Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00209/08.9BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/03/2012
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IRS
AJUDAS DE CUSTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I- Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do art. 660° do CPC, ex vi do art. 2° al. f) do CPPT.
III - De acordo com o entendimento atual do princípio da legalidade administrativa, incumbe à AT o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e a respetiva quantificação, isto quando o ato por ela praticado tem por fundamento a existência do facto tributário e a sua quantificação.
III - Assim, incumbe à AT, em sede do procedimento administrativo-tributário de liquidação, indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, fazendo todas as diligências pertinentes para o efeito, e tal procedimento só pode culminar com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos constantes do processo administrativo, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário (princípio da verdade material). *
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
C…, contribuinte n.° 1…, residente na Quinta…Bragança, deduziu impugnação judicial a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 2004.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou a FP, tendo concluído da seguinte forma:
- Em processos de natureza semelhante à dos autos - em que se discute a tributação de rendimentos atribuídos a titulo de ajudas de custo no estrangeiro - a maioria da jurisprudência produzida tem entendido que a definição e concretização de domicilio necessário e o pagamento de um valor mensal fixo, por si só, não bastam para qualificar tais rendimentos como verdadeiras remunerações e em consequência tributáveis em sede de IRS.
- Esse também foi o entendimento plasmado na douta sentença. Recomendando-se à Administração Tributária, a final, o aprofundamento da investigação e sugerindo-se: “Por exemplo, poderia ser indagado da existência de refeitórios ou dormitórios da entidade patronal nas obras em que o impugnante trabalhou em Angola. E, na dúvida, a AT deveria abster-se de praticar o ato.” Mas, na verdade, a AT procurou aprofundar a investigação. E o que se sugere na douta sentença foi efetuado pela AT, pois a entidade patronal foi notificada, no âmbito do procedimento inspetivo, através do oficio n°5611, de 24 de outubro de 2007 (Cfr. ponto 2.1 do Relatório de Inspeção Tributária, que se juntou à contestação como doc.2/8; e minuta do oficio como 2/17), para:
“1) Indicação dos valores atribuídos às pessoas referidas, a título de vencimentos (valor bruto) e de ajudas de custo;
2) Fotocópia dos recibos de vencimento das pessoas referidas, do exercício de 2004;
3) Fotocópia dos Boletins Itinerários relativos aos valores pagos a título de ajudas de custo;
4) Fotocópia dos documentos justificativos dos valores pagos a título de vencimento e de ajudas de custo (ex.° transferência bancária ou cheques emitidos).
5) Justificação de eventuais diferenças entre os valores processados nos recibos de vencimento (valor liquido a receber pelo funcionário) e dos valores efetivamente pagos;
6) Indicação do país e da localização das obras onde os trabalhadores referidos prestaram funções no estrangeiro;
7) Indicação da localização do estaleiro das obras identificadas no ponto anterior, esclarecendo quais as estruturas operativas existentes (cantina, dormitórios, clínica, etc.);
8) Indicação se as estruturas da empresa nesses estaleiros foram utilizadas pelo trabalhadores referidos, e se esse uso foi descontado no salário bruto;
9) Informação sobre a forma de processamento dos salários e de ajudas de custo, a domiciliação bancária do salário líquido e das ajudas de custo pagas aos funcionários deslocados no estrangeiro.”
E o trabalhador, ora impugnante, foi notificado, também no âmbito do procedimento inspetivo, através do oficio n°5608, de 24 de outubro de 2007 (Cfr. ponto 2.2 do Relatório de Inspeção Tributária, que se juntou como doc.2/9; e minuta do oficio como 2/15), para:
“1) Indicação dos valores auferidos a título de vencimentos (valor bruto) e de ajudas de custo;
2) Fotocópia dos recibos de vencimento do exercício de 2004;
3) Fotocópia dos Boletins Itinerários relativos aos valores recebidos a título de ajudas de custo;
4) Fotocópia dos documentos, das despesas suportadas com a alimentação, alojamento e transportes realizadas para desempenhar as suas funções no estrangeiro, justificando a sua falta de apresentação dos mesmos (ex.° despesas pagas pela entidade patronal...);
5) Fotocópia dos documentos justificativos dos valores recebidos a título de vencimento e de ajudas de custo (ex. ° extrato bancários dos valores transferidos (ou depositados) pela entidade patronal, cheques emitidos pela entidade patronal).”
- A empresa S..., SA, respondeu (Cfr. doc.2/19) a esta solicitação, remetendo todas as explicações para o processo inspetivo realizado pela DSIT. E o impugnante não respondeu à notificação (Cfr. ponto 2.2 do Relatório de Inspeção Tributária, doc.2/9). Ou seja, fazendo uso da expressão popular, a AT “bateu às portas” de quem poderia dar as tais informações sobre a eventual existência de estaleiros, dormitórios e cantinas e uso das mesmas por parte do impugnante. Mas as “portas” não se abriram por vontade dos visados. E assim, foi o impugnante e foi a entidade patronal do mesmo, que inviabilizaram o aprofundar da investigação. E o que a AT pedia era razoável e as respostas - que não foram dadas - poderiam esclarecer, em definitivo, esta questão. Assim, a Administração Tributária não sabe se estes estaleiros existiam nas obras em que a impugnante trabalhou. Também não sabe, no caso de existirem tais estruturas de apoio, se o trabalhador fez uso das cantinas e dormitórios da empresa.
