Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01010/17.4BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES; MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO;
APOSENTAÇÃO; ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE APOSENTAÇÃO DO AUTOR (ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO DE JUBILADO E DA REDUÇÃO DO MONTANTE DA APOSENTAÇÃO);
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA; JUROS MORATÓRIOS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, ambos melhor identificados nos autos, visando a impugnação dos actos administrativos emitidos pela Entidade Demandada em 01/07/2017 e 08/07/2016, peticionando a declaração de nulidade ou anulação dos actos impugnados, com as legais consequências.
O TAF de Aveiro decidiu assim: julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente:
i) Anula-se o acto impugnado (de 01/07/2017), no segmento em que ordena a restituição, pelo Autor, do montante de 166.793,08 € a título de pensão de aposentação abonada nos meses de Julho de 2008 a Julho de 2016, condenando-se, nesta parte, a ED a reconstituir o procedimento, expurgado dos vícios supra enunciados;
ii) Anula-se o acto impugnado, no segmento respeitante ao pagamento de juros de mora.
Desta decisão vem interposto recurso pela Ré.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso circunscreve-se ao facto de a CGA, ora Recorrente, considerar que os juros moratórios são exigíveis nos termos do n.º 4 do artigo 38.º do Decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho e dos artigos 804.º e seguintes do Código Civil.

B. No que respeita aos juros moratórios cujo pagamento foi exigido pela CGA ao Recorrido, entendeu o douto Tribunal que os mesmos não são devidos por considerar que o A./Recorrido “não se constituiu em mora antes da emissão da ordem de reposição vertida no acto comunicado ao Autor em 01/07/2017 – contudo, salvo o devido respeito, a CGA não se pode conformar com tal decisão.

C. Nos termos do artigo 804.º do Código Civil, “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” (nº 1), considerando-se o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (nº 2).

D. Sendo que o momento da constituição em mora, que se encontra previsto no artigo 805.º do citado diploma legal, dispõe nos seguintes termos: “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. 3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”.

E. No caso em apreço, a obrigação tem prazo certo e tem por fundamento um ato ilícito: foi fixada uma pensão por um valor superior ao que o A/Recorrido teria direito, por facto não imputável à Caixa Geral de Aposentações, na medida em que o CSMP/PGR não comunicou, como deveria, um facto da maior relevância para o processo de aposentação.

F. A partir do momento em que a Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento dessa situação, efetuou as diligências necessárias para corrigir todo o procedimento com vista à reposição da legalidade, pelo que procedeu à alteração das condições de aposentação do A/Rcdo, informando-o desse facto - acto administrativo da CGA de 07/07/2018.

G. Embora o acto administrativo acima mencionado e que determinou a alteração das condições de aposentação do A/Rcdo (alteração da condição de jubilado e da redução do montante da aposentação) tenha estado suspenso quanto aos seus efeitos desde que o A/Rcdo. requereu a suspensão de eficácia do acto junto do TAF de Viseu até ao trânsito em julgado da decisão proferida na ação principal, por força do decretamento da providência cautelar pelo TAF de Viseu em 30/01/2019 - Razão pela qual, durante esse período temporal, o A/Rcdo continuou a receber a pensão sem as alterações efetuadas pelo despacho da CGA de 07/07/2008. – Contudo, a partir do momento em que foi declarada a decisão definitiva da ação principal, que proferida em sentido desfavorável ao A/Rcdo, fez renascer todos os efeitos anteriores.

H. Pelo que, impendendo sobre o A./Rcdo a obrigação de devolver os montantes de pensão abonados a mais nos meses de Julho de 2008 a Julho de 2016, considera a CGA que a essas diferenças acrescem juros de mora, nos termos dos artigos 804.º e seguintes do Código Civil.

I. Constituindo a mora um simples retardamento da prestação, sendo imputável ao devedor, constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor, que nas obrigações pecuniárias corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora - cfr. n.º 1 do artigo 804.º e n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil.

