Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01037/08.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO; INAUDIBILIDADE DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS;
GERÊNCIA; PROCURAÇÃO;
Sumário:I –Nos termos do disposto do artigo 206º do CPPT e do 423º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, a regra é a de todos os documentos serem apresentados com a petição inicial;

II - Os artigos 651º, nº 1 e 425º, do CPC, ex vi alínea e) do artigo e) do CPPT, permitem, a título excepcional, a junção de documentos depois do encerramento da discussão e em caso de recurso. Mas, exclusivamente os documentos cuja apresentação não tenha sido possível anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária por causa do julgamento proferido em 1ª instância;

III – Se o registo fonográfico dos depoimentos testemunhais se encontra levemente distorcido mas totalmente perceptível a sua audição e compreensão, não se encontra a instância de recurso impedida de reapreciar a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, não se verificando a nulidade processual invocada;

IV -A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial traduz-se numa panóplia de actos praticados pelo gerente, em nome e interesse da sociedade.

VI – O juiz só deve levar ao probatório factos e não conclusões (de facto). Estas são de inferir dos factos fixados.

VI – A presunção judicial é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora.

V - Se resulta provado que foi emitida uma procuração a favor de terceiro com grande amplitude de poderes, mas também resultou provado que, não obstante, o revertido continuou a assinar letras, livranças e outros documentos bancários, sem ter feito prova das circunstâncias relacionadas com a sua conduta, não se mostra afastada a sua gerência de facto.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A E OUTRA
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. Relatório

