticionando ainda, subsidiariamente, a substituição daquela sanção pela repreensão escrita, por se mostrar mais adequada ao caso (cfr. docs. n.° ... e 4da petição inicial, e fls. 155 e ss. do Processo Administrativo);
S) Sobre o recurso hierárquico apresentado pelo autor foi produzida a informação n.° 1550, de 5/02/2019, junta como doc. n.° ... da petição inicial, cujo teor se tem como reproduzido;
T) Em sede de reunião da Câmara Municipal ..., que teve lugar em 11/03/2019, foi deliberado reduzir a sanção aplicada para os seus limites mínimos, isto é, 20 dias de suspensão, suspendendo-se a sua execução pelo período de um ano (cfr. doc. n.° ... da petição inicial);
U) O sentido da deliberação de 11/03/2019 foi dado a conhecer ao mandatário do autor, mediante ofício de 15/03/2019 (cfr. doc. n.° ... da petição inicial);
V) O autor esteve de baixa médica de 21 de maio a 22 de junho de 2018 (Cfr. fls. 136 do Processo Administrativo).
*
III.2 - DO DIREITO
1. O Autor, aqui Recorrido, foi objecto da aplicação por parte do Réu, aqui Recorrente, de uma pena disciplinar de suspensão de atividade por 20 dias.
2. Inconformado, impugnou judicialmente junto do T.A.F. de ... a deliberação do Réu que atravessou a aplicação de tal pena disciplinar, impetrando-lhe várias causas de invalidade.
3. O T.A.F. de ..., por sentença editada em 29.05.2022, anulou tal deliberação punitiva.
4. Fê-lo, sobretudo, com a seguinte motivação jurídica: “(…) dispõe o art° 327° da LGTFP que têm de ser obrigatoriamente precedidos de parecer escrito da comissão de trabalhadores os seguintes atos do empregador público: (...) c) Elaboração de Regulamentos Internos.
A definição das tarefas a cargo de funcionários e das regras de acordo com as quais aquelas devem ser realizadas consubstancia, na verdade, a elaboração de norma regulamentar interna - isto é, uma norma destinada a regular o funcionamento de um órgão ou serviço da Administração. É, pois, aplicável à alteração dos Procedimentos Básicos de Agente Único aprovada pela deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... de 06.12.2016 e do Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes aprovada por deliberação de 13.07.2017 (Cfr. factos provados 2 e 3) o disposto no citado art° 327°.
Esta norma é inequívoca no sentido de ser obrigatório o Parecer escrito da Comissão de Trabalhadores, que o autor alega não ter existido e que não se provou, com efeito, ter existido. Nessa medida, as alterações aos Procedimentos de Agente Único e ao Procedimento de Prestação de Contas levadas a cabo pelas deliberações do Conselho de Administração dos SMTU... em 06.12.2016 e 13.07.2017 estão feridas de ilegalidade, pois foram operadas em desconformidade com lei imperativa - o art° 327° c) da LGTFP.
A decisão que aplicou a sanção disciplinar o autor funda-se, expressamente, no incumprimento do prazo de 8 dias para prestação de contas dos bilhetes vendidos a bordo dos autocarros, prazo esse que, conforme decorre dos factos provados 2 e 3, foi estabelecido através dessas alterações. Assim sendo, as normas dos Procedimentos Básicos de Agente Único e do Procedimento de Prestação de Contas que definem o prazo para prestação de contas pelos motoristas constituem um pressuposto normativo do acto administrativo impugnado, pelo que, sendo as mesmas ilegais, está aquele acto ferido de anulabilidade, por falta de pressupostos de direito.
Impõe-se, pois, concluir que devem ser declaradas ilegais, com efeitos circunscritos ao caso concreto do autor as normas constantes da alínea h) dos Procedimentos Básicos de Agente Único Edição/Revisão 03, operada pela deliberação do Conselho de Administração de 06.12.2016, e do ponto 8 do Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes, operada pela deliberação do Conselho de Administração de 13.07.2017, o que se efectiva, concretamente, através da anulação do acto impugnado, com fundamento na falta de pressupostos de direito que decorre dessa ilegalidade. (…)”.
5. Ou seja, fê-lo por entender que a decisão disciplinar aqui impugnada padece de ilegalidade, por as normas em que a mesma se fundamentou terem sido aprovadas sem a emissão do parecer prévio obrigatório da Comissão de Trabalhadores, em desconformidade com o disposto no artigo 327.°, alínea c) da LGTFP.
6. O Recorrente não aceita este juízo decisório, por manter a firme convicção de que o mesmo incorre em errada interpretação e aplicação (i) da alínea c) do artigo 327.° da LTFP, bem como (ii) do disposto no artigo 73.°, n.° 3, do CPTA.