J. O pagamento de juros moratórios pressupõe, em primeiro lugar, que exista uma obrigação pecuniária, ainda possível, a satisfazer em determinado prazo e em segundo lugar, que o prazo esteja ultrapassado sem que a mesma tenha sido satisfeita, por causa imputável ao devedor - cfr. n.º 2 do artigo 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil.

K. Assim, forçoso será concluir que existindo situações em que a mora do devedor depende de factos objetivos - como é o caso na situação em apreço - nos termos do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil, há mora do devedor independentemente de interpelação (judicial ou extrajudicial): a) – por a obrigação ter prazo certo; b) – por a obrigação provir de facto ilícito.

L. Nesse sentido, e salvo o devido respeito, a ora Recorrente não se pode conformar com o fundamento previsto na sentença recorrida ao considerar que o Autor/Recorrido não se constituiu em mora “(...) antes da emissão da ordem de reposição vertida no ato comunicado ao Autor em 01/07/2017 (a qual, de resto, nunca poderia ter sido emitida antes do trânsito em julgado da sentença proferida na ação administrativa especial de impugnação do ato que determinou a alteração das condições de aposentação, atenta a vigência da medida cautelar na pendência da causa principal) (...).”

M. Termos em que o presente recurso terá de proceder, tendo-se que revogar a decisão recorrida no segmento em que anulou, no acto impugnado, a exigência do pagamento de juros de mora pela CGA e substituindo-se por outra que determine que os juros moratórios são devidos desde 2008-07-07 até 2016-07-30.

Nestes termos, e com o suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
O Autor juntou contra-alegações, concluindo:

1) Previamente: a Recorrente CGA não tem legitimidade para recorrer da decisão apenas quanto ao segundo segmento do ato, relativo à obrigação acessória, pois a anulação do ato quanto à obrigação principal está consolidada na ordem jurídica e não há ato que fixe a obrigação principal, pelo que inexiste também a obrigação acessória, que, assim, não pode vir isoladamente discutir-se neste recurso.

2) Ou, então, o recurso é inepto, na medida em que um recurso da sentença quanto ao segundo segmento do ato implicaria o recurso da parte respeitante ao primeiro segmento do mesmo ato, que foi anulado (sempre pelos motivos materiais expostos) e, deste modo, deve sempre o presente recurso da CGA ser pura e simplesmente rejeitado. Caso assim se não entenda, sem jamais conceder:

3) Conclusões A) a F) e I) a L) das alegações de recurso: em primeiro lugar e determinantemente, o que está em causa é uma obrigação de reposição, a qual foi ordenada pelo ato administrativo datado de 01/07/2017, ou seja, a obrigação surgiu com este ato administrativo, antes do qual não havia ordem de reposição e, assim, não havia obrigação.

4) Se antes de 01/07/2017 não havia ordem de reposição e, portanto, não existia a obrigação, não podia o Recorrido constituir-se em mora antes dessa data, reportada ao período de 07/07/2008 a 30/07/2016... – veja-se o absurdo que é, existir mora anterior à existência da obrigação!!

5) Por outras palavras, o ato de 07/07/2008 não contém qualquer ordem de reposição do montante de € 166.793,08 em causa nos autos, que é fixado no ato de 01/07/2017.

6) E mais: uma vez que o ato de 01/07/2017 foi anulado pelo Tribunal a quo, também, no segmento em que ordena a reposição do montante de € 166.793,08, por vícios de omissão de audiência prévia e de falta de fundamentação decorrente de não exteriorizar os cálculos ou operações aritméticas que permitiram alcançar aquele valor (segmento expressamente aceite pela Recorrente), a obrigação de reposição não é, ainda hoje, líquida, e só o será após a reconstituição do procedimento expurgado dos vícios, alcançando-se assim (validamente) o montante a repor. E esta falta de liquidez não é imputável ao Recorrido, que não é responsável pelas ilegalidades de que enfermou o ato administrativo de reposição – tudo isto para adiantar desde já que, também sob este enfoque, inexiste mora, desde logo face à falta de liquidez da obrigação (cfr. art. 805.°, n.° 3, 1.ª parte do CC), além do mais.