A. com o NIF (…) e melhor identificado nos autos, veio deduzir recurso de apelação da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a oposição judicial deduzida por si, e sua mulher, contra o processo de execução fiscal nº 1601-200/601080539, originariamente instaurado contra a sociedade comercial denominada “A., Lda.”, por dívidas ao Instituto de Segurança Social, dos meses de Dezembro de 2005 a Agosto de 2006, e revertida contra ele e outra.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. ATENDENDO QUE a audição da cassete com a gravação da prova se torna praticamente impossível, designadamente tem-se dificuldade de audição no tocante à primeira parte do depoimento da testemunha C., constante da cassete n.º 1 lado A, bem como de J., designadamente no inicio da cassete n.º 1 lado B, não pode o ora oponente dar cabal cumprimento ao disposto nos art.º 522.- A, B e C e 690-A todos do CPC, não lhe estando assegurado o duplo grau de jurisdição.
2. No entanto e porque não prescinde o ora recorrente da reapreciação da matéria de facto, a falta da sua gravação ou como sucede no caso vertente; as falhas e deficiências da sua gravação, impedem o exercício do direito de recurso sobre a matéria de facto gravada e subsequentemente impede a reapreciação de tal matéria pelo tribunal ad quem, por falta de registo da prova ou de registo válido
3. Daqui se infere que o invocado vício da gravação constitui nulidade processual que ora expressamente se invoca nos termos e para os efeitos do art.º 201 n.º 1 do CPC, pois trata-se de irregularidade susceptível de influir no exame da causa, desde logo e porque impede a reapreciação em sede de recurso do julgamento da matéria de facto, impondo-se consequentemente a repetição do julgamento.
4. O ora recorrente foi citado por reversão, simultaneamente, para duas execuções fiscais, designadamente para o processo executivo com o n.º 1601200601080547, no qual era reclamado o pagamento das dívidas de contribuições à segurança social no montante de 30.693,24 € ao que acrescia os juros de mora no montante de 7.960,90€, num total de 38.654,14€, bem como para o processo executivo com o n.º 1601200601080539, no qual era reclamado o pagamento das dividas de cotizações à segurança social no montante de 14.219,41€, ao que acrescia a quantia de 3.788,99 € a titulo de juros de mora, somando-se o total da divida exequenda no montante de 18.008,40€, ora foi este processo executivo que deu lugar aos presentes autos.
5. No entanto do relatório, do ponto 1 da matéria de facto, bem como da fundamentação da sentença consta que as dividas à Segurança Social, relativo a meses dos anos de 2005 e 2006, se somam no valor global de 56.662,54 €.
6. Ora, estima-se que a fixação do montante da divida naquele valor se deve a mero lapso, relacionado alias com a proximidade ou promiscuidade entre ambos os processos executivos, pelo que ora se requer seja corrigido o lapso de escrita ou calculo nos termos e para os efeitos do artº 667 do CPC, substituindo-se aquele valor pelo valor correcto da dívida exequenda que se soma em18.008,40 €.
7. Caso não se acolha a requerida rectificação de erro material, sempre dever-se-á concluir, nos termos e para os efeitos do art.º 668.º n.º 1 al. e) pela nulidade da sentença, em que o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
8. O oponente propugna ainda, com fundamento no documento - contrato promessa de cessão de quotas, junto pelo oponente e alias incorrectamente valorado, que se proceda à correcção da matéria de facto considerada provada referida no ponto 6, por a mesma padecer de manifesta deficiência, por decorrer da análise do contrato promessa de cessão de quotas, que o mesmo previa a cessão das quotas tituladas pelo oponente A. e A,, não só ao F., J. e R. conforme consta da sentença, mas ainda a M., parente e alias irmão do referido F..
9. Mais deverá o referido ponto 6 ser corrigido na parte em que sustenta que a gerência ficou a cargo do oponente, quando decorre do citado contrato promessa que a gerência ficou afecta ao oponente e ao referido Sr. F..
10. Invoca ainda o oponente o erro de julgamento, por errónea valoração da prova testemunhal e documental, requerendo o aditamento à matéria de facto considerada provada do seguinte facto: o oponente A. não exerceu, desde pelo menos 2002 e nos períodos concretos em causa qualquer efectiva gerência na sociedade A..
11. Na verdade e pese embora não se tenha considerado como provado tal facto, também não se deu o mesmo como não provado, pelo que se ignora em que facto considerado provado alicerçou o Meritíssimo Julgador a sua convicção relativamente à necessidade de condenação do oponente/recorrente, já que da análise dos factos provados, não resulta matéria suficiente para deduzir que o oponente era de facto gerente da predita sociedade A..
12. O que aliás consubstancia causa de nulidade da sentença nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. b) do CPC, o que ora expressamente se impetra pelo facto de o juiz não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, atento que conforme supra referido inexistem fundamentos de facto que propugnem a decisão ora impugnada.
13. O supra referido facto deveria ter sido julgado provado com fundamento, entre outros, no depoimento da testemunha C., que supra já se reproduziu e que se encontra gravado na cassete n.º 1, lado A, dos 0,010s até aos 1570s, bem como deveria ter contribuído para a assunção de tal facto o depoimento da testemunha J. , já supra reproduzido e que se encontra gravado na cassete n.º 1, lado A, dos 1571s até aos 1714s e lado B dos 0,010s até aos 812s.
14. Pelo que houve errónea apreciação da prova testemunhal por as supra referidas testemunhas terem respondido com verdade, prestando depoimento isento e credível, sendo absolutamente compatível a narração fáctica efectuada pelas duas testemunhas, impunha-se ao julgador considerar como provado que o Sr. A. não exercia de facto a gerência, e que quem de facto exercia esse cargo era o Sr. F..
15. Por outro lado, incumpriu a Segurança Social com o ónus da prova que sobre a mesma impendia, já que inexiste nos presentes autos qualquer prova que sustentasse o exercício efectivo da gerência pelo oponente A., quer documental, quer testemunhal, pois ao contrário do vertido na sentença, não foi arrolada uma única testemunha por parte da Fazenda Publica.
16. Mais, não é isento de efeitos no processo civil, e consequentemente no processo tributário, a decisão penal absolutória, conforme aliás se contra plasmado no art.º 674-B do CPC, senão vejamos: n.º 1 "A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. N.º 2. A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil."
17. Face à presunção legal supra referida sai reforçado o referido ónus probatório, ou seja assiste ao oponente a presunção legal de que não cometeu os factos que consubstanciam o crime de abuso de confiança, decidindo-se em duas sentenças, que o mesmo não geria de facto a sociedade, pelo que impossível se tornou imputar-lhe tal crime, daí dever-se concluir que se impunha à Segurança Social a prova em contrário.
18. Ora tal como supra referido, e como resulta dos autos, a Segurança Social não fez prova alguma que se possa valorar, quer num sentido, quer noutro, pelo que se deduz que a sentença recorrida ainda violou, ao não ter em conta o referido ónus probatório o art.º 674-B do CPC, aplicável ex vi do art. 2 da LGT.
19. A PROVA DOCUMENTAL junta pelo ora recorrente, não foi sequer valorada, ou então foi erroneamente valorada, conforme se afere da sentença, que nenhuma referência faz aos documentos juntos, com excepção da procuração.
20. Ou seja decorre da procuração, do contrato-promessa, da sentença absolutória supra referida; documentos já juntos aos presentes autos, bem como a sentença proferida nos autos que com o n.º 311/05.9IDVCT, correu os seus termos na secção única do Tribunal Judicial de Monção, já transitada em julgado, e cuja junção infra se requererá, em virtude da sua prolação ter sido posterior ao julgamento da presente causa, e somente ter transitado em julgado em 8 de Junho de 2010, que não foi devidamente apreciada e valorada a prova que indicava que o Sr. A. era parte ilegítima.
21. Quanto ao citado contrato-promessa do mesmo se afere o verdadeiro intuito da entrada do Sr. F. para a sociedade A. - daí decorrendo que ao invés da opinião veiculada pela Segurança Social e provavelmente partilhada pelo Tribunal, o mesmo não era um mero trabalhador por conta de outrem, nem tão-somente mero Director-Geral da sociedade, ele era principal interessado na edificação desta sociedade A., redimensionada e expandida com a sua entrada.
22. Do citado contrato se afere ainda que o referido Sr. Bacelo, conjuntamente com o seu irmão M. detinha maioria do capital social da sociedade A..
23. Da cláusula 5.ª do contrato-promessa se afere ainda que o referido Sr. F. também figurava como gerente, estando já devidamente explicitado a razão pela qual o Sr. A. mantinha essa denominação meramente formal.
24. Na sentença proferida nos autos com o n.º 143/06.7TAMNC, a qual nem sequer foi valorada pelo tribunal a quo, encontra-se plasmado - quer dos factos considerados provados quer da fundamentação de facto, toda a tese ora defendida.
25. Da sentença proferida nos autos com o n.º 311/05.9IDVCT, que ora se junta, também se afere a procedência da tese aqui defendida, sendo que em ambas as sentenças se condena o Sr. F. como gerente de facto e único responsável pelo não pagamento dos tributos e absolve-se o Sr. A. ora recorrente por se entender que o mesmo de facto não exercia a gerência.
26. Assim também a prova documental supra referida impunha o aditamento aos factos provados de que o oponente A., nos períodos em causa nos presentes autos não exerceu efectivamente a gerência de facto da sociedade A., estando tal gerência acometida a F..
27. A questão sobre se os efeitos dessa gestão se repercutem ou não na pessoa do oponente, como consta da sentença recorrida, certo sendo que a procuração não foi outorgada para representar o A., mas sim a sociedade, não cai no âmbito da presente averiguação, em que incumbe apurar uma actuação de facto e objectiva!
28. Efectivamente a responsabilidade ora em causa não se consubstancia com uma responsabilidade meramente subjectiva, pelo risco, mas sim estamos no âmbito da responsabilidade aquiliana, delituosa, premente torna-se demonstrar, cabendo tal ónus à Segurança Social, quem efectivamente praticou os factos lesivos e culposos.
29. Importava averiguar quem de facto geria diariamente a sociedade, tendo para o efeito todos os poderes que validassem a sua actuação, e já não em quem se repercutia os efeitos dessa gestão, como erroneamente procedeu o tribunal a quo, pelo que não foi a procuração correctamente valorada, contribuindo no modesto entender do recorrente, conjuntamente com os demais documentos juntos, para a prova da ausência da sua gestão efectiva.
30. Não poderá ainda este superior tribunal deixar de valorar a falta de pronuncia do tribunal a quo sobre questão que foi sujeito a sua apreciação.
31. Efectivamente, em sede de oposição a execução, bem como em sede de alegações suscitou-se ainda a ausência de culpa do ora recorrente no não pagamento do tributo e na insuficiência do património da devedora principal, não tendo qualquer responsabilidade do não pagamento das contribuições e cotizações à segurança social.
32. No entanto, e conforme se afere da sentença, não foi tal questão, pese embora sua relevância, pois constitui um requisito essencial da responsabilidade tributária subsidiária, sequer objecto de apreciação na sentença recorrida, o que constitui uma nulidade de sentença que este tribunal deverá conhecer e sancionar.
33. Dispõe o art.2 668.2, n.2 1 al. d) que: "É nula a sentença quando: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.", pelo que por violação do disposto no referido normativo deverá ainda a sentença ser considerada nula.
34. Mais decorre da análise que o tribunal fez da prova, que o mesmo violou com o decidido o disposto no art.2 24 da LGT, pois devia ter julgado o oponente parte ilegítima nos presentes autos e em consequência absolver o mesmo.
35. Mais se verifica ainda que a douta sentença recorrida violou, ainda por diversas vezes e em diversas ocasiões, já supra relatadas, o art. 125° do CPPT e art. 668° do CPC, por aplicação do art. 2° da LGT.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo a habitual e já acostumada justiça!”