7. Realmente, o Recorrente clama (…) o Tribunal a quo incorre em erro não só na qualificação das instruções de serviço aqui em causa como um regulamento que tem de ser precedido do parecer a que alude o artigo 327.° da LTFP, mas, também, na sua qualificação como um regulamento com eficácia externa (…)”.
8. Apregoa ainda “(…) que, a terem-se como reconduzíveis ao conceito de regulamento, devem considerar-se regulamentos internos, não havendo aqui, portanto, margem para lançar mão do artigo 73.°, n.° 3, do CPTA, que tem em vista a impugnação de normas com eficácia externa (…)”, ou, quando assim não se entenda, que “(…) As instruções de serviço contidas nos procedimentos aqui visados não carecem de qualquer acto administrativo de aplicação, pelo que não existe fundamento legal para a sua desaplicação (…)”.
9. Mas, adiante-se, desde já, sem razão.
10. Efetivamente, cotejando a constelação argumentativa da sentença recorrida com a natureza do alegado pelo Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional, entendemos ser a conclusão de que a decisão judicial recorrida não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificada.
11. Na verdade, sobre a primeira questão decidenda convocada no presente recurso jurisdicional, e que prende ora a nossa atenção, pronunciou-se já este Tribunal Central Administrativo Norte no processo nº. 606/19.4BECBR, que versou sobre situação em tudo semelhante à dos presentes autos.
12. Efetivamente, o citado processo nº. 606/19.4BECBR diz respeito a uma ação administrativa instaurada também por parte de um funcionário do MUNICÍPIO ... para impugnação da deliberação do Conselho de Administração do Serviço Municipalizado de Transportes Urbanos de ... (SMTU...) de 25.06.2019, que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 25 dias, suspensa pelo período de um ano, bem como dos regulamentos dos procedimentos básicos de Agente único (Edição/Revisão 03 de 03.01.2013) e de Prestação de Contas dos Tripulantes em vigor nos SMTU..., a par da deliberação do Conselho de Administração destes Serviços que aprovou tais regulamentos.
13. Uma das questões tratadas neste processo foi, precisamente, a de saber se se as alterações aos Procedimentos de Agente Único e ao Procedimento de Prestação de Contas levadas a cabo pelas deliberações do Conselho de Administração dos SMTU... em 06.12.2016 e 13.07.2017 estavam ou não feridas de ilegalidade, por terem sido operadas em desconformidade com lei imperativa – o artº 327º c) da LGTFP., tendo este T.C.A. Norte decidido em sentido afirmativo.
14. Por concordarmos com a solução encontrada no tal aresto, não poderemos deixar de integrar tal labor jurisprudencial, tanto mais que o presente Tribunal Coletivo recolhe a intervenção de dois dos Juízes Desembargadores que julgou em tal sentido.
15. Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação expendida no mencionado processo nº. º 606/19.4BECBR: “(…)
Assacou, igualmente, o Recorrente à sentença posta em xeque a violação da alínea c) do artigo 327° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho, preceito, que, parcialmente, se transcreve:
“Artigo 327.°
Obrigatoriedade de parecer prévio
Sem prejuízo dos pareceres obrigatórios previstos noutros diplomas, designadamente em matéria de balanço social e estatuto disciplinar, têm de ser obrigatoriamente precedidos de parecer escrito da comissão de trabalhadores os seguintes actos do empregador público:
a) Regulação da utilização de equipamento tecnológico para vigilância a distância no local de trabalho;
b) Tratamento de dados biométricos;
c) Elaboração de regulamentos internos do órgão ou serviço;
Com interesse para o recurso releva também o artigo 75° da mesma Lei, que preceitua:
“Artigo 75.°
Regulamento interno do órgão ou serviço
1 - O empregador público elabora regulamentos internos do órgão ou serviço contendo normas de organização e disciplina do trabalho.
2 - Na elaboração do regulamento interno do órgão ou serviço é ouvida a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, quando existam, a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais.
3 - O empregador público deve dar publicidade ao conteúdo do regulamento interno do órgão ou serviço, designadamente afixando-o na sede do órgão ou serviço e nos locais de trabalho, bem como nas páginas eletrónicas do organismo ou serviço, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos trabalhadores.
4 - A elaboração de regulamento interno do órgão ou serviço sobre determinadas matérias pode ser tornada obrigatória por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”
