Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02622/12.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:URBANISMO – DEFERIMENTO TÁCITO – LEGALIZAÇÃO – CESSAÇÃO DE UTILIZAÇÃO - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – Nos termos do disposto no artigo 109º nº 1 do RJUE (aprovado pelo DL. 555/99, de 16 de dezembro), a cessação da utilização de edifícios (ou de suas frações autónomas) deve ser ordenada quando os mesmos “…sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará”; devendo ser fixado prazo para o efeito, isto é, para os destinatários da ordem de cessação de utilização se omitirem de continuar a usar o imóvel carente de autorização de utilização (a que alude o artigo 62º do RJUE) ou, no caso de estar a ser afeto a fim diverso no respetivo alvará, deixarem de dar esse uso não consentido ao imóvel.

II – A análise dos artigos 111º e 112º do RJUE (aprovado pelo DL. nº 555/99) permite concluir que com a entrada em vigor deste regime jurídico deixou de poder considerar-se a formação de ato tácito de deferimento por mero efeito do silêncio da administração sobre pretensões referentes a atos administrativos típicos do procedimento tendente à obtenção de licença administrativa.

III – Para os pedidos submetidos nos termos daquele regime a procedimentos de licenciamento, ou seja, as operações urbanísticas sujeitas a licença administrativa nos termos daquele regime (cfr. artigos 4º e 111º alínea a) do RJUE) não se forma ato tácito de deferimento, mas de indeferimento, na exata medida em que tal apenas facultava ao interessado, nos termos do nº 1 do artigo 112º do RJUE, poder lançar mão de pedido de intimação da entidade administrativa, por via judicial, a praticar o pretendido ato de licenciamento.

IV - Movendo-se a atividade da Administração dentro dos estritos limites da vinculação legal, sem possibilidade de escolha entre vários comportamentos ou soluções decisórias, não será em função dos mesmos princípios, mas do respeito pelos pressupostos legais, que o ato administrativo se conformará com a legalidade. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T., LDA.
Recorrido 1:MUNICÍPIO (...) e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

T., LDA. (devidamente identificada nos autos), autora na ação administrativa especial que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o MUNICÍPIO (...), sendo contra-interessados I. e F. (todos devidamente identificados nos autos) – na qual impugnou o despacho de 14/09/2012 que ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva de utilização e selagem do imóvel sito na Rua (...), no (…), peticionando a declaração da sua nulidade ou a sua anulação – inconformada com o acórdão de 29/05/2015 (fls. 284 SITAF) pelo qual o coletivo de juízes do Tribunal a quo julgou a ação improcedente absolvendo o réu do pedido, dele interpôs o presente recurso de apelação (fls. 325 SITAF), pugnando pela sua revogação, com procedência da ação e do pedido, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1. Impugna-se a douta sentença recorrida por ter errado na determinação de norma aplicável na questão principal e por ter interpretado e aplicado erradamente normas na questão subsidiária.
2. A questão principal prende-se com a existência de diferimento tácito quanto ao pedido de legalização das obras construídas sem prévio licenciamento, e da validação de um ato nulo.
3. A questão subsidiária compreende-se na validação de um ato anulável, uma vez que o douto despacho de posse administrativa com vista à cessação da utilização dessas obras clandestinas ofendeu o princípio constitucional da proporcionalidade.
4. Como se defendeu na douta sentença recorrida, ao deferimento tácito quanto a obras realizadas sem licenciamento, não se aplicam as normas constantes do RJEU, pelo que fica excluída a aplicação dos artºs 111º e 112º desse texto legal.
5. O regime jurídico relativo a essas obras clandestinas estava consagrado nos artºs 165º a 168º do RGEU até à revogação operada pelo DL 177/2001, de 4 de julho.
6. Atualmente, aplica-se às obras clandestinas o DL 804/76, de 6 de novembro.
7. No regime do DL 804/76 não existe qualquer disposição que limite a aplicação do artº 108º do CPA em vigor à época.
8. Face aos factos dados como provados, a recorrente apresentou um pedido de legalização das aludidas obras “clandestinas” em 21 de março de 2012, não tendo o recorrido proferido qualquer despacho sobre a matéria.
9. O recorrido apenas em 12 de setembro de 2012 proferiu despacho de onde se extrai que não considera essas obras legalizadas uma vez que nessa data ordenou a posse administrativa e a cessação coerciva de utilização e a selagem dessas obras.
10. Assim sendo, o recorrido não se pronunciou sobre o pedido de licenciamento de obras durante um período superior a 90 dias, a contar da data em que ele foi formulado.
11. Esta omissão determinou que o pedido de legalização das obras se tenha por deferido tacitamente.
12. Ao não validar este deferimento tácito na douta sentença recorrida aplicaram-se erradamente os artºs 161º a 168º do RGEU, e não se aplicou, embora se devesse ter aplicado, o DL 804/76, de 6 de novembro e o artigo 108º do CPA.
13. Face àquele deferimento tácito, o despacho recorrido que ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva de utilização e selagem do imóvel dos autos é nulo, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artº 133º do CPA, em vigor à época.
14. Ao não julgar nulo esse despacho conforme se peticiona na ação administrativa dos autos, na douta sentença recorrida violou-se essa disposição do CPA, concretamente a da alínea d) do n.º 2 do artº 133º.
15. Para além dessa nulidade, e subsidiariamente, o despacho ora recorrido de posse administrativa em vista à cessação da utilização e à selagem das obras realizadas pela recorrente sem licenciamento prévio, ofende o princípio da proporcionalidade.
16. Extrai-se dos factos dados como provados que as obras não licenciadas foram embargadas pelo recorrido em 1992, mas só em 27 de dezembro de 2011 este entendeu que deveria cessar a utilização dos locais existentes nessas construções clandestinas e que o recorrido não deu resposta ao pedido de legalização das obras feitas pela recorrente em 21 de março de 2012, tendo ordenado a posse administrativa com vista à cessação daquela utilização em 12 de setembro de 2012.
17. Desses factos, essencialmente os de ter determinado a posse administrativa e acabar com a utilização das construções, depois da recorrente se ter prontificado a legalizar as obras e, principalmente, depois de ter permitido essa utilização no decurso de pelo menos 9 anos (1992 até 2011) o despacho da posse administrativa para cessação da aludida atividade é tudo menos proporcional.
18. Daí que ofenda o disposto nos artºs 18º-2 e 266º-2 da Constituição da República Portuguesa e no artº 5º do CPA, uma vez que não esperando pela decisão sobre a legalização das obras pedidas pela recorrente, depois de 9 anos de inércia, se está a infligir um sacrifício à recorrente que o interessa público não justifica.
19. Com efeito, se não justificou durante 9 anos (1992 até 2011) sem qualquer pedido de legalização, muito menos o justificará em 2012, após a recorrente se ter disponibilizado a proceder à legalização dessas obras.
20. Daí que, nesta questão subsidiária, a sentença recorrida tenha validado erradamente um ato anulável, violando o artº 135º do CPA em vigor à época.