- Por isso, na contestação se pediu a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344° n.°2 do Código Civil e 519° do Código de Processo Civil. Mas sobre estes factos, sobre esforço realizado pela AT, sobre a aferição da titularidade do ónus da prova, nada foi escrito, nem decidido na douta sentença. Resolvendo-se a impugnação judicial por semelhança, como uma de muitas mais - quando, na perspetiva da Fazenda Pública, existem especificidades próprias neste processo que impedem essa generalização.
- Especificidades acima descritas que, no limite, sempre impediriam o conhecimento imediato do pedido, nos termos do artigo 113º do CPPT, com a evolução, natural, dos autos para a instrução, com, pelo menos, a produção de prova testemunhal através da inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
- E são também estas especificidades - do reforço da investigação realizada pela AT e consequente necessidade de aferição da titularidade do ónus da prova - a questão - ou questões - que o Meritíssimo Juiz a quo não resolveu, nem conheceu na Douta Sentença. E assim, a validade da sentença está em crise, por omissão de pronúncia, devendo ser considerada nula, nos termos do artigo 668° n.°1 alínea d) do Código de Processo Civil, por força da remissão subsidiária do artigo 2° alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V. Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com todas as consequências legais.
O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
- A douta sentença recorrida mostra-se conforme à factualidade provada e ao Direito, pelo que deve ser mantida na íntegra.
- Também o Ministério Público sustenta a procedência da impugnação.
- Como entende a douta decisão recorrida e tem decidido de forma pacífica a Jurisprudência, é à Administração Tributária que compete demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, que ocorreram situações suscetíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS.
- No fundo, do que se trata é de que cabe à AT dar satisfação ao ónus que lhe incumbe de “apontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos (pelo Impugnante, aqui recorrente) não tinham qualquer fim compensatório.” (Cfr. Ac. n° 0063/01, do TCANORTE, de 06-04-2006, in www.dgsi.pt, Acs. do STA, de 06.03.2008 e 06.03.2008, e Sentenças do TAF de Braga, de 22.05.2007, e do TAF de Penafiel, de 07-02-2007, que se juntam - Docs. 1, 2, 3 e 4).
- A AT não alegou, nem obviamente provou, quaisquer factos que demonstrem que as quantias pagas pela S... ao Impugnante tinham caráter remuneratório ou integrante da sua retribuição.
- E não se olvide que o ato tributário impugnado - liquidação adicional de IRS ao Impugnante - assentou única e exclusivamente na consideração pelo Fisco de que as quantias em causa constituíram remuneração do Impugnante e não ajudas de custo.
- É sobre a AT que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do ato tributário sub judice, isto é, da liquidação adicional de IRS ao Impugnante (cfr., Art° 74° da LGT).
- As declarações feitas pelos contribuintes, no caso a declaração de IRS apresentada pelo Impugnante, beneficiam da presunção de verdade e de boa fé (cfr. Art° 75° da LGT)!
- O Meritíssimo Sr. Dr. Juiz a quo não violou o princípio do inquisitório plasmado nos artigos 515° do CPC, 13° do CPPT e 99° da LGT.
10ª - A AT, aqui Recorrente, é que não alegou os factos fundamentadores ou enformadores do ato tributário e, por conseguinte, não os podia provar.
11ª - O Impugnante nem é funcionário público nem está subordinado às disposições do Dec.­Lei n° 106/98, 24-04, mas apenas ao DL 192/95, de 28/07, uma vez que se trata de trabalhador deslocado em país estrangeiro (cfr. cit. Sentença do TAF de Braga, de 22.05.2007, e Sentenças do TAF de Mirandela, de 29.12.2006 e de 26.03.2007, em questão absolutamente igual à dos presentes autos - cit. Doc. 3 e Docs. 5 e 6).
12ª - Logo pelo preâmbulo daquele primeiro diploma legal se evidencia que a intenção do legislador foi a de introduzir um conjunto de alterações pontuais ao precedente DL n° 519-M/79, de 28/12 (então com quase 20 anos), “de molde a adequá-lo à nova realidade económica e social”.(Sic.).
13ª - Ora, o referido DL 519-M/79 estabelecia o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional.
14ª - Esse diploma legal não se aplica ao abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública quando deslocado em serviço público no estrangeiro.
15ª - De resto, o Art° 15° desse DL corrobora inequivocamente este entendimento ao dispor que “O abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro é regulado por diploma próprio.” (Sic., com sublinhado nosso).