Na sentença recorrida fundamentou a decisão de violação da alínea c) do artigo 327° da Lei em apreço na seguinte fundamentação:
(...)
“A definição das tarefas a cargo de funcionários e das regras de acordo com as quais aquelas devem ser realizadas consubstancia, na verdade, a elaboração de norma regulamentar interna - isto é, uma norma destinada a regular o funcionamento de um órgão ou serviço da Administração. É, pois, aplicável à alteração dos Procedimentos Básicos de Agente Único aprovada pela deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... de 06.12.2016 e do Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes aprovada por deliberação de 13.07.2017 (Cfr. factos provados 2 e 3) o disposto no citado art° 327°.
Esta norma é inequívoca no sentido de ser obrigatório o Parecer escrito da Comissão de Trabalhadores, que o autor alega não ter existido e que não se provou, com efeito, ter existido. Nessa medida, as alterações aos Procedimentos de Agente Único e ao Procedimento de Prestação de Contas levadas a cabo pelas deliberações do Conselho de Administração dos SMTU... em 06.12.2016 e 13.07.2017 estão feridas de ilegalidade, pois foram operadas em desconformidade com lei imperativa - o art° 327° c) da LGTFP.”
O Tribunal acolhe, na íntegra, a fundamentação constante da decisão recorrida, supra transcrita. Na verdade, as normas em apreço estipulam por um lado o modo como os motoristas dos SMTU... devem proceder à devida prestação de contas - através das Máquinas Automáticas de Prestação de Contas ou, em alternativa, nos locais disponíveis para esse fim, durante o horário estabelecido - e, por outro, o prazo máximo para prestação das contas - 8 dias - prazo cujo incumprimento é cominado com a possibilidade de instauração de procedimento disciplinar.
Tais normas estão inseridas em regulamentos internos do órgão ou serviço - respeitando ao procedimento de prestação de contas - contendo normas de organização e disciplina do trabalho, concretamente ao modo e prazo de prestação de contas, cabendo assim dentro da previsão do artigo 75°, pelo que, enquanto regulamento interno do órgão ou serviço tinha, a sua aprovação, de ser precedida de parecer escrito da comissão de trabalhadores, o que, conforme resulta da matéria de facto, não sucedeu.
Assim, verificando-se a violação da alínea c) do artigo 325° da Lei Geral de Trabalho em Funções Pública, o acto impugnado que, com fundamento no incumprimento, por parte do Recorrido, do prazo de 8 dias consagrado na alínea h) dos Procedimentos Básicos de Agente Único dos SMTU..., na redação que lhe foi dada pela deliberação de 06 de dezembro de 2006 e do ponto 8 do Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes aprovado por deliberação de 13 de julho de 2007, aplicou ao Recorrido a sanção disciplinar de 25 dias de suspensão, suspensa pelo período de um ano, padece de vício de violação de lei, vício que tem a sua génese na violação da aludida alínea c) do artigo 325° da LGTFP, pelo que será negado provimento ao recurso (…)”.
16. Dado que jurisprudência constante do aresto supra evidenciado é inteiramente transponível para o caso em apreço, ressalvadas as particularidades do caso concreto e, não se vê razão para dela divergir, considera-se que, no caso em apreço, pelas razões ali invocadas, aqui integralmente acolhidas, que bem andou o MMº. Juiz a quo ao decidir de acordo com o que se vem de expender.
17. Deste modo, à luz do que ora se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida, aferido na vertente da errada interpretação e aplicação da alínea c) do artigo 327.° da LTFP.
18. Idêntica asserção é atingível no que tange à errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 73.°, n.° 3, do CPTA.
19. Na verdade, a sentença recorrida não cuidou de declarar a ilegalidade de quaisquer normas regulamentares com efeitos circunscritos ao caso concreto, tendo antes anulado a deliberação punitiva por se basear em normação regulamentar ela própria ferida de violação do disposto no artigo 327º da LGTFP, isto, é por ilegalidade consequente.
20. De modo que, verdadeiramente, nem sequer se pode falar em qualquer ofensa do preceituado na normação vertida no artigo 73º do C.P.T.A.
21. O que nos transporta, também no particular conspecto em análise, para a evidência da inexistência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da decisão versada.
22. Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, sendo de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
23. Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, confirmando-se decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
* *