O réu MUNICÍPIO (...) contra-alegou (fls. 356 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
A. O douto Acórdão proferido pelo tribunal a quo é justo, bem fundamentado e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas em vigor aos factos dados como provados, pelo que não merece qualquer reparo.
B. Para fundamentar o presente recurso, propugna a Recorrente que a decisão judicial proferida pelo tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei. Sem razão!
C. Com a presente acção administrativa especial pretende a ora Recorrente a declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo datado de 14 de Setembro de 2012, praticado pelo Senhor Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, que ordena a posse administrativa com vista à cessação de utilização e selagem do imóvel sito na Rua (...), nesta cidade (…).
D. Contudo, a Recorrente não só não afasta a falta de alvará de utilização adequado à actividade que exerce no local e a existência de obras ilegais, como as confirma.
E. E tal foi igualmente asseverado pelos próprios serviços municipais em 26 de Julho de 2012, numa inspecção ao local – cfr. fls. 38 do PA.
F. O imóvel em causa é utilizado pela Recorrente como escritório e estaleiro com oficina de manutenção do seu equipamento, estando contudo munido de uma alvará de utilização para habitação.
G. A Recorrente apresentou em 21/03/2012 um pedido de legalização das obras, no qual inclui a alteração de utilização (Requerimento nº 21740/12/CMP).
H. Note-se que este pedido não tem efeitos suspensivos nem legitima a utilização do imóvel para fins diferentes daquele a que está destinado.
I. É apodíctico que, como bem refere a informação que sustenta o despacho que ordenou a posse administrativa – cfr. verso de fls. 38 do PA – “a laboração de qualquer estabelecimento, para um fim diferente do licenciado, apenas pode ocorrer após a emissão da alteração de alvará de utilização, para o fim agora previsto”.
J. E o recurso a que ora se responde incide basicamente sobre o alegado deferimento tácito deste pedido de legalização de obras ilegais e de alteração de utilização do imóvel.
K. E a decisão judicial da 1ª instância, à qual se adere sem reservas, responde a esta questão de forma clara e devidamente fundamentada.
L. Com efeito, a ora Recorrente, “invocando um seu pedido de legalização de obras ilegais e de alteração de utilização do imóvel para serviços e o decurso do prazo legal sem que houvesse decisão sobre o mesmo, considera que ocorreu deferimento tácito nos termos do disposto no nº 2 do artigo 108º do C.P.A. Ora, decorre do supra expendido que, aos pedidos de legalização de obra realizada sem licença não é disciplinado pelas normas do actual RJUE, porquanto se trata de pedido que tem de ser enquadrado e disciplinado pelas pertinentes normas do RGEU”.
M. E prossegue o Acórdão recorrido: “Efectivamente, a legalização de obras construídas sem licença é uma realidade diversa do licenciamento prévio de obras a edificar e que, por via dessa diferente natureza, a situação não é enquadrável no regime especial de deferimento tácito consagrado nos RJUE, sendo aplicável a disciplina legal dos arts. 165 a 268 do RGEU e do art. 109 do CPA (…)”.
N. Para se concluir: “Quer isto significar que, contrariamente ao sustentado pela Autora, não se formou acto de deferimento tácito do visado pedido de legalização de obras porquanto tratando-se de obras clandestinas e, portanto, já executadas sem a devida licença, presume-se o indeferimento tácito (artigo 109º do CPA)”.
O. Ora, cai assim por terra o principal fundamento do recurso da Recorrente.
P. Pelo exposto, verifica-se que a decisão judicial do tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
*
Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer (fls. 1522 SITAF) no sentido de o recurso não dever merecer provimento, com os seguintes fundamentos, que se passam a transcrever:

«T., Lda, vem interpor recurso da sentença que julgou improcedente a acção intentada contra o MUNICÍPIO (...).
Com a presente acção administrativa especial pretende a ora Recorrente a declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo datado de 14 de Setembro de 2012, praticado pelo Senhor Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, que ordena a posse administrativa com vista à cessação de utilização e selagem do imóvel sito na Rua (...), nesta cidade (...).
Sustenta a Recorrente que sentença recorrida errou na determinação de norma aplicável na questão principal e interpretou e aplicou erradamente normas na questão subsidiária.
A questão principal prende-se com a existência ou não de diferimento tácito quanto ao pedido de legalização das obras construídas sem prévio licenciamento, e da violação do princípio da proporcionalidade.

I- Do Diferimento tácito
Invoca a Recorrente o diferimento tácito da sua pretensão, por falta de resposta, tendo em vista o procedimento tendente à obtenção do licenciamento requerido.
Como bem refere a sentença recorrida, "o interessado, uma vez confrontado com o facto da Administração não haver praticado os actos indispensáveis à propulsão do procedimento de licenciamento, não pode supor tacitamente deferida a pretensão a que o acto omitido se referiria, visto tal só ocorrer nos demais procedimentos, pelo que o interessado para fazer face à inércia da Administração terá de lançar mão do meio contencioso regulado no art. 112° do RJUE, ou seja, a intimação judicial da autoridade competente para que pratique o acto em falta".
Não tem razão a Recorrente ao invocar o deferimento tácito da sua pretensão.
O artigo 108.° do CPA anterior, sob a epígrafe "Deferimento tácito", estabelecia que:
«1. Quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei.
(…)
3- Para os efeitos do disposto neste artigo, consideram-se dependentes de aprovação ou autorização de órgão administrativo, para além daqueles relativamente aos quais leis especiais prevejam o deferimento tácito, os casos de:
(…)».

Da análise destas normas conclui-se que o legislador consagrou a regra do deferimento tácito apenas para os casos subsumíveis no n.° 1 do art.° 108.°, comportando o seu n.° 3 uma enumeração exemplificativa de situações, cujo silêncio da Administração gera acto tácito de deferimento.
Como referem Mário Esteves de Oliveira e outros, no Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, 2005, pág. 483 as aprovações e autorizações a que se reporta o -preceito do n.°1 do artigo 108.° respeitam a «todos os actos de descondicionamento administrativo do exercício de poderes públicos ou de direitos particulares pré-existentes, que, por lei, só possam ser exercidos (em pleno) depois de verificada previamente a sua compatibilidade com os interesses públicos cuja prossecução está a cargo do órgão descondicionador - e isto independentemente do conceito sob que aparecem na lei».
Por outro lado, quanto ao indeferimento tácito estatui o art.° 109.°, n.°1 do CPA, que «Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre a pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação».
Conforme se escreve na obra citada, pág. 490, «enquanto o deferimento tácito é a figura regra em matéria de silêncio administrativo nos procedimentos públicos tendentes à aprovação ou autorização da prática de um acto administrativo e nos procedimentos particulares que têm como objecto o descondicionamento administrativo do exercício de um direito pré-existente - o indeferimento tácito é a regra geral em todos os outros casos de pretensões dirigidas aos órgãos administrativos para a prática de um qualquer acto da sua competência».
Esta disciplina manteve-se no art° 130° do actual CPA, desaparecendo a cláusula geral do art° 108°, pelo que o deferimento tácito se aplica apenas às situações expressa e especificamente prevista na lei ou regulamento.
Daqui resulta que o silêncio da Administração a propósito do processo de licenciamento não conduz ao deferimento tácito do mesmo ou ao seu indeferimento tácito, porquanto apenas permite que o requerente ou interessado no licenciamento possa instaurar em Tribunal meio contencioso de intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto devido, como o do caso presente.
Descendo aos autos, constata-se que contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não se formou acto de deferimento tácito do visado pedido de legalização de obras, porquanto, tratando-se de obras clandestinas e, portanto, já executadas sem a devida licença, o silêncio da Administração é interpretado aqui nos termos gerais, ou seja, presume-se o indeferimento tácito do pedido [artigo 109° do CPA].
Em face do exposto, forçoso é concluir não assistir razão à Recorrente quanto à existência do invocado deferimento tácito, não consubstanciando a prática do acto impugnado qualquer acto de revogação de um anterior acto de deferimento tácito, improcedendo, consequentemente, o apontado vício de violação de lei.

II- Da violação do principio da proporcionalidade
Invoca também a Recorrente que o despacho impugnado viola o princípio da proporcionalidade.
Como bem refere a sentença, "a cessação de utilização de edifícios ou fracções tem de ser considerada como um último recurso para a reposição da legalidade, só devendo ser ordenadas quando não subsistam dúvidas razoáveis sobre a possibilidade de legalização, pois está-se perante um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade [art. 18.° n.°2, da C.R.P.], princípio este reafirmado, a nível da actividade administrativa, nos arts. 266.°, n.°2, da C.R.P. e 5.° do CP.A. (actualmente 7°), que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar".
É certo que encontrava-se em curso um procedimento de legalização de obras realizadas pela Recorrente sem licença administrativa. No entanto, este facto não justifica a alteração da medida cautelar visada nos autos, por não afastar o carácter ilícito da actuação da Recorrente.
No caso presente, a actividade da Administração move-se dentro dos estreitos limites da vinculação legal, sem possibilidade de escolha entre vários comportamentos ou soluções decisórias, pelo que o acto administrativo terá de se conformar com os pressupostos da legalidade.
No caso em apreço não existe lugar a alguma discricionariedade. Com efeito, constatamos que a ordem de cessação da utilização assentou no pressuposto fáctico que o prédio da Autora encontrava-se a ser utilizado para fim não autorizado pelo alvará de licença de utilização emitido para o local em questão, tendo-se fundado na aplicação do 109° do Decreto-Lei n°. 555/99, de 3.12, que prevê a"(...) cessação de utilização de edifícios quando esteja afecto a fim diferente do previsto no respectivo alvará”.
Deste modo, o acto impugnado, ao ordenar a cessação da utilização da fracção em causa, limitou-se a exercer os poderes vinculados resultantes daquele artigo 109°, pelo que não houve violação do invocado princípio da proporcionalidade.
Pelo exposto bem andou o tribunal recorrido, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso.»