16ª - “Pois bem, o próprio Decreto-Lei n.º 106/98, exclui da sua regulamentação as ajudas de custo atribuídas em deslocação ao estrangeiro e no estrangeiro, conforme expressamente refere o seu artigo 15°.” (passagem da sentença do TAF de Braga, de 22-05-2007, supra citado).
17ª - “Assim, o DL 106/98 é inaplicável à situação em apreço, pelo que qualquer ato praticado e fundamentado nos pressupostos deste diploma enferma do vício de violação de lei, ...“ (idem).
18ª - Posteriormente à entrada em vigor daquele DL não foi ainda publicado diploma próprio, pelo será aplicável tão-somente o DL 192/95, como acima se referiu.
19ª -“Desta forma aplicar uma norma que ao caso não pode ser aplicada por não reger sobre ajudas de custo ao estrangeiro é facto deveras original, gravoso e ilegal” (idem).
20ª - E sendo aplicável este último diploma legal, resulta dos autos (concretamente da inspeção tributária), em primeiro lugar, que não foram ultrapassados os limites da tabela a que se refere a alínea a) do n° 1 do seu Art° 2°.
21ª - Por conseguinte, a questão ou fundamento precedente - não aplicabilidade ao caso sub judice das disposições gerais do DL 106/98, de 24-04 - em que o Recorrido decaiu é invocado a coberto do n° 1 do Art° 684°-A do CPC (Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido), ou seja, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
22ª - Por outro lado, mesmo que se pretendesse que ao caso sub judice se aplicam as “Disposições gerais” do DL 106/98, isto é, o 1° e o 2° Artigos, o que se não admite nem aceita, a situação em análise preenche os pressupostos de incidência dessas normas, pois que se trata de trabalhadores deslocados do seu domicílio necessário (Art° 1°, n° 1), este tal como considerado no Art° 2°.
23ª - Trata-se de trabalhador deslocado cm serviço para local diferente do seu domicílio necessário.
24ª - O Recorrido, embora deslocado temporariamente em País estrangeiro, celebrou com a sua entidade patronal (S…) um contrato de trabalho em Portugal e para exercer a sua atividade profissional em território nacional.
25ª - Simplesmente, como se trata de empresa com atividade em países estrangeiros, tem necessidade de fazer deslocar temporariamente para aí trabalhadores nacionais e a prestar serviço em Portugal para suprir necessidades locais, designadamente, cumprimento de contratos de maior complexidade técnica e de prazo fixo e improrrogável, que foi o que se verificou na situação em apreço.
26ª - É justamente para situações deste tipo que o CCT para o setor da construção civil e obras públicas estabelece que as deslocações para fora do continente são sempre objeto de acordo escrito entre o trabalhador e a entidade patronal, podendo acordar-se o pagamento de ajudas de custo (Art° 31°).
27ª - Foi exatamente o que se passou na presente situação, em que a entidade patronal do impugnante celebrou com este um adicional ao contrato de trabalho pré-existente prevendo a sua deslocação para País estrangeiro, por um período de seis meses, embora renovável.
28ª - Todavia, apesar do pontual acordo para a deslocação, a obrigação originária foi para prestar trabalho em Portugal, obrigação que permanece válida, sendo aliás, obrigação principal!
29ª - O adicional ao contrato de trabalho começa por estabelecer que o contrato originário se mantém e dá por reproduzido e integrado (Cláusula 1°), prevendo a obrigação do trabalhador regressar de imediato a Portugal logo que terminado o período de tempo acordado (cláusula 8ª, nº 1), e mesmo a possibilidade de a entidade patronal mandar regressar de imediato o impugnante a Portugal, fazendo cessar a deslocação (cláusula 8°, n°2).
30ª - Para efeitos dos art°s 1° e 2° do DL 106/98, o domicílio necessário do impugnante é Portugal, por ser esse o local onde aceitou o lugar ou cargo e aí ficou a prestar serviço.
31ª - O facto de, ulteriormente, ter aceite ser deslocado para país estrangeiro para aí temporariamente prestar o concurso do seu trabalho não retira a Portugal o caráter dc domicílio necessário.
32ª - A entidade patronal do impugnante, e as empresas portuguesas de maior dimensão do setor, sempre assim procedeu, tendo sido alvo, ao longo dos últimos anos, de diversas ações de fiscalização e/ou inspeção e nunca os serviços da DGCI puseram em causa tal procedimento.
33ª - O que não pode deixar de significar que sempre tiveram como bom e correto esse procedimento!
34ª - Pôr agora em causa esse mesmo procedimento, depois de dezenas de anos de prática constante e reiterada, consubstanciaria uma violação do princípio da tutela da confiança dos administrados na atuação da Administração Pública.
35ª - Atitude que é fortemente lesiva e penalizadora quer dos interesses da empresa quer do ora impugnante e dos demais trabalhadores, pois ter-se-iam alterado procedimentos caso a DGCI nas diversas inspeções e ações de fiscalização a que procedeu tivesse sancionado o procedimento seguido.