Porto, 24 de março de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia
Rogério Martins – com declaração de voto anexa



Declaração de voto:

Concordo com a posição assumida neste acórdão, mas prefiro a fundamentação dada no acórdão proferido na mesma sessão do que aqui é citado, de 27.01.2023, mas primeiro, também com dois membros do presente Colectivo, com a qual, por ser ali o relator, naturalmente mais me identifico, no processo 369/19.3 CBR:

“Defende o Recorrente:

“Assim, a necessidade de audição da comissão de trabalhadores (ou de outra estrutura interna de representação do pessoal da empresa) deve ser parametrizada pelo conteúdo do direito de consulta a que se refere o art. 425.º CT. Nem outra coisa faria sentido. Na verdade, aquela audição não tem como razão de ser o controlo da legalidade dos actos regulamentares do empregador, mas a possibilidade de eles produzirem efeitos negativos, directos ou indirectos, sobre os interesses dos trabalhadores. Só os actos regulamentares que tenham esta potencialidade – aqueles que tenham por objecto temas abrangidos pelo art. 425.º devem considerar-se no âmbito da exigência de prévia apreciação pela estrutura que representa aqueles interesses” .

E tem razão.

Sucede que, ao contrário do que sustenta, é precisamente o caso.

A norma em apreço é a que estabelece o prazo de 8 dias para os motoristas prestarem contas dos bilhetes vendidos a bordo, cominando o incumprimento com a possibilidade de sanção disciplinar.

Tem, portanto, esta norma, duas vertentes que se reflectem, ambas, na esfera jurídica dos motoristas: uma a impor o dever laboral de prestarem contas em 8 dias; a outra a prever a sanção disciplinar para o incumprimento deste dever.

Forçoso é concluir que se trata de uma norma com eficácia externa porque se repercute na esfera jurídica, laboral e disciplinar, do funcionário.

Não se trata de uma norma com o fim, apenas, de regular a organização e funcionamento do serviço.

E não se diga, como faz o Recorrente para afastar esta conclusão, que:
“… a violação das instruções ali contidas sempre poderia, à luz do dever de zelo que impende sobre os trabalhadores em funções públicas, levar à aplicação de sanções disciplinares, não carecendo, para o efeito, de qualquer previsão expressa que não a que a esse respeito resulta da LTFP.”

Em primeiro lugar porque não interessa conjecturar se a norma poderia levar de igual modo à aplicação de sanções ainda que não contivesse essa previsão. O certo é que contém a previsão de aplicação de sanção disciplinar e foi essa previsão que serviu de fundamento ao acto impugnado.

Depois porque essa possibilidade, mera conjectura, apenas confirmaria a eficácia externa da norma e a necessidade, na vertente disciplinar, de uma aplicação da norma ao caso concreto.

Daí impor-se na elaboração da norma em causa, o prévio parecer escrito da comissão de trabalhadores, a que alude a alínea c) do artigo 327º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, tal como decidido.

E se é certo que na primeira vertente é uma norma imediatamente operativa, o que afastaria a possibilidade de aplicação do n.º 3 do artigo 73º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na segunda vertente não é imediatamente operativa pois exige precisamente a aplicação a cada caso concreto.

Ora as duas vertentes da norma são incindíveis, pois a aplicação de uma sanção disciplinar, neste caso ao Autor, funda-se quer no incumprimento do referido dever, de prestar contas em 8 dias, quer na previsão de aplicação de uma sanção disciplinar para esse incumprimento.

Não está aqui em causa apenas o dever de prestar contas em 8 dias, e o seu incumprimento, está em causa, de forma incindível, a aplicação de uma sanção a um caso concreto tendo por fundamento esse incumprimento.

Daí justificar-se aqui a aplicação do n.º 3 do artigo 73º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como também foi sustentado na decisão recorrida.

Daí que se imponha manter a decisão recorrida, de procedência do pedido de anulação do acto que aplicou ao Autor uma sanção disciplinar, improcedendo o recurso.”

(Rogério Martins)