O Recorrido, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

I. A dívida em crise refere-se a 11% - Cotizações não entregues, dos meses de Dezembro de 2005 a Agosto de 2006,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
II. NUNCA pagou o que quer que fosse à Segurança Social, apresentando uma dívida que ascende já a € 345 000, 00.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

III. De acordo com todos os elementos aduzidos ao processo, ficou demonstrado que o recorrente foi efectivamente gerente, de facto e de direito da empresa A. LDA;

IV. Qualidade que teve o cuidado de deixar bem vincada no acto de outorga de uma procuração, em vez de uma simples renúncia à gerência.

V. Bem assim como no próprio contrato promessa de cessão de quotas, em que o Recorrente reservou para si, a gerência da mesma.

VI. Tendo ficado claro que o Recorrente era bom conhecedor da diferença entre mandato e renúncia, conforme pôde confirmar sua filha, C., economista, em depoimento;

VII. Provou-se ainda que o tal "terceiro" - Sr. F. - afinal era um funcionário da empresa, subordinado às ordens do Recorrente, sem qualquer poder de direcção, gestão ou condução da empresa para além daquele que recebia da sua entidade patronal.

VIII. Foram satisfeitas todas as diligências requeridas pelo Recorrente, sem que este lograsse abalar a convicção criada sobre a sua responsabilidade.

IX. Pelo contrário, toda a prova produzida pela recorrida foi relevante para confirmar a reversão contra si operada.
X. Razões pelas quais, bem andou a sentença Recorrida quando julgou improcedente a oposição instaurada pelo Recorrente, por não provada.

Confirmando assim a decisão a quo, farão V.ªs Ex.ªs a devida Justiça!”

A Mª Juiz por despacho de folhas 307, do processo físico, refutou a verificação da nulidade imputada à sentença recorrida.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os mesmos com Vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta que emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Dispensados os vistos legais, com a concordância das Exmas. Juízes Desembargadoras Adjuntas, nos termos do artigo 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), vem o processo à Conferência, para julgamento.

I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente nas alegações de recurso e delimitadas pelas respectivas conclusões - nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608º e 635º do CPC, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - são saber se a sentença incorreu em (i) nulidade por falta de fundamentação e (ii)de omissão de pronuncia, (iii) se se verifica nulidade processual por inaudibilidade dos registos fonográficos dos depoimentos testemunhais prestados (iv) se se verifica erro material quanto ao valor do processo fixado; sem olvidar do erro de julgamento quanto (v) à apreciação da verificação do pressuposto da reversão, consubstanciado no exercício da gerência por parte do oponente, aqui Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. De Facto
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

FACTOS PROVADOS
Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso e do depoimento das testemunhas inquiridas, considero provados os seguintes factos:
1. Foi deduzida execução fiscal n.° 1601200601080539 e apensos instaurados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), originariamente contra a A. , Lda., por dívidas à Segurança Social, do relativo a meses dos anos de 2005 e 2006, no valor global de 56 662.54 €.
2. Em 07.04.1982, foi levada a registo a sociedade A., Lda., tendo por sócios e gerentes os Oponentes;
3. A gerência era conjunta sendo necessária a assinatura de qualquer um, para vincular a sociedade (fls. 16/17 do PEF apenso aos autos);
4. A sociedade executada tinha por objecto o fabrico e comércio de revestimentos de exteriores e interiores, detergentes líquidos e sólidos e produtos similares, compra e venda por grosso e a retalho.
5. Em 03.06.2002, no Cartório Notarial de Monção, o Oponente A., passou uma procuração, na qualidade de sócio da sociedade e em seu nome, e constituí bastante procurador F., a quem concedeu poderes específicos, para representar a sociedade em todas as Repartições Públicas e Privadas nomeadamente para movimentar e cancelar contas, outorgar contratos bem como podres forenses em direito documento que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls.38 a 40 dos autos);
6. Em 23.09.2003, os Oponentes realizaram um contrato promessa no qual prometiam cessão de quotas, a F., R. e J., filhos dos Oponentes, tendo a gerência ficado a cargo do Oponente A. e de F. (fls. 41 a 45 do PEF apenso aos autos);
7. O Oponente A. era quem assinava letras e livranças e outros documentos bancários.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos, dos documentos do processo executivo, apenso e no depoimento das testemunhas identificadas a fls. 103/1007 dos autos, cujos depoimentos se encontram gravados.
Foram inquiridos, R., e J., filhos dos Oponentes, os quais prestaram depoimentos vagos e contraditórios os quais não mereceram credibilidade, referindo a existência da procuração, a favor de F. o qual assumiu a gerência da executada.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou que a Oponente, A., tenha praticado actos consubstanciados no exercício da administração de facto da devedora originária.”

II.1.2 Ao abrigo do artigo 712º, actual 662ºdo CPC, procede-se à alteração do facto vertido no ponto 5 da matéria de facto, densificando-o, e ao aditamento dos factos 8. e 9., dado os documentos constantes dos autos:

5- Em 03.06.2002, no Cartório Notarial de Monção, o Oponente A., outorgou uma procuração, na qualidade de sócio da sociedade com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- Cfr folhas 38 e ss do pef em apenso;

8 - Foram extraídas contra a sociedade executada originária as seguintes certidões de dívida:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
- Cfr folhas 3 e 5 e ss do pef em apenso;

9 – O despacho de reversão contra o aqui oponente foi do seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr folhas 77 e ss do pef em apenso;

II.1.3 da junção de documentos

O Recorrente, com as presentes alegações de recurso juntou aos autos dois documentos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.04.2010, proferido no processo 143/06.7TAMNC.G1 de Monção, que negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da sentença prolatada no Tribunal Judicial de Monção (anteriormente junta aos autos), em processo comum, que, para além do mais, havia absolvido A. da prática, em autoria material e nas formas consumada e continuada de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social,de que vinha acusado, relativo ao período de Setembro de 2002 a Agosto de 2005.
- Sentença do Tribunal Judicial de Monção, de 07.05.2010, proferida em processo comum que ali correu sob o nº 311/05.9IDVCT, que, para além do mais, absolveu A. da prática, em autoria material e nas formas consumada e continuada de dois crimes de abuso de confiança previstos e puníveis pelo artigo 105º, nºs 1, 2 e 4 do RGIT, relativo a IVA de Junho de 2004 e Junho de 2005.