Sendo que dele notificadas as partes, apenas se apresentou a responder o recorrido MUNICÍPIO (...) (fls. 1534 SITAF), renovando a sua posição de improcedência do recurso.
*
Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as respetivas conclusões de recurso, as questões essenciais trazidas em recurso são as seguintes:
- saber se ao contrário do decidido o Tribunal a quo deveria ter considerado ter-se formado ato tácito de deferimento do pedido de legalização das obras – (vide conclusões 2ª a 14ª das alegações de recurso);
- saber se, pelo menos, e subsidiariamente, o Tribunal a quo deveria ter julgado verificada a violação o princípio da proporcionalidade– (conclusões 15ª a 20ª das alegações de recurso).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis no acórdão recorrido:
i) Em 14.06.1999 deu entrada na Câmara Municipal (...) uma queixa apresentada pelo contra interessado F., conforme emerge da análise de fls. 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
ii) Em 29.09.2011, foi emitida, pela Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares, a informação n.º I/148498111/CMP, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
"Assunto: Proposta de promoção de audiência prévia
(...)
2. Descrição da Situação actual
2.1. Inspecção ao Local
Tendo sido promovida uma inspecção ao local, a qual ocorreu em 2012109128, foi possível
verificar o seguinte:
• No local funcionam os estaleiros gerais da empresa T., Lda., encontrando-se emitida para o local a licença de utilização n. º 306155 para habitação.
•As obras alvo do embargo efectuado em 27-10-1992, continuam construídas, sem que tenham,
entretanto, sido licenciadas. Foram acrescentados alguns anexos, ao fundo e do lado direito do logradouro que não se encontram licenciados. A sua construção terá, ao que tudo indica mais de cinco anos.
(…)
4. Proposta de Despacho
Face ao exposto, proponho que a Directora do Departamento Municipal Fiscalização determine a:
• Notificação da intenção de ordenar a demolição total da obra, nos termos do disposto no n. º 1 do artigo 106. do RJUE, devendo o interessado, no prazo de 15 dias úteis, pronunciar-se acerca do conteúdo do projecto de decisão, e podendo, nesse prazo, apresentar projecto de legalização das obras, se legalizáveis, ao abrigo do disposto, respectivamente, no n. º 3 e no n. º 2 do citado normativo.
• Notificação da intenção de determinar a cessação de utilização do edifício, nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 109. º do RJUE, devendo o interessado, no prazo de 15 dias úteis, pronunciar-se acerca do conteúdo do projecto de decisão nos termos dos artigos 100. º e 101. º do CPA, podendo, nesse prazo, apresentar pedido de legalização da utilização, se legalizável (…) ", conforme emerge da análise de fls. 14/15 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

iii) A informação a que se alude em ii) mereceu despacho de concordância da Senhora Directora do Departamento Municipal de Fiscalização, datado de 13/10/2011, conforme emerge da análise de fls. 16 do PA apensa aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
iv) A Autora foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de decisão a que se alude em iii), via correio electrónico, em 18.10.2011, conforme emerge da análise de cfr. fls. 18 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
v) Em 09.11.2011, foi lavrada a informação n.º I/171138/11/CMP com o seguinte teor:
"Assunto: Atendimento na GM Requerentes:
M. e R., na qualidade de proprietários
Acta /Resumo da reunião:
Os requerentes vieram inteirar-se do processo, manifestando interesse em proceder à legalização das obras efectuadas", conforme emerge da análise de fls. 19 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

vi) Em 18.11.2011, o contra-interessado F. apresentou junto da Câmara Municipal (...) uma exposição/queixa que consta de fls. 25 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
vii) Em 05.12.2011, foi lavrada pela Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares a informação n.º I/185636/11/CMP, da qual se destaca o seguinte:
"Assunto: Proposta de determinação de medida de tutela da legalidade urbanística a executar
(...)
2. Descrição da Situação actual
2.1. Descrição da situação actual da utilização.
2.2. O 18.10.2011 o proprietário T., Lda." foi notificado em sede de audiência prévia da intenção de o Município ordenar a cessação de utilização do edifício sem que, todavia, tenha vindo, até à presente data apresentar qualquer argumento que afaste o sentido da decisão.
2. 3. Encontram-se, deste modo, verificados todos os pressupostos para que seja ordenada a cessação da utilização.
(…)
4. Proposta de Despacho
Face ao exposto, proponho:
• Que o Senhor Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização ordene a cessação de utilização do edifício objecto do presente processo, concedendo-se um prazo de 120 dias para o efeito, nos termos e com os fundamentos constantes do n. º 1 do art. 109º do R.J UE. (…) ", conforme emerge da análise de fls. 26 do PA apensa aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

viii) Sobre a Informação referida em vii) recaiu despacho do Senhor Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, datado de 15.12.2011, cujo teor ora se transcreve: "Ordeno a cessação da utilização nos termos da informação que antecede", conforme emerge da análise de fls. 27 do PA apensa aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ix) A Autora foi notificada da informação e do despacho referidos em vi) e vii) através do ofício n.º I/198023/11/CMP, expedido em 28.12.2011, conforme emerge da análise de fls. 29/31 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
x) Em 29.06.2012, a contra-interessada I. apresentou junto da Câmara Municipal (...) a exposição constante de fls. 32/33 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
xi) A Autora apresentou, em 21.03.2012, um pedido de legalização das obras e da utilização aqui em apreço sob o nº. 32740/12/CMP, facto que resulta admitido em face do posicionamento das partes exarado nos respectivos articulados.
xii) Em 10.07.2012 foi emitida a Informação n.º I/122418/12/CMP, da qual se extrai o seguinte:
"Assunto: Proposta de suspensão de procedimento com fundamento na entrada de pedido de legalização
(…)
2. Descrição da Situação actual
Consultados os elementos existentes na Direcção Municipal de Urbanismo constata-se que o proprietário do edifício objecto do presente processo apresentou em 21.03.2012 um pedido de legalização das obras e da utilização aqui em apreço, registado sob o n. º 32740112/CMP.
Por consulta a este pedido de licenciamento, constata-se que através deste o requerente não apresenta apenas as obras ilegais, mas sim alterações que se traduzem na correcção/demolição parcial da obra ilegal.
O referido processo encontra-se ainda em curso e, por consulta ao mesmo, verifica que este se encontra na seguinte fase: análise documental.
A decisão que recair sobre tal processo configura-se como uma questão prévia relativamente ao processo de fiscalização aqui em apreço.
Em face ao atrás exposto e atento ao disposto no ponto 2 do artigo B - 1129. º do código Regulamentar do MUNICÍPIO (...) encontram-se, deste modo, verificados todos os pressupostos para que seja determinada a suspensão do presente procedimento até que seja emitida a decisão final sobre o referido processo de licenciamento.
(...)
3. Proposta de Despacho
Em face do exposto, proponho:
• Que a Directora de Departamento Municipal de Fiscalização determine a suspensão do presente procedimento, até que seja emitida decisão final sobre o processo de licenciamento n. º 32740112/CMP, ao abrigo do disposto no nº. 7 do artigo 11. º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (R.J.U.E.), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 555199, de 16 de Dezembro, na sua actual redacção (...) ", conforme emerge da análise de fls. 34 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