7) Sem prejuízo de podermos ficar por aqui: indo de encontro aos normativos citados pela CGA, num juízo meramente académico, nunca poderia haver mora independentemente de interpelação por a obrigação ter prazo certo (art. 805.°, n.° 2, al. a) do CC), prazo esse inexistente, por ser inexistente a obrigação antes de 01/07/2017 – tanto assim é que nem a própria CGA refere qual seria esse (inexistente) prazo certo, o que torna mesmo inepta a alegação...

8) Bem assim, nunca poderia haver mora independentemente de interpelação por a obrigação provir de facto ilícito (art. 805.°, n.° 2, al. b) do CC), facto ilícito esse que, se bem percebemos, a CGA reporta à atuação do CSMP/PGR, por não ter comunicado que ao A. havia sido aplicada pena disciplinar de aposentação compulsiva... Ora, se inexiste facto ilícito do A., inexiste obrigação na esfera jurídica daquele... e, mais uma vez, se não há obrigação, não há mora!

9) Depois e ainda a este passo, a CGA reporta-se à culpa pela mora prescrita no art. 804.°, n.° 2 do CC para concluir que a pretensa mora não lhe é imputável a si... imputando-a, uma vez mais, a terceiro, ao CSMP/PGR por não ter comunicado que ao A. havia sido aplicada pena disciplinar de aposentação compulsiva. Se a CGA reconhece expressamente que a causa da pretensa mora não é imputável ao A., então, não há constituição do mesmo em mora e na obrigação de reparar os danos dela decorrentes através do pagamento dos juros (art. 804.°, n.°s 1 e 2 do CC).

10) Sempre sem prescindir quanto ao que já dissemos supra - determinantemente, no sentido de que o ato de 07/07/2008 não contém qualquer ordem de reposição (nem sequer existe ainda qualquer montante a repor liquidado e que seja exigível e passível de gerar mora no cumprimento, face às ilegalidades contidas no ato de 01/07/2017, aceites pela CGA) - agora quanto às conclusões G) e H) das alegações de recurso:

11) Como é óbvio e a própria CGA o diz, se o ato não determinava a reposição dos montantes em causa nestes autos (repise-se, o ato determinou a alteração da condição de jubilado e da redução do montante da aposentação do Recorrido), dele não decorria qualquer obrigação pecuniária suscetível de gerar juros face à mora no cumprimento ou, por outras palavras, não tendo como efeito o pagamento de qualquer quantia pelo Recorrido, não podia ter como efeito o vencimento de juros de mora!

12) Portanto, não pode retirar-se a posteriori um efeito do ato que o mesmo ostensivamente não tinha!!

13) Dito de outro modo e uma vez mais, a obrigação de devolver os montantes de pensão abonados a mais nos meses de julho de 2008 a julho de 2016 apenas se constituiu com a prática do ato de 01/07/2017 – e, repise-se, a obrigação nem sequer é líquida, por força das ilegalidades que ditaram a anulação parcial do ato no segmento em que determina a reposição dos montantes recebidos a mais, aceite expressamente pela CGA.

14) Assim e atento tudo o exposto, em conformidade com o raciocínio tecido na sentença, falece irremediavelmente a pretensão recursiva da Recorrente, por serem absoluta e frontalmente improcedentes os fundamentos em que se alicerça, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente e manter-se a sentença proferida.