Como afirmado no acórdão deste TCAN, de 14.09.2017, no processo 04955/04-Viseu, sobre a possibilidade da junção de documentos, em fase de recurso...”(…)Nos termos do disposto no artigo 425º CPC “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o nº 1 do artigo 651.º do citado normativo que ”as partes só podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”
Nos termos do artigo 206º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e do nº 1 do artigo 423º do CPC, a regra é a de todos os documentos serem apresentados com a petição inicial. No caso do contencioso tributário a sua junção pode ainda ser feita até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que ocorrerá com o termo do prazo para alegações. Todavia, a junção tardia originará o pagamento de uma multa, caso a parte não prove que os não pôde oferecer com o articulado. - cfr. artº 423º , nº 2 do CPC. (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de de 2.04.2009, proferido no processo 685/08).
Decorrido tal prazo, só serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrência posterior, nos termos do artigo 423.º n. 3 do CPC.
Em sede de recurso e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume, assim, carácter excepcional, só devendo ser consentida nos casos especiais previstos na lei (cf.artigo 651º, nº 1, CPC).
Seguindo de perto o explanado pelo Cons. Abrantes Geraldes In Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e seg., em sede de recurso será legitimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva - documento formado depois de ter sido proferida a decisão – ou, subjectiva - documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.
Note-se que, a possibilidade resultante desta última hipótese (superveniência subjectiva) só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» - cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., págs. 533 e 534.
Deste modo, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» - cfr. ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95) (…)”.

Exposto o regime jurídico sobre a possibilidade de junção de documentos em sede de recurso, apreciemos a possibilidade de junção dos documentos que se nos apresentam.
Como acima referido, os documentos cuja admissão aos autos o Recorrente pretende são uma sentença do Tribunal Judicial de Monção e um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirma sentença anteriormente junta aos autos, e têm ambos data de elaboração posterior à prolação da sentença nos presentes autos. Referem-se ambos os documentos a acções em processo comum onde A. foi absolvido do crime de abuso de confiança.
Importa, por isso, saber, apesar de se tratarem de documentos cuja superveniência é objectiva, se os mesmos se encontram relacionados com os presentes autos.
Expliquemos.
Como resulta da matéria de facto dada como provada na sentença, ora junta, os períodos que subjazem àquelas acções não são os mesmos que originaram a dívida exequenda que subjaz aos presentes autos. Reitere-se que naqueles processos crime os períodos em causa vão do ano de 2002 a Agosto de 2005 – cfr. pontos B) e 15) da matéria de facto dada como provada, respectivamente no acórdão e sentença, juntos aos autos pelo Recorrente. Enquanto que nos presentes autos o período da dívida exequenda é de Dezembro de 2005 a Agosto de 2006.
Assim, apesar da superveniência objectiva dos documentos que agora se pretendem juntar aos autos, não se reportando aos períodos temporais em questão, não se vislumbra a pertinência dos mesmos, razão pela qual não é admitida a sua junção.

II.2. De Direito

Esclareça-se, antes de prosseguirmos na apreciação do presente recurso, que apenas o Oponente marido viu a oposição judicial julgada improcedente, não tendo sido interposto recurso pelo ISS da procedência da oposição quanto à Oponente mulher. Daí que, o presente recurso seja apenas do segmento da sentença que considerou parte legítima na execução fiscal A..

II.2.1. Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação
O Recorrente imputa à sentença nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1º, alínea b) do antigo CPC. [Conclusões 11ª, 12ªe 19ª]
A demarcação do âmbito e alcance do dever de fundamentação das decisões judiciais está directamente relacionada com as funções por elas desempenhados, já que sendo uma das garantias fundamentais dos cidadãos num Estado Social de Direito contra o arbítrio do poder judiciário, a motivação das decisões judiciais desempenha uma dupla função: por um lado, impõe ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, por forma a persuadir os destinatários e a comunidade jurídica em geral; por outro, pela via do recurso, permite o reexame do processo lógico ou racional que lhe está subjacente. A eficácia da sentença e, em última análise, a legitimação do próprio poder jurisdicional dependem, pois, da forma como se mostra cumprido o princípio da motivação das decisões judiciais. Conforme é doutrina e jurisprudência pacíficas, só perante a absoluta falta de fundamentação estaremos perante uma causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 125º do CPPT e actual artigo 615 do CPC - cfr. Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-01-2014, processo nº 1182/12. No mesmo sentido ainda o acórdão do Pleno do STA de 16.11.2011, processo nº 0802/10, entre outros.
Como referia o Prof. Alberto dos Reis In Código de Processo Civil Anotado, volume V, pag 140., “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Todavia, como alerta o Cons. Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Tendo presente o agora exposto, adiantamos desde já que no presente caso, não se verifica falta absoluta de fundamentação da sentença, que seja geradora da apontada nulidade, porquanto como apreciaremos infra, a não especificação de alegação de facto requerida agora pelo Recorrente, por se tratar de uma conclusão fáctica, não deve ser levada ao probatório sem que a sentença incorra em nulidade por falta de fundamentação.
Saber se apreciou de forma correcta ou não, já se prende com a verificação de um possível erro de julgamento e não de nulidade da sentença recorrida.
Falecendo as conclusões de recurso, é de lhe negar provimento, neste segmento

II.2.2 da nulidade por omissão de pronúncia

O Recorrente continua a insurgir-se contra a sentença recorrida, imputando-lhe omissão de pronúncia, dado que em sede de petição inicial, como em sede de alegações apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT, ter suscitado a ausência de culpa do ora Recorrente no não pagamento do tributo e na insuficiência do património da devedora principal. [Conclusões 30ª a 32º]
A Mª Juiz de 1ª instância, no despacho de apreciação das nulidades de sentença, fundamentou que tal nulidade não se verificava porquanto “(…) Da análise da petição verifica-se que o Oponente não alega factos, usa a referida causa de pedir na decorrência da falta de gerência efectiva. (…)”.
Analisemos.
De acordo com o disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer“.
Comando legal idêntico se encontra no artigo art. 668º alínea d), actual 615º, o CPC, em obediência ao fixado nº 2 do art. 660º, actual 608º, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”
Existirá, assim, omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio.