xiii) Em 01.08.2012 foi lavrada a informação n.º I/136423/12/CMP com o seguinte teor:
"Assunto: Reunião de 31-07-2012
Requerentes:
Arq. º M., na qualidade de técnico responsável pela organização do processo de
legalização.
Acta/Resumo da reunião:
- A reunião teve como finalidade prestar alguns esclarecimentos sobre os ilícitos enumerados no
processo e verificados no local.
- Informou ainda que deu entrada do processo de legalização, visando tanto as obras ilegais como a legalização da actividade em curso.
- Prestou-se então esclarecimentos relativamente à alteração de utilização e quais os trâmites seguintes do processo nestes casos", conforme emerge da análise de fls. 37 do P.A. apensa aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xiv) Com a mesma data foi lavrada a Informação n.º I/136426/12/CMP, donde se extrai o seguinte:
"Assunto: Proposta de Posse Administrativa e Execução Coerciva
(...)
2. Descrição da Situação actual
2.1. Analisado o processo conclui-se que, da inspecção realizada em 28-09-2011, foram verificados dois ilícitos urbanísticos distintos, a saber:
a) Existência de obras ilegais - obra sujeitas a prévio controlo municipal mas realizadas sem o mesmo.
b) Alteração de utilização - de habitação para serviços.
Em 26-07-2012, realizou-se nova inspecção ao local verificando-se que a situação não tinha sofrido alterações - Escritório e estaleiro com oficina de manutenção do equipamento da firma.
(...)
Verificou-se ainda a existência de um posto de abastecimento de combustível, que segundo a proprietária, que nos acompanhou na inspecção, disse ser para uso dos veículos da empresa. Sobre esta questão propor-se mais adiante dar conhecimento da mesma ao Eng.º R., para os fins entendidos por convenientes.
Consultados os elementos existentes na Direcção Municipal de Urbanismo, constata-se que o proprietário do edifício apresentou em 21-03-2012 um pedido de legalização das obras, onde inclui a alteração da utilização em apreço, registado com o n. º 32740112/CMP.
Posto isto e não obstante se admitir que a requerente já diligenciou no sentido de legalizar as obras em causa, assunto que será motivo de análise posterior, certo é que tal, não tem efeitos suspensivos nem tão pouco legitima a utilização do estabelecimento.
A laboração de qualquer estabelecimento para um fim diferente do licenciado, apenas pode ocorrer após a emissão da alteração do alvará de utilização, para o fim agora previsto.
2.2. A 27.12.2011 o proprietário foi notificado do despacho emitido a 15.12.2011 pelo Senhor Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, no exercício de competências que lhe foram delegadas pelo Despacho refe. 11167510111/CMP, averbado no B.M n. º 3943 de 15.11, no qual ordenou a cessação de utilização do local em causa no presente processo.
2.3. O proprietário, até à presente data, não procedeu à legalização da utilização actualmente em funcionamento no local ou seja não possui alvará para a actividade em curso nesta data, nem tão pouco deu cumprimento à ordem, de cessar a utilização, emitida.
Encontram-se, deste modo, verificados todos os pressupostos para que seja ordenada a posse administrativa do imóvel, com vista à execução coerciva da medida de tutela imposta.
(...)
Proposta de Despacho
Face ao exposto, proponho:
• Que, nos termos e a coberto do disposto no art. 107º, n. º 1 do RJUE, o Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, no exercício de competências que lhe foram delegadas pelo Despacho refe ª 11167510111/CMP, averbado no B.M n. º 3943 de 15111, determine a cessação coerciva do estabelecimento de serviços a funcionar no prédio sito à Rua (...), nº. 46 a 50, ordenada a 15.12.2011, com vista à selagem do referido estabelecimento, com fundamento na ilegalidade de tal utilização estar em desacordo com o aprovado para o local (…) ", conforme emerge da análise de fls. 38/39 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xv) Sobre a informação a que se alude em xiii) recaiu despacho do Senhor Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, datado de 12/09/2012, com o seguinte teor: “Ordeno a posse administrativa com vista à cessação coerciva do imóvel, nos termos da informação que antecede, pelos factos e fundamentos expressos", conforme emerge da análise de fls.40 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xvi) A Autora foi notificada da informação e do despacho referidos xiii) e xiv) através do ofício n.º V159572/12/CMP, expedido em 17/09/2012, conforme emerge da análise de fls. 41/42 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xvii) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].
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B – De direito
1. Da decisão recorrida
O acórdão recorrido, debruçando-se sobre o mérito do pedido impugnatório dirigido ao ato impugnado na ação – a saber, do despacho de 12/09/2012 pelo qual foi ordenada a posse administrativa com vista à cessação coerciva de utilização do imóvel vertido em xv) do probatório – julgou-o improcedente, por ter entendido não se verificar qualquer uma das causas de invalidade que lhe vinham assacadas.

2. Da tese da recorrente
A autora, aqui recorrente, insurge-se no presente recurso quanto ao julgamento de improcedência defendendo que o Tribunal a quo deveria ter considerado ter-se formado ato tácito de deferimento do pedido de legalização das obras, ou pelo menos, e subsidiariamente, deveria ter por violado o princípio da proporcionalidade.

3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Do apontado erro de julgamento quanto à juízo de não formação de ato tácito de deferimento do pedido de legalização das obras – (conclusões 2ª a 14ª das alegações de recurso)
3.1.1 Comecemos por analisar o erro de julgamento que vem imputado pela recorrente ao julgamento feito pelo Tribunal a quo quanto à questão da formação de ato tácito de deferimento do pedido de legalização do edificado.
3.1.2 Atentemos, para tanto, e desde logo, no que foi externado a tal propósito na decisão recorrida.
Ali se disse o seguinte, que se passa a transcrever:
«(…)
Dispõe o artigo 111º do Regime Jurídico das Urbanizações e Edificações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pela Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro, aplicável ao caso presente, sob a epígrafe “Silêncio da Administração”:
Decorridos os prazos fixados para a prática de qualquer acto especialmente regulado no presente diploma sem que o mesmo se mostre praticado, observa-se o seguinte:
a) Tratando-se de acto que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, o interessado pode recorrer ao processo regulado no artigo 112º
(…)
c) Tratando-se de qualquer outro acto, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais;
Por seu turno dispõe o invocado artigo 112º:
1- No caso previsto na alínea a) do artigo 111.º, pode o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que se mostre devido.
(…)
5 - O requerimento só será indeferido quando a autoridade requerida faça prova da prática do acto devido até ao termo do prazo fixado para a resposta.
Da análise destes dispositivos legais decorre que as pretensões referentes aos actos administrativos típicos do procedimento tendente à obtenção de licença administrativa deixaram, com a entrada em vigor do actual RJUE [DL n.º 555/99], de poderem ser consideradas como tacitamente deferidas em virtude da mera falta de uma atempada decisão [cfr. Dr. João Pereira Reis e outro in: “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Anotado”, págs. 250 e segs.; Acs. do STA de 27/08/2003 - Proc. n.º 1400/03, de 29/04/2004 - Proc. n.º 407/04 e de 03/11/2004 - Proc. n.º 162/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»].
Assim, temos que o interessado, uma vez confrontado com o facto da Administração não haver praticado os actos indispensáveis à propulsão do procedimento de licenciamento, não pode supor tacitamente deferida a pretensão a que o acto omitido se referiria, visto tal só ocorrer nos demais procedimentos, pelo que o interessado para fazer face à inércia da Administração terá de lançar mão do meio contencioso regulado no art. 112º do RJUE, ou seja, a intimação judicial da autoridade competente para que pratique o acto em falta.
Daí que o silêncio da Administração a propósito do processo de licenciamento não conduz ao deferimento tácito do mesmo ou ao seu indeferimento tácito, porquanto apenas permite que o requerente ou interessado no licenciamento possa instaurar em Tribunal meio contencioso de intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto devido como o ora em presença.
Tal conclusão não é contrariada pelo regime estatuído no art. 108º do CPA, preceito este no qual se estabelecia a regra do deferimento tácito quanto aos pedidos formulados no âmbito dos processos de licenciamento de obras particulares.
Com efeito, e como bem se sustentou no acórdão do STA de 27.08.2003 [Proc. n.º 1400/03 in: «www.dgsi.pt/jsta»], “(…) O que verdadeiramente sucede é que o DL n.º 555/99, enquanto «lex posterior et specialis», revogou de modo implícito, e na parte que se relaciona com os agora denominados procedimentos de licenciamento, a conformação genérica constante daquele preceito do CPA (cfr. o art. 7º, n.º 2, do Código Civil). (…). (…) é evidente que o procedimento tendente ao licenciamento de construções se desenrola por fases sucessivas, só sendo admissível passar às seguintes depois de esgotadas as anteriores; e que uma dessas fases é a que culmina com a pronúncia incidente sobre o projecto de arquitectura, de modo que a apreciação do pedido de licenciamento, «sensu stricto», impõe que a aprovação daquele projecto seja um dado adquirido (cfr., v.g., os artigos 20º, n.ºs 4 e 6, e 23º, n.ºs 1, al. c), e 4, al. a), do DL n.º 555/99, de 16/12).
Ademais, constatámos que a própria lei (no citado art. 112º, n.º 10) regeu para o caso particular da falta de pronúncia acerca do projecto de arquitectura nos procedimentos de licenciamento, prevendo que o interessado intime judicialmente a câmara municipal para deferir ou indeferir o projecto e estabelecendo ainda o modo de superar o eventual incumprimento da intimação decretada. Ante estes dados, carece de qualquer base a ideia de que o procedimento administrativo poderia avançar para a deliberação final (sobre o pedido de licenciamento – cfr. o art. 23º) sem que o projecto de arquitectura fosse apreciado; e, «a fortiori», vê-se que a falta de apreciação do mesmo projecto também impedia o procedimento de atingir a fase da emissão do alvará almejado pela recorrente, já que esta fase é posterior ao próprio acto de licenciamento da operação urbanística (cfr. o art. 76º).
(…) Aliás, (…) não é só a falta de aprovação do projecto de arquitectura que, impedindo o procedimento de realmente se projectar para diante, veda que o pedido de intimação dos autos obtenha êxito. É que a passagem de alvará, fosse ela espontânea ou coerciva, pressuporia sempre a prolação anterior do acto de licenciamento – ou a superação da sua falta através do mecanismo previsto no art. 112º. (…).”
Atente-se, ainda, que constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que pedido de legalização de obra realizada sem licença não é disciplinado pelas normas do actual RJUE [cfr. Ac. do STA de 01/04/2004 - Proc. n.º 1550/03 in: «www.dgsi.pt/jsta»], nem o era pelo regime previsto no DL n.º 445/91 de 20/11 e 108º do CPA [cfr. Acs. do STA de 23/10/1997 - Proc. n.º 36.957, de 19/05/1998 - Proc. n.º 43.433, de 24/05/2001 - Proc. n.º 47.069, 27/11/2001 - Proc. nº 48.064, de 26/09/2002 - Proc. n.º 485/02, de 11/02/2003 - Proc. n.º 1941/02, de 01/04/2004 - Proc. n.º 1550/03, de 12/10/2004 - Proc. n.º 908/03, de 07/06/2005 - Proc. n.º 305/05 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»], porquanto se trata de pedido que tem de ser enquadrado e disciplinado pelas pertinentes normas do RGEU [arts. 165º e 167º].
Presentes estes considerandos importa reverter ao caso em presença.
Temos, para nós, que a argumentação desenvolvida pela Autora não se nos
afigura procedente.
Explicitemos e fundamentemos o nosso entendimento.
Na situação “sub judice”, temos que a ora Autora, invocando um seu pedido de legalização de obras ilegais e de alteração de utilização do imóvel para serviços e o decurso do prazo legal sem que houvesse decisão sobre o mesmo, considera que ocorreu deferimento tácito nos termos do disposto no nº.2 artigo 108º do C.P.A.
Ora, decorre do supra expendido que, aos pedidos de legalização de obra realizada sem licença não é disciplinado pelas normas do actual RJUE, porquanto se trata de pedido que tem de ser enquadrado e disciplinado pelas pertinentes normas do RGEU.
Efectivamente, a legalização de obras construídas sem licença é uma realidade diversa do licenciamento prévio de obras a edificar e que, por via dessa diferente natureza, a situação não é enquadrável no regime especial de deferimento tácito consagrado nos RJUE, sendo-lhes aplicável a disciplina legal dos arts. 165 a 168 do RGEU e do art. 109 do CPA [vd., entre outros, o acórdão do Pleno de 31.3.98 (Rº 39.598) e os acórdãos da 1ª Secção, de 25.9.97 (Rº 42789), de 23.10.97 (Rº 36957), de 6.5.98 (Rº 39600), de 19.5.98 (Rº 43433), de 24.5.01 (Rº 47069), de 27.11.01 (Rº 48064), de 26.9.02 (Rº 485/02), de 12.10.04 (Rº908/03, de 7.6.05 (Rº 305/05) e de 11.10.05 (Rº 04].
Quer isto tanto significar que, contrariamente ao sustentado pela Autora, não se formou acto de deferimento tácito do visado pedido de legalização de obras, porquanto tratando-se de obras clandestinas e, portanto, já executadas sem a devida licença, o silêncio da Administração é interpretado aqui nos termos gerais, ou seja, presume-se o indeferimento tácito do pedido [artigo 109º do CPA].
Era essa, aliás, a jurisprudência dominante do STA, já na vigência do DL 166/70, de 15.04 e também do DL 445/91, de 20.11, que se não vê razão para alterar agora no domínio do D.L. nº. 555/99, de 16.12 [cf. entre outros, os Acs. do STA de 27.11.1997, rec. 39807, de 26.09.2002, rec. 485/02, de 13.02.1992, rec. 29568, de 05.02.2003, rec. 1005/02, de 12.10.2004, rec. 908/03, de 01.03.2005, rec. 761/04, de 07.06.05, rec. 305/05].
Sendo assim, do acabado de expor não se retira que se tenha formado qualquer deferimento tácito do requerimento da pretensão da Autora.»
3.1.3 A recorrente insiste no presente recurso na defesa da formação de ato tácito, mas sem razão.
Vejamos porquê.
3.1.4 Resuma dos autos que na sequência de inspeção foi constatado em 29/09/2011, nos termos da Informação n.º I/148498111/CMP da Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares, que o imóvel identificado era utilizado como estaleiro geral da autora, quando para o mesmo a licença de utilização (licença de utilização nº 306155) era para habitação, e que simultaneamente as obras anteriormente nele levadas a efeito não se encontravam licenciadas, o que motivou que, após garantia do respetivo direito de audiência prévia face a proposta de decisão nesse sentido, veio a ser determinada, por despacho de 15/12/2011 a cessação de utilização do edifício ao abrigo do artigo 109º nº 1 do RJEU, para o que foi concedido à autora o prazo de 120 dias – (vide pontos ii), iii), iv), vii) e viii) do probatório).
Decisão administrativa de que a autora foi notificada por ofício expedido em 28/12/2011 – (cfr. ponto ix) do probatório).
3.1.5 Não é este ato, corporizado no despacho de 15/12/2011, que determinou, ao abrigo do artigo 109º nº 1 do RJEU, a cessação de utilização do edifício, que foi impugnado na ação. Mas sim o despacho de 12/09/2012 que, com os fundamentos na Informação n.º I/136426/12/CMP de 01/08/2012 (vertidos, respetivamente, nos pontos xiv) e xv) do probatório) ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva da utilização do imóvel ao abrigo do disposto no artigo 107º nº 1 do RJUE.
Significando que a autora não pôs em causa na ação a legalidade do despacho de 15/12/2011 pelo qual foi determinada a cessação de utilização do edifício ao abrigo do artigo 109º nº 1 do RJEU, incluindo quanto aos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo assentou.
3.1.6 Lembre-se que nos termos do disposto no artigo 109º nº 1 do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL. 555/99, de 16 de dezembro), a cessação da utilização de edifícios (ou de suas frações autónomas) deve ser ordenada quando os mesmos “…sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará”. Devendo ser fixado prazo para o efeito, isto é, para os destinatários da ordem de cessação de utilização se omitirem de continuar a usar o imóvel carente de autorização de utilização (a que alude o artigo 62º do RJUE) ou, no caso de estar a ser afeto a fim diverso no respetivo alvará, deixarem de dar esse uso não consentido ao imóvel.
3.1.7 Na situação dos autos a autora não deu cumprimento à ordem de cessação de utilização no prazo que lhe fixado para o efeito. E também não a impugnou, pelo que com ela se conformou.
Compreende-se, pois, que perante a constatação de que a autora mantinha em atividade no imóvel o seu estabelecimento, afetando-o, por conseguinte, a um fim diferente do autorizado, que era o de habitação, tenha sido determinada, através do despacho de 12/09/2012, a sua posse administrativa com vista à cessação coerciva daquela utilização indevida do imóvel.
3.1.8 A autora havia, todavia, apresentado em 21/03/2012 pedido de legalização das obras que haviam sido realizadas sem a respetiva licença, pedido onde incluiu a alteração da utilização do imóvel de habitação para serviços. O qual estava pendente de apreciação à data da prolação do despacho impugnado na ação. E foi com base nessa circunstância que a autora pugnou pela invalidade desse despacho, que ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva daquela utilização indevida, sustentando ter-se formado ato tácito de deferimento, por ter decorrido o prazo de 90 dias previsto no artigo 108º nº 2 do CPA/91, encontrando-se, assim, deferido (tacitamente) aquele pedido de legalização e de alteração de utilização do imóvel deferido (vide artigos 4º a 7º da Petição Inicial).