36ª - Por isso, sempre a obrigação agora preconizada de enquadrar as ajudas de custo como rendimento do trabalho dependente também constituiria violação do princípio da boa-fé, na vertente do venire contra factum proprium!
Termos em que deve ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
II – Questões a decidir no recurso
- Da omissão de pronúncia consignada no art. 668º n.º 1 al. d) do CPC, imputada a sentença sob recurso por não se ter pronunciado sobre o pedido de inversão do ónus da prova, requerido nos termos dos artigos 344º, n.º 2 do Código Civil e 519º do Código de Processo Civil, e
- Consequentemente, não ter determinado a instrução do processo, com a inquirição das testemunhas arroladas para apuramento da verdade material dos factos relevantes para a boa decisão da causa.
Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que importa apreciar e decidir.
III - Fundamentação
III.1 De facto
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deu como provados os seguintes factos:
1. Por contrato de trabalho celebrado em 05/01/2004, o Impugnante foi admitido ao serviço da empresa S..., empresa que se dedica ao exercício da atividade de construção civil e obras públicas.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n°2 junto com a petição inicial).
2. Posteriormente, foi entre ambos (Impugnante e S...) celebrado um adicional ao referido contrato de trabalho, prevendo a deslocação do Impugnante para Angola, com vista a prestar a sua atividade profissional nas obras que aquela sociedade construtora ali executava.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n°3 junto com a petição inicial).
3. De acordo com a cláusula 4ª do contrato referido em 1., o local de trabalho do Impugnante «abrange toda a cidade do Porto, os concelhos de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia, Matosinhos, Valongo e Vinhais»
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n° 2 junto com a petição inicial).
4. O adicional referido em 2. dá como reproduzido e integrado, na sua cláusula 1ª, o contrato referido em 1.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n°3 junto com a petição inicial.
5. O mesmo adicional ao contrato prevê na sua cláusula 8ª, n° 1, a obrigação do trabalhador (ora Impugnante) regressar de imediato a Portugal logo que terminado o período de tempo acordado para a sua deslocação em Angola.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n°3 junto com a petição inicial.
6. E também, na cláusula 8ª, n° 2 daquele adicional, se prevê a possibilidade de a entidade patronal (S...) mandar regressar de imediato o trabalhador (ora Impugnante) a Portugal, fazendo cessar a deslocação em Angola.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n°3 junto com a petição inicial.
7. Na cláusula 7ª, n° 2, do mesmo adicional ao contrato, ficou estabelecida a seguinte: «Para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação, o segundo contraente terá direito a uma ajuda de custo de € 1.450, 00, paga em Portugal.»
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doc n°3 junto com a petição inicial.
8. A Administração Fiscal (AF) entendeu que os rendimentos obtidos pelo trabalhador (ora Impugnante), pagos pela Sociedade de Construções S... a título de ajudas de custo, correspondiam antes a rendimentos da categoria A, não declarados, com base na fundamentação expendida no respetivo Relatório da Inspeção Tributária.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. Relatório da Inspeção Tributária cuja cópia foi junta com a contestação).
9. Com base nesse entendimento, os rendimentos declarados pelo contribuinte (ora Impugnante) foram corrigidos, correção essa que deu origem à liquidação ora impugnada, cujo valor já foi, no entretanto, pago pelo próprio impugnante.
Facto provado pelos documentos integrados nos presentes autos (v.g. doe n°1 junto com a petição inicial).
III. 2 De Direito
De acordo com o teor das Conclusões, a recorrente imputa à sentença recorrida:
— Nulidade da mesma, por omissão de pronúncia, ao não ter apreciado a questão por sis suscitada em sede de contestação, qual seja, a da inversão do ónus da prova decorrente do não apuramento por parte da AT em sede de instrução da existência de dormitórios e cantinas nas instalações da entidade patronal, bem como à confirmação da efetiva utilização dessas estruturas por parte do impugnante, durante o período em que esteve deslocado por tal lhe ter sido vedado [Conclusões 1ª a 4ª ];
— Falta de instrução do processo, com inquirição das testemunhas decorrente da inversão do ónus da prova [Conclusão 5ª].
As questões a decidir, são, portanto, as de saber se ocorre a alegada nulidade por omissão de pronúncia e, em caso de procedência desta apreciar da não instrução do processo, mediante a inquirição das testemunhas arroladas.
Vejamos.
1. Quanto à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia
Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do art. 668º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do art. 660° do CPC, ex vi do art. 2° al. f) do CPPT.
No caso, a sentença, considerando que as questões a decidir no âmbito da impugnação da liquidação de IRS, aqui em causa, eram as de saber «…se andou bem AT ao qualificar como rendimentos do trabalho, e sujeitá-las a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), as verbas recebidas pelo trabalhador (ora impugnante) da sua entidade patronal a título de ajudas de custo», o mesmo, foi aferido com recurso a dois segmentos decisórios, um sobre a deslocação do trabalhador e, outro, sobre o valor mensal constante recebido a título de ajudas de custo, obtendo ambos resposta negativa, com a fundamentação que é a seguinte, e aqui se transcreve:
Nos termos do art 2°, n° 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), consideram-se rendimentos do trabalho dependente «as ajudas de custo (…), na parte em que (…) excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado (…)» (alínea d).
A AT aceita - uma vez que sobre o assunto nada diz - que as verbas pagas estão dentro dos limites legais. Entende, antes, que não estão observados os pressupostos da atribuição das ajudas de custo, esgrimindo, em síntese, dois argumentos:
A - Que não houve deslocação do trabalhador do seu “domicílio necessário”, que corresponde ao local onde a atividade é exercida, uma vez que foi contratado para trabalhar em Angola.
B - Que o valor mensal recebido a título de ajudas de custo foi constante, indicando ter caráter de permanência.
Analisemos cada um destes invocados fundamentos.
A - Quanto à deslocação do trabalhador.
As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal, e que por raz6es de conveniência são suportadas pelo trabalhador.
Não há aqui a correspectividade que existe na retribuição entre as prestações da entidade patronal e a situação de disponibilidade do trabalhador.
Elas representam a compensação ou o reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações do seu local de trabalho (e instalações) que teve de efetuar em serviço.
De notar que não estando em causa funcionários ou agentes da administração central, regional ou local ou de institutos públicos, não tem aqui aplicação o conceito de “domicilio necessário”, utilizado pela Administração Tributária para averiguar da existência ou não de deslocação, uma vez que tal conceito só àqueles se aplica - cfr art 1° do DL n° 106/98, de 24/04.
Estando em causa, como está, um contrato individual de trabalho, o que releva é o “local de trabalho”, livremente convencionado entre as partes -cfr art 154°, n° 1, do Código de Trabalho.
Posto isto, entende a AT que não houve deslocação do local de trabalho uma vez que, de acordo com o adicional ao contrato de trabalho, o Impugnante aceitou prestar serviço em Angola.
Contudo, esquece, apesar de referir que se trata de um adicional, que há um contrato de trabalho inicial, no qual está definido como local de trabalho «toda a cidade do Porto, os concelhos de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia, Matosinhos, Valongo e Vinhais».
Ora, a deslocação do Impugnante para Angola não deixa de ser ocasional, não obstante o cuidado das partes em fixar as condições em que ela teria lugar. E que o contrato inicial, maxime a cláusula relativa ao local de trabalho, não foi revogada pelas partes, as quais na cláusula 1ª (primeira) do adicional posteriormente celebrado começaram por estabelecer que o contrato originário se mantém e se dá como reproduzido e integrado, prevendo a obrigação de o trabalhador regressar de imediato a Portugal logo que terminado o período de tempo acordado e, mesmo, a possibilidade de a entidade patronal mandar regressar de imediato o Impugnante a Portugal fazendo cessar a sua deslocação. Tudo isto consta, de modo explícito e expresso, daqueles dois documentos (contrato e adicional).
O impugnante foi, assim, contratado para trabalhar em Portugal (em local definido no contrato de trabalho), constituindo a sua ida para Angola, uma deslocação ocasional do seu habitual local de trabalho.
Improcede, portanto, este argumento da Administração Tributária.
B - Quanto ao valor mensal constante recebido a título de ajudas de custo.
O valor constante das ajudas de custo pode constituir um indício de que as quantias recebidas pelo trabalhador mais não são que complementos da sua remuneração, atento o caráter ocasional que a deslocação tem de revestir.
No entanto, só por si, tal indicio não é suficiente, como no caso, em que o trabalhador está seis meses consecutivos deslocado, tal como aliás a AT não coloca em causa. Estando ele, todo esse período consecutivo deslocado, não se vislumbra como é que o montante fixo das verbas possa pôr em causa a sua qualificação como ajudas de custo. Não esteve ele, afinal, todos os dias deslocado? E não tomou ele todos os dias as suas refeições? E não esteve ele todos esses dias instalado, com alojamento, em Angola?
Impunha-se à AT aprofundar a investigação, de forma a recolher elementos que, ainda que por forma indireta, lhe permitissem concluir com segurança pelo caráter remuneratório das quantias em causa. Por exemplo, poderia ter indagado da existência de refeitórios ou dormitórios da entidade patronal nas obras em que o Impugnante trabalhou em Angola. E, na dúvida, a AT deveria abster-se de praticar o ato.
Como é referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19/03/2002, Processo n° 6166/O 1, www.dgsi.pt, «o procedimento administrativo-tributário de liquidação está sujeito ao princípio da verdade material no que respeita à averiguação dos factos relevantes para a tributação» de acordo com os art.s 55° e 74° da Lei Geral Tributária.
«Assim, incumbe à AT, em sede do procedimento administrativo tributário de liquidação, indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, e tal procedimento só pode culminar com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos constantes do processo administrativo, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário (princípio da verdade material).»
Do que fica dito resulta que a AT concluiu, sem uma base de facto concreta e suficiente, que os montantes recebidos pelo contribuinte da sua entidade patronal constituem complemento do vencimento (motivo por que procedeu à correção dos rendimentos declarados — nos quais o contribuinte não incluíra os montantes em causa — e à consequente liquidação adicional de IRS), não tendo cumprido o seu dever funcional de instrução em sede de procedimento tributário — cfr, neste mesmo sentido, Acórdãos do STA de 24/10/2000 (Rec 3978/00) e de 03/04/2001 (Rec n° 3977/00).
E não tendo a AT demonstrado os pressupostos fácticos que autorizavam a tributação desse montante como rendimento do trabalho dependente referidos na norma de incidência ao abrigo da qual foi efetuada a liquidação adicional, a impugnação terá de ser julgada procedente com a consequente anulação da liquidação.
Como se vê do texto da sentença recorrida, nomeadamente da parte final ora transcrita, o Tribunal pronunciou-se senão expressamente, implicitamente sobre a alegada questão da inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344º n.º 2 do CCivil e 519º do CPC, ou seja, de que a competência para demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, nomeadamente de que ocorre situação suscetível de ser tributada, ao abrigo do artigo 2º do CIRS (qualificando os rendimentos atribuídos a título de ajudas de custo como remunerações e como tal tributáveis em sede de IRS) não é da AT, mas sim por inversão do sujeito passivo, no segmento decisório conclui-se que, a esse respeito que AT não logrou demonstrar “os pressupostos fácticos que autorizavam a tributação desse montante como rendimento do trabalho dependente referidos na norma de incidência ao abrigo da qual foi efetuada a liquidação adicional” sendo que “incumbe à AT, em sede do procedimento administrativo tributário de liquidação, indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, e tal procedimento só pode culminar com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos constantes do processo administrativo, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário (princípio da verdade material).”.
Constitui, jurisprudência pacífica e reiterada, que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis (cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143), «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Assim, e porque o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões», havia apenas a obrigação de conhecer das questões suscitadas pela Recorrente, mas não já de refutar todos os argumentos que ela aduziu em prol da pretendida procedência dessas questões, pois que o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
É claro que, como indiretamente defende o MP, isto não significa que a decisão não possa padecer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte ou mesmo contrariado aquela implicitamente no julgamento que fez.
Todavia, essa é uma outra questão que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da mesma.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido a pronúncia sobre a apontada questão, não ocorrendo, portanto, a respetiva nulidade da mesma.
No entanto não se deixará aqui de apreciar a questão colocada pela recorrente na medida em que ela contendeu com o mérito da decisão sob recurso com a qual o mesmo não concorda, qual seja, a de aferir do erro de julgamento, no que respeita a não consideração da inversão do ónus de prova nos termos do art. 344º do CC e 519º do CPC.
2. Do erro de julgamento
Alega a recorrente que nos presentes autos - em que se discute a tributação de rendimentos atribuídos a titulo de ajudas de custo no estrangeiro - a sentença sob recurso entendeu que a definição e concretização de domicilio necessário e o pagamento de um valor mensal fixo, por si só, não bastam para qualificar tais rendimentos como verdadeiras remunerações e em consequência tributá-los em sede de IRS. Concluindo a final, por recomendar à AT o aprofundamento da investigação e sugerindo mesmo que “Por exemplo, poderia ser indagado da existência de refeitórios ou dormitórios da entidade patronal nas obras em que o impugnante trabalhou em Angola. E, na dúvida, a AT deveria abster-se de praticar o ato.
Mais alega, que a AT procurou aprofundar a investigação, tendo diligenciado junto da entidade patronal em sede de procedimento inspetivo na obtenção dos seguintes elementos “1) Indicação dos valores atribuídos às pessoas referidas, a título de vencimentos (valor bruto) e de ajudas de custo; 2) Fotocópia dos recibos de vencimento das pessoas referidas, do exercício de 2004;
3) Fotocópia dos Boletins Itinerários relativos aos valores pagos a título de ajudas de custo;
4) Fotocópia dos documentos justificativos dos valores pagos a título de vencimento e de ajudas de custo (ex.° transferência bancária ou cheques emitidos).5) Justificação de eventuais diferenças entre os valores processados nos recibos de vencimento (valor liquido a receber pelo funcionário) e dos valores efetivamente pagos; 6) Indicação do país e da localização das obras onde os trabalhadores referidos prestaram funções no estrangeiro;
7) Indicação da localização do estaleiro das obras identificadas no ponto anterior, esclarecendo quais as estruturas operativas existentes (cantina, dormitórios, clínica, etc.);
8) Indicação se as estruturas da empresa nesses estaleiros foram utilizadas pelo trabalhadores referidos, e se esse uso foi descontado no salário bruto; 9) Informação sobre a forma de processamento dos salários e de ajudas de custo, a domiciliação bancária do salário líquido e das ajudas de custo pagas aos funcionários deslocados no estrangeiro.”
Acrescenta ainda, que em sede de procedimento inspetivo a AT notificou o trabalhador, ora impugnante, no âmbito do procedimento inspetivo, para: “1) Indicação dos valores auferidos a título de vencimentos (valor bruto) e de ajudas de custo;2) Fotocópia dos recibos de vencimento do exercício de 2004;3) Fotocópia dos Boletins Itinerários relativos aos valores recebidos a título de ajudas de custo;4) Fotocópia dos documentos, das despesas suportadas com a alimentação, alojamento e transportes realizadas para desempenhar as suas funções no estrangeiro, justificando a sua falta de apresentação dos mesmos (ex.° despesas pagas pela entidade patronal...);5) Fotocópia dos documentos justificativos dos valores recebidos a título de vencimento e de ajudas de custo (ex. ° extrato bancários dos valores transferidos (ou depositados) pela entidade patronal, cheques emitidos pela entidade patronal).”
Concluindo, em conformidade com o por si alegado, que a AT não logrou por esta via esclarecer tais questões, apesar das informações prestadas pela S..., tendo sido aqueles, o impugnante e entidade patronal do mesmo, os responsáveis pela inviabilidade do aprofundamento da investigação, sendo certo que a AT não sabe se aqueles estaleiros existiam nas obras em que a impugnante trabalhou e quais as estruturas de apoio de que dispunham e consequentemente se o trabalhador fez uso das cantinas e dormitórios da empresa.
Vejamos.
O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-A/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto direto, dado que incide sobre manifestações diretas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento. É um imposto de características pessoais, visto levar em consideração as características que se verificam na pessoa do contribuinte. É, ainda, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger todos os rendimentos, consagrando nove cédulas ou categorias diferentes dos mesmos. Encontramo-nos perante um imposto progressivo, que assenta, em princípio, na tributação do rendimento real ou efetivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários.
Na construção do conceito de rendimento tributário o CIRS adota a conceção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (cfr.nº.5 do preâmbulo do CIRS; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20).
O ato tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objetivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada.
É no art. 2º, do CIRS, que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o caráter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem.
O legislador, na redação dada ao referido art. 2º teve como objetivo a tipificação da forma mais ampla da incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. Assim, é rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente excetuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr. art. 2º, nº.2, do CIRS), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (a título de exemplo veja-se a concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de prestações feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do CIRS, pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr. Prof. Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).
Tecidas estas considerações gerais, em síntese retenha-se que, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação em sede fiscal eleitos pela lei são os seguintes:
- A realização de uma efetiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;
- O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
E, aqui se levanta a questão dominante chamada a resolver por via do presente recurso jurisdicional, qual seja a do ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo suscetíveis de tributação, ónus esse da competência da Administração Fiscal (cfr.artº.342, do Código Civil; artº.74, nº.1, da Lei Geral Tributária; neste sentido veja-se Acórdãos do STA de 04.05.2004, in proc. 832/2003, de 07.11.2006, in proc de 1099/06 e de 27.01.2009, in proc. 2690/2008 e Acórdãos do TCA Sul de 04.05.2004, in proc.832/03, de 07.11.2006, in proc.1099/06 e de 27.12.2009, in proc.2690/08) .
Mais se diga, na esteira do entendimento jurisprudencial, designadamente do STA e TCA (veja-se a jurisprudência referenciada), a prova da factualidade caracterizadora de uma qualquer verba como ajuda de custo, atenta o preenchimento do respetivo conceito nos termos já referenciados, pode ser feita por qualquer dos meios probatórios admitidos em direito ou, o que é o mesmo que dizer que, não carece de ser feita exclusivamente por via documental.
No entanto, tudo o que se disse, não invalida uma outra conclusão a de que “ … é aos contribuintes que suportam tais importâncias e/ou aos que as recebem, quando entre eles exista uma relação laboral, e que delas se pretendem valer no âmbito fiscal enquanto ajudas de custo, que cabe demonstrar a respetiva aderência à realidade, por um qualquer daqueles meios de prova admitidos em direito uma vez colocado em crise o dever de colaboração com a AF e que sobre eles impende e por facto que lhes seja imputável, no sentido de facultar a esta última o cumprimento estrito do seu poder/dever de controlar a situação fiscal daqueles em obediência ao princípio da legalidade por aplicação do princípio declarativo vigente no nosso ordenamento jurídico nos termos do qual sempre que, mas também apenas quando, a conduta da AT se consubstancie na prática de atos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a «...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)...» pertencendo, por contrapartida, «...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos...»”(in ac. do TCA Sul de 07.11.2006, in proc. N.º 1099/06).
Assim, a tributação dos montantes em causa nos presentes autos em sede de IRS só pode ser sustentada se, porventura, se puder considerá-los como um complemento de remuneração, sem fim compensatório.
Dito isto, em conformidade com o expendido na sentença sob recurso, cumpre ter presente que no âmbito do procedimento administrativo-tributário incumbe à AT indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, só podendo culminar o procedimento com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário (princípio da verdade material - cfr. arts. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17 de dezembro), sem prejuízo da obrigação dos contribuintes colaborarem na produção de provas (art. 59.º da LGT).
Não pode a AT deixar de averiguar sobre a verificação dos factos suscetíveis de corresponder aos elementos do tipo legal, exceto nos casos em que a lei estabeleça presunções juris et de jure.
Ademais, não existe hoje a presunção da legalidade do ato administrativo, nem do ato tributário, presunção essa que não está, nem estava, expressamente prevista em norma legal alguma, antes constituindo um princípio de origem doutrinal e jurisprudencial que, face à atual compreensão do princípio da legalidade administrativa «o princípio da legalidade» deixou de surgir como um mero limite à atividade da Administração para passar a ser o fundamento de toda sua atividade. Assim, de acordo com o disposto no art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a Administração só pode agir nas condições em que a lei lho autoriza e nada poderá fazer contra a lei, surgindo a Administração, em termos de justiça administrativa e tributária, em situação de paridade com o particular. Assim, não pode hoje buscar-se qualquer apoio numa alegada presunção da legalidade do ato tributário para fazer recair sobre o contribuinte o ónus da prova da ilegalidade do ato tributário.
Vieira de Andrade, depois de salientar que o ónus da prova deve aqui entender-se, não como ónus da prova “subjetivo”, “formal” ou de “produção”, «que implicaria que o juiz só pudesse considerar os factos alegados e provados por cada uma das partes interessadas», mas antes como ónus da prova objetivo. No mesmo sentido, vide Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, pág. 287., «na medida em que pressupõe uma repartição adequada dos encargos de alegação, de modo a repartir os riscos da falta da prova», diz que o ónus da prova, assim entendido, «vai depender da posição processual das partes, mas – porque depende de valorações normativas e não de imperativos de pura lógica – terá de determinar-se, na ausência de norma expressa, de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras específicas do domínio da vida em causa e nos princípios próprios do direito administrativo».
A regra geral, nos termos da qual quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respetivos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos (artigo 342.º do Código Civil) pode entender-se aplicável, em princípio, no processo administrativo, mas aqui, como de resto no âmbito do direito civil, não é suficiente para a resolução de todos os tipos de situações – sobretudo porque não faz diferenciações conforme as posições das partes e os interesses e situações em jogo nos domínios específicos da realidade normativamente concebida.
Assim, não pode exigir-se ao recorrido prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo, e por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do ato), de modo a caber à Administração apenas provar as exceções invocadas – tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da “presunção da legalidade do ato administrativo”, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjetivo) da ilegalidade do ato impugnado.
Deve, pelo contrário, levar-se em conta, em geral, para a construção do quadro de normalidade que há de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos no que respeita aos atos desfavoráveis, o dever de fundamentação.
Isto é, parece que há de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Neste sentindo, aderindo a argumentação constante do AC. do TCA Sul de 13.12.2005, in proc. 00287/04, diga-se, não pode exigir-se ao recorrido “… prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo, e por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do ato), de modo a caber à Administração apenas provar as exceções invocadas – tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da “presunção da legalidade do ato administrativo”, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjetivo) da ilegalidade do ato impugnado.
(…) Por outras palavras ainda, deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova (de o juiz não se ter convencido) da verificação dos pressupostos legais que permitem à Administração agir com autoridade (pelo menos, quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares (…).
Assim, atualmente, em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução que corresponde à regra geral do art. 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos (Já não será assim se não for a AT que está a afirmar a existência e dimensão do facto tributário, mas o Contribuinte) e que foi acolhida no art. 121.º, n.º 1, do CPT), no art. 100.º, n.º 1, do CPPT, disposição legal que reproduz aquela, e no art. 74.º da Lei Geral Tributária.”
Dito isto, e regressando ao caso sub judice, vejamos se a prova produzida nos autos permite concluir pela existência de facto tributário, ou seja, se permite concluir que os pagamentos em causa constituem rendimentos sujeitos a IRS.
Neste particular aderimos, sem reservas, à argumentação expendida na sentença sob recurso, a qual não é diretamente sindicada, pelo que cumpre confirmar a mesma e julgar improcedente o recurso deduzido, mostrando-se prejudicado por força das conclusões extraídas neste acórdão o demais alegado pela Recorrente de falta de instrução do processo de impugnação, na medida em que o mesmo era condição da procedência da inversão do ónus da prova, a qual não se verifica.
Improcedem, deste modo, as alegações da recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso, cumpre confirmar a sentença recorrida.
IV. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Porto, 03 de maio de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia
Ass. Paula Ribeiro