Termos em que,
a) deve o presente recurso ser rejeitado;
b) sem jamais conceder, caso assim se não entenda, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente e manter-se a sentença proferida, para todos os efeitos e com todas as legais consequências,

só assim se fazendo,

JUSTIÇA!
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer, finalizando assim:
concordando integralmente, nesta parte com o conteúdo das contra-alegações, bem como com a fundamentação da sentença, somos do Parecer que a sentença recorrida não padece de erro de julgamento, não tendo violado o disposto nos arts. 804º, 805º e 806º do Cód. Civil, pelo que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) O A. exerceu funções como Magistrado do Ministério Público, tendo sido subscritor da Caixa Geral de Aposentações, da qual é actualmente pensionista – por acordo;
2) Por despacho de 04/06/2001 da Direcção da CGA, o A. foi considerado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício de funções, nos ternos do disposto na al. a) do nº 2 do art. 37º do Estatuto da Aposentação – por acordo e cfr., ainda, doc. nº ... junto com a p.i.;
3) Por deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 14/06/2000, foi aplicada ao ora A. pena disciplinar de aposentação compulsiva – por acordo e cfr., ainda, doc. nº ... junto com a p.i.;
4) Com data de 22/01/2007, a Procuradoria-Geral da República comunicou à CGA o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no recurso contencioso de anulação nº 47146/01-20, o qual julgou improcedente o recurso interposto pelo A. contra a decisão mencionada no ponto anterior – por acordo e cfr., ainda, doc. nº ... junto com a p.i.;
5) Por despacho de 07/07/2008, a CGA determinou a alteração das condições de aposentação do A., em resultado da perda da condição de jubilado por força da aposentação compulsiva aplicada pelo CSMP, mais tendo ordenado a reposição da quantia de 122.588,68 €, correspondente a montantes abonados a mais entre 04/06/2001 e 31/08/2008, bem como a retenção de 1/3 da pensão até reposição desse montante – por acordo e cfr., ainda, doc. nº ... junto com a p.i.;
6) Em 27/08/2008, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu a petição inicial que deu origem à acção administrativa especial que aí correu termos sob o nº 1206/08.0BEVIS, contra a CGA, tendo por objecto a impugnação do acto identificado no ponto antecedente – cfr. doc. nº ... junto com a p.i., cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido;
7) Em 24/10/2008, o ora A. apresentou no TAF de Viseu o requerimento cautelar que deu origem ao processo apenso nº 1206/08.0BEVIS-A, pedindo a suspensão de eficácia do acto de alteração das condições de aposentação, referido em 5) antecedente – cfr. doc. nº ... junto com a p.i.;
8) Na mesma data, o A. apresentou naquele Tribunal requerimento de prestação de caução a favor da CGA, através de garantia bancária prestada pela Banco 1... no valor de 122.588,68 €, o qual foi autuado por apenso à acção administrativa especial identificada em 6), que antecede (sob o nº 1206/08....), e nele se formulando o seguinte pedido: “Termos em que, deve a prestação espontânea de caução, autuada por apenso aos autos, ser deferida caso o Tribunal não entenda decretar a suspensão de eficácia ao abrigo do art. 120º, nº 1 e 2 do CPTA e, em consequência, suspender a eficácia do aludido acto” – cfr. doc. nº ... junto com a p.i., cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido;
9) Por sentença proferida em 30/01/2009, no processo cautelar identificado no ponto 7), que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi decidido “decretar-se a suspensão da eficácia do acto em causa, mediante a prestação de caução idónea para garantir e assegurar o bom pagamento da quantia que a entidade requerida exige reposição (€ 122.588,69)” – cfr. doc. nº ... junto com a p.i.;
10) Por sentença proferida em 30/01/2009, no processo identificado em 8), foi deferida a prestação espontânea de caução e em consequência suspendida a eficácia do acto identificado no ponto 5) antecedente – cfr. doc. nº ... junto com a p.i.;