Consequentemente, a suscitada nulidade só ocorrerá nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” in Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, in Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 143.
No caso em análise, e lida atentamente a p.i., não vislumbramos que tivesse sido alegado pelo oponente a sua falta de culpa. Apenas foi invocado o não exercício da gerência.
A fundamentação que o Recorrente aporta ao presente recurso de que não teve culpa no não pagamento do tributo, nem na insuficiência de bens para pagamento do mesmo, apenas foi invocada em sede de alegações de direito apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT.
Todavia, as alegações apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios em tal peça processual. Como vertido no Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, 5ª ed., Vol. I, pág. 783, «A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo, posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120º deste Código.
Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268º do CPC) e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (nº 1 deste art. 108º).
Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136º, nº 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.
Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado no art. 506º do CPC, sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art. 2º do CPPT.».
O acabado de expor aplica-se ao processo de Oposição, em face do vertido no artigo 211º do CPPT, que dispõe no seu nº 1 que:” Cumprido o disposto no número anterior, seguir-se-á o que para o processo de impugnação se prescreve a seguir ao despacho liminar”.
Ora não sendo a questão da falta de culpa do gerente pelo não pagamento do tributo de conhecimento oficioso, devia ter sido invocada no prazo legal para a dedução de Oposição judicial previsto no artigo 203º do CPPT. Não tendo tal questão sido invocada nesse prazo – pois que não foi invocada na petição inicial – , não sendo de conhecimento oficioso, era vedado ao tribunal conhecer de tal questão.
Deste modo, e uma vez que a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal não se pronuncie sobre questão de que devesse conhecer, não pode proceder a invocada nulidade.
Improcedem as conclusões de recurso, quanto ao segmento apreciado.

II.2.3 Da nulidade processual por inaudibilidade/imperceptibilidade de depoimentos testemunhais
O Recorrente veio alegar nulidade processual, por deficiência e falhas de gravação de parte dos depoimentos testemunhais prestados, que impede a apreciação em sede de recurso do erro de julgamento de facto por falta de registo de prova ou registo válido. [Conclusões 1ª a 3ª]
Como se afirmou no acórdão deste TCAN de 26.03.2015, proferido no processo 230/04.9BEVISDisponível em www.dgsi.pt” “….Efectivamente, com a gravação dos depoimentos orais prestados em sede de inquirição de testemunhas e com a opção de facultar às partes cópia do respectivo registo, a lei pretendeu consagrar um efectivo 2.º grau de jurisdição em matéria de facto, a exercer junto deste Tribunal.
Se a gravação, não regista o depoimento das testemunhas podendo ser na totalidade, que se mostra imperceptível ou mesmo inaudível pode dizer-se mesmo, que estamos perante depoimentos não gravados e, consequentemente, perante uma formalidade que, em termos absolutos foi omitida e que, influenciando no exame e decisão da causa, importa nulidade pela impossibilidade do tribunal de recurso de reavaliar a apreciação dos meios de prova feita pelo tribunal recorrido tal como se infere dos nºs 2 e 3 do art. 712º do CP vigente à data .
A omissão (parcial ou total) de gravação ou a sua deficiência constitui, pois, um vício que se enquadra, numa nulidade prevista no art. 201º do CPC. (…)
De acordo com os artigos 3º, nº 1 e 4º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, a gravação é feita, em regra, com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça.
Relativamente a anomalias que venham a ocorrer na gravação, dispõe-se em tal diploma legal que “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.
O diploma em causa limita-se a regular o modo como a gravação deve ser efectuada, não prevendo qualquer mecanismo que imponha que, no final da gravação, as partes e o Tribunal devam aferir da efectiva gravação e da sua qualidade.
(…)
Daqui decorre, à luz da pretérita lei processual civil, que nem as partes tinham o ónus de controlar a qualidade da gravação, sendo essa tarefa reservada ao tribunal, nem as mesmas podiam ser prejudicadas quando ocorresse uma anomalia durante a gravação, por erro, designadamente do funcionário que a tivesse executado, ou por falha técnica.
Às partes não podia ser vedado o direito da reapreciação da prova em sede de recurso, nem o Tribunal de 2ª instância podia ficar impossibilitado do exercício dos latos poderes de sindicância que o anterior Código de Processo Civil já então lhe reconhecia, por falha ou erro na gravação, que tornasse imperceptíveis ou mesmo inaudíveis, no todo ou em parte, os depoimentos nela contidos.
Daí o entendimento então tendencialmente uniforme das instâncias superiores[Cf., entre outros, Acórdãos do STJ, 02.02.2010, processo nº 1159/04.3TBACB.C1, 03.11.2009, 23.10.2008, Acórdãos da Relação de Lisboa, 10.05.2007, 13.05.2009, Acórdãos da Relação do Porto, 22.01.2007, 15.10.2009, 02.03.2009, 27.11.2008, 22.11.2007, todos in www.dgsi.pt.], de que não sendo de exigir às partes que procedessem ao controlo da qualidade da gravação no próprio acto ou nos dez dias a ele subsequentes, o prazo para arguir o vício decorrente da deficiência da gravação alargava-se até ao termo do prazo para apresentação das alegações de recurso em que, com a impugnação da matéria de facto, e com a necessidade de proceder à respectiva motivação, a parte recorrente se podia aperceber das anomalias que pudessem afectar o registo da prova.
E, ainda, que o vício em causa não tivesse sido invocado por nenhuma das partes, nem assim estava vedada a possibilidade do seu conhecimento pelo tribunal superior, que houvesse de apreciar a prova testemunhal produzida em audiência, para sindicar o julgamento da matéria de facto realizado em primeira instância.
Assim defendia o Acórdão da Relação do Porto, de 16.06.2009, in Rec. 0826934 que no caso ”…por ex. de o recorrente impugnar a matéria de facto, e não arguir este vício, por não querer ou não ter interesse no trecho omitido ou deficiente, o tribunal de recurso, por se encontrar impedido de reapreciar a prova (conferindo e cruzando os depoimentos impugnados com o depoimento imperfeitamente gravado ou omitido) pode oficiosamente conhecer da nulidade face ao que dispõe o art. 9º do diploma (designadamente da expressão a todo o tempo) em análise e 712, nº 4 do CPC”.
A deficiência da gravação, que acarrete, no todo ou em parte, a imperceptibilidade ou inaudibilidade dos depoimentos objecto de registo constitui irregularidade que se traduz em nulidade secundária, a arguir mediante reclamação da parte interessada no seu reconhecimento.
A nulidade decorrente da deficiência da gravação, nos termos expostos, implica a anulação dos actos viciados e dos actos subsequentes, que deles dependem absolutamente.(…)
Prevê, todavia, hoje o nº3 do artigo 155º do Código de Processo Civil que “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respectivo acto”, enquanto o nº 4 do mesmo normativo determina que “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”.
Ao contrário do que antes sucedia, recai actualmente sobre as partes o ónus de controlarem a existência e qualidade da gravação, fixando a lei prazo para ser arguida a sua falta ou deficiência.
Ou seja, o Novo Código de Processo Civil fixou expressamente prazo para as partes arguirem o vício decorrente da falta ou deficiente gravação da prova, que, ao contrário do que antes sucedia, é sempre obrigatória em sede de julgamento, sendo esse prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo da gravação – que temporalmente poderá não corresponder ao levantamento pela parte do respectivo suporte informático - devendo essa disponibilização ocorrer no prazo de dois dias contados de cada um dos actos sujeitos à gravação.
O vício em causa deve, assim, ser arguido em primeira instância, e no prazo peremptório agora legalmente estabelecido, sob pena de ocorrer, por decurso desse prazo, a sua sanação.
Daí afirmar-se que “a omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, um problema que deve ficar definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa do juiz que preside ao acto quer mediante arguição dos interessados”[cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 11.09.2014, processo nº 4464/12.1TMGMR.C1, www.dgsi.pt, embora com voto de vencido no sentido de que o nº4 do artigo 155º do NCPC não veda à Relação o conhecimento oficioso do vício em causa, posição que na esteira da defendida pelo acórdão da Relação de Lisboa de 12.11.2013, processo nº 1400/10.3TBPDL.L1-7, também em www.dgsi.pt.],.
À solução adoptada na nova lei processual civil há que reconhecer o mérito de permitir que em primeira instância sejam desde logo desencadeados todos os mecanismos necessários ao suprimento de eventuais vícios que afectem a gravação, quer pela intervenção oficiosa do juiz que presidiu ao respectivo acto, quer através da arguição pelas partes no prazo que para o efeito a lei lhes faculta, evitando-se, deste modo, a subida de recursos inquinados desse vício, que tantas vezes conduzia a anulação pela segunda instância dos actos viciados e remessa dos autos à primeira instância para repetição dos actos afectados, implicando um retardar da marcha do processo, que a nova resposta processual para a questão evita, constituindo, além do mais, expressão do princípio da auto-responsabilização das partes, marcadamente acolhido no novo diploma.
Assim, não obstante as posições dissonantes acolhidas no voto de vencido lavrado no acórdão da Relação de Guimarães de 11.09.2014 e do acórdão da Relação de Lisboa de 12.11.2013, ambos já mencionados, entendemos que o artigo 155º do NCPC fixa um prazo, peremptório, para as partes interessadas arguirem vícios da falta ou deficiência da gravação da prova – 10 dias contados do momento em que a gravação é disponibilizada, tendo a secção de processos um prazo de 2 dias a partir do acto em que ocorreu a gravação para o fazer – e que o vício fica sanado, decorrido esse prazo, se não for arguido, não podendo o mesmo ser arguido perante o tribunal de 2ª instância nas alegações de recurso, ainda que reclamando-se desta o reexame das provas produzidas em primeira instância, nem podendo aquele dele conhecer oficiosamente, seguindo-se, assim de perto, as posições já expressas, para além do citado acórdão da Relação de Guimarães, os acórdãos da Relação do Porto de 13.02.2014 – relatado pelo Desemb. Aristides de Almeida, de 11.03.2014[Respectivamente, processos nºs 142046/08.3YIPRT.P1, 501/10.2TBOAZ.P1, ambos em www.dgsi.pt.], da Relação de Guimarães de 11.06.2014[Processo nº 1224/11.0TbVVD.G1, www.dgsi.pt. ], da Relação de Coimbra de 10.07.2014 e de 14.10.2014[ Respectivamente, processos nºs 64/13.7T6AVR-A.C1 e 477/03.2TBVNO.C3, www.dgsi.pt.9].(...)”

Exposto o regime jurídico, importa sublinhar que estamos perante um processo de oposição judicial, deduzido em 2.07.2008, em que o presente recurso jurisdicional foi interposto em 6.05.2010, anos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil que veio alterar o entendimento até aí seguido.
Procedemos à audição dos depoimentos, sendo de concluir que, apesar de em várias partes do registo fonográfico as vozes estarem algo distorcidas, foi totalmente perceptível a sua audição e compreensão.
Destarte, não se verificando a deficiência de gravação ou reprodução da prova que obste à reapreciação da mesma, não se encontra esta instância de recurso impedida de reapreciar ou valorar a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente à matéria de facto fixada na sentença subjudice por prova testemunhal produzida nos autos.
Sucumbem também as conclusões quanto a este segmento de recurso, não se verificando a nulidade processual invocada.

II.2.4 Da verificação de erro material por lapso de escrita com a indicação errónea do valor do processo

Veio também o Recorrente invocar a existência de erro material na indicação do valor do processo. Que o Recorrente foi citado por reversão, simultaneamente, em dois processos executivos, um com o nº 1601200601080547, cuja dívida exequenda era montante total de 38 654,14 euros e outro com o nº 1601200601080539, cuja dívida exequenda era de 18 008,40 euros. Que a presente oposição judicial foi deduzida apenas contra a última execução fiscal agora identificada, daí que o valor referido de 56 662,54 euros deve ser substituído pelo valor correcto de 18 008,40 euros. [Conclusões 4ª a 7ª]
Apreciemos.
Determina o artigo 249º do Código Civil que “O simples erro de cálculo ou escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”
Partimos da jurisprudência deste TCA Norte, nomeadamente do acórdão proferido em 7.12.2017, no processo 01479/16.4BEPRT, cujo sumário consagra, de forma lapidar, o entendimento jurídico de quando deve este normativo ser aplicado. Ali se plasmou que:
“I – Acolhe e exprime-se no artigo 249.º do Código Civil um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
II – Para o preenchimento legítimo do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade.
III – Os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação.
IV - O erro na declaração ou erro obstáculo existe quando, não intencionalmente –por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso.
V – O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita.
VI – Se as circunstâncias em que a declaração é efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.”

Em acórdão recente, também o Supremo Tribunal Administrativo (STA) no aresto de 21.05.2020, proc 015/19.5BALS decidiu que:
” I - O artigo 249.º do Código Civil diz apenas respeito aos lapsos de escrita manifestos, ou seja, aqueles que se identifiquem como erro mecânico de escrita pelo e no contexto da declaração.
II - Os erros de escrita não se confundem com o erro na declaração ou erro obstáculo que ocorre quando, por inadvertência, engano ou equívoco, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor.
III - Se as circunstâncias em que a declaração é efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.”
Ora, como decorre da matéria de facto, por nós aditada, nomeadamente, a certidão de dívida exequenda, em causa nos autos, mas também a concordância entre as partes, ao longo do presente processo de oposição judicial, na identificação do processo executivo, do período da dívida, e do montante da dívida exequenda, a que os mesmos se reportam, e a constatação através da consulta do SITAF, que, o processo executivo simultaneamente revertido contra o agora Recorrente foi objecto de diferente processo de oposição judicial, afigura-se-nos que estamos perante a situação de erro (o de escrita) verificada nos autos, por o valor ali fixado ser exactamente o resultado da soma do montante das dívidas exequendas dos dois processos executivos revertidos contra o agora Recorrente (38 654,14€+18 008,40€=56 662,54€). Estamos, assim, perante uma situação erro dito “mecânico”, ostensivo, evidente, ou seja, que ao ler o texto da sentença se percebe que há erro e logo se entenda o que se pretendeu ali afirmar.
Procedendo as conclusões de recurso, e procedendo a verificação de erro de escrita na fixação do valor da presente causa, é de proceder à alteração do mesmo, fixando-se tal valor em 18 008,40 euros.
Avancemos.

