Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00735/22.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:ATO IMPUGNÁVEL;
CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO;
Sumário:
I - Apenas é impugnável o ato administrativo que vise produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

II – Se uma Informação prestada pela Administração Fiscal não altera a relação jurídica tributária, designadamente, por não mudar o seu enquadramento tributário, limitando-se a prestar uma informação ao abrigo do princípio da colaboração, não é ato que se possa considerar impugnável.

III - Para que o órgão da administração seja obrigado a decidir, é necessário que o interessado tenha realizado um pedido concreto sobre uma situação que entende ser-lhe devida.

IV – Quando o particular se limita a informar a administração de algo e não pede o que quer que seja, seja a quem for, não estão preenchidos os pressupostos para a condenação à prática de ato devido.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», interpõe recurso do Despacho Saneador-Sentença que julgou verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado nesta Ação Administrativa, assim considerou estar em falta o cumprimento do pressuposto processual de propositura de ação de condenação à prática de ato devido, que é a ausência de prévio pedido ao órgão da administração competente para decidir esse pedido.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
27. Do que antecede, lícito será extrair os seguintes pontos conclusivos:
(1) A Sentença recorrida absolve da instância a Entidade Demandada, a AT, por julgar verificadas, simul, as excepções dilatórias (i) de inimpugnabilidade do acto impugnado e a inominada (ii) de falta dum dos pressupostos de que depende a propositura da acção de condenação à prática do acto administrativo;
(2) Começando por esta ponta, importa notar que a acção sub judice não foi proposta única nem principalmente com vista à condenação do Reu à prática dum determinado acto: esse é, patentemente, um pedido subsidiário, «consequente» do primeiro, que a parte ora recorrida praticará por certo, até sponte sua, logo que condenada no pedido principal;
(3) Já o primeiro e principal pedido, tem por objecto a anulação dum despacho administrativo que aplica de modo contra legem a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, ou seja: um acto tributário ilegal não comportando apreciação da legalidade dum acto de liquidação, conforme previsto na alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT,
(4) acto esse impugnável, portanto, quer, formal e materialmente, como acto administrativo propriamente dito, no âmbito do artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, quer, essencialmente, como corpus de norma de direito administrativo ferida de ilegalidade, no âmbito do artigo 72.º, n.º 1, também do CPTA;
(5) De qualquer modo, irrefutavelmente, uma decisão administrativa que, no exercício de poderes jurídico-administrativos na titularidade do ente RÉU, visa produzir efeitos directos na esfera jurídica do Autor;
(6) Não pode o acto impugnado, portanto, não ser julgado impugnável;
(7) A apontada exceção dilatória da inimpugnabilidade, consequentemente, não tem substrato jurídico válido,
(8) pelo que deve a Sentença recorrida ser superiormente revogada e, competentemente substituída por nova decisão a admitir, em definitivo, a presente acção,
tudo conforme expressamente se REQUER.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público foi notificado para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, nada tendo dito.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões de acordo com o disposto nos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA e dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608.º, n.º 2 do CPC, são as de saber se se está diante de um ato administrativo impugnável e se está ou não em causa a condenação à prática de um ato devido.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
III – FACTOS
III.1. Factos provados
Para o conhecimento das suscitadas excepções, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 31.12.2021, o Autor comunicou à Direcção de Finanças de «X», através de mensagem de correio electrónico, o seguinte:
“(...).
Para os devidos efeitos procedimentais, tenho a honra de informar que continuarei no próximo ano, desde início, a exercer a função eventual de perito independente, inclusivamente, na área dessa Direcção distrital. Nesse sentido, cumpre-me informar que passarei a registar essa actividade aleatória com o código 1519 (Outros prestadores de serviços) da Tabela de actividades do artigo 151.º do IRS, visto não se encontrar a mesma especificada sob qualquer outro código, designadamente, no quadro 9 (Profissionais dependentes de nomeação oficial), considerando qualquer intervenção em comissão de revisão tributária, congruentemente, um acto isolado.
E, assim, na cédula de IRS, deverão os meus honorários, contemplados na previsão do artigo 3.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. i), ser tributados de harmonia com o disposto nos artigos 30.º, n.º 2, al. a), e 31.º, n.º 1, al. c), todos do CIRS. Entretanto, continuarei a liquidar IVA à taxa normal. (...)” (cfr. fls. 1 do documento inserto no SITAF com o n.º 006582508);
B) Em 19.01.2022, a Direcção de Finanças de «X» respondeu ao Autor, também através de mensagem correio electrónico, nos seguintes termos:
“(...) Na sequência de mail infra, e de acordo com o despacho do Diretor de Finanças de 2022.01.19, remeto a Informação, anexa, elaborada pelo Inspetor Tributário desta Direção de Finanças (...)” (cfr. fls. 1 do documento registado no SITAF com o n.º 006582510);
C) A “informação” anexa à mensagem de correio electrónico referida no ponto anterior data de 17.01.2022, foi elaborada Direcção de Finanças de «X» e tem o seguinte teor:
“(...).
O Ofício-Circulado n.º 80121/2004, de 28 de junho, emanado da extinta Direção de Serviços de Planeamento e Estatística (DSPE), foi publicado a fim de uniformizar procedimentos atinentes às remunerações dos peritos independentes que prestam serviços à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), as quais se encontram reguladas pela Portaria Nº 78/2001, de 8 de fevereiro.
Considerando o ponto 6.3. daquele Ofício Circulado, a lista dos peritos independentes deve ser completada pelas Direções de Finanças com os elementos necessários à sua caracterização tributária, designadamente, em termos de enquadramento em IVA, de forma a eliminar quaisquer dúvidas quanto às modalidades e procedimentos de processamento da remuneração que for devida.
Neste sentido, tendo esta Direção de Finanças recebido, em 31/12/2021, por e-mail, a comunicação do perito independente «AA», NIF ...51, informando que continuará no presente ano a exercer a função eventual de perito independente, inclusivamente, na área de competência territorial desta Direção, importa clarificar junto daquele sujeito passivo a caracterização tributária da sua atividade, considerando que da sua comunicação se percecionam alguns lapsos de enquadramento que poderão comprometer o correto cumprimento da sua obrigação tributária e do processamento da remuneração que lhe venha a ser devida.
ANÁLISE EFECTUADA
Síntese da comunicação apresentada pelo perito independente
Através da comunicação aludida no ponto introdutório da presente informação, apresentada pelo perito independente, manifestando a intenção de continuar a exercer aquela função durante o ano de 2022, é- nos informado que o mesmo, na qualidade de sujeito passivo, passará a registar aquela atividade com o código 1519 (Outros prestadores de serviços) da tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS (CIRS), alegando “não se encontrar a mesma especificada sob qualquer outro código, designadamente, no quadro do n.º 9 (Profissionais dependentes de nomeação oficial)’’, de cuja aquilatação não se pode partilhar. Considerando que o exercício da função do perito independente passa, conforme admite na sua comunicação, “pela intervenção em comissão de revisão tributária", resultando daqui “congruentemente, um ato isolado’’, importa, igualmente quanto à particularidade da figura de “ato isolado”, sinalizar que esta assunção revelada pelo sujeito passivo enferma de um lapso de enquadramento tributário.
Consequentemente, em face do enquadramento normativo que o perito independente assume, em sede de IRS, para a sua situação tributária, ao admitir que deverão os “honorários, contemplados na previsão do artigo 3 º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. i), ser tributados de harmonia com o disposto nos artigos 30.º, n.º 2, al. a), e 31.º, n.º 1, al. c), todos do CIRS", a mesma carece, também, da necessária clarificação.
Enquadramento do sujeito passivo
Consultadas as bases de dados da AT, verifica-se que o sujeito passivo desenvolve já atividades económicas de modo independente, inscrito pelas seguintes atividades:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O enquadramento tributário decorrente das atividades exercidas pelo sujeito passivo encontra-se atualmente determinado da seguinte forma:
Em sede de IRS, pelo regime simplificado de tributação;
Em sede de IVA, pelo regime normal de periodicidade trimestral.
Apreciação do enquadramento da atividade de perito independente
Considerando que o sujeito passivo se encontra já inscrito para o exercício de atividades de modo independente, impõe-se a necessidade de acrescentar uma atividade - relacionada com o exercício de perito independente - ao universo de atividades já compreendidas no âmbito do desenvolvimento da sua atividade profissional independente. Para o efeito, deverá o sujeito passivo dar cumprimento ao disposto no artigo 32.º do Código do IVA (CIVA) e apresentar a competente declaração de alterações, adicionando ao leque de atividades desenvolvidas também a inscrição por aquela atividade, efetuando-o junto de qualquer serviço de finanças ou, eletronicamente, através do portal das finanças.
O CIRS, no âmbito do seu artigo 151.º e no que respeita à classificação das atividades, prevê que as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças. Esta tabela a que se refere a norma é a constante do anexo I do CIRS, que faz parte integrante da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, recentemente alterada pela Portaria n.º 23/2022, de 7 de janeiro (através da qual se acrescentaram códigos de atividade a aplicar exclusivamente ao setor da cultura, cuja alteração em nada influencia a necessidade de enquadramento objeto de análise).
O exercício da atividade de perito independente a desenvolver pelo sujeito passivo insere-se, conforme o próprio alega na sua comunicação, no âmbito da intervenção em comissão de revisão tributária, cujo procedimento se encontra normalizado nos termos do artigo 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), alusivo ao pedido de revisão da matéria coletável suscetível de ser despoletado no âmbito de um procedimento inspetivo. Nestes termos, conforme prevê a norma invocada, um contribuinte pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efetuadas correções com base noutro método indireto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa.
Ora, a indicação deste perito pode ser efetuada no requerimento apresentado pelo contribuinte para efeitos de revisão tributária, podendo ainda o contribuinte, em alternativa, requerer a nomeação de perito independente. Para este efeito, os peritos da Fazenda Pública constarão da lista de âmbito distrital a aprovar anualmente pelo Ministro das Finanças, até 31 de março, podendo estas listas estar organizadas, por sectores de atividade económica, de acordo com a qualificação dos peritos, sendo os processos de revisão distribuídos pelos peritos, nessa circunstância, de acordo com a data de entrada e a ordem das listas (salvo impedimento ou outra circunstância devidamente fundamentada).
Serve este enquadramento normativo ao abrigo do artigo 91.º da LGT, para aferir que o exercício da atividade a desenvolver pelo perito independente, no âmbito da sua intervenção em comissão de revisão tributária, compreende-se no âmbito do exercício de consultoria fiscal ou, em alternativa, de jurisconsulto - no mesmo alinhamento que já exerce a atividade principal de advogado.
Neste sentido, contrariamente ao que o sujeito passivo alega - registo da atividade de perito independente com o código 1519 (Outros prestadores de serviços) da tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, por não se encontrar a mesma especificada sob qualquer outro código, designadamente, no grupo 9 da lista (Profissionais dependentes de nomeação oficial) -, consta desta tabela, como opções válidas a ponderar para o necessário enquadramento, o código 4012, referente a “Consultores Fiscais”, compreendido no grupo 4 alusivo a “Economistas, contabilistas, atuários e técnicos similares” ou, em alternativa, o código 6011, referente a “Jurisconsultos”, compreendido no grupo 6 alusivo a “Juristas e solicitadores”. Sobre este último caso, deverá ser sopesado o facto da atividade principal que o sujeito passivo já exerce encontrar-se circunscrita também no âmbito deste grupo de atividades, concretamente, pelo exercício da atividade de advogado, podendo levar a admitir-se que esta opção conduziria a uma eventual sobreposição de enquadramentos de atividades, circunstância que seria indesejável. Nesta medida, deverá ser entendida a atividade de “Consultores fiscais” como a atividade mais adequada à realidade da função que será por si exercida (e que não deve ser entendida com cariz de profissional dependente, como o sujeito passivo admitiu, quando a perspetivou no âmbito do grupo 9 da lista).
De notar que a atividade de “Outros prestadores de serviços”, à qual está atribuído o código 1519 da lista I anexa ao CIRS, reveste-se de um carácter residual quanto ao âmbito do seu enquadramento. Ou seja, apenas quando não exista qualquer outra possibilidade de melhor enquadramento em qualquer um dos outros códigos de atividade especificamente previstos na lista I, é que deverá ser admitida a atribuição do código 1519. Neste contexto, importa até compreender o que, na sua essência, envolve o princípio da tributação que está na base deste tipo de atividade, quando esta é efetivamente exercida no âmbito de uma atividade especificamente prevista no âmbito da lista I do CIRS. De facto, a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, no âmbito da categoria B em regime simplificado, faz-se pela verificação da atividade realmente exercida e não pela constatação do código pela qual está enquadrada a respetiva atividade económica, seja este um código de atividade da lista anexa ao artigo 151.º do CIRS ou um código de acordo com o CAE. É nesse sentido que se considera que o rendimento dessa atividade fica enquadrado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, conquanto a atividade efetivamente exercida não esteja prevista na referida lista. Na verdade, deverá ser admitido, quanto a este particular, a aplicação do princípio da substância sobre a forma.
Mais deve ficar clarificado que pela intervenção do perito independente em comissão de revisão tributária, considerando os factos anteriormente expostos, não poderá, pois, resultar do exercício daquela atividade “um ato isolado”. Atendendo ao facto de o sujeito passivo exercer já as atividades antes elencadas de um modo independente, o exercício desta atividade de “Consultor Fiscal” será um ramo adicional de atividade já exercida de forma continuada no seu âmbito de profissional independente. Deste modo, deverá o sujeito passivo dar idêntico cumprimento à obrigação fiscal de emissão de fatura (ou fatura-recibo), nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, emitindo obrigatoriamente um documento daquela natureza por cada prestação de serviços, tal como vêm definidas no artigo 4.º do mesmo diploma.
Por fim, em face do enquadramento normativo a que o perito independente ficará sujeito, importa também clarificar que, em sede de IRS, deverão os seus honorários ficar compreendidos, no âmbito do CIRS, na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º (consideram-se rendimentos empresariais e profissionais os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea a)), da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º (a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado) e da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º (no âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º).
CONCLUSÃO
Face ao exposto, cumprindo com a orientação prevista no ponto 6.3 do Ofício-Circulado n.º 80121/2004, de 28 de junho, emanado da extinta Direção de Serviços de Planeamento e Estatística (DSPE), é possível apresentar o enquadramento tributário da atividade do sujeito passivo através da seguinte matriz:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” (cfr. documento inserto no SITAF com o n.º 006582508);
D) Sobre a “informação” referida no ponto C) deste probatório assente, foi exarado, em 19.01.2022, pelo Director de Finanças ..., o seguinte despacho:
“Visto. Concordo com o teor integral da presente informação, que sanciono. Remessa ao Sr. Perito Independente. Dr. «AA», acompanhada do Ofício Circulado n.º 80121/2004” (cfr. fls. 1 do documento inserto no SITAF com o n.º 006582508);
E) No ponto 6.3 do Ofício Circulado n.º 80121/2004 a que alude a informação referida em C) deste probatório assente lê-se o seguinte: “Por força do despacho de 22 de Abril do corrente ano, a lista dos peritos independentes deve ser completada pelas Direcções de Finanças com os elementos necessários à sua caracterização tributária, designadamente em termos de enquadramento em IVA, de forma a eliminar quaisquer dúvidas quanto às modalidade e procedimentos de processamento da remuneração que for devida” (cfr. documento inserto no SITAF com o n.º 006582511).
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III.2. Factos não provados
Com relevo para o conhecimento das excepções referidas, inexistem factos não provados.
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III.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão das excepções enunciadas e da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos, conforme discriminado em cada alínea do probatório, os quais não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega o Recorrente que na exposição efetuada à Administração contém uma reivindicação de ordem tributária, a qual corresponde à indicação de que passará a registar a atividade de perito independente com o código 1519, quadro n.º 9 e como um ato isolado para efeitos de IRS e que o IVA continuará a ser liquidado à taxa normal. Entende que esta exposição deve ser entendida como «um assunto» apresentado à Administração, que a obriga a pronunciar-se, nos termos do n.º 1 do artigo 56.º da LGT. Mais refere que nessa medida, o órgão da Administração Tributária competente, foi constituído no dever de decidir e decidiu contrariamente à pretensão do exponente.
Discorda, ainda, o Recorrente da decisão sobre a inimpugnabilidade do ato administrativo sindicado, pois a DF de «X» não pode processar os honorários senão em conformidade com a decisão que proferiu, dessa forma alterando o estatuto remuneratório da função de que se trata, sendo essa a causa de pedir na presente ação.
Refere, igualmente, o Recorrente que a Administração definiu a sua situação jurídico-tributária concreta, o que produz efeitos na sua esfera jurídica, não sendo um mero ato interno ou instrumental, mas antes uma informação vinculativa de que os rendimentos da categoria B, correspondentes a honorários periciais serão tributados no quando do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, sendo lesiva dos interesses do exponente.

O Despacho Saneador-Sentença considerou que a Administração Tributária apenas prestou uma “informação” ao contribuinte, não tendo praticado nenhum ato administrativo contenciosamente impugnável, na medida em que não se enquadra no conceito de ato administrativo estabelecido no artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que o despacho em causa não contém nenhum conteúdo decisório, apenas expressando o entendimento da Administração, sem emitir uma decisão capaz de impor e definir a situação jurídica em apreço. Considera a decisão recorrida que o ato impugnado insere-se na categoria dos atos informativos, visando apenas clarificar junto do sujeito passivo, a caraterização da sua atividade de perito independente, não merecendo a qualificação de ato administrativo, dado não produzir efeitos jurídicos na esfera do Autor, por isso não sendo contenciosamente impugnável.
A decisão recorrida, considerou, ainda, que a exposição dirigida à Direção de Finanças, não configura um requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, nos termos do artigo 67.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, pois o Autor apenas informa que continuará, no presente ano, a exercer a função de eventual perito independente, inclusivamente, na área de competência territorial da Direção de Finanças de «X». Mais informa a Administração do enquadramento, em sede de IVA e IRC, que seguirá quanto à sua remuneração, nada peticionando à Administração. Considera, por isso, que não está preenchido o pressuposto de que depende a propositura de uma ação de condenação à prática de ato devido.

Apreciando.
Em primeiro lugar compete verificar se o ato aqui sindicado é um ato passível de poder ser impugnado judicialmente, por corresponder a uma decisão administrativa que vincule o Autor.
O Código de Procedimento Administrativo (CPA) dá-nos a noção de ato administrativo no artigo 148.º, que por facilidade de compreensão, se transcreve.
Artigo 148.º (Conceito de ato administrativo)
Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Por sua vez, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), define o conceito e regime dos atos administrativos passíveis de impugnação judicial, no artigo 51.º, que rege da seguinte forma:
Artigo 51.º (Atos impugnáveis)
1 — Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.
2 — São designadamente impugnáveis:
a) As decisões tomadas no âmbito de procedimentos administrativos sobre questões que não possam ser de novo apreciadas em momento subsequente do mesmo procedimento;
b) As decisões tomadas em relação a outros órgãos da mesma pessoa coletiva, passíveis de comprometer as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos segundos para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente responsáveis.
3 — Os atos impugnáveis de harmonia com o disposto nos números anteriores que não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas ilegalidades digam respeito a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento ou a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma.
4 — Se contra um ato de indeferimento ou de recusa de apreciação de requerimento não tiver sido deduzido o adequado pedido de condenação à prática de ato devido, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de deduzir o referido pedido.
5 — Na hipótese prevista no número anterior, quando haja lugar à substituição da petição, considera -se a nova petição apresentada na data do primeiro registo de entrada, sendo a entidade demandada e os contrainteressados de novo citados para contestar.

Em ambos os diplomas é evidente que o ato administrativo tem de visar produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
Conforme referido nas alíneas B) e C) da matéria de facto, a Administração Tributária produziu uma Informação, segundo a qual « (…) importa clarificar junto daquele sujeito passivo a caracterização tributária da sua atividade, considerando que da sua comunicação se percecionam alguns lapsos de enquadramento que poderão comprometer o correto cumprimento da sua obrigação tributária e do processamento da remuneração que lhe venha a ser devida.».
No final dessa Informação concluiu que o Autor, para efeitos de IRS, na atividade de perito independente, deveria inscrever-se como «Consultores fiscais», no regime simplificado de IRS, segundo o enquadramento previsto no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Código de IRS.
Por seu turno, para efeitos de IVA, a Informação concluiu que o Autor deve inscrever-se na atividade de «Consultores fiscais», segundo o regime trimestral normal, ao artigo, nos termos dos artigos do Código do IVA que identifica no final dessa Informação.
Ora, o que a Informação em apreço diz, é que o enquadramento tributário que o Autor mencionou na sua exposição não é o correto, pelo que deverá efetuar o seu enquadramento, conforme a Informação em apreço.
Portanto, a Informação em causa não inscreve oficiosamente o Autor em nenhum enquadramento tributário, seja para efeitos de IRS, seja para efeitos de IVA, assim como não impede que o Autor exerça a atividade de Perito Independente, em função do enquadramento que o mesmo referiu que iria fazer.
Invoca o Autor que, em face desta Informação, a Direção de Finanças de «X» não pode processar os honorários senão em conformidade com a decisão que proferiu, dessa forma alterando o estatuto remuneratório da função de que se trata, sendo essa a causa de pedir na presente ação.
Sucede que, por um lado, tendo o Autor domicílio fiscal na área territorial da Direção de Finanças de «Y» (vide relatório da Petição Inicial), a Direção de Finanças de «X» é territorialmente incompetente para enquadrar fiscalmente os sujeitos passivos de outras áreas territoriais. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a competência para o procedimento tributário defere-se aos órgãos periféricos locais da Administração Tributária do domicílio do contribuinte. Desta forma, a inscrição que o contribuinte faça para efeitos tributários, não pode ser alterada oficiosamente por órgão tributário diferente do que corresponde ao seu domicílio fiscal. Aliás, em caso de dúvida, é territorialmente competente o órgão situado na área do domicílio fiscal do sujeito passivo, conforme prevê o n.º 4 do artigo 61.º da Lei Geral Tributária. Tendo em conta que o Autor, segundo refere, retomou a atividade junto de mais do que uma Direção de Finanças, mostra-se curial que seja aquela que corresponde ao seu domicílio fiscal quem tenha competência para a matéria em apreço.
Por outro lado, a relação jurídica tributária (vide artigo 30.º da Lei Geral Tributária), não foi alterada por esta Informação, nem produziu efeitos na situação concreta do Autor, uma vez que não alterou o seu enquadramento tributário. A Informação, apenas sugere ao Autor o enquadramento tributário que a Direção de Finanças em apreço entende ser a mais correta.
A partir do momento em que a Informação em apreço não altera o enquadramento tributário do Autor, não existe um ato administrativo que produza um efeito jurídico externo na situação individual e concreta em apreço.
Aliás, o Autor não apresentas nenhum ato expresso de indeferimento do enquadramento tributário que entende ser o correto, pelo que caso tenha realizado a sua inscrição segundo o enquadramento por si entendido como o correto, não se vislumbra como é que não possa ser pago dos honorários de petito independente, quando exercer essa atividade no Distrito em apreço.
Por outro lado, nem todas as pronúncias da Administração correspondem a atos administrativos, como sucede com a situação em discussão nos autos.
E a hipotética possibilidade de não serem pagos honorários ao Autor por não estar enquadramento tributariamente segundo o modo entendido pela Informação em análise, também não configura um ato administrativo, nem a previsão próxima da prática de um ato; que no caso seria um ato tributário (ou a não prática do ato, em função de um eventual não pagamento).
Desta forma, a Informação sindicada não configura um ato administrativo impugnável, na medida em que não alterou a situação jurídico-tributária do Autor.
Face ao exposto, a Informação em apreço não corresponde a um ato administrativo, por isso trata-se de um ato jurídico que não é passível de ser impugnado.
Assim, andou bem o tribunal recorrido em considerar que o ato sindicado era inimpugnável, pelo que, nesta parte o recurso não merce provimento.
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Alega, ainda, o Autor que a decisão recorrida errou ao dizer que o órgão não estava constituído no dever de decidir, uma vez que esse mesmo órgão tomou uma decisão contrária às suas pretensões.
Conforme se pode ver pelo teor do que acima ficou exposto na alínea A) da matéria de facto, o Autor fez uma exposição à Direção de Finanças, na qual se limitou a informar que continuará a exercer a função de perito independe e que entende deverem ser tributados os honorários de determinada forma, terminando da seguinte forma: Com os meus respeitosos cumprimentos.
Ora, para que o órgão da administração seja obrigado a decidir, é necessário que o interessado tenha realizado um pedido concreto sobre uma situação qualquer que entende lhe seja devida.
Isto, conforme determina o artigo 67.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que estabelece os pressupostos exigidos para que possa funcionar o regime de condenação à prática de um ato que o interessado entende como devido. Rege, assim, o preceito em causa:
Artigo 67.º (Pressupostos)
1 — A condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir:
a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
b) Tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento;
c) Tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado.
2 — Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, a falta de resposta a requerimento dirigido a delegante ou subdelegante é imputada ao delegado ou subdelegado, mesmo que a este não tenha sido remetido o requerimento.
3 — Para os mesmos efeitos, quando, tendo sido o requerimento dirigido a órgão incompetente, este não o tenha remetido oficiosamente ao órgão competente nem o tenha devolvido ao requerente, a inércia daquele primeiro órgão é imputada ao segundo.
4 — A condenação à prática de ato administrativo também pode ser pedida sem ter sido apresentado requerimento, quando:
a) Não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei;
b) Se pretenda obter a substituição de um ato administrativo de conteúdo positivo.

Ora, o principal pressuposto é o de que o requerimento deve constituir o órgão competente no dever de decidir. Na situação dos autos, o Autor não pediu nada à Administração, limitou-se a informar e a apresentar cumprimentos.
Ou seja, quando se deseja algo da Administração, no final do requerimento realiza-se um pedido concreto da pretensão que se considera devida, não se termina apresentando cumprimentos.
Portanto, como o Autor apenas informou e apresentou cumprimentos à Administração, esta não tinha obrigação de decidir o que quer que fosse.
A pronúncia da Administração foi realizada ao abrigo do princípio da colaboração (ao abrigo do artigo 59.º da LGT), não que tivesse a obrigação de decidir qual devia ser o enquadramento tributário do Autor para aquela situação concreta.
Não obstante o artigo 57.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) referir que: 1- A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, no caso concreto não se considera que estivesse em causa alguma das situações previstas neste preceito.
Ou seja, a situação do Autor não corresponde a nenhuma das previsões descritas no preceito, pois é o próprio Autor que refere no email que endereça à Direção de Finanças que: «… tenho a honra de informar que continuarei no próximo ano, desde início, a exercer a função eventual de perito independente (…).
Nesse sentido, cumpre-me informar que passarei a registar essa actividade aleatória com o código 1519 (…)
Portanto, o Autor informa a Direção de Finanças sobre a sua disponibilidade para exercer a função de perito independente, assim como informa o modo como passará a registar essa atividade, que designa como aleatória.
Tratam-se de informações dadas pelo Autor, não requerendo o mesmo rigorosamente nada à Direção de Finanças. Conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (4.ª edição, Almedina, 2017), em anotação ao artigo 67.º, a pág. 462: «2. O n.º 1 tem em vista as situações em que o reconhecimento ao autor de interesse processual na propositura da ação de condenação à prática de ato devido depende de prévia apresentação de “requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir”. Resulta, pois, do proémio do n.º 1 que não basta que o interessado tenha apresentado um requerimento, é ainda necessário que esse requerimento tenha constituído o órgão competente no dever de decidir.».
O requerimento que o Autor apresentou, não obrigava a Direção de Finanças a decidir o que quer que fosse, pelo que não é possível condenar o órgão em apreço no enquadramento legal pretendido pelo Autor (isto para além de não ser o órgão competente para decidir o regime de enquadramento tributário do Autor, conforme acima já se referiu, pelo que também por este motivo, não havia obrigação de decidir o enquadramento tributário do Autor).
Para além, disso a Direção de Finanças em apreço também não estava obrigada a decidir o que quer que fosse em relação à informação que o Autor lhe apresentou, na medida em que o enquadramento fiscal informado pelo autor, não é pressuposto de manutenção na Lista de Peritos, pelo que, o Autor, se eventualmente escolhido por algum contribuinte, sempre poderá ser nomeado Perito independente.
Em face ao exposto, também quanto à ausência de pressuposto para a condenação à prática de ato devido, não tem razão o Autor, ora Recorrente.
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Resulta, assim, que o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (vide pág. 13 do SITAF).
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - Apenas é impugnável o ato administrativo que vise produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
II – Se uma Informação prestada pela Administração Fiscal não altera a relação jurídica tributária, designadamente, por não mudar o seu enquadramento tributário, limitando-se a prestar uma informação ao abrigo do princípio da colaboração, não é ato que se possa considerar impugnável.
III - Para que o órgão da administração seja obrigado a decidir, é necessário que o interessado tenha realizado um pedido concreto sobre uma situação que entende ser-lhe devida.
IV – Quando o particular se limita a informar a administração de algo e não pede o que quer que seja, seja a quem for, não estão preenchidos os pressupostos para a condenação à prática de ato devido.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar o Despacho Saneador-Sentença recorrido.
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Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Porto, 23 de novembro de 2023.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Paula Moura Teixeira – em substituição