11) Em execução da sentença proferida nos autos cautelares mencionados no ponto anterior, foi elaborado pela CGA despacho, em 19/03/2009, com o seguinte teor: “(...)
      [Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 198-201 do PA apenso;
12) Em 28/10/2011 foi proferido, no processo identificado no ponto 6) que antecede, acórdão, julgando a acção administrativa especial parcialmente procedente e determinando que a alteração da aposentação do A. tivesse efeitos apenas para o futuro, anulando a decisão da CGA quanto à dedução no valor da pensão desde a data em que foi concedida em 04/06/2001 e à ordem de reposição da quantia de 122.588,69 € - cfr. doc. nº ... junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
13) Por aresto prolatado pelo TCA Norte, em 04/12/2015, em sede do recurso interposto pela CGA do acórdão do TAF de Viseu, foi confirmada a decisão mencionada no ponto anterior – doc. nº ... junto com a p.i.;
14) Apresentado, pela CGA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte mencionado no ponto anterior, por acórdão de 15/06/2016 do STA foi decidido não admitir a revista – cfr. doc. nº ... junto com a p.i.;
15) Com data de 28/06/2016 foi elaborado pela CGA o parecer nº 69/2016, relativo à execução do acórdão identificado no ponto 12), que antecede, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte: “(...)
Em 28 de Outubro de 2011 foi proferido por aquele Tribunal Acórdão a considerar procedente o pedido de não devolução da quantia de € 122.588,69, indevidamente paga ao autor, por considerar ser ilegal o pedido de reposição da aludida importância desde a data em que a pensão foi concedida (em 4 de Junho de 2001).
Todavia, terá considerado que a pena de aposentação compulsiva terá de ser aplicada – não retroactivamente – mas para o futuro, tal como resulta até da lei invocada pela Entidade demandada, em que (...), retorquiu o Tribunal.
Posteriormente, não comungando do mesmo entendimento, a Caixa, em 10 de Maio de 2012, interpôs, com efeito suspensivo, para o Tribunal Central Administrativo Norte, recurso jurisdicional, quanto à vertente que lhe foi desfavorável (não reposição dos valores pagos indevidamente), tal como o autor terá interposto recurso subordinado, quanto à vertente que não mereceu provimento, aos quais, por Acórdão de 4 de Dezembro de 2015, foi negado provimento, confirmando o Acórdão recorrido.
A Caixa não se conformando com o teor do aludido Acórdão do TCA Norte, em 12 de Janeiro de 2016, interpôs recurso de revista, com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal Administrativo, com os fundamentos aduzidos em anteriores articulados.
Todavia, em 15 de Junho de 2016, o STA proferiu Acórdão a negar provimento ao recurso da Caixa, mantendo os Acórdãos recorridos, quer no segmento favorável ao autor quer no favorável à Caixa.
Assim, a Caixa deverá abster-se de reivindicar a quantia de € 122.588,69, correspondente às pensões pagas até à data em que houve lugar à rectificação da pensão por motivo da aplicação de pena de aposentação compulsiva por despacho do Conselho Superior do Ministério Público de 14 de Junho de 2000, data anterior à da incapacidade que lhe serviu de fundamento à atribuição da pensão que vinha percebendo por esta Caixa.
Todavia, por aplicação do artigo 80.º, n.º 2, da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 32/2002), à Caixa é devido o pagamento das diferenças entre a pensão que foi calculada e deferida por despacho de 7 de Julho de 2008, da Direcção desta Caixa, ou seja, a que foi calculada em função da pena disciplinar que foi aplicada ao autor, na qual o cálculo da pensão levou apenas em consideração o tempo de serviço prestado até 14 de Junho de 2000,
data da decisão que lhe aplicou a pena disciplinar. (...)” – cfr. fls. 1149 e 1150 do PA apenso;
16) Sobre o parecer mencionado no ponto anterior foi exarado despacho de concordância da Direcção da CGA de 28/06/2016 – cfr. fls. 1147 do PA apenso;