II.2.5 Do erro de julgamento

II.2.5.1 O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. O Recorrente insurge-se contra a sentença imputando-lhe erro de julgamento de facto na fixação do ponto 6 do probatório, por o contrato promessa de cessão de quotas que o sustentou, prever que a cessão das quotas tituladas pelo Recorrente e mulher não só a F., J. e R., mas também a M., parente do referido F., e ainda deve o ponto 6 ser corrigido na parte que sustenta que a gerência ficou a cargo do oponente, quando decorre do citado contrato promessa que a gerência ficou afecta ao oponente e ao referido Sr F.. [Conclusões 8ª e 9ª]
Recuperemos o ponto 6 da matéria de facto dada como provada, pela sentença recorrida:
“6. Em 23.09.2003, os Oponentes realizaram um contrato promessa no qual prometiam cessão de quotas a F., R. e J., filhos dos Oponentes, tendo a gerência ficado a cargo do Oponente A. e de F. (fls 41 a 45 do PEF apenso aos autos)”.

Em face da apreciação do contrato promessa de cessão de quota, e da sua concatenação com o vertido naquele ponto 6, é conceder provimento parcial ao pretendido, passando a redacção do dito ponto 6 a ser a seguinte:

“6. Em 23.09.2003, os Oponentes celebraram um contrato promessa de cessão de quotas, no qual prometeram ceder as mesmas a F., R. e J. , filhos dos Oponentes, e M., tendo a gerência social ficado afecta a todos os sócios, ficando desde logo nomeados gerentes o Oponente A. e F. – cfr. folhas 41 a 45 do pef em apenso aos autos.”

II.2.5.2 Prossegue o Recorrente na imputação de erro no julgamento de facto à sentença recorrida, por errada valoração da prova quer testemunhal, quer documental. Que do depoimento testemunhal das duas testemunhas ouvidas, decorre que deve ser aditado ao probatório o seguinte facto: “O oponente A. não exerceu, desde pelo menos 2002 e nos períodos concretos em causa qualquer efectiva gerência na sociedade A.”. [Conclusões 10ª, 11ª, 13ª, 14ª, 24ª a 26ª].
Antecipemos que não tem razão.
O agora transcrito, que o Recorrente pretende ver aditado à matéria de facto, não é um facto, mas uma conclusão fáctica. Dito de outro modo, como qualquer petição inicial, também a petição de Oposição judicial deve ter como causa de pedir factos, que suportem o fundamento invocado pelo oponente, no caso, a sua ilegitimidade na execução fiscal.
Os factos poderão ser subdivididos em factos principais e factos instrumentais.
Na senda da melhor doutrina Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, “CPC Anotado” Volume II, 3ª edição, pág. 354, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, 1981, I Vol., pág. 207/208; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, II; pág. 847; e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2ª edição, Vol. I, pág. 193, são considerados factos principais todos os que integram a causa de pedir, fundando o pedido; e factos instrumentais aqueles cuja função é apenas probatória, que não substanciam ou preenchem as pretensões jurídico-materiais do autor, mas da sua prova se pode inferir a prova dos factos principais.
Na petição inicial o autor deve, portanto, expor os factos principais e instrumentais necessários à procedência do pedido (e, acessoriamente, mencionar as razões de direito, isto é, a interpretação e aplicação das regras jurídicas aos factos narrados). Este é o corolário do acolhimento pelo nosso direito processual civil da teoria da substanciação, que implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão). Ou seja, os fundamentos de facto e de direito devem estar para o pedido na mesma relação lógica em que as premissas dum silogismo estão para a conclusão Alberto dos Reis, ob. cit. pag. 350. Consequentemente, a fixação da matéria de facto não deve conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respectivos meios incidirão, tanto mais que são os factos que o n.º 4 do art.º 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença. Assim, na selecção dos factos em sede decisão da matéria de facto (art.º 607.º, n.º 4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, o Recorrente pretende levar ao probatório uma conclusão fáctica, cuja relevância, salvo melhor opinião, deve ser apreciada a partir dos factos fixados e que ali constam. Saber se as ilações de facto retiradas pela sentença foram as correctas ou não, é matéria que não deve ser levada ao probatório. Pelo que também aqui não tem razão o Recorrente.

II.2.5.3 O Recorrente continua a imputar à sentença erro de julgamento por haver decidido que resultou provado o exercício da gerência, por banda do Oponente. Que por um lado, o ISS não provou o exercício da gerência pelo aqui Recorrente. Mais do que a outorga da procuração, importava apurar a actuação de facto e objectiva. Que decorre dos factos o não exercício da gerência, no período a que respeita a dívida. [15ª a 29ª]
Analisemos.
O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade, pelo que, como referido na sentença recorrida, é de aplicar o regime previsto no artigo 24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão.
O artigo 24º, nº 1 da LGT determina que:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…) ”.
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício - alínea a) - ou vencidas no período do seu mandato - alínea b).
Resulta da norma transcrita que os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a esta pelo pagamento das dívidas tributárias.
A inclusão neste dispositivo legal das expressões “exerçam, ainda que somente de facto” e o “período de exercício do seu cargo”, implica que, para a responsabilidade das pessoas aí indicadas, não é suficiente a mera titularidade de um cargo, tornando-se indispensável que tenham sido exercido as respectivas funções – neste sentido veja-se o acórdão do STA de 11.03.2009, proferido no processo nº 0709/08. Deste modo, o mecanismo da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores só opera perante a verificação da gerência de facto. Ou seja, do exercício real e efectivo do cargo.
A questão de saber se existe uma presunção legal quanto à gerência de facto foi largamente debatida pela jurisprudência, tendo o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA tomado posição no acórdão de 28.02.2007, proferido no processo 01132/06, a qual é por nós sufragada e donde se retiram os seguintes ensinamentos:
De acordo com o artigo 349º do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto para firmar um facto desconhecido”.
Conforme a inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência da apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerum que accidit), a presunção diz-se legal ou natural (simples ou judicial).
Nos termos do artigo 350º, nº 1 do Código Civil, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. Todavia, idêntica regra não está consagrada relativamente à presunção judicial.
A presunção judicial é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. Só nessa ocasião e por força do raciocínio do juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente, nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser também conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou – vide Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, 1979, páginas 215-216. Em sentido idêntico Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1ª edição, página 486 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2ª edição, página 289.
Assim, provada que seja a gerência de direito, é à administração tributária, in casu ao Instituto da Segurança Social (ISS), enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora, e entre eles, os que respeitam à existência do exercício da gerência, de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem de provar os respectivos factos constitutivos – cfr. artigo 342, nº 1 do Código Civil e 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária, pois, como acima sublinhado, não existe qualquer presunção legal que faça decorrer da gerência de direito o efectivo exercício da função.

Ora, a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial traduz-se numa panóplia de actos praticados pelo gerente em nome e interesse da sociedade, entre elas, a contratação de pessoal, em relações com fornecedores, com clientes e instituições de crédito. Para que se verifique a gerência de facto torna-se, pois, necessário que o gerente, no uso dos seus poderes de gerência, pratique efectivamente actos em nome e representação da sociedade, seja um órgão actuante da sociedade, realize negócios em nome da sociedade, exteriorize a vontade societária perante terceiros etc. – vide também, entre outros, os Acórdãos deste TCAN proferidos em 18/11/2010 e 20/12/2011 nos processos 00286/07 e 00639/04.
Retornando ao caso que nos ocupa, não vem controvertido que o oponente, aqui Recorrente, em 03.06.2002, tenha outorgado em representação da sociedade devedora originária, uma procuração através da qual concedeu poderes específicos para representar a sociedade em todas as Repartições Públicas e Privadas nomeadamente para movimentar e cancelar contas, outorgar contratos bem como poderes forenses em direito documento que aqui se dá por integralmente reproduzido ( cfr. ponto 5 da matéria de facto dada como provada).
Do ponto de vista jurídico, dispõe o artigo 258º do CC que “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”. E a procuração é um modo de representação voluntária, nos termos do artigo 262º do CC, por ser um acto pelo qual alguém atribui a outrem voluntariamente poderes representativos.
Assim sendo, a constituição de procurador bastante com a finalidade de exercer a gerência da sociedade devedora constitui também o contrato de mandato com representação nos termos do preceituado nos artigos 1157º e 1178º, ambos do CC, pelo que o mandatário tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores vai no sentido de considerar que neste tipo de situações se deve entender que o responsável subsidiário exerceu as suas funções de gerente – vide, por todos, os acórdãos deste TCAN de 26.03.2015, proferido no processo 01044/11.2BEBRG; de 30.09.2015, processo 00188/07; de 24.01.2017, processo 01752/06 e de 27.11.2014, processo 00824/06.
É certo, por isso, que os actos praticados por mandatário se refletem na esfera jurídica do mandante, mas não é menos certo que a indagação sobre a gerência de facto não visa aferir da validade do envolvimento formal do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto exercesse (ou pudesse ter exercido) – neste sentido veja-se o acórdão do TCAS de 25.05.2017, proferido no processo 1770/09.6BELRS.
Voltando ao caso dos autos, é certo que a procuração outorgada, e cujo teor foi aditado à matéria de facto, por este Tribunal de recurso, tem uma grande amplitude de poderes, o que poderia inculcar a ideia de que o único objectivo que lhe esteve subjacente foi o afastar o oponente da vida societária. Todavia, convém não olvidar, por resultar do ponto 7 do probatório, que o aqui Oponente continuou a assinar letras e livranças e outros documentos bancários. E não obstante a existência de um contrato promessa de cessão de quotas, consta do artigo 5º- 1º daquele contrato que a gerência social ficava afecta a todos os sócios ficando desde logo nomeados gerentes o Sr A. e o sr F..
Tais factos não foram impugnados no presente recurso, não resultando da matéria dada como provada factos que mostrassem as circunstâncias relacionadas com o enquadramento da conduta do oponente demonstrativos de que se encontrava afastado da gerência da sociedade.
Nem o aditamento de factos no sentido de que o oponente apenas pretendia criar a possibilidade a quem detinha “o animus possidendi” de gerir a sociedade executada, foi requerido, para obstar a que se pudesse concluir que a Fazenda Pública houvesse cumprido o seu ónus da prova.
Importa ainda destacar que a impugnação do julgamento de facto contém regras precisas para que o mesmo não seja rejeitado pelo tribunal de recurso, nomeadamente as vertidas no artigo 385º-A, actual 640º do CPC. A apreciação do erro de julgamento de facto pelo tribunal superior não tem uma amplitude tal que abarque um novo julgamento, mas apenas e só dos pontos que respeitaram o preceituado naquele artigo.
Sublinhe-se que este tribunal não ignora nem o disposto no artigos 674º-B do Código de Processo Civil, nem que existe nos autos uma sentença absolutória do recorrente em processo crime, pois apesar de não ter a força de caso julgado, não deixaria de ser um elemento de prova que poderia ser valorado de acordo com o princípio de livre apreciação das provas - artigo 655º, nº1 do CPC (actual 607º, nº 5). Mas a existência de tal decisão teria de ser sempre conjugada com outros elementos probatórios. Desde logo com o período a que as dívidas respeitam.
Dito de outro modo, a sentença absolutória existente nos autos não diz respeito ao período de dívida em causa nos presentes autos, como referido supra. Razão pela qual a sua existência, não é suficiente para demonstrar tout court que à outorga da procuração a terceiro não subjaz qualquer vontade ou intuito de gerir, ainda que por interposta pessoa, sendo certo que continuou a assinar letras, livranças e outros documentos bancários.
Tendo o ISS provado a gerência de facto por banda do oponente, e não tendo este logrado fazer prova que o infirmasse, é de negar provimento ao recurso, neste segmento, em face da sucumbência das conclusões de recurso.
Destarte, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

III. Decisão

Termos em que acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica, corrigindo, ainda assim, o erro de escrita na fixação do valor da causa, onde deve passar a constar ser o valor do processo de 18 008,40 euros.
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Custas pelo aqui Recorrente, por ter ficado vencido.
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Porto, 14 de Outubro de 2021


Cristina Paula Travassos de Almeida de Jesus Bento Duarte
Maria Celeste Gomes Oliveira
Maria do Rosário Meneses da Silva Pais

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i) In Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e seg.

ii) “Disponível em www.dgsi.pt”