3.1.9. Ora, é ostensivo não assistir razão à autora. Razão pela qual tem que ser mantido o julgamento de inverificação dessa causa de invalidade feito pelo Tribunal a quo.
3.1.10 O artigo 108º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL. nº 442/91, à data em vigor (CPA/91), dispunha, com efeito, a respeito do deferimento tácito, que “…quando a prática de um ato administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei” (nº 1), estabelecendo como prazo regra para tal efeito, quando a lei não fixasse outro, o de “…90 dias a contar da formulação do pedido ou da apresentação do processo para esse efeito” (nº 2).
3.1.11. Todavia a ausência de pronúncia expressa sobre aquele pedido não consubstancia o seu deferimento tácito como bem foi entendido pelo Tribunal a quo. Para o que socorreu, aliás, da múltipla e reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo a tal respeito, que citou e acompanhou. Da qual não existem motivos para nos afastarmos.
3.1.12 Não assistindo razão à recorrente quando invoca ter o Tribunal a quo errado, nessa questão, na determinação de norma aplicável por não se aplicarem as normas constantes do RJEU, incluindo as dos seus artigos 111º e 112º, por estando em causa o pedido de legalização de obras ilegais seria de aplicar, como sustenta, o regime do DL nº 804/76, de 6 de novembro.
3.1.13. Atenha-se que o pedido em causa foi apresentado pela autora em 21/03/2012, tendo em vista a legalização das obras que haviam sido realizadas sem a respetiva licença no imóvel em causa, que vinha utilizando como estaleiro geral para a sua atividade, quando a licença de utilização do mesmo era para habitação, solicitando simultaneamente a subsequente alteração da utilização do imóvel de habitação para serviços, pedido que deu origem ao processo de licenciamento n. º 32740112/CMP.
Pedido que foi apresentado após a autora ter sido notificada para proceder à cessação de utilização do edifício no prazo de 120 dias que lhe foi fixado para o efeito.
3.1.14. Ora, o pedido tendente à legalização de obras ilegais está sujeito às regras gerais do licenciamento de obras de urbanização e edificação constante do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL. n.º 555/99, de 16 de dezembro, vigente à data da sua apresentação. O que é de leitura consensual.
Pelo que não se mostra incorreto o recurso às normas do artigo 111º e 112º do RJUE que o Tribunal a quo fez na tarefa interpretativa em que se lançou.
3.1.15. Simultaneamente, o DL nº 804/76, de 6 de novembro, que a recorrente autora agora refere no âmbito do presente recurso, ainda que se mantivesse em vigor e fosse aplicável, o que não sucede, não afastaria por si, e sem mais, a submissão daquele pedido de licenciamento/legalização ao regime de licenciamento de obras de urbanização e edificação constante do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL. n.º 555/99.
É que o que o DL nº 804/76, de 6 de novembro instituiu à data foi a possibilidade de reconversão de áreas de construção clandestina, considerando-se estas como aquelas “…em que se verifique acentuada percentagem de construções efetuadas sem licença legalmente exigida, incluindo as realizadas em terrenos loteados sem a competente licença” a serem objeto de medidas tendentes à legalização das mesmas, à sua manutenção temporária ou à sua imediata ou próxima demolição, conforme o caso (cfr. artigo 1º). Tendo posteriormente a Lei nº 91/95, de 2 de setembro vindo aprovar um novo regime excecional tendo em vista a reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (as «AUGI»), como tal e para o efeito devidamente delimitadas.
E está claro que não é essa a situação do imóvel da autora, que não se enquadrada, nem enquadrável, em tal regime excecional.
Pelo que não colhe a alegação feita pela recorrente autora.
3.1.16. Sendo, pois, de manter o entendimento feito pelo Tribunal a quo, com base na análise dos artigos 111º e 112º do RJUE (aprovado pelo DL. nº 555/99) de que com a entrada em vigor deste RJUE, deixou de poder considerar-se a formação de ato tácito de deferimento por mero efeito do silêncio da administração sobre pretensões referentes a atos administrativos típicos do procedimento tendente à obtenção de licença administrativa.
3.1.17. Aliás, e deve dizer-se, mesmo no âmbito do anterior Regime de Licenciamento de Obras Particulares constante do DL. nº 445/91, de 20 de novembro, não era de entender que o silêncio da câmara municipal sobre pedido de legalização de obra realizada sem licença valia como deferimento tácito, mas como deferimento tácito.
Nesse sentido vide, por todos o acórdão do STA (pleno da secção de Contencioso Administrativo), de 29/05/2007, Proc. nº 0761/04, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim ali sumariado «I - O pedido de legalização de obra realizada sem licença não é enquadrável na previsão do regime estabelecido nos artigos 62, número 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, e 108 do Código do Procedimento Administrativo. II - O silêncio da câmara municipal, sobre tal pedido, vale como indeferimento tácito», em cuja fundamentação se disse o seguinte, que se passa a transcrever:
«(…)
A jurisprudência deste Supremo Tribunal, embora construída com os dados legislativos decorrentes do DL 166/70 e legislação complementar, é largamente dominante no sentido de que apenas são objecto de deferimento tácito os pedidos de licenciamento e não os pedidos de legalização de obras executadas sem licença, que seguem a regra geral do indeferimento tácito (...).
Esta jurisprudência está bem retratada na seguinte passagem do citado acórdão de 8/6/93, que se acompanha: «Na verdade, os pedidos que podem conduzir ao deferimento tácito nos termos do citado artigo 13º nº 1, do Decreto-Lei nº 166/70 são aqueles que têm por objecto as matérias referidas no artº 1º alíneas a), b) e c) do mesmo diploma legal.
Ora, todas essas matérias pressupõem uma situação de obras projectadas e a executar [cfr. artigos 1º, nº 1, alínea b) e 2º, nº 2].
E compreende-se que assim seja, pois, tendo o licenciamento a natureza de ‘autorização policial’ para assegurar interesses de ordem pública e a prevenção de danos sociais, há-de ele traduzir uma intervenção administrativa a priori. Não assim no caso dos autos em que as obras a ‘licenciar’ estão já efectuadas. De resto, as razões que nos casos de licenciamento municipal para obras justificava o deferimento tácito quedam sem qualquer sentido quando os pedidos se reportam a construções realizadas sem autorização.
Na verdade, a celeridade que se visa imprimir ao funcionamento da Administração tem em especial conta o interesse dos particulares numa decisão pronta que os habilite a iniciar as obras projectadas; mas já o interesse nessa prontidão se torna irrelevante ou indigno de tutela jurídica numa situação em que o particular se colocou numa situação ilícita, construindo sem licença (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Fevereiro de 1992 processo nº 29568).»
Ora, o DL 445/91 - 20NOV não introduziu modificações que justifiquem inversão deste entendimento no sentido da aplicação do regime de deferimento tácito aos pedidos de legalização de obras executadas sem licença ou em desconformidade com o projecto aprovado.
Não é procedente o argumento literal extraído pela recorrente do artº 1º/1-a) de que o diploma legal pretendeu reformular o processo de licenciamento, sem criar regras especiais para a legalização de trabalhos já realizados, pois visou-se estabelecer um procedimento unitário aplicável a "todas as obras de construção civil".
Da literalidade deste preceito relativo à definição do âmbito de aplicação do diploma nada se pode retirar que abra caminho a uma nova perspectiva da questão porque o texto se mantém idêntico - nessa parte ipsis verbis - ao do artº 1º/1- a) do DL 166/70.
O que a nova lei diz, exactamente como dizia o diploma legal substituído, é que todas as obras de construção civil estão sujeitas a licenciamento municipal. Daqui nada se extrai de novo para concluir que o objecto do regime jurídico instituído pelo DL 445/91 deixou de ser o licenciamento ou autorização a conceder pela Administração previamente ao exercício pelo particular dessa actividade administrativamente condicionada, passando a abranger também a regularização da situação jurídico-administrativa das obras que devendo ter sido sujeitas a licenciamento o não tenham sido.
O sistema do licenciamento de obras gizado pelo DL 445/91 pressupõe que o licenciamento precede a construção. Toda a disciplina do diploma está construída neste pressuposto, porque o licenciamento de obras particulares de construção civil é tecnicamente uma autorização, sendo embora discutível se se trata de uma autorização constitutiva ou de uma autorização permissiva (Cfr. Rogério Ehrhardt Soares, Direito Administrativo, lições policopiadas, 1978, pg. 116; sobre a problemática geral da fonte do chamado jus aedificandi, Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Principio da Igualdade, pg. 348 e sgs). A autorização é o "acto administrativo que permite a alguém o exercício de um seu direito ou de poderes legais. A entidade autorizada possui, pois, um direito ou certo poder mas o exercício deles está-lhe vedado antes que intervenha previamente o consentimento da Administração, fundado na apreciação das circunstâncias de interesse público que possam tornar conveniente ou inconveniente esse exercício" (Marcello Caetano, Manual..., Vol. I, pg. 459).
Ora, quem pede a aprovação de projecto correspondente a obras já realizadas não pretende uma autorização para exercer o direito de construir, mas uma aprovação para manter o ilegalmente realizado por falta de prévio licenciamento. A pretensão material do requerente nessa circunstância coloca-se fora do âmbito traçado pelo artº 1° do DL 445/91 e, portanto, da valoração positiva do silêncio administrativo cominada pelo respectivo artº 62°/1. Aplica-se-lhe o regime de legalização decorrente do artº 167º do RGEU, que não foi revogado pelo DL 445/91 (questão diferente, em que não importa entrar atendendo ao objecto do recurso e que não interfere com a valoração negativa ou positiva do silêncio administrativo, é a de determinar a extensão dos poderes discricionários ou vinculados quanto à legalização; cfr. André Folque Ferreira, A ordem municipal de demolição de obras ilegais. Estudo para a compreensão das relações entre o poder de demolição e o poder de licenciar construções, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº 5166, pag. 46 e sgs.).
O argumento teleológico de interpretação concorre no mesmo sentido. O particular que submete a sua intenção de construir a pedido de aprovação do projecto não deve ver a sua iniciativa sujeita à inércia administrativa no desempenho das competências que condicionam essa iniciativa. Por isso, foi este um dos primeiros domínios em que a lei atribuiu ao silêncio administrativo valor jurídico positivo, isto é, de aprovação ou deferimento tácito. Mas já não pode reclamar a mesma protecção, quem se coloca em infracção ao sistema de licenciamento e portanto fora do âmbito de protecção contra a inércia administrativa que o caracteriza, concretizando a iniciativa de construir antes de a sujeitar à aprovação e subsequente licenciamento. Perante obras já realizadas, a atribuição de valor positivo ao silêncio nunca poderia ter como justificação material a necessidade de não fazer suportar ao particular as consequências da demora na decisão administrativa na realização da obra pela simples razão de que a obra já está feita. (…)
Alega, ainda, a recorrente que, a não se considerar aplicável, no caso sujeito, o disposto no invocado art. 61, do DL 445/91, sempre se teria de concluir pela aplicação das regras gerais do procedimento administrativo, designadamente do disposto no nº 1 do art. 108 (Artigo 108º (Deferimento tácito)
1. Quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei.
2. …
3. Para os efeitos do disposto neste artigo, consideram-se dependentes de aprovação ou autorização de órgão administrativo, para além daqueles relativamente aos quais leis especiais prevejam o deferimento tácito, os casos de:
a) Licenciamento de obras particulares;
b) … ) do CPA.
Todavia, diversamente do que pretende a recorrente, o novo regime de valoração do silêncio da Administração decorrente do CPA, também não prejudica o referido entendimento jurisprudencial, que temos por acertado.
Como bem se ponderou, também, no citado acórdão de 23.10.97,

O artº 108º/1 do CPA estabelece que, quando o exercício de um direito por um particular dependa de aprovação ou autorização administrativa, consideram-se estas concedidas se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei.
O licenciamento de obras particulares vem expressamente referido na cláusula legal concretizadora do artº 108º/3 como dependente de aprovação ou autorização de órgão administrativo, para este efeito.

Mas daqui nada se retira em favor da recorrente.
Este preceito refere-se ao licenciamento de obras, recebendo o conceito operante no diploma que rege o respectivo procedimento especial. A autorização administrativa que se considera tacitamente concedida pelo silêncio administrativo é a que respeitar ao exercício do direito de construir de acordo com o projecto previamente apresentado ou com as alterações ao projecto previamente introduzidas, que é o disciplinado pelo DL 445/91 e legislação complementar. Mas não a legalização de obras executadas em desconformidade com o projecto, que é a realidade considerada no caso sub judice, porque a lei fala em «exercício de um direito por um particular» e os titulares de licenças de construção não têm o direito de realizar tais obras …
Neste sentido, vejam-se, ainda, os acórdãos de 26.9.02 (Rº 485/02), de 12.10.04 (Rº 908/03), de 7.6.05 (Rº 305/05) e de 11.10.05 (Rº 1029/04).
É, pois, de manter o decidido no acórdão recorrido, no sentido de que não se formou o pretendido deferimento tácito do pedido, formulado pela recorrente, em 20.10.97, de legalização das obras efectuadas em desconformidade com a licença de construção, que anteriormente lhe fora concedida.»
3.1.18 E se era assim no âmbito daqueles anteriores regimes, também o é, até por maioria de razão, no âmbito do RJUE (aprovado pelo DL. nº 555/99), atentas as disposições dos artigos 111º e 112º.
Com efeito, o RJUE, aprovado pelo DL. nº 555/99, na redação vigente à data da apresentação do pedido da autora (a decorrente da última versão que lhe havia sido dada pela Lei n.º 28/2010, de 2 de setembro), dispunha nos seus artigos 111º e 112º o seguinte:
Artigo 111º
Silêncio da Administração
Decorridos os prazos fixados para a prática de qualquer ato especialmente regulado no presente diploma sem que o mesmo se mostre praticado, observa-se o seguinte:
a) Tratando-se de ato que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, o interessado pode recorrer ao processo regulado no artigo 112.º;
b) (Revogada.)
c) Tratando-se de qualquer outro ato, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais.”

“Artigo 112º
Intimação judicial para a prática de ato legalmente devido
1 - No caso previsto na alínea a) do artigo 111.º, pode o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do ato que se mostre devido.
2 - O requerimento de intimação deve ser apresentado em duplicado e instruído com cópia do requerimento para a prática do ato devido.
3 - A secretaria, logo que registe a entrada do requerimento, expede por via postal notificação à autoridade requerida, acompanhada do duplicado, para responder no prazo de 14 dias.
4 - Junta a resposta ou decorrido o respetivo prazo, o processo vai com vista ao Ministério Público, por dois dias, e seguidamente é concluso ao juiz, para decidir no prazo de cinco dias.
5 - Se não houver fundamento de rejeição, o requerimento só será indeferido quando a autoridade requerida faça prova da prática do ato devido até ao termo do prazo fixado para a resposta.
6 - Na decisão, o juiz estabelece prazo não superior a 30 dias para que a autoridade requerida pratique o ato devido e fixa sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
7 - Ao pedido de intimação é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes.
8 - O recurso da decisão tem efeito meramente devolutivo.
9 - Decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que se mostre praticado o ato devido, o interessado pode prevalecer-se do disposto no artigo 113.º, com exceção do disposto no número seguinte.
10 - Na situação prevista no número anterior, tratando-se de aprovação do projeto de arquitetura, o interessado pode juntar os projetos das especialidades e outros estudos ou, caso já o tenha feito no requerimento inicial, inicia-se a contagem do prazo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º”