17) Em 08/07/2016 foi proferido pela Direcção da CGA despacho de cujo teor consta o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” – cfr. fls. 1152 do PA apenso;
18) Através de ofício com a refª ...0, de 08/07/2016, foi comunicada ao ora A. a decisão mencionada no ponto antecedente – cfr. doc. nº ... junto com a p.i.;
19) Com data de 01/07/2017, foi remetido ao Autor o ofício com o assunto “Dívida à Caixa Geral de Aposentações”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte: “(...)
Face à alteração da sua situação perante a Caixa Geral de Aposentações, informo V. Exa. de que foi-lhe indevidamente pago o montante de € 166.793,08, a título de pensão de aposentação, nos meses de julho de 2008 a julho de 2016 (Vd. cópia anexa do ofício informativo da alteração, de 2016-07-08), acrescido dos respetivos juros moratórios, no valor de € 46.035,53, perfazendo uma dívida total de € 212.828,61.
Assim, solicito a V. Exa. se digne regularizar a dívida acima referenciada, junto da Caixa Geral de Aposentações, no prazo de 30 dias, contados da data de receção da presente notificação (...).
(...) Mais se informa de que será cativo um terço do líquido da pensão (€ 705,79), até que a importância em dívida se mostre regularizada. (...)” - cfr. doc. nº ... junto com a p.i..
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Não se conformando com a sentença, na parte em que o Tribunal a quo julgou procedente a ação interposta pelo A., no segmento em que não eram devidos juros de mora, a Demandada veio interpor recurso.
Na óptica do Recorrido, se existem dois segmentos do ato administrativo e se o primeiro segmento contém uma obrigação principal (reposição de montante de capital) e o segundo segmento contém uma obrigação acessória (pagamento de juros); se a anulação do primeiro segmento, determinada pelo Tribunal a quo, impõe, nos termos sentenciados, o apuramento ou liquidação da obrigação principal, o que significa que, enquanto não houver a prática de novo (renovado) ato, não há obrigação principal; temos então que não pode haver obrigação acessória, cuja existência (e conteúdo) daquela inelutavelmente depende.
Portanto, se a CGA não recorre da anulação da sentença quanto ao primeiro segmento do ato, que aceita, a mesma não tem legitimidade para recorrer da decisão apenas quanto ao segundo segmento do ato relativo à obrigação acessória, pois a anulação do ato quanto à obrigação principal está consolidada na ordem jurídica e não há ato que fixe a obrigação principal, pelo que inexiste também a obrigação acessória, que não pode vir isoladamente discutir-se neste recurso.
E continua, o recurso é inepto, na medida em que um recurso da sentença quanto ao segundo segmento do ato implicaria o recurso da parte respeitante ao primeiro segmento do mesmo ato, que foi anulado (sempre pelos motivos materiais expostos).
Deste modo, deve o recurso da CGA ser rejeitado.
Não vemos que assim seja.
Conforme decorre da sentença a mesma conheceu separadamente da obrigação principal e da obrigação acessória, sendo as decisões distintas.
Ora, nos termos do disposto no nº 2 do artº 635º do CPC., aplicável ex vi artº 1º do CPTA, se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente, excluir do recurso qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.
Cotejando o recurso interposto verificamos, que a Recorrente delimitou claramente o recurso, à parte em que a sentença decidiu anular o ato no segmento respeitante ao pagamento dos juros de mora.
Só haveria ilegitimidade da Recorrente, para interpor recurso, se a decisão recorrida, não se refletisse na sua esfera jurídica. Acontece, porém, que a Recorrente ficou prejudicada pela decisão.
Assim, sendo a Recorrente, parte principal na causa e tendo ficado vencida neste enquadramento da sentença, tem legitimidade para recorrer, nos termos do disposto no nº 1 do artº 631º do CPC.
Da ineptidão do recurso -
Invoca o Recorrido, que o recurso é inepto na medida em que um recurso da sentença quanto ao segundo segmento do ato implicaria o recurso da parte respeitante ao primeiro segmento do mesmo ato, que foi anulado (sempre pelos motivos materiais expostos) e, deste modo, deve sempre o presente recurso da CGA ser pura e simplesmente rejeitado.
Também aqui não lhe assiste razão, uma vez que o facto de a Recorrente não ter interposto recurso da anulação do acto impugnado (de 01/07/2017), no segmento em que ordena a restituição, pelo Autor, do montante de 166.793,08 € a título de pensão de aposentação abonada nos meses de julho de 2008 a julho de 2016, condenando-se, nesta parte, a ED a reconstituir o procedimento, expurgado dos vícios supra enunciados, quando muito interferiria na improcedência do recurso, mas não constitui qualquer ineptidão.
Por outro lado, os recursos só podem ser rejeitados nos termos do estatuído no artº 630º do CPC, ou nos termos do previsto no nº 3 do artº 639º do mesmo Diploma.
Não se verificando qualquer dos referidos circunstancialismos, não há lugar à rejeição do recurso.
Termos em que se desatende esta argumentação.
E o que dizer do mérito do recurso?
A este nível, cremos que carece de razão a Recorrente.
Vejamos,
Alega a Recorrente que os juros moratórios são exigíveis nos termos do art. 38.°, n.° 4 do DL n.° 155/92, de 28/07, e dos arts. 804.° e ss. do CC, que a obrigação tem prazo certo e tem por fundamento um ato ilícito (art. 805.°, n.° 2, als. a) e b) do CC), pois foi fixada uma pensão por um valor superior ao que o Recorrido teria direito, por facto não imputável à CGA, na medida em que o CSMP/PGR não comunicou, como deveria, que ao A. havia sido aplicada pena disciplinar de aposentação compulsiva.
Em primeiro lugar, o que está em causa é uma obrigação de reposição, a qual foi ordenada pelo ato administrativo datado de 01/07/2017, ou seja, a obrigação surgiu com este ato administrativo, antes do qual não havia ordem de reposição e, assim, não havia obrigação.
Se antes de 01/07/2017 não havia ordem de reposição e, portanto, não existia a obrigação, não podia o Recorrido constituir-se em mora antes dessa data, reportada ao período de 07/07/2008 a 30/07/2016. Dito de outro modo, o ato de 07/07/2008 não contém qualquer ordem de reposição do montante de € 166.793,08 em causa nos autos, que é fixado no ato de 01/07/2017.
E mais: uma vez que o ato de 01/07/2017 foi anulado pelo Tribunal a quo, também, no segmento em que ordena a reposição do montante de € 166.793,08, por vícios de omissão de audiência prévia e de falta de fundamentação decorrente de não exteriorizar os cálculos ou operações aritméticas que permitiram alcançar aquele valor (segmento expressamente aceite pela Recorrente), a obrigação de reposição não é, ainda hoje, líquida, e só o será após a reconstituição do procedimento expurgado dos vícios, alcançando-se assim (validamente) o montante a repor. E esta falta de liquidez não é imputável ao Recorrido, que não é responsável pelas ilegalidades de que enfermou o ato administrativo de reposição.
Inexiste mora, desde logo face à falta de liquidez da obrigação (cfr. art. 805.°, n.° 3, 1.ª parte do CC).
Em suma,
Invoca a Recorrente, que a sentença errou ao anular a decisão no segmento em que decidiu não haver lugar ao pagamento de juros por parte do A., por o mesmo não se ter constituído em mora, e consequentemente ter anulado o ato, na parte em que se determinava o pagamento da quantia de 46.035,53 €.
Invoca, em primeiro lugar que existe o retardamento na prestação da devolução do montante indevidamente pago, prestação esta que era exigível.
Acontece, porém, que tendo sido anulado o acto impugnado (de 01/07/2017), no segmento em que ordena a restituição, pelo Autor, do montante de 166.793,08 € a título de pensão de aposentação abonada nos meses de julho de 2008 a julho de 2016, e tendo a Recorrente sido condenada a reconstituir o procedimento, expurgado dos vícios supra enunciados, por o interessado não ter tido oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação e concretos montantes que a Administração lhe está a exigir, a obrigação não é líquida, e assim sendo, não podia o Recorrido ser condenado no pagamento de juros.
Ora a falta de liquidez da dívida resulta do facto de a Recorrente, não ter dado oportunidade ao Recorrido de se pronunciar quanto ao montante em dívida, e de não ter apresentado o cálculo da referida dívida. Daqui decorre que a falta de liquidez da dívida não é imputável ao Recorrido, e como tal não é aplicável o disposto no nº 3 do art. 805º do C.Civil.
Não tendo a Recorrente interposto recurso deste segmento da sentença, e tendo assim aceite que o montante não é líquido, não pode em sede de recurso, vir invocar que a obrigação é líquida. E, não sendo líquida a obrigação não se constitui o devedor em mora, nos termos do estatuído no nº 3 do art. 805º do Cód. Civil.
Invoca, igualmente a Recorrente, que a dívida resulta de ato ilícito, na medida em que o CSMP/PGR não comunicou, como deveria, um facto da maior relevância para o processo de aposentação.
Ora, nos presentes autos, não foi discutida a licitude ou ilicitude da actuação CSMP/PGR, mas ainda que se tivesse provado que tal omissão de comunicação era ilícita, tal ilicitude não era passível de ser imputada ao A., e assim sendo, a mesma não releva para o disposto na al. b) do nº 1 do artº 805º do CC.
Por outras palavras, não tendo o Autor praticado qualquer ato ilícito, não lhe pode ser imputada a culpa da atuação de terceiro, pelo que não pode ser sancionado através do pagamento de juros.
Ademais, não tendo a Recorrente interpelado o Autor, em data anterior a 1.07.2017, para proceder à reposição de quantia devida, e não se verificando as excepções supra referidas, previstas no artº 805º do Cód. Civil, bem decidiu a sentença ao anular a decisão, na parte em que foi anulado o acto administrativo em que se ordenava o pagamento de juros.
Depois e ainda a CGA reporta-se à culpa pela mora prescrita no art. 804.°, n.° 2 do CC para concluir que a pretensa mora não é imputável a si, imputando-a, uma vez mais, a terceiro - ao CSMP/PGR - por não ter comunicado que ao A. havia sido aplicada pena disciplinar de aposentação compulsiva.
Ora, se a CGA reconhece expressamente que a causa da pretensa mora não é imputável ao Autor, então, não há constituição do mesmo em mora e na obrigação de reparar os danos dela decorrentes através do pagamento dos juros (art. 804.°, n.°s 1 e 2 do CC).
A Recorrente aduz ainda que o ato administrativo de 07/07/2008 que determinou a alteração das condições de aposentação do A. (alteração da condição de jubilado e da redução do montante da aposentação) esteve suspenso quanto aos seus efeitos desde que o Recorrido requereu a suspensão de eficácia junto do TAF-Viseu (processo n.° 1206/08.0BEVIS-A) até ao trânsito em julgado da decisão proferida na ação principal (processo n.° 1206/08.0BEVIS), sendo que a decisão definitiva desta ação em sentido desfavorável ao A. fez renascer todos os efeitos desse ato.
Sucede que, como é óbvio e a própria CGA o diz, se o ato não determinava a reposição dos montantes em causa nestes autos (repete-se, o ato determinou a alteração da condição de jubilado e da redução do montante da aposentação do Recorrido), dele não decorria qualquer obrigação pecuniária suscetível de gerar juros face à mora no cumprimento ou, por outras palavras, não tendo como efeito o pagamento de qualquer quantia pelo Recorrido, não podia ter como efeito o vencimento de juros de mora. Portanto, não pode retirar-se a posteriori um efeito do ato que o mesmo ostensivamente não tinha.
A obrigação de devolver os montantes de pensão abonados a mais nos meses de julho de 2008 a julho de 2016 apenas se constituiu com a prática do ato de 01/07/2017 - e, reitera-se, a obrigação nem sequer é líquida, por força das ilegalidades que ditaram a anulação parcial do ato no segmento em que determina a reposição dos montantes recebidos a mais, aceite expressamente pela CGA.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 02/02/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita