Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01486/17.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/16/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; JULGAMENTO DE FACTO/JULGAMENTO DE DIREITO;
CONTRATO DE CONCESSÃO;
ATO DE REJEIÇÃO LIMINAR DO PEDIDO DE LICENCIAMENTO DE OBRAS/GINÁSIO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
[SCom01...] Lda., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... apresentou ação administrativa contra o Município ..., com sede no ..., ..., formulando o seguinte pedido:
“Deve a presente ação administrativa ser considerada provada e procedente, e em conformidade:
1) Serem anulados os atos administrativos de embargo, datados de 04 de Maio de 2017 e 23 de Junho de 2017, bem como os atos de execução que se lhe seguiram (atos a), b) c) e d)).
2) Ser reconhecido à Autora, por si ou por interposta pessoa, o direito de instalar um ginásio Fitness, numa ou mais unidades do Complexo Turístico da Marina de Recreio de ..., sem autorização da Ré, ao abrigo do contrato de concessão celebrado com a Ré no dia 19.05.2005 e do Alvará de Utilização nº ...6 emitido pela Ré em 31.07.2006.”.
x
Em 24.04.2018, em articulado autónomo, veio a Autora requerer a ampliação da
instância, nos termos do art.° 63.°, n.° 1, do CPTA, formulando, a final, o seguinte pedido:

“1. Deve a presente ampliação do objeto do processo ser admitida;
2. Deve ser anulado o ato administrativo proferido pelo Sr. Vereador da Área de Gestão Urbanística da Ré, datado de 22.01.2018, que indeferiu liminarmente o pedido de licenciamento das obras de alteração, ordenando-se o prosseguimento do processo administrativo tendente a essa finalidade.” (p. 252 do SITAF).
Por despacho proferido em 06.07.2018, foi deferida a ampliação da instância requerida pela Autora (cfr. p. 337 do SITAF).

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada parcialmente procedente a ação e, em consequência, anulado o ato administrativo proferido pelo Vereador da Área de Gestão Urbanística do Réu, datado de 22.01.2018, mantendo-se no demais.
Desta vem interposto recurso pelo Réu/Município.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:

A. RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO:

I. Deve ser aditada à parte final do item 23. do elenco dos factos provados da douta sentença recorrida que "o pedido de destinava à instalação de um ginásio", facto alegado pelo recorrente no item 8.° da pronúncia que emitiu nos autos em 30.05.2018 sobre o pedido de ampliação da instância à apreciação da legalidade do acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento e cuja prova resulta do documento junto com tal articulado, a saber do requerimento apresentado pela [SCom01...], Lda. junto da CM..., em papel timbrado da empresa, datado de 20.12.2017, no qual refere a mesma, para além do mais, que vem "efectuar o pedido de licenciamento de obras para as unidades E, F, G e H para a instalação de ginásio" e que consta de fls. 278 e sgs. do SITAF.

II. Tendo um dos motivos do acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento em causa sido precisamente o facto de o Município entender que o uso de "ginásio" não tem enquadramento no objecto do contrato de concessão do direito de exploração do edifício do Complexo Turístico da Marina, e não resultando dos factos provados que "o pedido de licenciamento de obras de alteração nas Unidades E, G, G e H do referido edifício se destinava à instalação de um estabelecimento de ginásio nas mesmas", facto expressamente alegado pelo recorrente e provado pelo documento a que supra se aludiu, salvo o devido respeito, deverá o mesmo ser levado agora à matéria de facto provada nos autos, por estar intimamente ligado à decisão da matéria de direito.

III. Deve ser aditado ao elenco dos factos provados da douta sentença recorrida, a seguir ao facto n°. 13 do elenco da matéria provada o seguinte facto: "Para a Unidade "G" foi emitido o Alvará de Licença de Utilização para Estabelecimento de Restauração e Bebidas n.° 23/06, no âmbito do processo VRB 310/2006, o qual fixa o uso/destino da Unidade para "Restauração e Bebidas", facto alegado pelo Município no item 6o.° da contestação e cuja prova resulta do documento n.° ... junto com tal articulado, sendo que tal facto foi também alegado pelo Município no item 31.° da pronúncia que emitiu nos autos em 30.05.2018 sobre o pedido de ampliação da instância à apreciação da legalidade do acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento.

IV. Deve ser aditado ao elenco dos factos provados da douta sentença recorrida a seguir ao facto referido na conclusão anterior, o seguinte facto: "Para a Unidade "H" foi apresentado, instruído e deferido o processo de obras n.° ...5, o qual tinha por objecto a instalação de um Estabelecimento de Restauração e Bebidas, sendo que o interessado não veio, posteriormente, requerer a emissão do respectivo alvará de utilização para o uso/destino de 'Restauração e Bebidas', sendo que, todavia, o projecto apresentado foi licenciado para esse efeito", facto alegado pelo Município no item 61.° da contestação e cuja prova resulta do documento n.° ... junto com tal articulado, sendo que tal facto foi também alegado pelo Município no item 31.° da pronúncia que emitiu nos autos em 30.05.2018 sobre o pedido de ampliação da instância à apreciação da legalidade do acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento.

V. Deve ser aditado ao elenco dos factos provados da douta sentença recorrida a seguir ao facto referido na conclusão anterior, o seguinte facto: "Para a Unidade "E" não existe qualquer alvará específico que regule o uso da mesma", facto confessado pelo Município no item 124.° da contestação, tendo tal facto sido também confessado pelo mesmo no item 31.° da pronúncia que emitiu nos autos em 30.05.2018 sobre o pedido de ampliação da instância à apreciação da legalidade do acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento.

VI. Tendo um dos motivos do acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento em causa sido precisamente o facto de o Município ter decidido que o uso de "ginásio" não tem enquadramento no objecto do contrato de concessão do direito de exploração do edifício do Complexo Turístico da Marina, mas também não tem enquadramento no alvará geral do edifício, nem nos alvarás de utilização específicos das Unidades do edifício que dele dispõem, e não resultando dos factos provados quais os usos específicos das Unidades "G", "H" e "E", mas apenas e só da Unidade "F" (Facto provado n.° 13), e sendo que o uso das referidas 3 Unidades foi expressamente alegado e provado pelo Município nos autos, deverão os três factos enunciados nas Conclusões III., IV. e V. serem levados à matéria de facto assente na douta sentença recorrida, uma vez que são decisivos para a boa decisão da causa.

B. RECURSO DA DOUTA DECISÃO DE DIREITO:

VII. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, que inquina necessariamente todo o raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo para chegar à conclusão a que chegou.

VIII. O recorrente podia e devia ter praticado o acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento de obras de alteração das Unidades "E", "F", "G" e "H" do edifício do Complexo Turístico da Marina de ..., tal como o fez e no momento em que o fez, porquanto à data da apreciação liminar do mesmo dispunha já de todos os elementos necessários para a apreciação da pretensão da recorrida, sendo que, para cumprimento do disposto no art. 20.°/1 do RJUE, a recorrida, ao dar entrada do referido pedido de licenciamento de obras, declarou expressamente que o pedido se destinava à "instalação de um ginásio".

IX. Não era legalmente possível instalar um estabelecimento de prestação de serviços desportivos (ginásio, healthclub, etc.) em tais Unidades do referido edifício, desde logo porque permitir o uso de "ginásio/actividades desportivas" nas mesmas violaria o conteúdo do contrato de concessão da exploração do edifício celebrado entre as partes, violaria todo a lógica, coerência e decisões tomadas no procedimento pré-contratual que antecedeu a celebração de tal contrato, violaria as expectativas legítimas dos demais concorrentes no citado procedimento, violaria o alvará geral de utilização do edifício e violaria os alvarás de utilização específicos que regulam o uso permitido para as Unidades "F" e "G" do referido edifício.

X. O entendimento do Município não surgiu aquando da apreciação liminar do pedido de licenciamento de obras de alteração ora em causa, remontando antes ao ano de 2003, quando se desenvolveu o procedimento pré-contratual de concurso público para adjudicação da concessão do direito de exploração do edifício do Complexo Turístico da Marina de ....

XI. Dos arts. 9.°/1/2/4 do Regulamento para a Concessão do Direito de Exploração do Complexo Turístico da Marina de ... resulta que o Município, não excluindo à partida de forma liminar qualquer actividade, deixou aos interessados/promotores a liberdade de apresentarem as propostas de actividades a desenvolver no edifício que bem entendessem, sendo que posteriormente o Município faria a respectiva avaliação e selecção, tendo por base o enquadramento das referidas actividades no Plano Estratégico de ..., e se porventura nenhuma das propostas apresentadas se enquadrasse nos objectivos desse Plano e tendo em conta a defesa dos interesses do Município, reservou-se o mesmo o direito de não proceder à adjudicação da concessão.

XII. O recorrente dispunha, pois, de uma ampla margem de discricionariedade na selecção e escolha da proposta que, na sua óptica, melhor se enquadrava no interesse público que ao mesmo cumpre prosseguir, atenta a estratégia de desenvolvimento que o mesmo gizou para a cidade à data e para a zona da Frente do Rio ..., onde se localiza o edifício em causa e que resulta do referido Plano Estratégico e, como tal, a proposta que melhor poderia alcançar os objectivos definidos no Plano.

XIII. Do Plano Estratégico para a zona em questão resulta que se pretendia a dinamização do espaço urbano enquanto espaço de sociabilidade e convivialidade, combatendo a desertificação da zona, pretendendo-se também a reabilitação urbanística, a valorização da capacidade de atracção do sector comercial e de restauração na melhoria do espaço urbano, o aumento da atractividade turística, com extensão e flexibilização dos horários de comércio, restauração e similares e a profissionalização de tais sectores, e enquanto cidade Fluvial-Marítima, as intervenções na cidade deveriam submeter-se todas a um objectivo geral de melhorar o diálogo da cidade com o rio e com o mar, que se consubstanciava no equilíbrio das linguagens construtivas das novas infra-estruturas e equipamentos, com os elementos naturais, e no desenvolvimento dos padrões de utilização, fruição e contemplação do rio e do mar, por parte da população residente e dos visitantes.

XIV. A proposta n.° ... apresentada no dito procedimento pré-contratual previa a instalação no edifício de um health club, com squash, piscina, sala de aulas, sala de musculação, salas de ginástica, balneários, e nos espaços exteriores ao health club previa a instalação de um cabeleireiro/salão de estética, loja de artigos desportivos, restaurante e bar, tendo a Comissão de Análise de Propostas considerado que a proposta tendo como actividade predominante um health club era insuficientemente adequada aos objectivos definidos no Plano Estratégico, nomeadamente no que se refere à qualificação e animação dos espaços urbanos, tendo a proposta sido excluída pelo Município com base em tal fundamento, não tendo passado, por isso, à fase seguinte de pós-qualificação, o que, de resto, foi feito pelo ora recorrente no âmbito do seu poder discricionário na defesa do interesse público que lhe cumpre salvaguardar e prosseguir, facto de que o Tribunal a quo não relevou.

XV. Se o Município em fase concursal decidiu que a actividade de prestação de serviços desportivos não tinha enquadramento no objecto do contrato de concessão que pretendia celebrar, desde logo, por não ir de encontro aos objectivos de dinamização e de combate à desertificação naquela zona da cidade fixados do Plano Estratégico de ..., não faria qualquer sentido que fosse agora deferir um pedido de licenciamento de obras destinado, justamente, a instalar no mesmo local, um estabelecimento destinado a desenvolver a mesma actividade de prestação de serviços desportivos, e também a título principal e não como actividade meramente acessória, tendo em conta o objecto do contrato de concessão entretanto celebrado entre as partes e o estabelecendo na sua cláusula 3.a/1 (exploração turístico-hoteleira e comercial), que manifestamente não integra a prestação de serviços desportivos, facto sobre o qual a douta sentença recorrida nem sequer discorreu, apesar de o Tribunal a quo ter expresso conhecimento atento o teor do documento n.° ... junto com a contestação do recorrente e tendo em conta os factos que deu como provados sob os n.°s 5 e 7 na douta sentença recorrida.

XVI. O entendimento do recorrente no sentido de considerar que não é possível instalar um estabelecimento de prestação de serviços desportivos nas Unidades do Edifício em causa resulta ainda expresso à saciedade nos mais diversos documentos anteriores à prolação da douta sentença ora em crise (informações técnicas, jurídicas, do sector de fiscalização, despachos, inclusive de tomada de posse administrativa) que integram os procedimentos administrativos que determinaram o embargo das obras realizadas pela ora recorrida na Unidade "F" em 02.05.2017 e o embargo das obras realizadas pela ora recorrida na Unidade "E" em 23.06.2017, respectivamente, procedimentos cujos processos administrativos se encontram juntos aos processos cautelares n.° 948/17.... e 1235/17...., os quais se encontram apensos aos presentes autos.

XVII. Também nos referidos processos cautelares n.° 948/17.... e 1235/17.... apensos aos presentes autos e em que a ora recorrida suscitou a suspensão de eficácia de ambos os actos de embargo, sem sucesso, o ora recorrente manifestou nos seus articulados, designadamente na sua oposição e nas suas contra-alegações de recurso para este Venerando Tribunal e para o Venerando STA, tal entendimento.

XVIII. Ambos os procedimentos administrativos e ambos os processos judiciais referidos são preliminares aos presentes autos, e como tal, são antecedentes ao acto de 22.01.2018 que procedeu à rejeição liminar em crise.

XIX. Tal entendimento do Município está também explanado nos presentes autos na contestação do ora recorrente quanto aos pedidos iniciais de anulação dos actos administrativos de embargo das referidas Unidades e de reconhecimento à Autora, por si ou interposta pessoa, do direito de instalar um ginásio fitness, numa ou mais unidades do edifício do complexo turístico da Marina de ..., sem autorização do Município ao abrigo do contrato de concessão celebrado com o mesmo e do alvará de utilização do edifício, sendo que a contestação do Município foi apresentada em 12.10.2017, e como tal, antecede também o acto de 22.01.2018 que procedeu à rejeição liminar do pedido de licenciamento de obras de alteração das Unidades "E", "F", "G" e "H" do edifício ora em causa.

XX. Tal entendimento resulta ainda perfeitamente explanado pelo Município nas várias peças processuais apresentadas no processo n.° 2700/17.7 BEBRG a correr termos no TAF de Braga, e neste momento em recurso junto deste Venerando TCAN, acção e recurso interpostos pela empresa [SCom02...], Lda., empresa que actualmente está a explorar um estabelecimento de prestação de serviços desportivos, no caso, um ginásio nas Unidades "F", "E", "G" e "H" do edifício do Complexo Turístico da Marina, contra o ora recorrente e em que foi peticionada a anulação do despacho do Sr. Vereador da área do Planeamento e da Gestão Urbanística da CM... de 03.11.2017 que rejeitou liminarmente o pedido de alteração de utilização das Unidades "E", "F", "G" e "H" do edifício do Complexo Turístico da Marina de ..., sendo que a matéria de facto e de direito em causa em ambos os processos é a mesma, sendo certo que o Município nas alegações escritas que apresentou nos presentes autos deu conhecimento expresso ao Tribunal a quo da existência do processo 2700/17.7 BEBRG, do estado do mesmo, da decisão proferida pela 1.° instância e da matéria de facto e de direito em causa no mesmo, o que fez, portanto, em momento anterior à prolação da douta sentença recorrida, pelo que também esses autos eram do conhecimento do Tribunal recorrido.

XXI. Antes da prática do referido acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento apresentado pela recorrida, a questão de saber se a prestação de serviços desportivos (ginásio) tem ou não enquadramento no objecto do contrato de concessão do direito de exploração do edifício do Complexo Turístico da Marina de ... celebrado entre as partes tinha já sido amplamente discutida, ponderada e equacionada pelo Município, quer pelos serviços técnicos, quer pelos serviços jurídicos, quer pelo próprio executivo nas decisões que proferiu nos vários procedimentos administrativos e processos judiciais sobre a matéria e que precederam a prática de tal acto.

XXII. Motivo pelo qual quando o pedido de licenciamento foi apresentado pela recorrida nos serviços do Município, tinha o mesmo todas as condições para decidir no sentido em que decidiu, rejeitando liminarmente o pedido em face da posição pacífica, uniforme e mais que ponderada que tem e sempre teve e que manifestou desde 2003 até à presente data quanto à falta de enquadramento da actividade de prestação de serviços desportivos no âmbito do objecto do contrato de concessão celebrado pelas partes.

XXIII. Não se tratava, pois, de uma questão nova, necessitada de apreciação técnica ou jurídica, mas antes de questão "antiga", amplamente discutida pelo executivo e respectivo corpo técnico e jurídico à saciedade, perfeitamente assente e do conhecimento da recorrida, pelo que, estando o Município munido de todos os elementos para decidir sobre o destino da pretensão da requerente e ora recorrida, nenhum impedimento legal havia no sentido de o fazer em fase de apreciação liminar do requerimento inicial, rejeitando o mesmo, tal como o fez.

XXIV. Apesar de a apresentação dos ficheiros com a instrução do pedido em formato digital não cumprir com as normas internas estabelecidas pelo Município, o que em abstracto determinaria um convite à ora recorrida para aperfeiçoar o mesmo, no caso concreto, implicaria a prática de um acto absolutamente inútil e perfeitamente dilatório, porquanto o pedido sempre teria que ser rejeitado atenta a posição do Município sobre a matéria, ou seja, por entender que o uso de "ginásio" ser manifestamente contrário ao fim a que as unidades do edifício concessionado se destinam e às disposições contratuais insertas no contrato de concessão da exploração do edifício do Complexo Turístico da Marina celebrado entre as partes.

XXV. Pautando-se a actuação da Administração por critérios de eficiência, economicidade e celeridade, devendo adoptar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos (princípio da Boa Administração consagrado no art. 5.°/1 do CPA), relacionando-se com os particulares segundo as regras da boa-fé e do dever de colaboração, insertos nos arts. 10.° e 11.° do CPA, não faria qualquer sentido, sendo actuação incorrecta, contrária à boa-fé, e violadora dos princípios gerais da actividade administrativa emitir um despacho de aperfeiçoamento de uma pretensão para, uma vez corrigidos os elementos deficientes, ser emitido de seguida despacho de indeferimento da mesma, quando é certo que, à partida, existia já fundamento para rejeitar liminarmente o pedido, como resulta, de resto, do parecer jurídico de 08.09.2017, e sobre o qual a douta sentença recorrida nem sequer se debruçou.

XXVI. Tal parecer jurídico serviu para fundamentar, quer o acto de rejeição liminar do pedido de licenciamento de obras de alteração em causa nos presentes autos, quer o acto de rejeição liminar do pedido de alteração de utilização das referidas Unidades do edifício em questão apresentado pela [SCom02...], Lda. nos serviços do Município, e em causa no processo n.° 2700/17.7 BEBRG, a que se aludiu supra, porquanto a questão da utilização das unidades do edifício diz directamente respeito, tanto à ora recorrida [SCom01...], Lda., como à [SCom02...], Lda., na medida em que a primeira é a concessionária do direito de exploração do edifício em causa e a segunda é a titular do pretenso direito de utilização comercial das unidades do referido edifício mediante contrato com aquela celebrado, sendo que, tendo em conta este contrato entre ambas celebrado e o facto de a primeira ter realizado obras para afectar as unidades a um estabelecimento de ginásio e a segunda ter instalado no mesmo o referido estabelecimento que não pode legalmente funcionar em tais unidades, o referido parecer jurídico é perfeitamente aplicável a ambas.

XXVII. O Município é, simultaneamente, o proprietário do edifício, o concedente do direito de exploração sobre o mesmo, a entidade licenciadora (em matéria de obras e de usos) e entidade fiscalizadora, sendo que, enquanto proprietário do edifício não autorizou, tal como não autoriza, a recorrida a instalar um estabelecimento de ginásio nas Unidades do mesmo, direito que lhe assiste no uso dos seus poderes contidos no direito de propriedade, matéria que nem sequer é sindicável pelos Tribunais, uma vez que se trata do exercício dos poderes contidos num direito de natureza privada, regulado nos artigos 1.304° e 1.305° do CC., nada tendo a ver com qualquer relação administrativa.

XXVIII. Nenhuma das 4 Unidades ("E", "F", "G", "H") nas quais a ora recorrida realizou obras de alteração e solicitou posteriormente o seu licenciamento de forma a adaptar as mesmas ao uso de ginásio, dispõe de alvará de autorização de utilização para esse fim, pelo que qualquer utilização da(s) mesma(s) para esse destino é ilegal, porquanto não foi autorizada pelo ora Município, ao abrigo do disposto nos arts. 4.0/5 e 62.° e sgs. do RJUE.

XXIX. O alvará de utilização do prédio (372/06) estabelece que o mesmo se destina a "Complexo Turístico de ...", sendo que nada no título permite concluir que a utilização autorizada pelo mesmo, quanto às Unidades que não tenham um alvará de autorização de utilização específico, engloba quaisquer prestações de serviços, desportivos ou outros, e não engloba efectivamente, sendo certo que o alvará de utilização do edifício sempre teria que estar em consonância com o objecto da concessão definido no contrato celebrado entre as partes em 19.05.2005.

XXX. Um estabelecimento de ginásio não integra o conceito de actividade de lazer, conceito que nem sequer tem uma definição jurídica, sendo que o Tribunal a quo socorreu-se apenas da definição de dicionário de tal conceito para dizer que a proposta vencedora do concurso previa a instalação de unidades na área da restauração e bebidas e do lazer, e que como tal, a actividade de ginásio poderia estar enquadrada nessa área do "lazer", o que, salvo o devido respeito, não faz sentido.

XXXI. Os edifícios podem destinar-se aos usos legais de habitação, indústria/armazenagem, restauração e bebidas, comércio, turismo e serviços, sendo que, o "uso" de "lazer" não constitui qualquer uso previsto na lei.

XXXII. Um estabelecimento de ginásio é apenas e só um estabelecimento de prestação de serviços desportivos, nos termos do disposto no art. 3.°/2 do DL n.° 141/2009, de 16.06 que consagra o regime jurídico das instalações desportivas e no art. 1.° da Lei n.° 39/2012, de 28.08., sendo que da conjugação de ambos os diplomas, para se ser ginásio, há dois elementos cumulativos a preencher: (i) existir uma instalação desportiva; (ii) nela se prestarem "serviços na área da condição física (fitness).

XXXIII. Na lógica e coerência da decisão tomada pelo recorrente no procedimento pré-contratual referido, excluindo a proposta da concorrente que propôs a instalação no edifício em causa, a título principal, de um estabelecimento de prestação de serviços desportivos, por ter decidido que tal uso não se adequava aos interesses do Município nem era adequado face aos objectivos de desenvolvimento da cidade constantes do Plano Estratégico de ... e, consequentemente, que não se enquadrava na "área da restauração e do lazer", obviamente que se a recorrida tivesse apresentado no mesmo procedimento a proposta que agora pretende fazer valer "à força", com o mesmo destino daquela que foi excluída, teria sido excluída, por se tratar do mesmo fundamento de exclusão.

XXXIV. A actividade de prestação de serviços desportivos também não se integra no objecto do contrato de concessão constante da cláusula 3. i, do qual resulta que a concessão tem por objecto a exploração turístico-hoteleira e comercial de todo o Complexo Turístico da Marina de Recreio de ....


XXXV. A actividade de ginásio não é uma actividade turística, hoteleira, nem comercial, sendo que, atento o teor da cláusula 3. 5. do contrato de concessão, não é permitida a instalação de um estabelecimento de ginásio nas Unidades do edifício em causa ao abrigo da mesma porquanto apenas são admitidas actividades desportivas de forma ocasional, pontual ou acessória que sirvam de complemento às actividades principais desenvolvidas pelo concessionário nas Unidades em causa e desde que tais actividades complementares não alterem o objecto do contrato, o que não é manifestamente o caso.

XXXVI. Um estabelecimento de prestação de serviços desportivos não constitui uma actividade desportiva pontual, não complementa a actividade/uso principal e único de restauração e de bebidas licenciado para as Unidades do edifício e não constitui uma actividade comercial, nem de turismo nem de hotelaria, fugindo, por isso, à essência e conteúdo do contrato de concessão celebrado.

XXXVII. Se bem que o art. 10.° do DL n.° 39/2008, de 07.03 na sua redacção actual (Regime Jurídico de Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos) consagre a possibilidade de instalação de estabelecimentos de prestação de serviços nos empreendimentos turísticos, a verdade é que tal dispositivo legal não tem aplicação no caso concreto, porquanto para se instalar um estabelecimento comercial e/ou um estabelecimento de prestação de serviços num empreendimento turístico, é preciso, obviamente, que antes exista um empreendimento turístico, na definição constante do art. 2.° de tal diploma legal.

XXXVIII. No edifício em causa nos autos não se encontra instalado nem a funcionar qualquer empreendimento turístico, isto é, qualquer estabelecimento que preste serviços de alojamento, pelo que, como tal, também não serão admitidos quaisquer serviços complementares com essa actividade principal, como poderia ser um estabelecimento de ginásio.

XXXIX. A douta sentença recorrida, ao considerar, por um lado, que o recorrente deveria ter formulado à recorrida um convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial do pedido de licenciamento ao invés de o rejeitar liminarmente, e por outro, que o Município em sede de apreciação liminar não dispunha dos elementos necessários para decidir a pretensão da ora recorrida e para decidir no sentido em que decidiu, devendo, por isso, serem juntos os elementos instrutórios em falta e depois reapreciada a pretensão, está inquinada, salvo o devido respeito, de erro de apreciação e de julgamento de direito.

XL. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida viola ainda a norma do art. 11.°/2/a) do RJUE, porquanto no caso concreto e na prática nenhum documento instrutório era indispensável ao conhecimento da pretensão tal como a mesma foi apresentada pela ora recorrida nos serviços do ora recorrente e que justificasse qualquer convite ao aperfeiçoamento para apreciação da pretensão apresentada, sendo que, independentemente de quaisquer documentos instrutórios suplementares que a mesma viesse então a apresentar, a pretensão sempre teria que ser indeferida, atento o uso a que as Unidades, cujas obras se pretendia licenciar, se destinavam e atento o conteúdo da concessão.

XLI. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida viola também a norma do art. 11.°/2/b) do RJUE, porquanto resultando do requerimento inicial que as obras de alteração a licenciar se destinavam a instalar nas Unidades "E", "F", "G" e "H" do edifício do Complexo Turístico de ... um estabelecimento de ginásio, uso que viola, para além do mais, a cláusula 3.a/1 do contrato de concessão do direito de exploração do edifício do Complexo Turístico da Marina celebrado entre as partes em 19.05.2005 e relativa ao objecto da concessão, ainda que pudesse não violar qualquer disposição legal ou regulamentar aplicável ao caso concreto, a verdade é que sempre violaria o contrato de concessão celebrado entre as partes, facto que o Município não poderia deixar de atender, na medida em que, para além de entidade licenciadora, é também proprietária do edifício e entidade concedente, pelo que, não tendo autorizado qualquer alteração do uso nessa qualidade, ao contrário daquilo que considerou a douta sentença recorrida, havia de facto fundamento para a rejeição liminar da pretensão da ora recorrida.
XLII. A douta sentença recorrida, ao considerar que o Município tinha que ter convidado a recorrida a aperfeiçoar o pedido, juntando os elementos instrutórios em falta e só depois deveria o Município munido de todos esses elementos apreciar/reapreciar a pretensão, quando é certo que o Município antes da entrada do referido pedido nos seus serviços já tinha uma posição formada sobre a matéria dos usos permitidos no edifício do Complexo Turístico da Mariana de ..., violou, salvo o devido respeito, os princípios da boa Administração, na vertente da eficiência, celeridade e proibição da prática de actos inúteis e dilatórios e da boa-fé e colaboração com os particulares, plasmados nos arts. 5.º, 10.° e 11.° do CPA, princípios enformadores da actividade administrativa.

XLIII. A douta sentença recorrida desatendeu por completo ao facto de que o Município é o proprietário do edifício do Complexo Turístico da Marina e enquanto proprietário do prédio em questão o Município não autoriza que Unidades do mesmo sejam destinadas à instalação de um ginásio.

XLIV. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida violou, entre o mais, as normas dos arts. 11.°/2/a) e b) do RJUE e 5.º, 10.° e 11°, todos do CPA.

PEDIDO:

TERMOS EM QUE, E NOS DO SUPRIMENTO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE EM QUE ANULOU O DESPACHO DO SR. VEREADOR DA ÁREA DO PLANEAMENTO E DA GESTÃO URBANÍSTICA DA CM... DE 22.01.2018, QUE INDEFERIU LIMINARMENTE O PEDIDO DE LICENCIAMENTO DAS OBRAS DE ALTERAÇÃO EXECUTADAS PELA AUTORA NAS UNIDADES "E", "F", "G" E "H" DO EDIFÍCIO DO COMPLEXO TURÍSTICO DA MARINA DE ..., JULGANDO A ACÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE E SUBSTITUIR-SE POR NOVA DECISÃO QUE JULGUE A ACÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA, NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, COMO É, ALIÁS, DE INTEIRA

JUSTIÇA.

A Autora juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Deve o Recurso ser considerado improcedente, confirmando-se a Douta Sentença proferida pelo TAF,
Fazendo-se a costumada JUSTIÇA!

A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1.Em 03.03.1995, foi aprovado o Plano Estratégico de Desenvolvimento Regional da Cidade de ..., na Assembleia Municipal da Câmara Municipal de ..., do qual se extrai o seguinte:
“(...) Frente de Rio II
Esta frente de rio é a que apresenta usos e vivências mais urbanas. Está em comunicação directa com o centro histórico e tem uma frente edificada com uma forte componente comercial, que tem vindo a registar a substituição do comércio tradicional dos produtos regionais por comércio, sobretudo de vestuário para as camadas mais jovens e desportivas.
Hoje a cidade está separada do seu rio. O jardim não parece corresponder às aspirações dos seus cidadãos e perdeu o simbolismo que o caracterizava há cerca de 20 anos. A modificação do canal do rio em frente do centro urbano veio eliminar o passeio público, desenvolvido ao longo do cais de pedra que se estendia praticamente desde a foz até à ponte, com importantes reflexos no relacionamento da frente urbana, jardim, cais e rio. A área livre compreendida entre o espaço construído e o novo cais estendeu-se, afastando o rio da cidade e diminuindo a comunicação entre estes dois elementos.
Deixou de ser um local de encontro e desperdiçou a sua capacidade de motivação para uma deslocação até à frente de rio, nos usos diários que cada indivíduo pode disfrutar do seu espaço urbano, ou para um passeio à cidade ao fim de semana, nos tempos de lazer semanal.
Temos assim um espaço de vivência muito limitada, com uma área de estacionamento demasiado extensa e uma área concessionada com um restaurante, uma galeria de exposições, um pequeno auditório e uma biblioteca (Complexo da Marina), que estão sub-utilizados e que têm problemas de funcionamento. Este forte investimento da autarquia não tem tido grandes reprodutividades ao nível da comunicação de ... com o rio. Apostou-se num grande equipamento e neste momento a cidade não é capaz e não parece ter promotores com capacidade e vontade para animar e vitalizar este espaço de cultura e lazer”.
- Cfr. p. 623 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

2. Em 20.09.2002, foi autorizado concessionar, mediante concurso público, a exploração do Complexo da Turístico da Marina, por deliberação da Assembleia Municipal de ....
- Cfr. fls. 1/2 do processo administrativo apenso aos autos Vol. 1 (doravante PA Vol. 1), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 08.01.2003, foi aprovado o Regulamento para a Concessão da Exploração do Complexo Turístico da Marina, por deliberação da Câmara Municipal ..., do qual se extrai o seguinte teor:
“ARTIGO 1°
Pela Câmara Municipal ..., com sujeição às condições constantes deste regulamento, é aberto concurso para exploração, pelo prazo de 30 anos, do complexo Turístico da Marina. [...]
ARTIGO 9.°
[...]
§Único – A adjudicação levará em conta a ponderação dos seguintes critérios, dispostos por ordem decrescente de importância.
- 50% - Projecto de Exploração
- 30% - “Curriculum” do concorrente
- 15% - Valor das benfeitorias propostas
- 5% - Preço oferecido pela concessão
2. Na análise do projecto de exploração será ponderado o interesse relativo das actividades a instalar, avaliado segundo a sua conformidade e adequação à estratégia de desenvolvimento da cidade de ..., definida no respectivo Plano Estratégico.
3. [...]
4. A análise das proposta será dividida em duas fases, uma de pré-qualificação, a que serão admitidas apenas as que obtenham uma classificação igual ou superior a 3, e outra, de pós-qualificação, em que as propostas técnicas e financeiras será objeto de processo de negociação tendente ao seu aperfeiçoamento de acordo com os interesses da Câmara Municipal, e que será realizada de acordo com a ordem da lista de classificação geral”.
- Cfr. fls. 5/12 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

4. Em 22.01.2003 foi publicado o Edital com o anúncio da abertura do concurso público para a concessão da exploração do complexo turístico da marina, referido em 2.
- Cfr. fls. 13/14 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Foram apresentadas 5 propostas ao concurso público para a Concessão da Exploração do Complexo Turístico da Marina, referido em 2, conforme consta no auto de receção de propostas, elaborado em 27.03.2003.
- Cfr. fls. 62/63 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. A proposta apresentada pelo concorrente [SCom03...] S.A. incorporava um item designado por «Modelo de Negócio», com o seguinte teor:
“A proposta da [SCom03...] S.A., ASSENTA NA RECUPERAÇÃO, VALORIZAÇÃO E ADEQUAÇÃO DO Complexo Turístico da Marina com vista à instalação de duas unidades de grande dimensão e quatro de média de dimensão na área da Restauração e do Lazer, num total de aproximadamente 1600m2 ABL.
Os negócios a instalar terão características de destino, quer pela sua dimensão, quer pela novidade que representam para o mercado de ....
Todo o espaço será gerido de uma forma integrada pela [SCom03...], obedecendo os lojistas às rigorosas regras de exploração e controlo de qualidade impostas pela gestora».
- Cfr. doc. ...0 anexo à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

7. Em 08.04.2003, foram analisadas as propostas apresentadas no concurso público para Concessão da Exploração do Complexo Turístico da Marina, constantes no ponto 5., conforme ata com o seguinte teor:
“(...) Em face da classificação final e graduação dos concorrentes, e por aplicação do que dispõe o número 4 do artigo 9º do Regulamento, propõe-se a qualificação das propostas dos concorrentes números 2, 3 e 5, todas pontuadas com notações superiores a 3, as quais serão agora objeto da fase de negociação, e a exclusão desta fase das restantes propostas (...).”.
- Cfr. fls. 67-72 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

8. Em 19.05.2003, foi proposta à Câmara Municipal ... a adjudicação da concessão da exploração do Complexo Turístico da Marina de Recreio, ao concorrente n.º 5 – [SCom03...], SA.
- Cfr. fls. 122/124 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

9. Em 18.06.2003, foi adjudicada a Concessão de Exploração do Complexo Turístico da Marina, à sociedade [SCom03...] S.A., por deliberação da Câmara Municipal ....
- Cfr. fls. 144 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

10. Em 01.03.2004, a sociedade [SCom03...] S.A., comunicou à Câmara Municipal ... a “cessão da posição contratual” a favor da Autora.
- cfr. fls. 183 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. Em 19.05.2005, Autora e Réu assinaram o “Contrato de concessão de exploração do complexo turístico da Marina”, do qual se extrai o seguinte teor:
“(...)
TERCEIRA: 1. A concessão tem por objeto a exploração turístico-hoteleira e comercial de todo o Complexo Turístico da Marina de Recreio de ..., conforme os termos do presente contrato e seus anexos. 2. (...); 3. A outorga deste contrato confere à concessionária o direito de utilização exclusiva do Complexo Turístico a que respeita, para os fins aqui expressamente consignados, sem prejuízo da obrigatoriedade da obtenção de qualquer outras licenças ou autorizações, necessárias para o exercício das actividades a desenvolver; (...)
DÉCIMA PRIMEIRA:
1 (...), 2 (...),
3 Constituem, nomeadamente, fundamento de rescisão as seguintes infracções contratuais: (...) b) A execução de obras sem prévio consentimento da Câmara Municipal ou em desacordo com as condições fixadas. (...)”.
- Cfr. fls. 218-228 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. Em 31.07.2006, foi emitido o Alvará de Utilização n.º ...06, do Complexo Turístico de ..., pela Câmara Municipal ..., que titula: 1 (uma) unidade de utilização que se destina a “Complexo Turístico de ...”.
- Cfr. fls. 80 do volume n.° 7 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

13. Em 18.07.2008, foi emitido o Alvará de utilização n.º ...8, da unidade "F" do Complexo Turístico da Marina que titula: “1 (uma) unidade de utilização que se destina a restauração e bebidas”.
- Cfr. doc. n.° ... da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

14. O Complexo Turístico da Marina localiza-se em zona abrangida por um Plano de Pormenor.
- cfr. Plano de Pormenor da Frente Ribeirinha e Campo ..., publicado em 25.07.2011, através do Aviso n.° ...44, no DR n.° 60, Série II, de 25 de março de 2011, e objeto de Declaração de Retificação n.° 1178/2011, publicada no DR, série II, n.° 141, de 25 de julho de 2011 e prova testemunhal.

15. Foram realizadas obras de remodelação/alteração de interior, na fração "F", do Complexo Turístico da Marina, conforme participação lavrada em 02.05.2017, pelo Fiscal Municipal do Réu, «AA», da qual se extrai o seguinte teor:
«[...] estão a ser efetuadas obras de remodelação/alteração do interior, na fração “F” do prédio para o qual foi localizado o PO 446/04 ONEREPP N, sem licença ou autorização municipal. As obras constam de demolição de compartimentação interior e de abertura de novos vãos interiores em paredes estruturais do prédio.
Na fração em apreço estava instalado um estabelecimento de restauração e bebidas, a que corresponde o PO 443/05-ONERESH N.
Com as referidas obras de remodelação interior está em causa a alteração do destino da referida fração, uma vez que o espaço está a ser adaptado para um “Ginásio Fitness Up” [...]»
- Cfr. fls. 534 do PA Vol. 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

16. O documento referido no ponto anterior, mereceu despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal ..., «BB», datado de 05.05.2017, com o seguinte teor: "embargue-se".
- Cfr. fls. 539 do PA Vol. 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

17. O embargo das obras referido em 16., foi comunicado pelo Réu à Autora, através de ofício, com data de 05.05.2017 e com a referência ...7, do qual se extrai o seguinte teor:
“Atento o teor da participação da fiscalização de que se anexa cópia, informa-se V. Exª que por despacho de 04.05.2017, foi o embargo da obra decretado, conforme cópia em anexo...”
- Cfr. Doc. n.° ... da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal.

18. O ofício referido no ponto anterior foi recebido pela Autora no dia 11.05.2017. - Cfr. Doc. n.° ... da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19. Foram realizadas obras de remodelação/alteração de interior, na fração ...‖, do Complexo Turístico da Marina, conforme participação lavrada em 23.06.2017, pelo Fiscal Municipal do Réu, «AA», da qual se extrai o seguinte teor:
“[..], está a levar a efeito sem licença ou autorização municipal, as obras de remodelação/alteração
interior da unidade “E”, composta por dois pisos. As obras até ao momento constam de:
eliminação de escada em betão armado de comunicação entre pisos (foto 4);
execução de laje de pavimento, fechando o acesso da escada, em vigota de betão pré-esforçado;
Alteração da compartimentação ao nível do piso inferior, projetando-se um vestiário e um
balneário com 5 duches, este no local da escada (foto 3);
O espaço está a ser adaptado para um ginásio “Fitness Up.”.
- Cfr. doc. n.° ...0 da contestação (pp. 212-230 do SITAF), cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido, e prova testemunhal.

20. A participação referida em 19., mereceu despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal ..., «BB», datado de 23.06.2017, com o seguinte teor: «embargue-se».
- Cfr. doc. n.° ...0 da contestação (pp. 212-230 do SITAF), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. O embargo das obras referido em 20. foi comunicado pelo Réu à Autora, através de ofício, com data de 26.06.2017 e com a referência ...7.
- Cfr. doc. n.º ...0 da contestação (pp. 212-230 do SITAF), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22. O ofício referido no ponto anterior foi recebido pela Autora em 04.07.2017.
- Cfr. doc. n.º ...0 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23. Em 22.12.2017, a Autora apresentou nos serviços do Réu, um pedido de “licenciamento de obras de edificação” para as unidades E, F, G e H do Complexo Turístico da Marina, registado sob o número «8749/17».
- Cfr. p. 264 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24. O pedido referido no ponto anterior mereceu despacho de rejeição liminar, proferido pelo Vereador da Área de Planeamento e Gestão urbanística do Réu, em 22.01.2018, conforme consta em ofício dirigido à Autora, do qual se extrai o seguinte teor:
Relativamente ao requerimento que, em 2017/12/22, apresentou no Serviço de Atendimento ao Munícipe onde ficou registado sob o n.° ...49/17 fica V. Exª por este meio notificada por meu despacho de 2018/01/22, proferido no uso de competência subdelegada pelo Presidente da Câmara que Rejeito Liminarmente o pedido tendo por base a informação prestada pela Chefe da Divisão de Licenciamento de Obras que seguidamente se transcreve:
Para além da deficiente instrução do pedido relativamente aos ficheiros em formato digital (informação do Serviço de Atendimento ao Munícipe) que obsta à respetiva apreciação, considerando as informações já prestadas anteriormente, nomeadamente pela Divisão Jurídica, no que se refere ao objeto da concessão a pretensão deve ser Liminarmente Rejeitada.
Remete-se para conhecimento e devidos efeitos, cópia do parecer da Divisão Jurídica oportunamente enviada à [SCom02...], LDa.”.
- Cfr. p. 256 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

O Tribunal consignou: Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
E continuou: Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos e ao procedimento administrativo, conforme referido nos pontos do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados, outros corroborados pelos documentos juntos.
O Tribunal socorreu-se, ainda, dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, articulando-os com a documentação existentes nos autos, para reforçar e consolidar a convicção quanto aos factos provados.
Nesta medida, foram valorados os seguintes depoimentos: «CC», antigo colaborador da sociedade «[SCom03...] SA e ex-administrador da Autora, «DD», administrativo na empresa [SCom04...] Lda., que faz a gestão do empreendimento do Complexo da Marina, «EE», Eng.º Civil na empresa que faz a gestão do Complexo Turístico da Marina, «FF», Eng.º Civil que fiscalizou as obras nas unidades "E" e "F", «GG», gestor da empresa «Fitness Up» (arroladas pela Autora); «AA», atualmente Técnico Superior e ex-Fiscal Municipal a exercer funções no Município ..., «HH», Técnica Superior de Arquitetura, a exercer funções no Município ..., «II», Técnica Superior de Engenharia Civil, a exercer funções no Município ..., «JJ», jurista, Chefe da Divisão Jurídica e responsável pela área da fiscalização municipal do Município ..., «KK», jurista, Diretor de Departamento no Município de ... e membro da comissão que avaliou as propostas no âmbito do concurso para atribuição da concessão da exploração do Complexo Turístico da Marina (arroladas pelo Réu).
As testemunhas depuseram de forma credível, tendo demonstrado conhecimento direto sobre os factos sobre os quais depuseram, o que levou este Tribunal a considerar as suas versões sobre os acontecimentos que carrearam, através dos seus depoimentos, para estes autos.
Toda a prova foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [artigo 94.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA e artigos 362.º e ss. e 396.º do CC e 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA].
Nesta senda:
A testemunha «CC», prestou depoimento de forma coerente e espontânea, tendo revelado conhecimento sobre o funcionamento das regras de concurso de atribuição da Concessão da exploração do complexo turístico da Marina, na medida em que o acompanhou desde o início enquanto representante do concorrente «[SCom03...] SA», conseguindo esclarecer que nenhuma proposta foi excluída em razão da atividade proposta, mas sim porque não atingiram a pontuação exigível para avançar para a fase seguinte. Deu conta que o concurso não estipulava atividades proibidas, asseverando, também, que a proposta da [SCom03...] SA, incidia na área da restauração e do lazer. O seu depoimento serviu para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual inserta nos pontos 3.°, 6.°, 7.° e 8.°.
As testemunhas «EE» e «FF» prestaram depoimento de forma coesa e consentânea, revelando conhecimento sobre as obras executadas nas unidades "F" e "E" Complexo Turístico da Marina, o primeiro porque acompanhou a execução das obras e o segundo porque acompanhou a fiscalização da componente das especialidades. Asseverou a primeira testemunha que na unidade "F" foram efetuadas demolições de paredes interiores não estruturais e nas infraestruturas existentes e que na unidade "E" foi demolido um vão de escada que ligava o piso 0 ao piso 1. A segunda testemunha afirmou que as obras incidiram na remodelação do espaço interior existente, consistindo na demolição de compartimentações interiores, abertura de vãos e instalação de infraestruturas. Os depoimentos referidos serviram para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual inserta nos pontos 15.° e 19.°.
As testemunhas «DD» e «GG», confirmaram a existência de realização de obras no complexo turístico da marina, referindo que eram de adaptação para um ginásio. Os depoimentos referidos serviram para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual inserta nos pontos 15.° e 19.°.
As testemunhas «HH» e «II» depuseram de forma credível e consentânea, tendo demonstrado conhecimento direto sobre as obras executadas no Complexo Turístico da Marina porque integraram uma vistoria às obras em causa nos autos. Ambas referiram, grosso modo, que consistiram na alteração de compartimentações e na execução de infraestruturas, sem conseguir identificar as concretas unidades. Os depoimentos referidos serviram para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual inserta nos pontos 15.º e 19.º.
A testemunha «AA», depôs de forma assertiva e escorreita, tendo revelado conhecimento direto sobre as obras executadas nas unidades "F" e "E" do Complexo Turístico da Marina, porque as fiscalizou, confirmando o teor das participações que lavrou e assinou (pontos 15 e 19). Foi confrontado com documentos insertos nos autos, tendo em vista esclarecer o Tribunal sobre a data efetiva em que foi ordenado o embargo da unidade "F", esclarecendo que foi em 05.05.2017, conforme despacho. O seu depoimento serviu para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual inserta nos pontos 15', 16.º, 17.º 19.º, 20.º, 21.º, corroborando o juízo sobre o teor da prova documental especificamente referida nesses pontos.
A testemunha «JJ» prestou depoimento de forma assertiva e coerente, revelando que foram realizadas obras nas unidades "F" e "E", referindo a demolição de escadas e construção de balneários, que verificou aquando da sua participação numa vistoria. Esclareceu a data em que foi ordenado o embargo da unidade "F" pela confrontação com documentos insertos nos autos, confirmando que foi em 05.05.2017. O seu depoimento serviu para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual identificada nos pontos 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º.
A testemunha «KK» prestou declarações coesas e coerentes, tendo revelado conhecimento direto sobre o concurso de concessão da exploração do Complexo Turístico da Marina, porque integrou a comissão de avaliação das propostas, tendo conseguido esclarecer os objetivos do mesmo, bem como as razões que presidiram às decisões do júri para a exclusão de propostas da segunda fase do concurso, dando conta que as atividades propostas nos projetos de exploração apresentados pelos concorrentes no Concurso para Atribuição da Concessão da Exploração do Complexo Turístico da Marina influíam na pontuação atribuída, consoante o grau de adequação ao Plano Estratégico da Cidade .... Deu conta que os concorrentes que não obtiveram a pontuação mínima não avançaram para a segunda fase do concurso. O seu depoimento serviu para o Tribunal consolidar a convicção quanto à matéria factual inserta nos pontos 1.º, 3.º, 7.º e 8.º.
Foi este, em suma, o julgamento de facto que subjaz ao apuramento da matéria de facto provada.
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença proferida nos autos que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, anulou o despacho do Senhor Vereador da Área do Planeamento e da Gestão Urbanística da CM... de 22.01.2018 que indeferiu liminarmente o pedido de licenciamento das obras de alteração executadas pela Autora nas Unidades "E", "F", "G" e "H" do edifício do Complexo Turístico da Marina de ....
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objeto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
In casu o Recorrente aponta à sentença erros de julgamento de facto e de direito.
Vejamos:
Do erro de julgamento de facto -
Conforme temos decidido, de forma reiterada, tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, que o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA, de 19/10/2005, proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPC que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do processo Civil, II vol., 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267
Este entendimento tem sido seguido pela generalidade da jurisprudência (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
Na verdade, decorre do regime legal vertido nos artºs 140º e 149º do CPTA que este Tribunal ad quem conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto - artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos artº 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º/2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o Recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º/1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 743). (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I.“Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “
a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”.
Voltando ao caso concreto, pretende o Réu ora Recorrente que ao facto 23 dos factos provados que dispõe: “Em 22.12.2017, a Autora apresentou nos serviços do Réu, um pedido de “licenciamento de obras de edificação” para as unidades E, F, G e H do Complexo Turístico da Marina, registado sob o número “8749/17” seja acrescentado, na parte final do mesmo, os dizeres “pedido que se destinava à instalação de um ginásio”.
Ora, como decorre do pedido apresentado, não consta dele qualquer menção a um ginásio, logo a factualidade dada como provada bem identificou o que dele consta.
Ademais, o que o requerimento indicado pela Recorrente diz (fls. 278 e sgs. do SITAF) é que o pedido apresentado pela sociedade [SCom02...], Lda., para instalação de um ginásio deve ser apensado ao processo de licenciamento apresentado pela Recorrida. Como se vê, constitui algo diferente do invocado pelo Recorrente.
Por sua vez, e quanto ao alegado pelo Recorrente “nos factos provados na douta sentença recorrida deveria ter ficado a constar se existe ou não para qualquer uma das Unidades em questão [E, F, G e H] algum alvará de utilização específico, e em caso afirmativo para que fim”, considera-se que não terá de constar essa menção, porquanto esses alvarás titulam os licenciamentos específicos exigíveis para cada atividade ali desenvolvida, o que acontece no caso da restauração e bebidas, nos termos do então Decreto Regulamentar n° 25/93 de 17.08 (Regulamento do Exercício da Atividade Industrial), antecessor do DL n° 48/2011 de 01.04, à semelhança do que deve suceder no caso de ginásios, ao abrigo da legislação especifica desse setor, mas que em nada se relacionam com o Alvará de Utilização do edifício com n° 372/06, porque, conforme veio bem salientado pela arquiteta do própria Recorrente - «HH» -, esses alvarás das atividades caducam quando, nesse espaço, passa a ser exercida uma atividade distinta, logo não são idóneos para regular a admissibilidade de uma qualquer utilização distinta daquela que serviu para a sua emissão.
Assim, não se bulirá no probatório.
Improcede, pois, o apontado erro de julgamento de facto.
E o que dizer do falado erro de julgamento de direito?
Está posta em crise a sentença que julgou a ação parcialmente procedente, anulando o despacho do Senhor Vereador da Área do Planeamento e da Gestão Urbanística da Câmara Municipal ... de 22.01.2018 que indeferiu liminarmente o pedido de licenciamento das obras de alteração executadas pela Autora ora Recorrida nas Unidades “E”, “F”, “G” e “H” do edifício do Complexo Turístico da Marina de ....
Cremos que carece de razão o Recorrente porquanto nenhum dos vícios invocados se produziu no presente processo, mostrando-se a decisão, ao invés, devidamente fundamentada.
De facto, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o ato de rejeição liminar do pedido de licenciamento de obras de alteração das Unidades “E”, “F”, “G” e “H” do edifício do Complexo Turístico de ... praticado pelo Réu ora Recorrente violou o disposto no artº 11° n° 2 al. a) e b) do RJUE, devendo, portanto, ser anulado e, consequentemente, deve o Réu reapreciar a pretensão da Autora ora Recorrida.
Não existindo qualquer vício de erro de apreciação/julgamento de direito que inquine o raciocínio realizado pelo Tribunal a quo para chegar às conclusões a que, e bem, chegou.
Atente-se,
A primeira tese agora defendida pelo Recorrente é que à data da apreciação liminar já dispunha dos elementos necessários para apreciar a pretensão da Recorrida. Diz-se “agora” porque se se analisar o ato administrativo não se depreende que assim tenha sido.
Com efeito, a pretensão foi negada pelo Recorrente fundamentando o indeferimento na deficiente instrução do pedido e considerando as informações prestadas pela Divisão Jurídica sobre o objeto da concessão.
Foi o Recorrente que disse que o pedido ia indeferido com o argumento de que estava deficientemente instruído.
Ora, se assim foi, é porque ele podia ser suprido, impondo-se obrigatoriamente ao Recorrente o dever de cumprir o disposto no artº 11° n° 2 ali. a) do RJUE, proferindo despacho de aperfeiçoamento e convidando a Autora a corrigir, querendo, o pedido inicialmente realizado.
Por outro lado, para o Município/Recorrente parecia e ainda parece ser claro que não pode ser instalado um ginásio naquele local, donde o indeferimento também por esse motivo.
Ora, o contrato de concessão de exploração do complexo turístico da Marina "tem por objecto a exploração turístico-hoteleira e comercial de todo o Complexo Turístico da Marina de Recreio de ..., conforme os termos do presente contrato e seus anexos" - vide cláusula 3ª, n° 1, daquele Doc. n° ... junto à petição inicial.
O "Projecto de Reconversão e adaptação para a Concessão e Exploração do Complexo Turístico da Marina", que esteve na base da decisão de adjudicação da concessão - Doc. n° ...6 -, contemplava a instalação de unidades de restauração e de lazer - aquele Doc. n° ...0, pág. 2, primeiro parágrafo junto à petição inicial.
O direito de exploração está igualmente titulado pelo Alvará de Construção n° ...5 emitido pelo Recorrente à Recorrida no dia 30.08.2005 e pelo Alvará de Utilização n° ...6 emitido no dia 31.07.2006 - aqueles Docs. n° ... e ... junto à petição inicial.
No Alvará de Utilização apenas se define o uso como sendo "Complexo Turístico de ...", pelo que será com recurso ao projeto ganhador, e às utilizações nele previstas que se pode ter o uso, de restauração e de lazer, como definido.
O alvará de utilização emitido ao abrigo do RJUE é só um, aquele já evidenciado com n° 372/2006, que só fala em complexo turístico e, outra coisa, são os licenciamentos específicos exigíveis para cada atividade ali desenvolvida, o que acontece no caso da restauração e bebidas, razão pela qual os utilizadores/lojistas instruíram processos e obtiveram as referidas licenças, nos termos do Decreto Regulamentar n° 25/93 de 17.08 (Regulamento do Exercício da Atividade Industrial), antecessor do DL n° 48/2011 de 01.04, e que acontecerá, no caso do ginásio, ao abrigo da legislação especifica desse setor.
A atividade de ginásio fitness está enquadrada no âmbito da atividade de lazer, constante do projeto ganhador da concessão, não fornecendo o alvará de utilização emitido qualquer impedimento ao exercício dessa atividade.
A licença/autorização para o exercício de determinada atividade, no âmbito das leis que a regulam, não se confunde com o alvará de utilização do RJUE.
Dito isto, a análise do enquadramento da utilização implicava e implica a análise de todo o processo, inclusive o processo concursal subjacente à atribuição da concessão e não se compadecia com a simplicidade de uma apreciação liminar administrativa, por não ser de todo “manifesta”, bem pelo contrário, a ideia/posição do Recorrente.
Como sentenciado: “De igual modo, não estorva a conclusão a que chegamos o Alvará de Utilização n.° ...6, emitido pela Ré em 31.07.2006 (ponto 12. dos factos provados), uma vez que se trata de um alvará generalista, que define o destino comum na infraestrutura, mas do qual não resulta um impedimento à atividade que a Autora pretende instalar.
Consequentemente, conclui-se, no que concretamente diz respeito ao objeto do contrato de concessão, que não é evidente, através de uma apreciação liminar, concluir que existe um impedimento à instalação de um estabelecimento de ginásio numa ou mais unidades do complexo.
Assim sendo, inexiste sustentação legal que permita a rejeição liminar do pedido apresentado pela Autora, porquanto não é manifesto que o mesmo seja contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis, para efeitos do artigo 11.°, n.° 2, alínea b), do RJUE, na redação conferida pelo DL n.° 136/2014, de 9 de setembro”.
Daí que o Tribunal a quo bem tenha decidido pela anulação desse ato de rejeição liminar do pedido (não deixando de ser curioso notar nas alegações, que o Recorrente até deixa cair a ideia de serem necessárias as peças digitais - pág. 25, último parágrafo do recurso), porque ferido de anulabilidade, em consequência da violação do disposto no artº 11° n° 2 alínea a) do RJUE e, de uma forma mais genérica, os artºs 3° e 108° n° 1 do CPA.
Repare-se que, o acabado de expor é o núcleo do ato bem anulado pelo Julgador, por não ser "manifesto" o impedimento de utilização de unidades do complexo para aquela utilização.
Ademais, toda a argumentação que o Recorrente utiliza para tentar tornar "clara" a impossibilidade de utilização de parte das unidades para ginásio em sede liminar, choca frontalmente com a circunstância de não o ser.
Em primeiro lugar, e repetindo-se, o Recorrente remete para os alvarás emitidos na sequência dos pedidos de licenciamento das atividades pretendidas desenvolver pelos utilizadores, in casu para restauração, quando sabe que esses específicos alvarás apenas e tão só regulam a atividade e não o uso definido pelo RJUE.
Tratam-se de alvarás completamente diferentes, que em nada podem contrariar o "chapéu de chuva" daquele único e exclusivo alvará de utilização - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Esses alvarás titulam os licenciamentos específicos exigíveis para cada atividade ali desenvolvida, o que acontece no caso da restauração e bebidas, razão pela qual os utilizadores/lojistas instruíram processos e obtiveram as referidas licenças, nos termos do Decreto Regulamentar n° 25/93 de 17.08 (Regulamento do Exercício da Atividade Industrial), antecessor do DL n° 48/2011 de 01.04.
Basta analisar-se os alvarás das atividades emitidos, juntos pelo Réu/Município ao processo, estando neles expressamente mencionado que titulam licenciamentos ao abrigo daquela legislação específica.
Em segundo lugar, o Recorrente pretende fundamentar a necessidade da sua prévia aceitação a uma, por si entendida, mudança de atividade, apelando a uma cláusula do contrato de concessão, a cls. 2ª seu n° 3, mas percebe-se claramente que a mesma só quer referir-se aos tais alvarás que regulam atividades e que em nada beliscam aquele alvará de utilização emitido pelo RJUE. É assim que deve ser interpretada a menção a "(...) quaisquer outras licenças ou autorizações (...).
Por outro lado, analisando o próprio contrato, na sua cláusula 3ª n° 1, é-nos dito que: "A concessão tem por objeto a exploração turístico-hoteleira e comercial de todo o Complexo Turístico da Marina de Recreio de ..., conforme os termos do presente contrato e seus anexos.", contando na parte final, a menção em arquivo, precisamente da "b) Proposta e Projeto de Exploração apresentados pela representada da segunda outorgante ao aludido concurso.".
A cláusula 3ª n° 5 veio estipular que: "Nos espaços objecto da concessão poderão, e desde que daí não resulte modificação essencial quanto à essência do contrato, ser desenvolvidas quaisquer actividades pontuais ou complementares, relacionadas com a estratégia comercial do concessionário, bem como outras actividades de índole cultural, desportiva e social", mais se dizendo no n° 6 que: "Das actividades desenvolvidas ou implementadas no objecto da concessão referidas no número anterior, deverá o Concessionário das conhecimento à Concedente".
Ora, se o contrato alude à essência do contrato e dentro deste ao projeto ganhador, que fala em "restauração e lazer", ainda associando atividades complementares de índole desportiva, e sem que, por esse motivo obedeça a aceitação prévia do Recorrente, apenas impondo um dever de comunicação, só pode considerar-se que a atividade de ginásio sempre esteve e está nele consagrado.
De resto, a cláusula 9ª respeitante ao direito de fiscalização, atesta esse entendimento quando bem elucida que: "A Câmara Municipal exercerá o direito de fiscalização do cumprimento, por parte do adjudicatário, das condições a que se vinculou pela celebração do contrato de concessão, bem como das que foram determinantes da escolha realizada, nomeadamente as constantes do projecto de exploração.", falando em "restauração e lazer".
Em terceiro lugar, o Recorrente invoca um fundamento que não se verifica quando reafirma que um dos proponentes no concurso da concessão "[SCom05...], Lda.", foi excluído por ter uma atividade idêntica à de um ginásio (é o que diz expressamente no artº 75° da contestação, ainda que se notem subtis alterações nesse argumento ao longo dos requerimentos posteriores e agora com as alegações).
É que essa proposta não foi excluída por esse motivo. O que aconteceu foi que obteve uma pontuação insuficiente, inferior a 3, não indo à entrevista final de que a Autora foi o projeto ganhador.
Se dúvidas houvesse, basta ver a "Ata da Comissão de Análise das Propostas" - apenso do concurso da concessão - onde se evidencia que um dos concorrentes, o n° 5, de nome abreviado "Consórcio ..." passou à fase final da entrevista, incluindo um "spa", como até houve um outro concorrente, o n° 4, que tendo uma área destinada a "restauração" foi excluído da fase final. Ou seja, a atividade de "spa", "health club" ou "ginásio" nunca constituiu um motivo para desclassificar algum concorrente e nunca limitou a notação que foi dada aos concorrentes, contrariamente ao alegado.
Ainda neste domínio, também é por demais errático invocar-se que as atividades ligadas à prestação de serviços estavam fora do âmbito da concessão. Mais uma vez, é só analisar aquela ata para se apurar que nunca houve uma limitação desse teor, tanto mais que o concorrente n° 5 "Consórcio ..." passou à fase final com "serviços" de "spa".
Em quarto lugar, o contrato de concessão, na sua cláusula 3ª n° 6, apenas prevê a necessidade da Recorrida cumprir com o Recorrente o dever de informação: "Das actividades desenvolvidas ou implementadas no objecto da concessão referidas no número anterior, deverá o concessionário dar conhecimento à Concedente.", daí não decorrendo a necessidade de obter autorização do Recorrente para dar aquela utilização.
Por outro lado, o "Plano Estratégico de ..." é um documento exclusivamente político, dele não se retirando quaisquer elementos que permitam coadjuvar o entendimento do Réu, de que o "Complexo da Marina" não visava permitir atividades de prestação de serviços e, noutra vertente, atividades de lazer com ginásio.
O Recorrente convoca um outro processo judicial, com o n° 2700/17.7 BEBRG, em que a Recorrida não foi parte, invocando esta que desconhece o conteúdo, por não ter obrigação de conhecer, dado nada estar alegado e junto neste processo que o possa minimamente percecionar.
Ora, como bem sabe o Recorrente, "Quod non est in actis, non est in hoc mundo", isto é, "O que não está no processo não está no mundo".
Assim, não é admissível a sua análise no caso em apreço.
Logo, temos que os embargos nunca foram motivados pelo tipo de obras realizadas, porque, se assim fosse, a legalização pretendida pela Recorrida não encontraria os obstáculos constantes do ato anulado.
O embargo às obras constituiu um mero fundamento para evitar a instalação de um ginásio no empreendimento, face às testemunhadas "pressões existentes de terceiros", ao arrepio do que a proposta ganhadora, o contrato celebrado e o alvará de utilização emitido, permitiam.
Não foi a Recorrida quem emitiu o alvará de utilização ao abrigo do RJUE e se o mesmo é algo vago, apenas e tão só o é por responsabilidade do Recorrente que o emitiu, não se podendo escamotear a realidade de que ele só pode ser interpretado face ao objeto e utilizações consagradas na proposta ganhadora do concurso.
É o próprio contrato quem, na sua cláusula 3ª n° 1 diz que: "A concessão tem por objeto a exploração turístico-hoteleira e comercial de todo o Complexo Turístico da Marina de Recreio de ..., conforme os termos do presente contrato e seus anexos.", contando na parte final, a menção em arquivo, precisamente da "b) Proposta e Projeto de Exploração apresentados pela representada da segunda outorgante ao aludido concurso.".
A cláusula 3ª n° 5 diz ainda que: "Nos espaços objecto da concessão poderão, e desde que daí não resulte modificação essencial quanto à essência do contrato, ser desenvolvidas quaisquer actividades pontuais ou complementares, relacionadas com a estratégia comercial do concessionário, bem como outras actividades de índole cultural, desportiva e social", mais se dizendo, no n° 6, que: "Das actividades desenvolvidas ou implementadas no objecto da concessão referidas no número anterior, deverá o Concessionário das conhecimento à Concedente".
Ora, se o contrato alude à essência do contrato e dentro deste ao projeto ganhador, que fala em "restauração e lazer", ainda associando atividades complementares de índole desportiva, e sem que, por esse motivo obedeça a aceitação prévia do Recorrente, apenas impondo um dever de comunicação, só pode considerar-se que a atividade de ginásio sempre esteve e está nele consagrado.
De resto, a cláusula 9ª respeitante ao direito de fiscalização, atesta esse entendimento quando bem elucida que: “A Câmara Municipal exercerá o direito de fiscalização do cumprimento, por parte do adjudicatário, das condições a que se vinculou pela celebração do contrato de concessão, bem como das que foram determinantes da escolha realizada, nomeadamente as constantes do projecto de exploração.”, referindo “restauração e lazer”.
Interpretá-lo em desfavor destes pressupostos prévios, é o mesmo que admitir que o alvará de utilização constitui um autêntico “cheque em branco” onde tudo deve passar pela aceitação prévia do Recorrente, que parece confundir “discricionariedade” com “arbitrariedade”, o que choca com o princípio da legalidade e os princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da colaboração com os particulares.
Em suma,
Como referido na sentença:

Adentremos, agora, na análise ao despacho que indeferiu liminarmente o pedido de licenciamento das obras de alteração embargadas.
Do vício de violação de lei
Invocou a Autora que o despacho proferido pelo Sr. Vereador da Área de Gestão Urbanística do Réu, datado de 22.01.2018, que indeferiu liminarmente o pedido de licenciamento das obras de alteração embargadas, viola disposto no artigo 11.°, n.° 2, alínea a), do RJUE, que obrigava o Município a proferir despacho de aperfeiçoamento, referindo, ainda, que é ilegal o argumento de que a utilização pretendida (ginásio) não cabe no objeto da concessão.
O Réu contestou, sustentando que, nos termos do artigo 11.°, n.° 2, alínea b), do RJUE, deve ser proferido despacho de rejeição liminar, oficiosamente ou por indicação do gestor do procedimento, quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais aplicáveis. Considerou, nessa senda, que não é possível autorizar-se a instalação de um estabelecimento de ginásio no Complexo da Marina, pois tal violaria o contrato de concessão da exploração celebrado entre as partes, o procedimento pré-contratual e, finalmente, o alvará geral de utilização do edifício.
Apreciando.
O requerimento apresentado no dia 22.12.2017, e registado sob o n.° ...49/17, onde seguia o pedido de licenciamento das obras de alteração embargadas, foi rejeitado liminarmente, por despacho do Vereador da Área do Planeamento e Gestão Urbanística, datado de 22.01.2018, por duas razões: a deficiente instrução do pedido relativamente à falta de ficheiros em formato digital e por se considerar que a atividade (ginásio) não tem enquadramento no objeto da concessão de exploração do complexo turístico da marina (pontos 23. e 24. dos factos provados).
Estabelece o artigo 11.°, n.° 2, alíneas a) e b), do RJUE, na redação conferida pelo DL 136/2014, de 09 de setembro, o seguinte:
«No prazo de oito dias a contar da apresentação do requerimento, o presidente da câmara municipal profere despacho:
a) De aperfeiçoamento do pedido, sempre que o requerimento não contenha a identificação do requerente, do pedido ou da localização da operação urbanística a realizar, bem como no caso de faltar documento instrutório exigível que seja indispensável ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser oficiosamente suprida;
b) De rejeição liminar, oficiosamente ou por indicação do gestor do procedimento, quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis;»
A alínea a) do artigo supratranscrito é um afloramento do princípio da colaboração da administração com os particulares, impondo a obrigação de convidar o requerente a aperfeiçoar o pedido quando estejam em falta elementos necessários à sua instrução.
A alínea b) tem em vista o não desenvolvimento de diligências administrativas inúteis, permitindo a rejeição liminar quando seja claro e evidente que o pedido seja contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis.
Posto isto.
Relativamente ao argumento da deficiente instrução, é de concluir que se impunha convidar o requerente a anexar os ficheiros em formato digital que estavam em falta para a adequada instrução do pedido.
Tal conclusão decorre expressamente do artigo 11.°, n.° 2, alínea a), do RJUE, que determina que deve ser emitido despacho de aperfeiçoamento quando esteja em falta algum documento instrutório exigível que seja indispensável ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser oficiosamente suprida pela administração.
Concentremo-nos, agora, no segundo argumento, isto é, de que a atividade (ginásio) não tem enquadramento no objeto do contrato de concessão de exploração celebrado entre a Autora e o Réu.
A concessão do «Complexo Turístico da Marina» foi autorizada pela Assembleia Municipal do Réu, por deliberação datada de 20.09.2002, sendo que o Regulamento do Concurso foi aprovado pela Câmara Municipal, por deliberação datada de 08.01.2003 (pontos 2. e 3. dos factos provados). Ao concurso apresentaram-se cinco concorrentes (ponto 5. dos factos provados), o qual foi adjudicado à sociedade [SCom03...], SA, que veio a ceder a posição contratual a favor da sociedade [SCom01...], Lda. (pontos 5., 8., 9. e 10. dos factos provados).
Compulsado o referido Regulamento (ponto 3. dos factos provados), constata-se que o concurso tinha em vista a concessão, pelo prazo de 30 anos, do Complexo Turístico da Marina (artigo 1.° do Regulamento) e que as propostas deveriam visar a exploração de todo o complexo (cfr. artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento).
A avaliação das propostas gizava-se em torno de quatro fatores, com a seguinte ponderação: projeto de exploração (50%), curriculum do concorrente (30%), valor das benfeitorias propostas (15%) e preço oferecido pela concessão (5%) (cfr. artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento do Concurso).
O fator preponderante era, portanto, o projeto de execução, determinando o Regulamento que: «Na análise do projecto de exploração será ponderado o interesse relativo das actividades a instalar, avaliado segundo a sua conformidade e adequação à estratégia de desenvolvimento da cidade de ..., definida no respetivo Plano Estratégico». (artigo 9.° n.° 2 do Regulamento do Concurso).
Das cinco propostas apresentadas, passaram três à fase de negociação e foram excluídas duas, porque não obtiveram uma notação superior a três pontos no conjunto dos quatro parâmetros, conforme decorria do artigo 9.° n.° 4 do Regulamento (pontos 3. e 7. dos factos provados).
As atividades propostas não eram, em si mesmas, fator de exclusão, conforme resulta, desde logo, do Regulamento do Concurso (ponto 3. os factos provados), o que foi corroborado pela prova testemunhal produzida.
No entanto, na ponderação das mesmas, atendia-se ao enquadramento das atividades a desenvolver no Complexo Turístico da Marina, tendo por referência a adequação ao Plano Estratégico da Cidade ... (artigo 9.° n.° 2 do Regulamento do Concurso), razão pela qual alguns concorrentes não passaram à segunda fase do concurso, uma vez que não atingiram a pontuação mínima exigida.
Compulsado o referido Plano Estratégico da Cidade (ponto 1. dos factos provados), constata-se que os problemas evidenciados naquela zona da cidade eram os seguintes: a desconciliação da cidade com o rio, a perda de simbolismo do jardim, a eliminação do passeio público, o facto de ser um espaço de vivência limitada, de ter uma área de estacionamento demasiado extensa e de estarem subutilizadas as infraestruturas, sem promotores com capacidade para animar e vitalizar o espaço.
Todavia, confrontando o Plano Estratégico da Cidade com o Regulamento do Concurso, extrai-se que foram identificados os problemas, mas não as concretas atividades que ali se deveriam desenvolver para os resolver, concluindo-se que o que se pretendia era que fossem os concorrentes a apresentar soluções e modelos de exploração, os quais, em fase de apreciação de propostas, seriam valorados face à adequação ao referido Plano Estratégico da Cidade ....
Posto isto, atentemos, agora, ao teor da proposta vencedora.
No item modelo de negócio afirma-se que: «A proposta da [SCom03...] S.A., assenta na recuperação, valorização e adequação do Complexo Turístico da Marina com vista à instalação de duas unidades de grande dimensão e quatro de média dimensão na área da Restauração e do Lazer, num total de aproximadamente 1600m2 ABL. Os negócios a instalar terão características de destino, quer pela sua dimensão, quer pela novidade que representam para o mercado de ...» (ponto 6. dos factos provados).
A proposta de exploração da concessão através da instalação de unidades da área da restauração não apresenta desafios, sendo de concluir que se refere a atividades comerciais de preparação e fornecimento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares.
Já no que diz respeito à área do lazer, a sua delimitação é mais difícil, dado que é um conceito mais abrangente, frequentemente associado ao entretenimento, ao repouso e à distração, isto é, em suma, ao conjunto de atividades lúdicas a que as pessoas se dedicam, por prazer, nos seus tempos de descanso.
Atendendo ao teor da proposta, não é de afastar, de forma concludente, que um ginásio não caiba nesta noção ampla de área de lazer, porquanto as atividades oferecidas num estabelecimento desta natureza, são usufruídas, frequentemente, em contexto de lazer desportivo, para práticas de bem-estar, de recreação e de entretenimento.
Assim sendo, com base num juízo liminar, entende o tribunal, que não é suficiente para atestar que um estabelecimento de atividades desportivas com as características de um ginásio, não encontra acolhimento na noção de unidade da área de lazer que o concorrente ofereceu na proposta, sem olvidar, é certo, que os negócios a instalar no Complexo Turístico devem ter traços particulares, pois também se refere na proposta adjudicada que «...terão características de destino, quer pela sua dimensão, quer pela novidade que representam para o mercado de ...».
Atentemos, agora, ao contrato de concessão (ponto 11. dos factos provados).
Estabelece-se na cláusula 3.ª, n.º 1, que: «A concessão tem por objeto a exploração turístico-hoteleira e comercial de todo o Complexo Turístico da Marina de Recreio de ..., conforme os termos do ressente contrato e seus anexos».
A terminologia usada na definição do objeto do contrato de concessão - «exploração turístico-hoteleira e comercial» -, não quadra exatamente com o objeto de negócio proposto pelo concessionário - «duas unidades de grande dimensão e quatro de média dimensão na área da Restauração e do Lazer».
Todavia, tem de concluir-se que na definição do objeto da concessão - exploração turístico-hoteleira e comercial -, se entendeu que cabiam as áreas da restauração e lazer, pois foi precisamente isso que propôs o concorrente a quem foi adjudicada a concessão da exploração do complexo turístico da marina.
Deve dizer-se que tal conclusão não subverte as regras do concurso que atribuiu a concessão. De facto, tendo-se concluído que o regulamento do concurso não definiu quais as atividades excluídas do âmbito da concessão e, bem assim, tendo em consideração que foi adjudicada uma proposta cujo modelo de negócio se gizava em torno da instalação de duas unidades de grande dimensão e quatro de média dimensão na área da restauração e do lazer, deve o núcleo dessa proposta ser preservado, sem que daí decorra qualquer melindre concorrencial.
De igual modo, não estorva a conclusão a que chegamos o Alvará de Utilização n.° ...6, emitido pela Ré em 31.07.2006 (ponto 12. dos factos provados), uma vez que se trata de um alvará generalista, que define o destino comum na infraestrutura, mas do qual não resulta um impedimento à atividade que a Autora pretende instalar.
Consequentemente, conclui-se, no que concretamente diz respeito ao objeto do contrato de concessão, que não é evidente, através de uma apreciação liminar, concluir que existe um impedimento à instalação de um estabelecimento de ginásio numa ou mais unidades do complexo.
Assim sendo, inexiste sustentação legal que permita a rejeição liminar do pedido apresentado pela Autora, porquanto não é manifesto que o mesmo seja contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis, para efeitos do artigo 11.°, n.° 2, alínea b), do RJUE, na redação conferida pelo DL n.° 136/2014, de 9 de setembro.
Por conseguinte, deverá ser anulado o ato administrativo proferido pelo Sr. Vereador da Área de Gestão Urbanística do Réu, datado de 22.01.2018, que indeferiu liminarmente o pedido de licenciamento das obras de alteração embargadas apresentado pela Autora, por violação do disposto no artigo 11.°, n.° 2, alíneas a) e b), do RJUE, na redação conferida pelo DL n.° 136/2014, de 9 de setembro, tendo consequentemente, que ser reapreciado.
Tal equivale a dizer, como bem concluído, que a sentença recorrida, não só enquadra devidamente a questão, como dá a solução correcta ao caso, atentos os factos e atinentes contexto jurídico e pré-contratual e contratual.
Atente-se que a decisão do Réu/Município é liminar e a sentença conclui, e bem, que, no que concretamente diz respeito ao objeto do contrato de concessão, que não é evidente, através de uma apreciação liminar, concluir que existe um impedimento à instalação de um estabelecimento de ginásio numa ou mais unidades do complexo.
E apreciação liminar foi o que o Município fez, sem cuidar de arregimentar/alinhar os fundamentos sólidos para tanto.
Improcedem, pois, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 16/6/2023
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Isabel Jovita