Enquadrando-se o pedido que foi apresentado pela autora na alínea a) do artigo 111º do RJUE, como é o caso, então a ausência de decisão expressa no respetivo prazo não geraria, como não gerou, a formação de ato tácito de deferimento.
3.1.19 Veja-se a tal respeito, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, inRegime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, 2012, 3ª edição, Almedina, pág. 687, referindo que «No que se refere à alínea a) do presente artigo, resulta que a ausência de decisão expressa no termo dos prazos fixados para a prática de atos no âmbito de um procedimento de licenciamento, não gera qualquer ficção legal de existência de um ato. Assim, a omissão administrativa equivale a isso mesmo, apenas abrindo a porta, se o interessado assim o quiser, à reação contenciosa contra a inércia da Administração. Disponibilizou para o efeito o legislador um meio processual especial no artigo 112º, solução esta que veio a ser generalizada com a recente reforma do contencioso para o âmbito do direito administrativo geral.».
3.1.20 Tornando-se, assim, claro que para os pedidos submetidos nos termos daquele regime a procedimentos de licenciamento, ou seja, as operações urbanísticas sujeitas a licença administrativa nos termos daquele regime (cfr. artigos 4º e 111º alínea a) do RJUE) não se formaria ato tácito de deferimento, mas de indeferimento, na exata medida em que tal apenas facultava ao interessado, nos termos do nº 1 do artigo 112º do RJUE poder lançar mão de pedido de intimação da entidade administrativa, por via judicial, a praticar o pretendido ato de licenciamento.
Nesse mesmo sentido se decidiu no acórdão deste TCA Norte de 14/07/2005, Proc. nº 00682/04.4BEBRG, in, www,dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou, entre o demais, que «Com o DL n.º 555/99 o deferimento tácito passou a ter a sua função restrita às operações sujeitas a mera autorização, pelo que o silêncio da Administração a propósito do projeto de arquitetura em processo de licenciamento não conduz ao deferimento tácito do mesmo ou ao seu indeferimento tácito mas apenas permite que o requerente ou interessado no licenciamento possa instaurar em Tribunal meio contencioso de intimação da autoridade competente para proceder à prática do ato devido.»
3.1.21 Aqui chegados, tem que concluir-se que não se tendo formado ato tácito de deferimento, nos termos propugnados pela recorrente, e consolidado já na ordem jurídica o ato de 15/12/2011, pelo qual foi determinada a cessação de utilização do edifício ao abrigo do artigo 109º nº 1 do RJEU, o posterior despacho de 12/09/2012, que com os fundamentos na Informação n.º I/136426/12/CMP de 01/08/2012 ordenou a posse administrativa do imóvel com vista à cessação coerciva da sua utilização, não se mostra ferido da invalidade apontada.
Improcedendo, nesta parte, o recurso.

3.2 Do apontado erro de julgamento quanto ao juízo de não violação do princípio da proporcionalidade – (conclusões 15ª a 20ª das alegações de recurso)
3.2.1 A recorrente defende também que o despacho impugnado ofende o princípio da proporcionalidade, sustentando para tanto que as obras não licenciadas foram embargadas pelo recorrido em 1992, mas só em 27 de dezembro de 2011 este entendeu que deveria cessar a utilização dos locais existentes nessas construções clandestinas e que o recorrido não deu resposta ao pedido de legalização das obras feitas pela recorrente em 21 de março de 2012, tendo ordenado a posse administrativa com vista à cessação daquela utilização em 12 de setembro de 2012; que ao ter determinado a posse administrativa e acabar com a utilização das construções, depois de a recorrente se ter prontificado a legalizar as obras e, principalmente, depois de ter permitido essa utilização no decurso de pelo menos 9 anos (1992 até 2011) o despacho da posse administrativa para cessação da aludida atividade é tudo menos proporcional, ofendendo o disposto nos artigos 18º nº 2 e 266º nº 2 da CRP e no artigo 5º do CPA, uma vez que não esperando pela decisão sobre a legalização das obras pedidas pela recorrente, depois de 9 anos de inércia, se está a infligir um sacrifício à recorrente que o interessa público não justifica, e que se não justificou durante 9 anos (1992 até 2011) sem qualquer pedido de legalização, muito menos o justificará em 2012, após a recorrente se ter disponibilizado a proceder à legalização dessas obras.
3.2.2 O Tribunal a quo julgou inverificada a apontada violação do princípio da proporcionalidade. E fê-lo corretamente.
3.2.3 O princípio da proporcionalidade, não deixa de ser uma manifestação essencial do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP), estando a atuação da Administração subordinada à Constituição e à lei, em termos que a prossecução do interesse público deve respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. artigo 266º nºs 1 e 2 da CRP).
E é à luz do assim consagrado na Constituição que o artigo 5º do CPA/91 dispunha, a respeito do princípio geral da proporcionalidade, que “…as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar”.
3.2.4. Há muito que doutrinalmente o princípio da proporcionalidade da atuação administrativa vem sendo a ser densificado com recurso às ideias de adequação, necessidade e equilíbrio (proporcionalidade em sentido estrito), cuja tríplice verificação aquela demandará. Significando que a lesão das posições jurídicas dos interessados tem que revelar-se adequada à prossecução o interesse público visado (adequação), necessária ou exigível (necessidade) e proporcional na relação custo-benefício (proporcionalidade em sentido estrito).
Valendo o mesmo, essencialmente, como limite e controlo da atuação da Administração nos espaços de discricionariedade da sua atuação.
Vide, a este propósito, entre outros, Diogo Freitas do Amaral, in,
Curso de Direito Administrativo” - Vol. II; Marcelo Rebelo de Sousa, in, “Lições de Direito Administrativo”, Vol. I., Lisboa, Lex, 1999; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in, “Código do Procedimento Administrativo – Comentado”, 2ª edição, Almedina, 2003; Mário Aroso de Almeida, in, “Teoria geral do direito administrativo”, Almedina, 5.ª Edição, 2018; Luís Filipe Colaço Antunes, in, “A Teoria do ato e a justiça administrativa: O novo contrato natural”, Almedina, 2006.
3.2.5. Pelo que, como bem se disse na sentença recorrida, movendo-se a atividade da Administração dentro dos estritos limites da vinculação legal, sem possibilidade de escolha entre vários comportamentos ou soluções decisórias, não será em função dos mesmos princípios, mas do respeito pelos pressupostos legais, que o ato administrativo se conformará com a legalidade.
3.2.6. Lembre-se que, no caso, a cessação de utilização do edifício foi decidida ao abrigo do artigo 109º nº 1 do RJEU, para o que foi concedido à autora o prazo de 120 dias. O que foi determinado pelo despacho de 15/12/2011. A ordem de cessação da utilização do imóvel que assentou no pressuposto fáctico que o prédio se encontrar a ser utilizado para fim não autorizado pelo alvará de licença de utilização emitido para o local em questão.
Sendo que nos termos do disposto no artigo 109º nº 1 do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL. 555/99, de 16 de dezembro), a cessação da utilização de edifícios (ou de suas frações autónomas) deve ser ordenada quando os mesmos “…sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará”. Devendo ser fixado prazo para o efeito, isto é, para os destinatários da ordem de cessação de utilização se omitirem de continuar a usar o imóvel carente de autorização de utilização (a que alude o artigo 62º do RJUE) ou, no caso de estar a ser afeto a fim diverso no respetivo alvará, deixarem de dar esse uso não consentido ao imóvel.
3.2.7. Pelo que se assoma como evidente que pela ordem de cessação da utilização do imóvel exercer a Administração exerceu os poderes vinculados que
daquele artigo 109º do RJUE resultavam.
3.2.8. Mas nem sequer é este ato, corporizado no despacho de 15/12/2011, que é objeto de impugnado na ação, mas sim o subsequente despacho de 12/09/2012 que ordenou a posse administrativa com vista à cessação coerciva da utilização do imóvel ao abrigo do disposto no artigo 107º nº 1 do RJUE.
Ora, esta norma legitima a Administração, em caso de incumprimento de uma medida de tutela da legalidade urbanística, a determinar a posse administrativa do imóvel com vista à sua execução coerciva. E os pressupostos, quer de facto quer de direito, para essa atuação encontravam-se verificados.
3.2.9 A medida adotada limita-se a impedir a utilização do imóvel para utilização diversa daquela que lhe está autorizada. Não tendo a Administração que continuar a condescender nessa utilização, em contravenção às normas urbanísticas, como parece ser a vontade da autora.
3.2.10 Falece, pois, também neste aspeto, o recurso.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se, pelos fundamentos supra, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e artigo 189º nº 2 do CPTA.
*

Notifique (sem prejuízo da suspensão de prazos, nos termos do disposto no artigo 7º nºs 1 e 2 da Lei nº 1-A/2020, de 19 março com alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril).
D.N.
*
Porto, 15 de maio de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato